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A boa-fé objetiva aplicada ao duty to mitigate the loss:

humanizando o direito privado

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09/04/2020 às 09:00
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Conclusão

Inicialmente, foi possível perceber a preocupação que o legislador do Código Civil teve em inserir os preceitos constitucionais nas normas de direito privado.

Assim, passou-se a atribuir maior relevância aos sujeitos da relação jurídica e menos ao patrimônio, de modo a constituir verdadeira despatrimonialização e, por conseguinte, humanização do Direito Civil. Neste cenário é que se transportou para o Brasil o instituto do duty to mitigate the loss, original da common law.

Conforme constatado, existem algumas distinções características entre o duty to mitigate the loss concebido no estrangeiro e o duty to mitigate the loss brasileiro – o que é compreensível, porquanto se trata da importação de um instituto originário do sistema common law por um país de sistema civil law. Grosso modo, a diferença entre um e outro é que, enquanto naquele o Direito nasce primordialmente da jurisprudência, neste, a fonte primária é a lei positivada.

Como fundamento para o dever de mitigar a perda no Brasil, foi eleita a cláusula geral da boa-fé objetiva, que, aliás, representa um grande marco de constitucionalização do Direito Civil, sendo responsável pela observância ao princípio da dignidade da pessoa humana nas relações jurídicas privadas. Desta forma, fez-se necessário analisar os contornos de tal princípio, especialmente no que concerne à responsabilidade civil decorrente da violação de seus preceitos. A inobservância da boa-fé objetiva constitui espécie de inadimplemento, chamado de violação positiva do contrato. A responsabilidade civil gerada é objetiva, independe do elemento da culpa, portanto.

Assim, porque concebido como decorrência da boa-fé objetiva, o duty to mitigate the loss deve ser observado sob pena de inadimplemento contratual e responsabilidade civil objetiva independentemente de elemento intencional. Ora, não age de boa-fé quem, podendo demandar imediatamente a parte inadimplente para exigir o quê de direito, deixa de fazê-lo e perde a oportunidade de reduzir a extensão de seus danos – conduta que consequentemente atingirá o devedor de forma a provocar menoscabo patrimonial maior do que o que efetivamente teria ocorrido se alguma providência a respeito da inadimplência tivesse sido tomada tão logo verificada a sua ocorrência.

Diante disso, o dever de mitigar a perda implica que, sempre que possível, as partes não usufruam da integralidade dos prazos prescricionais. Por força de ser a responsabilidade civil objetiva, irrelevante é a discussão sobre o credor ter permanecido inerte enquanto vislumbrava o agravamento de seus danos propositalmente ou não.

Uma análise jurisprudencial de alguns julgados do Tribunal de Justiça de São Paulo e do Superior Tribunal de Justiça permitiu concluir que o duty to mitigate the loss tem sido óbice à aplicação de mera subsunção nas decisões, exaltando uma interpretação teleológica do Código Civil em que se entende que a intenção do legislador era de que as normas constantes do instituto não fossem entendidas por elas mesmas, mas sofressem a incorporação de valores que são reproduzidos na forma de princípios. Outrossim, dos julgados extrai-se que o instituto vem sendo objeto de constante aprimoração por parte dos julgadores, de sorte que, sem sombra de dúvida, é capaz de expandir-se e alcançar contornos maiores na prática do Direito.


Referências

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VARELA, Antunes.  Direito das Obrigações. Rio de Janeiro: Forense, 1977


Notas

[1] REALE, Miguel. Discurso do Prof. Miguel Reale, Supervisor da “Comissão Revisora e Elaboradora do Código Civil”, 2003. Disponível em: <http://www.miguelreale.com.br>. Acesso em: 29 de jul. 2016.

[2] Idem. Espírito da nova lei civil, 2003. Disponível em: <http://www.miguelreale.com.br/artigos/espnlc.htm>. Acesso em: 19 de jul. 2016.

[3] Idem. A boa-fé no código civil, 2003. Disponível em: <http://www.miguelreale.com.br/artigos/boafe.htm>. Acesso em: 19 de jul. 2016.

[4] KELSEN, Hans; Teoria pura do Direito; Ed. Martins Fontes, 1985

[5] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro – vol.1. São Paulo: Editora Saraiva, 2010, p.43

[6] Apud HENTZ, André Soares. Os princípios da eticidade, da socialidade e da operabilidade no Código Civil de 2002. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1247, 30 nov. 2006. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/9221>. Acesso em: 2 ago. 2016.

[7] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro – vol.1. São Paulo: Editora Saraiva, 2010, p.43

[8] STOLZE, Pablo e PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil – Contratos. São Paulo: Editora Forense, 2010, p. 51.

[9] Vide artigo 805 do Código de Processo Civil.

[10] REALE, Miguel. Visão geral do projeto de código civil, 2003. Disponível em: <http://www.miguelreale.com.br/artigos/vgpcc.htm>. Acesso em: 22 de jul. 2016.

[11] REALE, Miguel. Visão geral do projeto de código civil, 2003. Disponível em: <http://www.miguelreale.com.br/artigos/vgpcc.htm>. Acesso em: 22 de jul. 2016.

[12] MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado. São Paulo, SP: Revista dos Tribunais, 1999, p. 285.

[13] Ibidem, p. 285.

[14] REALE, Miguel. A boa-fé no código civil, 2003. Disponível em:<http://www.miguelreale.com.br/artigos/boafe.htm>. Acesso em: 29 de jul. 2016.

[15] MARTINS-COSTA, Judith. op.cit., p. 286

[16] REALE, Miguel. A boa-fé no Código Civil, 2003. Disponível em: <http://www.miguelreale.com.br/artigos/boafe.htm>. Acesso em: 29 de ago. 2016.

[17] CORDEIRO, Antônio Manuel da Rocha e Menezes. Da boa-fé no direito civil. Coimbra: Almedina, 2001, p. 632.

[18] MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado. São Paulo, SP: Revista dos Tribunais, 1999, pp. 411 e 412.

[19] MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado. São Paulo, SP: Revista dos Tribunais, 1999, p. 411.

[20] Ibidem, p. 412.

[21] Ibidem, p. 427.

[22] MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado. São Paulo, SP: Revista dos Tribunais, 1999, p. 455

[23] CORDEIRO, Antônio Manuel da Rocha e Menezes. Da boa-fé no direito civil. Coimbra: Almedina, 2001, p. 661

[24] Art. 422: em virtude do princípio da boa-fé, positivado no art. 422 do novo Código Civil, a violação dos deveres anexos constitui espécie de inadimplemento, independentemente de culpa.

[25] 25 - Art. 422: o art. 422 do Código Civil não inviabiliza a aplicação pelo julgador do princípio da boa-fé nas fases pré-contratual e pós-contratual; 170 - Art. 422: A boa-fé objetiva deve ser observada pelas partes na fase de negociações preliminares e após a execução do contrato, quando tal exigência decorrer da natureza do contrato.

[26] Art. 422: a cláusula geral contida no art. 422 do novo Código Civil impõe ao juiz interpretar e, quando necessário, suprir e corrigir o contrato segundo a boa-fé objetiva, entendida como a exigência de comportamento leal dos contratantes.

[27] Art. 422: na interpretação da cláusula geral da boa-fé, deve-se levar em conta o sistema do Código Civil e as conexões sistemáticas com outros estatutos normativos e fatores metajurídicos.

[28] Vide artigos 4º, III e 51, IV do estatuto (lei 8078/1990).

[29] 168 - Art. 422: O princípio da boa-fé objetiva importa no reconhecimento de um direito a cumprir em favor do titular passivo da obrigação; 169 - Art. 422: O princípio da boa-fé objetiva deve levar o credor a evitar o agravamento do próprio prejuízo.

[30] Arts. 421, 422 e 475: O adimplemento substancial decorre dos princípios gerais contratuais, de modo a fazer preponderar a função social do contrato e o princípio da boa-fé objetiva, balizando a aplicação do art. 475.

[31] Art. 422: A vedação do comportamento contraditório (venire contra factum proprium) funda-se na proteção da confiança, tal como se extrai dos arts. 187 e 422 do Código Civil.

[32] CORDEIRO, Antônio Manuel da Rocha e Menezes. Da boa-fé no direito civil. Coimbra: Almedina, 2001, p. 742.

[33] Art. 422: Os princípios da probidade e da confiança são de ordem pública, sendo obrigação da parte lesada apenas demonstrar a existência da violação.

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[34] TJ/SP – AI n. 0201089-60.2012.8.26.0000, 27ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Campos Petroni, julgado em 24/09/13, v.u

[35] Por exemplo, Pablo Stolze.

[36] Por exemplo, Vera Maria Jacob de Fradera. 

[37] COMINO, Tomas Barros Martins. As desventuras do duty to mitigate the loss no Brasil: nascimento (e morte) de um brocardo. 2015. f. 07. Dissertação (Mestrado em Direito) – Escola de Direito de São Paulo, Fundação Getulio Vargas.

[38] Ibidem, f. 21

[39] “Its precise justification has never been adequately settled in English law, but it can either be expressed in terms of factual causation (the particular loss claimed was really caused by the claimant’s failure to mitigate and not by the antecedent breach of duty) or of legal causation, otherwise known as remoteness of damage (the defendant could not reasonably have expected to incur liability for something that the defendant [the plaintiff] could have prevented). ” (Tradução por Comino, T. B. M. 2015. ff. 21-22)

[40] GOETZ, Charles. J.; SCOTT, Robert. E. The Mitigation Principle: Toward a General Theory of Contractual Obligation. Virginia Law Review, 69, 1983, p. 967.

[41] “[t]he doctrine of avoidable consequences, which precludes an injured party from recovering damages for losses which he reasonably could have avoided, is the centerpiece of the mitigation principle”. (Tradução por Comino, T. B. M. 2015. f. 27)

[42] ADAR, Yehuda. Comparative Negligence and Mitigation of Damages: two sister-doctrines in seach of reunion.  31 Quinnipiac Law Review 78, 2013, p. 1.

[43] “Under comparative negligence, any loss that the victim could have avoided is apportioned between the victim and the tortfeasor. In contrast, under the doctrine of mitigation, a tort victim can never recover for any element of loss that could have been avoided. The apparent tension between these two loss allocation mechanisms was identified by the drafters of the Third Restatement of Torts on Apportionment of Damages, which proposed abolishing mitigation altogether and subsuming it under comparative negligence. ” (Tradução por Comino, T. B. M. 2015. f. 23)

[44] SCOTT, R. E., & KRAUS, J. Contract Law and Theory. Newark: LexisNexis, 2007, p. 113.

[45] VARELA, Antunes.  Direito das Obrigações. Rio de Janeiro: Forense, 1977, p. 257.

[46] COMINO, Tomas Barros Martins. As desventuras do duty to mitigate the loss no Brasil: nascimento (e morte) de um brocardo. 2015. f. 35. Dissertação (Mestrado em Direito) – Escola de Direito de São Paulo, Fundação Getulio Vargas apud GOMES, Orlando. Obrigações. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2009, p. 12.

[47] Ibidem, f. 35

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Sobre o autor
Rodrigo Ribeiro Freitas

Advogado graduado em Direito pela Universidade São Judas Tadeu desde 2017

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FREITAS, Rodrigo Ribeiro. A boa-fé objetiva aplicada ao duty to mitigate the loss:: humanizando o direito privado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6126, 9 abr. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/80880. Acesso em: 22 dez. 2024.

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