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Uma confissão de um crime de corrupção?

27/04/2020 às 13:30
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Ao anunciar sua saída do Ministério da Justiça Sergio Moro revelou que a única condição que impôs para aceitar o cargo era a garantia de pensão à sua família caso algo lhe acontecesse. Isso é possível?

I – O HISTÓRICO DA PENSÃO ESPECIAL

No Brasil foi concedido um prêmio aos campeões mundiais de futebol, fato questionado em ADI.

Realmente, há vinte e cinco leis posteriores à Constituição de 1988, prevendo o pagamento, sem previsão orçamentária, aos descentes de Tiradentes, aos sertanistas Cláudio e Orlando Villas-Boas, ao médium Chico Xavier e aos “ soldados da borracha”, que prestaram inestimáveis serviços a história do Brasil, que, realmente, se envolveram em fatos excepcionais, não reeditáveis.

O auxílio especial mensal aqui reportado foi destinado, apenas e tão-somente, aos ex-jogadores que, tendo integrado, como titulares ou reservas, nas seleções brasileiras, campeãs das Copas do Mundo de 1958, 1962 e 1970, estejam vivendo em dificuldade financeira.

 Prevê a mencionada Lei, nesse sentido, o pagamento mensal, pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, de um valor de complementação da renda mensal do favorecido, até que seja alcançado um teto máximo do salário do benefício do Regime Geral de Previdência Social, hoje fixado em R$4.390,24 (quatro mil, trezentos e noventa reais e vinte e quatro centavos). É previsto o pagamento de um prêmio em dinheiro aos jogadores titulares ou reservas das seleções brasileiras campeãs em 1958, 1962, 1970, pelo Ministério do Esporte, de uma única parcela no valor fixo de R$ 100.000,00 (cem mil reais).

 Quanto aos atletas já falecidos, o pagamento seria feito aos seus sucessores, previstos na Lei Civil. A renda mensal década um dos beneficiários, a ser apurada, para os efeitos previstos na Lei, consiste na fração de 1/12 (um doze avos) do valor total dos rendimentos informados na respectiva Declaração de Ajuste Anual do Imposto de Renda da Pessoa Física.

Também fazem jus à percepção do auxílio especial mensal, relativa aos ex-jogadores já falecidos, a esposa ou companheira, os filhos menores de 21 anos ou os que tiverem sido declarados inválidos antes de completar essa idade. Havendo mais de um familiar, o valor da complementação, a ser pago mediante rateio entre os beneficiários, basear-se-á na renda do núcleo familiar, não sendo permitido reverter aos demais “ a parte do dependente cujo direito ao auxílio cessar”. A Lei 12.663/2012 fixa o início da produção dos efeitos das regras ora detalhadas em 1º de janeiro de 2013 e exclui a incidência de contribuição previdenciária sobre os repasses, mas mantém a cobrança do imposto de renda. Ademais, a lei prevê o pagamento retroativo do auxílio especial mensal “a data em que, atendidos os requisitos, tenha sido protocolado requerimento no INSS”.

A Lei ainda define as despesas necessárias ao custeio do referido auxílio, a serem provisionadas pelo Tesouro Nacional, e que devem constar de programação orçamentária específica do Ministério da Previdência Social. Não se trata de privilégio injustificado e injustificável. Estamos diante de um benefício assistencial especial criado para atender a demandas sociais ou individuais de de projeção social geradas por fatos extraordinários de repercussão nacional, e que se somam a outros que dizem respeito a prerrogativas a algumas categorias profissionais. Tal benefício assistencial homenageia pessoas que, na prática esportiva, algo que se incorporou aos hábitos e costumes pátrios, se destacaram com o notável feito de campeões mundiais de futebol.

 Trata-se de pensão especial devida a pessoas que participaram de fatos extraordinários de grande repercussão, que não exige contrapartida dos respectivos beneficiários. Isso porque os benefícios especiais, como se nota para o caso, por terem vicissitudes ligadas às circunstâncias excepcionalíssimas, imprevisíveis e não reeditáveis, não podem ser descritos em comandos normativos preexistentes. Ademais, a previsão do artigo 215, § 1º, da Constituição Federal de que “O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, que constituem patrimônio cultural brasileiro", como reza o artigo 216 da CF, o que justifica a iniciativa.

II – O CASO CONCRETO

Vamos ao caso concreto.

Ao anunciar sua saída do ministério da Justiça nesta sexta-feira, 24, Sergio Moro fez uma série de revelações e acusações ao governo.

Entre elas, disse que a única condição que impôs para aceitar o cargo era a garantia de pensão à sua família caso algo lhe acontecesse. "Isso pode ser confirmado por Bolsonaro e pelo general Heleno, destacou."

Moro destaca que estava deixando sua carreira de 23 anos na magistratura, abandonando, com o ato, como perda de previdência, e que precisava garantir o amparo de sua família.

"Tem uma única condição que eu coloquei - não ia revelar mas agora acho que não faz mais sentido manter segredo. Isso pode ser confirmado tanto pelo presidente como pelo general Heleno. Eu disse que, como estava abandonando 22 dois anos da magistratura - contribui 22 anos para a Previdência e perdia, saindo da magistratura, essa Previdência -, pedi, já que nós íamos ser firmes contra a criminalidade, especialmente a criminalidade organizada, que é muito poderosa, pedi que se algo me acontecesse, que minha família não ficasse desamparada, sem uma pensão. Foi a única condição que eu coloquei para assumir essa posição específica no MJ."

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III – A CORRUPÇÃO PASSIVA

Ora, qualquer benefício dessa ordem teria de vir de lei, respeitados os princípios magnos que norteiam a Administração, como, por exemplo, os expostos no artigo 37 da Constituição.

Mas, sob o enfoque penal, o pedido de concessão de “pensão especial”, é crime de corrupção passiva.

Trata o artigo 317 do Código Penal do crime de corrupção passiva.

O núcleo do tipo é solicitar, receber ou aceitar vantagem indevida, mesmo fora da função ou antes de assumi-la, desde que em virtude da função.

O ato funcional, de natureza comissiva ou omissiva, sobre o qual versa a venalidade pode ser lícito ou ilícito.

Fala-se em corrupção própria ou imprópria. Necessário exemplificar.

Constitui corrupção própria receber numerário para conceder uma licença a que não se tem direito.  A corrupção imprópria(simples) ocorrerá se o funcionário receber uma vantagem para consentir numa licença devida. Na corrupção própria a prática se refere a solicitação, recebimento ou aceitação de promessa de vantagem indevida para realização de um ato ilícito. Na corrupção própria tem-se a solicitação, recebimento ou aceitação de vantagem indevida para a realização de ato licito.

Fala-se em corrupção antecedente e consequente. Ocorrerá a primeira quando a recompensa for entregue ou prometida, visando a uma conduta futura. Na outra, ocorrerá a recompensa após a prática do ato. Na corrupção antecedente, a solicitação da vantagem ilícita e a aceitação da promessa se dão antes da realização do ato. Por sua vez, na corrupção consequente ou subsequente, a solicitação da vantagem ilícita ou a aceitação da promessa se darão após a prática do ato.

A corrupção passiva foi objeto da Consolidação das Leis Penais sob a forma de peita ou suborno. A peita, consoante o Código Penal de 1830, consistia quando recebesse o servidor dinheiro ou algum donativo. O suborno quando se deixasse corromper o funcionário por influência ou outro pedido de alguém, lembrando a atual corrupção privilegiada.

Costuma-se estudar no Brasil a jurisprudência alemã na matéria: de início, quando o agente público deixou-se levar em sua escolha, ainda que boa e formalmente correta, pela promessa recebida ou pelas vantagens concedidas e quanto a corrupção imprópria se diria que ela ocorre quando o funcionário, apesar da promessa de dação e de sua aceitação, tenha decidido unicamente com base em motivos objetivos. Posteriormente, a partir da década de quarenta, do século vinte, decidiu-se que a obnubilização produzida pelo recebimento ou pela promessa comprometia a tal ponto o funcionário público que ele não avaliava o peso interior que o sobrecarregava, impedindo a livre escolha, Por fim, surgiu uma teoria dita da aparência, entendendo-se que o ato seria contrário aos deveres de ofício sempre que o funcionário insinuasse ao extraneus que, mediante a aceitação da vantagem ou da promessa, estaria disposto a levá-las em consideração ao decidir.

A conduta poderá se efetivar de três formas: solicitando, recebendo ou aceitando promessa de vantagem indevida.

A conduta ilícita envolve qualquer tipo de recompensa, seja pecuniária ou não. Poderá consistir além de dinheiro na prática de favores sexuais, por exemplo, para obter um cargo ou uma condecoração.

Não é necessário estar o funcionário público no exercício da função.

Pode ele não se encontrar em exercício ou mesmo não tê-lo ainda assumido e o delito existirá desde que o fato se deu em razão da função. Mesmo que o funcionário só venha a receber a vantagem indevida, depois de haver deixado a função, ocorre o crime, uma vez que a traficância se deu em virtude da função.

O crime é de natureza formal. Será consumado com a simples solicitação de vantagem indevida, com o recebimento desta, ou com a aceitação da promessa.

Formulada a solicitação o crime se tem como consumado, entendendo-se que o crime não está sujeito a tentativa.

O elemento subjetivo é o dolo genérico.

Com sua exoneração, o ex-juiz e ex-ministro deve ser investigado pelo fato na primeira instância da Justiça Federal no Distrito Federal.

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. Uma confissão de um crime de corrupção?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6144, 27 abr. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/81620. Acesso em: 24 abr. 2024.

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