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Crime de perigo de contágio de moléstia grave e crime de perigo para a vida ou saúde de outrem

07/04/2020 às 11:10
Leia nesta página:

Comentam-se os principais aspectos relacionados à tipificação dos crimes de perigo envolvendo o contágio de moléstia grave e o crime de perigo para a vida ou saúde de outrem.

Observe-se a redação do artigo 131 do Código Penal:

Art. 131 - Praticar, com o fim de transmitir a outrem moléstia grave de que está contaminado, ato capaz de produzir o contágio:

Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.

É importante, nessa oportunidade, o estudo dessa conduta delituosa, uma vez que estamos diante de grave pandemia que envolve o covid-19 que, alastrando-se pela sociedade, de forma cruel, vem trazendo óbitos.

Não se trata de mera gripe, mas de uma doença grave e transmissível.

Daí porque os cuidados que os infectados devem ter de não transmiti-lo a terceiros.

Trata-se de crime formal e de dano, com dolo de dano.

O agente pratica ato capaz de produzir o contágio de moléstia grave da qual é portador, com o claro objetivo de transmitir o mal a outrem, portanto, causando-lhe dano à saúde – o que é uma lesão corporal.

Trata-se de crime de perigo, de forma que no caso de haver o ato capaz de produzir o contágio, com a intenção do autor de que a moléstia se transmita, mas não ocorra a devida contração da enfermidade, o delito está consumado do mesmo modo. Nesse caso, houve o perigo de contágio desejado pelo agente, mas não atingido.

O interesse do agente é transmitir a doença, mas ele será punido, do mesmo modo e com a mesma pena, pela simples exposição da vítima ao perigo de contrair o mal. Essa situação, acentue-se, não ocorre com a tentativa de lesão corporal.

O sujeito ativo é a pessoa que está contaminada por moléstia grave contagiosa, enquanto o sujeito passivo pode ser qualquer pessoa, mesmo aquela que já está enferma, visto que a transmissão de outra doença pode agravar-lhe a perturbação da saúde.

O dolo é o específico. Há uma especial vontade do agente estampada no tipo penal exposto na lei.

A moléstia terá que ser grave.

Para Heleno Cláudio Fragoso (Lições de direito penal, Parte Especial,  7ª edição, pág. 147), se a moléstia grave vem, efetivamente, a transmitir-se haverá apenas o crime de lesão corporal, aplicando-se as regras do concurso aparente de normas, em que o crime de perigo fica excluído (subsidiariedade).

Se, porém, da moléstia sobrevier a morte, tem-se a lesão corporal seguida de morte (artigo 129, § 3º), desde que não tenha havido por parte do agente o animus necandi, pois, nesse último caso, o crime será o de homicídio.

Haverá um crime impossível se o agente não está contaminado.

Caso o agente deseje, ou assuma o risco de provocar epidemia, ocorre concurso formal com o crime do artigo 267 ou o descrito no artigo 268.

Ora, a covid-19 é uma doença grave.

Na matéria, observe-se o site do OPAS Brasil:

  • A Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou, em 30 de janeiro de 2020, que o surto da doença causada pelo novo coronavírus (COVID-19) constitui uma Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional – o mais alto nível de alerta da Organização, conforme previsto no Regulamento Sanitário Internacional. Em 11 de março de 2020, a COVID-19 foi caracterizada pela OMS como uma pandemia.
  • Foram confirmados no mundo 896.450 casos de COVID-19 (72.839 novos em relação ao dia anterior) e 45.526 mortes (4.924 novas em relação ao dia anterior) até 2 de abril de 2020.
  • O Brasil confirmou 7.910 casos e 299 mortes até a tarde do dia 2 de abril de 2020. O Ministério da Saúde do país declarou que há transmissão comunitária da COVID-19 em todo o território nacional.
  • Quando uma pessoa no Brasil apresentar sintomas respiratórios – febre, tosse, dor de garganta ou dificuldade para respirar – a(o) médica(o) vai prescrever o isolamento e emitir o atestado para o doente e todas as pessoas que residem no mesmo domicílio (mesmo que não apresentem sintomas) por 14 dias, conforme a Portaria Nº 356 de 11 de março de 2020.
  • A OPAS e a OMS estão prestando apoio técnico ao Brasil e outros países, na preparação e resposta ao surto de COVID-19.
  • As medidas de proteção são as mesmas utilizadas para prevenir doenças respiratórias, como: se uma pessoa tiver febre, tosse e dificuldade de respirar, deve procurar atendimento médico assim que possível e compartilhar o histórico de viagens com o profissional de saúde; lavar as mãos com água e sabão ou com desinfetantes para mãos à base de álcool; ao tossir ou espirrar, cobrir a boca e o nariz com o cotovelo flexionado ou com um lenço – em seguida, jogar fora o lenço e higienizar as mãos.
  • Os coronavírus são a segunda principal causa do resfriado comum (após rinovírus) e, até as últimas décadas, raramente causavam doenças mais graves em humanos do que o resfriado comum.
  • Há sete coronavírus humanos (HCoVs) conhecidos, entre eles o SARS-COV (que causa síndrome respiratória aguda grave), o MERS-COV (síndrome respiratória do Oriente Médio) e o SARS-CoV-2 (vírus que causa a doença COVID-19).

O crime configura-se até no ato de tossir diante de pessoa saudável. Aí cabe a hipótese de dolo eventual.

Trata-se, pois, de crime formal, comissivo e anda comissivo por omissão, cuja conduta envolvendo o contágio se dá de maneira instantânea.

E crime de ação penal pública incondicionada.

Mas, ainda há um tipo genérico para o caso, previsto no artigo 132 do CP:

Art. 132 - Expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente:

Pena - detenção, de três meses a um ano, se o fato não constitui crime mais grave.

Parágrafo único. A pena é aumentada de um sexto a um terço se a exposição da vida ou da saúde de outrem a perigo decorre do transporte de pessoas para a prestação de serviços em estabelecimentos de qualquer natureza, em desacordo com as normas legais. (Incluído pela Lei nº 9.777, de 1998)

Esse tipo é válido para todas as formas de exposição da vida ou de terceiros a risco de dano, necessitando da prova da existência do perigo, para configurar-se.

O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa e o sujeito passivo deve ser pessoa certa.

O crime exige dolo de perigo.

O risco de dano há de ser palpável e voltado a pessoa determinada. A conduta, como explicou Guilherme de Souza Nucci(Código pena comentado, 8ª edição, pág. 632), exige, para configurar este delito, a inserção de uma vítima certa numa situação de risco real – e não presumido – experimentando uma circunstância muito próxima ao dano. Há um perigo concreto. O dano é iminente, mas o perigo é atual.

Como tal, trata-se de crime de perigo concreto (delito que exige prova de existência do perigo gerado para a vítima) e exige a forma comissiva.

Quanto à questão do transporte público, que envolve a edição da Lei 9.777, de 29 de dezembro de 1998, a questão envolve os proprietários de veículos que promovem o transporte de trabalhadores sem lhes garantir a necessária segurança.

Trata-se de crime de menor potencial ofensivo, caso não constitua crime mais grave. Ora, trata-se de crime subsidiário, pois somente será utilizado quando outro mais grave deixa de se concretizar. Assim, se houver tentativa de homicídio, aplicam-se as regras atinentes a esse crime contra a vida.

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. Crime de perigo de contágio de moléstia grave e crime de perigo para a vida ou saúde de outrem. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6124, 7 abr. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/80862. Acesso em: 22 dez. 2024.

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