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Supremacia constitucional e decisão do STF em manter a autonomia dos estados e municípios no combate à pandemia de coronavírus

15/06/2020 às 16:00
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Retirar a autonomia dos entes federados em tomar medidas de prevenção de uma pandemia viola o esquema organizacional, em confronto com a democracia.

1 INTRODUÇÃO

Inicialmente, é importante ressaltar que o fundamento do controle de constitucionalidade das leis é a unidade sistêmica do Estado Democrático de Direito. Assim, em um Estado atingido por uma pandemia, deve-se ter um maior cuidado em respeito à vontade democrática demonstrada pela Constituição. Em 2020, o Brasil foi atingido por uma pandemia com dimensões devastadoras, que chegou diretamente a repensar na dinâmica constitucional de políticas de ir e vir, saúde e economia. A Covid19[1] foi guerreada, especialmente, com a política pública de isolamento social empregada por Estados e Municípios.

A recomendação é de que as pessoas fiquem em casa[2], ao passo que as autoridades estaduais e municipais determinam o fechamento de comércios e escolas, dentre outros estabelecimentos. Ao contrário do determinado pelos estados e municípios, o Governo Federal editou a Medida Provisória 926, que buscava limitar a autonomia dos estados e municípios em realizar medidas de isolamento social. Posteriormente, o Supremo Tribunal Federal (STF), em uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, suspendeu a Medida Provisória, denotando que os Estados e Municípios têm autonomia de realizar medidas de isolamento social para conter a pandemia. No entanto, tal conflito jurídico nos leva à seguinte questão: Sob qual fundamento constitucional, o STF suspendeu a Medida Provisória 926?

Assim, em um primeiro momento, buscou-se demonstrar a supremacia constitucional, além de normatizar a limitação material da produção de normas infraconstitucionais, o que remete a um respeito integral do seu sistema organizatório. Logo depois, evidenciou-se que essas noções estão umbilicalmente conjugadas para nortear o Estado Democrático de Direito.

2 SUPREMACIA CONSTITUCIONAL E AUTONOMIA DE ESTADOS E MUNICíPIOS

O Direito Constitucional tem papel de destaque e uma posição exclusiva no ordenamento jurídico, em um conjunto de normas que tem como base a hierarquia[3]. A supremacia constitucional tem como base a formação do Estado e a sua organização como Estado Democrático de Direito[4]. A força constitucional resulta do reconhecimento de diferenciação de diversos níveis de normas, cada qual com seu grau de importância para compor o ordenamento jurídico[5].

A Constituição tem como natureza jurídica a fonte inicial de um Estado e, nesta formação, amolda-se como lei basilar das demais normas[6]. Para Canotilho, a hierarquia constitucional advém de três elementos: a) normas constitucionais, que têm elas próprias como base de validade; b) é a fonte jurídica de outras normas; c) alude ao princípio de conformidade dos poderes instituídos pela Constituição[7]. Diante disso, a Constituição exerce uma importante função hierárquica de coerência sistemática do ordenamento jurídico estatal.

Essa sistemática é desafiada em uma pandemia, a de Covid-19. O apelo ao bem-estar social e as medidas estatais para contenção do vírus, por meio de restrição de liberdade e seu conflito com os anseios econômicos do mundo globalizado, fazem com que o Estado se reorganize para se amoldar a essa nova lógica estatal[8].

É nesse prisma que se tem, na Constituição, o amparo e a função de conferir coesão e coerência regimental em um momento de pandemia. Além disso, a garantia de superioridade afiança que não se realizem medidas drásticas no direito infraconstitucional que violem o sistema democrático[9].

Nesse sentido, o poder constituinte derivado decorrente se porta como um instrumento de concretização da supremacia constitucional. É importante ressaltar que a Carta Magna de 88, no art. 23, I, derroga aos Municípios, aos Estados e à União a prerrogativa de “zelar pela pela guarda da Constituição”, e ainda reforça a submissão do Poder Executivo à Constituição[10].  Dessa forma, pode-se considerar que a autonomia dos entes federados no combate à pandemia está limitada aos preceitos constitucionais.

Ao contrário do previsto constitucionalmente, a Medida Provisória 926 deste ano restringe a autonomia de prefeitos e governadores na tomada de decisões contra a pandemia. Essa Medida Provisória foi objeto da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6.341, de relatoria do Ministro Marco Aurélio Mello, que, em videoconferência, deferiu liminar para suspender a Medida Provisória 926, acolhendo o argumento de violação da autonomia dos entes federados[11].

É nesse sentido que se rememoram os preceitos ensinados por Kelsen, em uma linha positivista, que a Constituição é o pressuposto para produção da norma. São essas competências que estruturam a própria organização de Estado[12].  É diante disso que a decisão proferida pela Suprema Corte garante autonomia a prefeitos e governadores para estabelecer adequações para enfrentamento à pandemia. Além disso, é preciso lembrar que o Estado brasileiro tem 26 estados, com realidades bem diferentes que denotam medidas proporcionais a sua forma factual. Assim, deve-se ir além do pensar a supremacia apenas como conjunto normativo que baliza outras normas. Em outras palavras, a Constituição não é apenas uma super lei ou norma sobre norma, mas a vontade de povo em razão de como este quer se organizar[13].

Assim, é possível notar que a decisão da Suprema Corte se aproxima da ordem organizacional instituída pela Constituição[14] com a conclusão de que estados e municípios podem legislar sobre medidas de combate à pandemia, fechamento de comércio e isolamento social[15]. Dessa forma, a concepção do Estado Constitucional incide na garantia da ordem constitucional em uma imbricação que é inerente à unidade constitucional, em sua estrutura de competências para instituição do Estado[16].

Nesse sentido, a competência dos entes federados tem total atrelamento e dependência do respeito à Constituição[17]. Assim, a preservação do Estado de Direito Constitucional depende primariamente de sua supremacia e da consagração de suas competências[18].

3 CONCLUSÃO

O Estado Constitucional está diretamente ligado às balizas governamentais que são instituídas pela própria Constituição. A própria criação de tribunais constitucionais, como STF, pela Constituição, demonstra como o poder originário se preocupou com a supremacia da Constituição.

A supremacia da Constituição é corolário do Estado de Direito e é essa a importância de se respeitar os poderes e deveres instituídos pela lei fundamental. Assim, retirar a autonomia dos entes federados em tomar medidas de prevenção de uma pandemia viola o esquema organizacional, indo em confronto à democracia.

A democracia, aqui, é demonstrada pela própria Constituição, onde o povo, por meio de uma Assembleia Constituinte, demonstrou sua vontade e como essa legitimamente aspirava por um Estado.


4 REFERÊNCIAS

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BRITTO, Carlos Ayres. Teoria da constituição. Rio de Janeiro: Forense, 2003.

BROSSARD, Paulo. Constituição e leis a ela anteriores. Revista Trimestral de Direito Público, v. 4, p. 15, 1993.

BULOS, Uadi Lammêgo. Direito constitucional ao alcance de todos. São Paulo: Saraiva, 2010.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. Coimbra: Almedina, 2003.

COÊLHO, Marcus Vinícius Furtado. A Constituição contra a pandemia. Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/opiniao/2020/03/27/internas_opiniao,840620/artigo-a-constituicao-contra-a-pandemia.shtml. Acesso em: 25 abr. 2020.

DA SILVA VELLOSO, Carlos Mário; ROSAS, Roberto. Princípios constitucionais fundamentais: estudos em homenagem ao professor Ives Gandra da Silva Martins. São Paulo: Aduaneiras, 2005.

DALLARI, Dalmo de Abreu. Que é participação política? São Paulo: Brasiliense, 1985.

GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios; LENZA, Pedro. Direito processual civil esquematizado. São Paulo: Saraiva Educação SA, 2018.

KELSEN, Hans. Jurisdição constitucional. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. São Paulo: Saraiva, 2017.

MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva Educação SA, 2013.

MINISTÉRIO DA SAÚDE. Coronavírus - Covid-19. O que você precisa saber. Disponível em:  https://coronavirus.saude.gov.br/. Acesso em: 26 abr. 2020.

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MINISTÉRIO DA SAÚDE. Tem dúvidas sobre o coronavírus? O Ministério da Saúde te responde! Disponível em: https://www.saude.gov.br/images/pdf/2020/marco/21/Informa----es-Sobre-Coronav--rus.pdf. Acesso em: 26 abr. 2020.

SARMENTO, Daniel. A ponderação de interesses na Constituição Federal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003.

SKINNER, Burrhus Frederic. Ciência e comportamento humano. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

STRECK, Lenio Luiz. Verdade e consenso: constituição, hermenêutica e teorias discursivas. São Paulo: Saraiva Educação SA, 2006.

TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2018.

VIEIRA, Anderson. Decisão do STF sobre isolamento de estados e municípios repercute no Senado. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2020/04/16/decisao-do-stf-sobre-isolamento-de-estados-e-municipios-repercute-no-senado. Acesso em: 21 abr. 2020.


[1] Coronavírus é uma família de vírus que causam infecções respiratórias. O novo agente do coronavírus foi descoberto em 31/12/19 após casos registrados na China. Provoca a doença chamada de coronavírus (COVID-19). MINISTÉRIO DA SAÚDE. Coronavírus - Covid-19. O que você precisa saber. Disponível em:  https://coronavirus.saude.gov.br/. Acesso em: 26 abr. 2020.

[2] MINISTÉRIO DA SAÚDE. Tem dúvidas sobre o coronavírus? O Ministério da Saúde te responde! Disponível em: https://www.saude.gov.br/images/pdf/2020/marco/21/Informa----es-Sobre-Coronav--rus.pdf. Acesso em: 26 abr. 2020.

[3] BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo. São Paulo: Saraiva, 2017.

[4] SARMENTO, Daniel. A ponderação de interesses na Constituição Federal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003.

[5] MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva Educação SA, 2013.

[6] BRITTO, Carlos Ayres. Teoria da constituição. Rio de Janeiro: Forense, 2003.

[7] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. Coimbra: Almedina, 2003.

[8] COÊLHO. Marcus Vinícius Furtado. A Constituição contra a pandemia. Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/opiniao/2020/03/27/internas_opiniao,840620/artigo-a-constituicao-contra-a-pandemia.shtml. Acesso em: 25 abr. 2020.

[9] STRECK, Lenio Luiz. Verdade e consenso: constituição, hermenêutica e teorias discursivas. São Paulo: Saraiva Educação SA, 2006.

[10] TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2018.

[11] VIEIRA, Anderson. Decisão do STF sobre isolamento de estados e municípios repercute no Senado. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2020/04/16/decisao-do-stf-sobre-isolamento-de-estados-e-municipios-repercute-no-senado. Acesso em: 21 abr. 2020.

[12] KELSEN, Hans. Jurisdição constitucional. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

[13] DALLARI, Dalmo de Abreu. Que é participação política? São Paulo: Brasiliense, 1985.

[14] DA SILVA VELLOSO, Carlos Mário; ROSAS, Roberto. Princípios constitucionais fundamentais: estudos em homenagem ao professor Ives Gandra da Silva Martins. São Paulo: Aduaneiras, 2005.

[15] BROSSARD, Paulo. Constituição e leis a ela anteriores. Revista Trimestral de Direito Público, v. 4, p. 15, 1993.

[16] BULOS, Uadi Lammêgo. Direito constitucional ao alcance de todos. São Paulo: Saraiva, 2010.

[17] LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. São Paulo: Saraiva, 2017.

[18] GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios; LENZA, Pedro. Direito processual civil esquematizado. São Paulo: Saraiva Educação SA, 2018.

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Sobre a autora
Luana Bispo

Doutoranda em Direito Constitucional pela UNB. Mestre em Direito pela Universidade Federal de Goiás (2015), com bolsa da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (FAPEG). Advogada com experiência na área de Direito Público e de Direito Privado. Foi pesquisadora e bolsista pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) em projetos com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA). É pesquisadora e Líder do Grupo de Pesquisas Interdisciplinares em Direito (GEPID), registrado no Diretório de Pesquisas do CNPq. É professora na Faculdade Metropolitana de Anápolis (FAMA) na disciplina de Direito Constitucional. Tem interesse nas seguintes temáticas: Direito Constitucional e Direito Processual.Tem experiência como Assistente Voluntária de decisões em Vara Criminal.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BISPO, Luana. Supremacia constitucional e decisão do STF em manter a autonomia dos estados e municípios no combate à pandemia de coronavírus. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6193, 15 jun. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/82183. Acesso em: 3 nov. 2024.

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