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A boa-fé objetiva aplicada ao duty to mitigate the loss:

humanizando o direito privado

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09/04/2020 às 09:00
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3. Análise de jurisprudência

No Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, a primeira decisão que aplicou o duty to mitigate the loss foi proferida em 2006, em um acórdão que deu parcial provimento ao recurso de apelação interposto no bojo de uma ação de resolução de compromisso de compra e venda cumulada com reintegração de posse. Confira-se a ementa do julgado:

“COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA – Resolução do contrato - Purgação da mora feita no prazo de contestação - Anteriores propostas de acordo sem resposta da promitente vendedora - Utilidade da prestação paga após decurso do prazo de notificação - Princípio da função social e conservação dos contratos - Ação improcedente - Recurso parcialmente provido, para o fim de isentar a autora do pagamento de verba honorária.

(Relator(a): Francisco Loureiro; Comarca: Comarca não informada; Órgão julgador: 4ª Câmara de Direito Privado; Data de registro: 15/04/2006; Outros números: 3306284200)”

Na casuística analisada, a ré havia quitado a dívida inadimplida durante o prazo de contestação, sem impugnação da autora quanto ao valor depositado. Entendeu-se que a mora só não havia sido purgada antes por conta de dificuldades que a própria parte autora teria criado, uma vez que se recusara a manifestar-se sobre as propostas de parcelamento do débito ofertadas pela ré. Assim, ante o depósito em juízo do valor da dívida pela ré, a sentença de primeiro grau julgou improcedente a demanda e condenou a autora ao pagamento dos honorários advocatícios. Inconformada, recorreu a demandante sob o argumento de que não cabia mais purgação da mora, porque decorrido o prazo da notificação premonitória. Impugnou, também, a condenação ao pagamento dos honorários.

O acórdão deu parcial provimento ao recurso, modificando a sentença apenas em relação à condenação aos honorários. Entenderam os julgadores que estes eram devidos pela ré por ter descumprido o contrato inicialmente e, em consequência disso, dado causa ao ajuizamento da ação.

Quanto ao inadimplemento contratual da ré, os julgadores aplicaram a “teoria da mitigação” ou “doctrine of mitigation” (sic), e entenderam que era dever da autora, na posição de credora, colaborar para que o dano decorrente do inadimplemento da ré não se agravasse. Desta forma, não teria observado esse dever o comportamento da autora de esquivar-se das soluções extrajudiciais ofertadas pela ré, na medida em que o recebimento das parcelas não pagas, devidamente atualizadas, deveria ser-lhe mais interessante do que a retomada do imóvel e resolução do contrato com devolução dos valores já pagos.

Referida decisão foi proferida sem a influência do Enunciado 169 da III Jornada de Direito Civil. Sequer houve menção ao princípio da boa-fé objetiva para justificar a incidência do instituto, e a teoria foi explicada nos seguintes termos:

“Aplica-se então a teoria da mitigação (doctrine of mitigation) segundo a qual o credor deve colaborar, apesar da inexecução do contrato, para que não se agrave, por sua ação, o resultado danoso (Ruy i Rosado de Aguiar Jr., op. cit., p. 136).”

Em 2004, no Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, proferiu-se um acórdão que, provavelmente, foi a primeira decisão a aplicar o dever de mitigar no Brasil:

“CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA. RESPONSABILIDADE DO PROMISSÁRIO-COMPRADOR INADIMPLENTE. APELAÇÃO PROVIDA EM PARTE. A promitente-vendedora tem também o dever de evitar o agravamento do dano causado pelo inadimplemento e procurar recuperar a posse da unidade, abandonada pelo promissário-comprador, o mais rápido possível. Assim não procedendo, o inadimplente não responde pelo pagamento dos meses correspondentes à inércia da compromitente. Apelação provida em parte.

(TJPR - 6ª Câmara Cível - AC - 158909-7 - Curitiba - Rel.: Albino Jacomel Guerios - Unânime -  - J. 23.08.2004)”

O caso era uma ação de rescisão de contrato cumulada com pedido de indenização, em que o promissário comprador de um imóvel, réu na demanda, havia deixado de efetuar o pagamento das parcelas contratuais, despesas condominiais e IPTU a partir de maio de 1994, tendo permanecido inadimplente mesmo após ser notificado em 1998. Na espécie, o réu já havia abandonado a posse do imóvel quando da propositura da demanda e a sentença de primeiro grau julgou procedente em parte o pedido para condená-lo ao pagamento de indenização pela fruição do imóvel até dezembro de 1999, data em que entendeu-se ter ocorrido o abandono da res. A parte autora, promissária vendedora, interpôs recurso de apelação sob o argumento de que não sabia ao certo o momento em que o réu deixou o imóvel, de sorte que a data da prolação da sentença (abril de 2003) deveria ser usada como termo ad quem da indenização, por ter sido neste momento em que o negócio fora desfeito com determinação de reintegração da proprietária na posse do imóvel.

No acórdão que julgou o recurso, afirmaram os magistrados que “embora o contratante inadimplente cause danos com o seu comportamento, a contraparte também tem deveres, mesmo sendo vítima de um ato ilícito. Ela não pode concorrer para o agravamento dos prejuízos; tão logo se inteire do ocorrido, deve, embora sem esforços excepcionais, procurar evitar ao máximo outras repercussões danosas, adotar prontamente as medidas necessárias à proteção dos seus interesses”. Adiante, explicaram os julgadores o duty to mitigate the loss, que chamaram de “doctrine of mitigation”. Referido instituto fora relacionado ao princípio da boa-fé objetiva, tendo os julgadores fundamentado sua decisão também em noções de culpa concorrente e causalidade cumulativa, aproximando-se mais da doutrina estrangeira, que afirma serem tais institutos a verdadeira razão de ser do dever de mitigar a perda. Observe-se:

“A doctrine of mitigation recomenda que o lesado (credor, autor da ação de resolução) deve comportar-se de modo a mitigar os danos, mantendo-se nos limites imediatamente decorrentes da existência do ato ilícito. O princípio da boa-fé objetiva impõe ao lesado o dever de diligência para circunscrever o prejuízo e impedir a sua eventual expansão. [...] se o credor demora em pedir a resolução, o dano daí decorrente não se inclui na indenização. Mas não é exigível do lesado atividade gravosa ou extraordinária para conter os efeitos ou impedir seu agravamento.

Se a vítima concorrer para o aumento dos prejuízos, o que muitas vezes implica em verdadeira concausa, responderá por seu ato.

Ao lado do fundamento da boa-fé objetiva, um dos requisitos da própria responsabilidade civil, o nexo de causa e efeito, bastaria para justificar a imputação do agravamento à própria vítima, ao menos nas relações de consumo: a mesma razão que preside a culpa concorrente ou exclusiva da vítima na definição do dever de indenizar está presente no agravamento do dano. [...] também aqui há um dever de abstenção ou de agir, conforme o caso, para que os danos não desbordem de uma ordem natural atrelada à respectiva causa originária, imputável ao ofensor. [...] e também aqui há o mecanismo do nexo de causa e efeito: causalidade cumulativa, que ocorre quando cada um dos vários responsáveis agiu independentemente e causou (em termos de causalidade adequada) uma parte delimitada do dano total.”  (g.n.)

Entenderam os julgadores que era dever da apelante, promitente vendedora, verificar se o imóvel permanecia ocupado pelo promissário comprador tão logo este se tornou inadimplente, bem como propor a ação de rescisão do contrato o quanto antes, a fim de evitar o agravamento do dano causado pelo inadimplemento. Assim, concluíram que a apelante havia concorrido para a não fruição do imóvel por mais tempo, uma vez que, caso houvesse proposto a ação antes, teria recuperado a posse do imóvel em momento anterior. Assentaram os magistrados que o termo ad quem da indenização deveria ser, a princípio, a data em que a promitente vendedora conseguiu retomar o imóvel e alugá-lo (fevereiro de 2014). No entanto, decidiram que a demora deveria ser debitada à apelante, pelo que excluíram da indenização o período de um ano de privação do uso, fixando fevereiro de 2013 como termo final da indenização.

Inconformada com a decisão, a promitente vendedora interpôs recurso especial ao Superior Tribunal de Justiça, cujo julgamento gerou o acórdão responsável por dar notoriedade, em âmbito nacional, ao instituto do duty to mitigate the loss. Referido acórdão, datado de 2010, passou a servir de precedente para inúmeros tribunais estaduais e para a própria Corte da Cidadania, que o menciona em quase todas as decisões que tratam do assunto, com raras exceções.

A recorrente foi ao guardião da legislação federal alegando violação dos artigos 392 do Código Civil e 53, §2º do Código de Defesa do Consumidor, sob o argumento de que a demora na propositura da ação jamais poderia acarretar penalidade para o vendedor. O acórdão, que negou provimento ao recurso, foi assim ementado:

“DIREITO CIVIL. CONTRATOS. BOA-FÉ OBJETIVA. STANDARD ÉTICO-JURÍDICO.

OBSERVÂNCIA PELAS PARTES CONTRATANTES. DEVERES ANEXOS. DUTY TO MITIGATE THE LOSS. DEVER DE MITIGAR O PRÓPRIO PREJUÍZO. INÉRCIA DO CREDOR. AGRAVAMENTO DO DANO. INADIMPLEMENTO CONTRATUAL. RECURSO IMPROVIDO.

1. Boa-fé objetiva. Standard ético-jurídico. Observância pelos contratantes em todas as fases. Condutas pautadas pela probidade, cooperação e lealdade.

2. Relações obrigacionais. Atuação das partes. Preservação dos direitos dos contratantes na consecução dos fins. Impossibilidade de violação aos preceitos éticos insertos no ordenamento jurídico.

3. Preceito decorrente da boa-fé objetiva. Duty to mitigate the loss: o dever de mitigar o próprio prejuízo. Os contratantes devem tomar as medidas necessárias e possíveis para que o dano não seja agravado. A parte a que a perda aproveita não pode permanecer deliberadamente inerte diante do dano. Agravamento do prejuízo, em razão da inércia do credor.  Infringência aos deveres de cooperação e lealdade.

4. Lição da doutrinadora Véra Maria Jacob de Fradera. Descuido com o dever de mitigar o prejuízo sofrido. O fato de ter deixado o devedor na posse do imóvel por quase 7 (sete) anos, sem que este cumprisse com o seu dever contratual (pagamento das prestações relativas ao contrato de compra e venda), evidencia a ausência de zelo com o patrimônio do credor, com o consequente agravamento significativo das perdas, uma vez que a realização mais célere dos atos de defesa possessória diminuiria a extensão do dano.

5. Violação ao princípio da boa-fé objetiva. Caracterização de inadimplemento contratual a justificar a penalidade imposta pela Corte originária, (exclusão de um ano de ressarcimento).

6. Recurso improvido.

(REsp 758.518/PR, Rel. Ministro VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS), TERCEIRA TURMA, julgado em 17/06/2010, REPDJe 01/07/2010, DJe 28/06/2010)”

O voto do ministro Vasco Della Giustina faz menção expressa ao enunciado 169, como também coloca a boa-fé objetiva e seus deveres anexos como fundamento principal do duty to mitigate the loss. O julgador faz uma análise do instituto para justificar a manutenção da decisão do Juízo a quo, explicando que

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“[...] a parte a que a perda aproveita não pode permanecer deliberadamente inerte diante do dano, pois a sua inércia imporá gravame desnecessário e evitável ao patrimônio da outra, circunstância que infringe os deveres de cooperação e lealdade.”

Também discorre o ministro sobre a ligação que o direito privado passou a ter com a atual Constituição Federal, sustentando que “a boa-fé objetiva constitui a efetivação da proteção da dignidade da pessoa humana nas relações obrigacionais, pois circunscreve os limites éticos das relações patrimoniais entre os contratantes”.

O julgamento deste caso quebrou o paradigma da subsunção, implícito na tentativa da recorrente de obter uma interpretação literal e exclusiva da lei. Ocorre que, com a teoria tridimensional de Miguel Reale, não mais se admite que o Direito seja resumido à letra fria de dispositivos normativos. Há que se adequar o fato não apenas à norma aplicável, mas também aos valores éticos e morais da sociedade que são, muitas vezes, reproduzidos na forma de princípios.

Em 2012, o Tribunal de Justiça de São Paulo aplicou a teoria do duty to mitigate the loss no julgamento de uma apelação interposta no âmbito de uma ação declaratória de inexistência de débito cumulada com obrigação de fazer e indenização por danos morais.

Naquela demanda, o consumidor havia aberto conta corrente no banco-réu, mas raramente movimentava a conta, motivo por que teria solicitado verbalmente o seu cancelamento. Não obstante, o banco continuou cobrando tarifas de manutenção e outros encargos, alegando que não era possível o encerramento do modo utilizado pelo autor. Ainda, em razão dos débitos lançados pelo banco, o nome do consumidor fora inscrito em órgãos de restrição ao crédito.

A sentença de primeiro grau julgou procedentes os pedidos formulados para declarar a inexistência do débito, determinar o encerramento da conta e condenar o banco ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 2.000,00. O banco recorreu à 2ª instância sustentando a legalidade das tarifas e encargos cobrados em razão da manutenção da conta e alegando que a solicitação verbal de cancelamento não era suficiente, pois era necessário que a mesma fosse formulada por escrito. A Corte Bandeirante negou provimento ao recurso, pois reconheceu violação da boa-fé objetiva pelo banco:

“DANO MATERIAL  Conta corrente  Comunicação verbal do encerramento pelo correntista  Inexistência de qualquer movimentação financeira na conta pelo autor – Lançamento de tarifas, encargos e tributos na conta inativa por mais de dois anos  Ilegitimidade da cobrança dos encargos por serviços não prestados  Violação do princípio da boa-fé objetiva (art. 4º, III, do CDC) e do dever anexo de cooperação no adimplemento do contrato (dever de mitigar a perda ou "duty to mitigate the loss")  Reconhecimento da inexigibilidade do débito.  Sentença mantida Apelação da casa bancária não provida.

Dispositivo: Não provimento.

(Relator(a): Ricardo Negrão; Comarca: São Bernardo do Campo; Órgão julgador: 19ª Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 06/08/2012; Data de registro: 15/08/2012) (g.n.)”

Os julgadores fundamentaram a decisão afirmando abuso de direito por parte do banco e, também, descumprimento do dever de cooperação anexo à boa-fé objetiva, que entenderam ser definido como o dever de mitigar (interpretação peculiar, considerando-se que a doutrina costuma colocar o dever de mitigar como decorrência do dever de cooperação, e não um como definição do outro).

Interessante notar, ainda, a aproximação firmada entre os institutos do abuso de direito e do duty to mitigate the loss, o que legitima a opinião daqueles que afirmam ser a vedação ao abuso de direito um dos fundamentos do dever de mitigar a perda:

“Se por um lado a correntista se descurou do cuidado de solicitar formalmente (leia-se: “por escrito”) o encerramento da conta, a instituição financeira agiu com abuso de direito, gerando um ilícito que trouxe prejuízos ao consumidor.

 Regem-se as relações de consumo pelo princípio da boa-fé objetiva (art. 4º, III, do CDC), pela qual o fornecedor tem obrigação de cooperar com o consumidor no adimplemento do contrato em observância à eticidade que deve reinar nas relações jurídicas. Trata-se do dever de mitigar a perda ou ‘duty to mitigate the loss’, consagrado no Enunciado n. 169 da III Jornada de Direito Civil [...]”

No caso em análise, afiguram-se questionáveis a pertinência e a necessidade de utilização do instituto do duty to mitigate the loss. Ora, o cenário era de cobrança indevida por serviços que não foram utilizados, de modo que não parece ter havido prejuízo a ser mitigado pelo banco (pois sequer houve dano causado pelo consumidor). Contudo, em homenagem à liberdade hermenêutica do Direito, não faz mal considerar referido julgado na análise de como tem sido a compreensão jurisprudencial do dever de mitigar a perda.

Outro caso de aplicação do instituto pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, datado de agosto de 2016, ocorreu no julgamento de apelação interposta em uma ação de indenização por danos materiais e morais cuja lide girava em torno do descumprimento do prazo de entrega do imóvel objeto do compromisso de compra e venda celebrado entre as partes.

Na espécie, a entrega do imóvel ao promitente comprador ocorreu cerca de dez meses após o término do prazo contratualmente ajustado para tanto. 

A sentença de primeiro grau condenou a promitente vendedora e outra empresa que atuou no negócio ao pagamento de alugueis em valor correspondente a 0,5% do valor do imóvel, devidos pelo período compreendido entre a data em que o imóvel deveria ter sido entregue e a data em que a entrega efetivamente ocorreu. 

Inconformados, os promitentes compradores recorreram ao E. Tribunal de Justiça sustentando que o montante da indenização fixada deveria corresponder ao valor efetivamente gasto com aluguéis, no patamar aproximado de R$ 20.000,00.

O acórdão, que manteve o valor da condenação fixada na sentença de primeiro grau, recebeu a seguinte ementa:

“APELAÇÃO. COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA. IMÓVEL. ATRASO NA ENTREGA. SENTENÇA CITRA PETITA. Inocorrência. Acolhimento do pedido principal, ainda que parcialmente, que afasta a necessidade de análise do pedido subsidiário. CORRETORA DE IMÓVEIS. ILEGITIMIDADE AD CAUSAM. Corretora que é mera intermediadora, não podendo vir a ser responsabilidade por atraso a que não deu causa, ante a culpa exclusiva de terceiro. Ilegitimidade mantida. Precedentes desta E. Corte. CLÁUSULA DE TOLERÂNCIA.  Inocorrência de abusividade. O prazo de tolerância de 180 é válido, uma vez não ferir o sistema consumerista. Ciência prévia do consumidor. LUCROS CESSANTES. QUANTUM INDENIZATÓRIO. Parâmetro fixado pelo Juízo a quo em coerência com o quantum fixado por esta C. Câmara. Valores pretendidos pelos apelantes que violam a boa-fé objetiva. Dever de mitigação do prejuízo. DANOS MORAIS. Inocorrência. Mero inadimplemento que não enseja danos a direitos personalíssimos. HONORÁRIOS CONTRATUAIS. Possibilidade de cobrança. Inteligência dos arts. 389 e 404 do CC. Dever de reparação, sendo o valor da condenação limitado à tabela da OAB. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 

(Relator(a): Rosangela Telles; Comarca: Guarulhos; Órgão julgador: 2ª Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 24/08/2016; Data de registro: 24/08/2016) (g.n.)”

Os julgadores mantiveram o quantum indenizatório fixado na sentença por entenderem que os promitentes compradores descumpriram o dever de mitigar suas perdas ao alugar, no período de atraso, imóveis por alto valor, quando podiam ter procurado imóveis com aluguéis menores. Neste caso, o duty to mitigate the loss foi tratado como figura parcelar da boa-fé objetiva, in verbis:

“Há de se aplicar ao caso, entretanto, uma das frações parcelares da boa-fé objetiva, qual seja, o duty to mitigate the loss (dever de mitigação do prejuízo).

A boa-fé objetiva, vetor norteador das relações contratuais contemporâneas, vem a criar deveres anexos e acessórios a serem cumpridos pelos contratantes, preservando-se a ética e o equilíbrio do sinalagma.

(...)

Destarte, no caso concreto, verifica-se que a eleição por parte dos apelantes de habitação de alto padrão, cujos alugueres totalizam R$ 2.500,00, com o intento de que os ex adversos viriam a arcar com as despesas eleitas unilateralmente pelos recorrentes vem a violar a boa-fé objetiva, não merecendo guarida o quantum pretendido.”

À guisa de ilustração, menciona-se outro caso semelhante, mais recente, em que o instituto foi aplicado:

“APELAÇÃO. RESCISÃO DE COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA. INADIMPLEMENTO DO COMPRADOR. CESSÃO DA POSIÇÃO CONTRATUAL. Ineficácia. Ausência de consentimento da vendedora. Na cessão de contrato ou cessão da posição contratual, a anuência do cedido (parte que permanece vinculada ao contrato-base) se opera no plano da eficácia do negócio jurídico. Assim, a ausência de aquiescência torna ineficaz a cessão em relação ao cedido. Contrato que veda expressamente a transferência dos direitos do comprador a terceiros, sob pena de ineficácia da alienação. RESPONSABILIDADE CIVIL. LUCROS CESSANTES. Ocorrência. Quantum indenizatório e período de cômputo minorados em razão da violação ao princípio da boa-fé objetiva, que impõe ao credor o dever de evitar o agravamento do próprio prejuízo. Credora que demorou cerca de dez anos para constituir o devedor em mora e mais dois anos para ajuizar a ação. Quantum debeatur arbitrado em 0,5% do valor do contrato ao mês, a contar do início do inadimplemento até a data da notificação extrajudicial que comunica a retirada do comprador do quadro de associados. Exceção à regra que se justifica diante da inércia da credora, que agiu em flagrante violação ao duty to mitigate the loss. DESPESAS DE CONDOMÍNIO. As despesas condominiais são exigíveis apenas de quem tem a posse direta do bem. Responsabilidade de terceiros pelo pagamento das verbas reconhecida em ação pretérita. Caberá ao apelante o pagamento das despesas de condomínio relativas ao imóvel, no período posterior à prolação da sentença no processo nº 0020501-71.2011.8.26.0007 até a efetiva desocupação. Sentença parcialmente reformada. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.  (TJSP; Apelação Cível 1014084-75.2017.8.26.0007; Relator (a): Rosangela Telles; Órgão Julgador: 2ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional VII - Itaquera - 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 22/07/2019; Data de Registro: 22/07/2019) (g.n.)”

Outro cenário em que o duty to mitigate the loss foi invocado foi o julgamento de uma apelação interposta em uma ação de cobrança de serviços educacionais proposta por uma instituição de ensino em face de um ex-aluno:

“Prestação de serviços educacionais. Prescrição ocorrente em relação a cinco mensalidades. Impossibilidade de cobrança das demais, por afronta à boa-fé objetiva (Código Civil, artigo 422). "Duty to mitigate the loss". Embargos monitórios procedentes. Apelo provido.

(Relator(a): Soares Levada; Comarca: Diadema; Órgão julgador: 34ª Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 16/08/2016; Data de registro: 16/08/2016) (g.n.)”

 Na espécie, o aluno havia abandonado o curso universitário, tendo sido reprovado por falta em seis das sete matérias de sua grade curricular. A alegação da instituição fora de que não havia desistência formalizada por parte de aluno; porém, os julgadores entenderam que, diante da não fruição efetiva dos serviços educacionais pelo aluno, era dever da parte credora resolver o contrato o quanto antes, a fim de diminuir o prejuízo. Confira-se:

“[...] e ainda que se tenha por provado que o aluno não formalizou sua desistência, e reformulando posicionamento anterior, caberia ao estabelecimento diminuir o prejuízo, a onerosidade a quem não se encontrava usufruindo efetivamente de serviço educacional algum, o que era de conhecimento compulsório do apelado. A esse preceito, “duty to mitigate the loss” no direito alienígena, corresponde o dever de lealdade contratual ínsito à boa-fé objetiva, expressamente prevista no artigo 422 do Código Civil: “Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.”

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Sobre o autor
Rodrigo Ribeiro Freitas

Advogado graduado em Direito pela Universidade São Judas Tadeu desde 2017

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FREITAS, Rodrigo Ribeiro. A boa-fé objetiva aplicada ao duty to mitigate the loss:: humanizando o direito privado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6126, 9 abr. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/80880. Acesso em: 2 nov. 2024.

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