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Da inadmissibilidade jurídica da união civil de homossexuais

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23/04/2006 às 00:00
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8. O direito fundamental de opção sexual carece de existência real

            42.Por conseguinte, impõe-se asseverar, com todas as letras: não existe direito fundamental de opção sexual. Essa realidade não se encontra na natureza. Carece de existência ontológica. Trata-se de grosseiro artificialismo jurídico. Não condiz com as características inalienáveis do ser humano.

            43.Ninguém nasce com um terceiro ou quarto sexo. Aliás, a opção, que será sempre artificial, não modificará os cromossomos do indivíduo, ainda que submetido a operação para mudança de sexo: continuarão sendo XX, se mulher, ou XY, se homem. Trata-se, a pretendida opção, de rematado, disparatado artificialismo, de equívoco grotesco. Observe-se que todas as células do corpo de um homem, homossexual ou não, inclusive as dos seus fios de cabelo, são masculinas. E todas as células de uma mulher, homossexual ou não, são femininas.

            44.Afirmo: não existe direito contra a razão e contra a natureza. Cuida-se de impossibilidade lógica insuperável.


9. Do direito à não-discriminação

            45.Coisa bem distinta é o direito de não ser discriminado injustamente, inclusive por ser homossexual. Na substância, o direito à igualdade do heterossexual não difere do direito do homossexual. O direito à igualdade do homossexual não gera novas realidades, novos direitos, como o de poder casar-se com pessoa do mesmo sexo e adotar filhos que a natureza lhes recusou. Seria esta uma ficção absolutamente reprovável. A atribuição de direitos exclusivos ao homossexual, sim, é que é um verdadeiro discrímen: uma discriminação.

            46.Note-se: a discriminação importa em não reconhecer em algum homem toda a sua dignidade; em suprimir, injustamente, direitos seus, inerentes à sua condição, à sua natureza. Não pertence à natureza do homem ser homossexual. Por conseguinte, não caracteriza discriminação – supressão injusta de direitos – a recusa do Estado em atribuir, artificialmente, à convivência duradoura entre homossexuais efeitos próprios do casamento.

            47.Discriminação haveria caso fosse negado à pessoa homossexual direito assegurado a heterossexual. Nem homossexual, nem heterossexual podem casar-se com pessoa do mesmo sexo.


10. Do art. 104 do Código Civil

            48.Dispõe o art. 104 do Código Civil:

            "Art. 104. A validade do negócio jurídico requer:

            I – agente capaz;

            II – objeto lícito, possível, determinado ou determinável;

            III – forma prescrita ou não defesa em lei."

            49.A respeito da licitude do objeto do negócio jurídico, esclarece Sílvio de Salvo Venosa:

"Para que seja idôneo o objeto, não basta ser determinado ou determinável e possível. Cumpre, igualmente, ser lícito. A licitude do objeto é regulada pela forma negativa: atingimos a compreensão do objeto lícito pelo conceito de ilicitude. A lei impõe limitações ao objeto do negócio jurídico.

O objeto do ato não gozará da proteção legal quando for contrário às leis de ordem pública, ou aos bons costumes.

(...)

Da mesma forma, é diluído o conceito de bons costumes, não encontrável na lei. Embora não sejam exclusivamente preenchidos pela Moral, os bons costumes são integrados por ela. (...) Não resta dúvida de que não podemos admitir negócio jurídico contrário à Moral. (...) Temos em todo o caso de levar em conta a moral predominante no espaço e no tempo." [19]

            50.Como se vê, a validade do negócio jurídico requer: agente capaz, objeto lícito, possível, determinado ou determinável, e forma prescrita ou não defesa em lei.

            51.Ora, certamente, a maior parte da população brasileira, de influência cristã, considera imoral e contrária aos bons costumes o negócio jurídico da união estável entre homossexuais.

            52.Não cabe aos magistrados julgar a moralidade ou imoralidade do objeto de um negócio jurídico segundo o seu senso pessoal de moralidade. É o senso médio da sociedade que deve nortear o julgador, como ensina J. M. de Carvalho Santos, comentando o art. 145, II, do Código Civil pretérito:

            "Sobre o que não pode haver dúvida, a nosso sentir, é que o campo dos atos contrários aos bons costumes não vai ao extremo de alcançar tudo aquilo que a moral repele, mas tão-sòmente aquilo que o sentimento ético comum e os usos e costumes adotados condenam como imoral. (...)

            É contrário aos costumes, no conceito de muitos, o que é incompatível com o sentimento geral de dever ou que ofenda à honestidade ou ao pudor público.

            (...)

            (...) Assim como se o fato sôbre que versa o objeto ou conteúdo do ato é de tal ordem imoral, que o sentimento médio do povo, nas condições atuais da civilização, não duvida em havê-lo, em si mesmo, como ofensivo à moral e bons costumes, por exemplo, a prostituição, o lenocínio, etc." [20]

            53.Como visto anteriormente, em verdade, a união estável entre homossexuais é negócio jurídico inexistente, por não possuir lastro na natureza humana e na lei natural. Carece de existência real e juridicidade intrínseca. Ofende a moral objetiva imutável e válida para todos os seres humanos. Além disso, o seu objeto é jurídica (inclusive pelo art. 226, § 3.º, da Constituição Federal) e materialmente impossível, pois não existe nem pode haver união real entre pessoas do mesmo sexo. Apenas para argumentar, caso tudo isso pudesse ser superado, o que não ocorre, configuraria um negócio jurídico nulo (art. 166, II, do Código Civil), ferindo de morte o precitado art. 104, II.

            54.É bom que se diga: a lei humana ou as decisões judiciais quando contrariam a lei natural não obrigam no foro (íntimo) da consciência. A conseqüência disso é a desmoralização e o desprestígio do direito, em que passa a prevalecer a forma, a aparência de direito, sobre o conteúdo: o justo. Ademais, avultam as possibilidades de objeção de consciência.

            55.Coisa diversa da união estável entre homossexuais é o desfazimento de sociedade de fato, em que se evita o locupletamento à custa alheia. Isso nada tem a ver com o direito de família. No desfazimento de sociedade de fato, não incidem e não devem incidir institutos próprios da família (pensão alimentícia, benefícios previdenciários, ordem de sucessão hereditária etc.). Demais disso, quem quiser beneficiar um benfeitor seu, poderá contemplá-lo em testamento, sem prejuízo dos herdeiros necessários.


11. Da ditadura da minoria. Afronta ao art. 226 da Constituição Federal. Conclusão.

            56.Em verdade, alguns tribunais brasileiros têm legislado, usurpando competência do Congresso Nacional e suprimindo, arbitrariamente, da sociedade o direito de participar de decisões importantes sobre o seu destino.

            57.A Constituição da República, que, aliás, já malferiu o direito natural reconhecendo a união estável (que também carece de existência ontológica: trata-se de uma imitação do casamento, casamento de segunda classe), não albergou a união civil entre pessoas do mesmo sexo.

            58.Dispõe a Constituição da República, no art. 226, caput:

            "Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado."

            59.Ora, no art. 226, § 3.º, o próprio Estado desfere o primeiro[21] golpe na família:

            "§ 3.º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar a sua conversão em casamento." (grifei)

            60.Embora já contrária ao direito natural, ofendendo tão-somente a razão, ainda não a natureza (os instintos inatos do homem), a Carta Magna reconhece e atribui efeitos jurídicos à união estável entre homem e mulher, facilitando a sua conversão em casamento (asseverando, implicitamente, que somente o casamento atende integralmente à natureza humana e ao pleno desenvolvimento da sociedade[22]).

            61.De ver-se que em alguns de seus julgados o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul[23] e outros tribunais arrogam-se prerrogativas de Poder Constituinte[24], pois, simplesmente, derrogam o art. 226, § 3.º, da Constituição Federal. Trata-se de julgamentos contra legem (Lex Mater). Não há, aí, invasão da competência do Congresso Nacional?

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            62.Escoram-se tais julgamentos no princípio da "dignidade humana", que, em verdade, é postulado oriundo do direito natural. Preconizam, porém, os senhores magistrados a existência do direito natural? Ou é conveniente escolher conceitos de escolas filosóficas diversas e antagônicas para defender o indefensável? Com efeito, há quem se apegue à "dignidade humana", embora duvide mesmo da existência de uma "natureza humana", paradoxo incompreensível.

            63.A sexualidade humana é um dado objetivo, biológico. Se se tratasse de algo subjetivo, a perda da consciência ou das faculdades mentais de um indivíduo, acarretaria, imediatamente, repercussões em sua identidade sexual.

            64.Pois bem. A família brasileira, desferidas as primeiras punhaladas, verte sangue e caminha claudicante. Agora, vendam-se-lhe os olhos e levam-na à degola.

            65.Qual será o próximo passo: reconhecer a legitimidade jurídica da poligamia, da pedofilia e da zoofilia? Mais adequado seria amputar a Constituição, retirando-se dela o caput do art. 226.

            66.O direito é mais do que forma e do que discurso; o que o caracteriza é o seu conteúdo, o justo. Em razão disso, carece de juridicidade intrínseca a união civil de homossexuais, devendo recusar-lhe efeitos o direito positivo e a jurisprudência.

            67.Pretender que o direito seja pura forma, inodora, acromática, é reservá-lo para a prática de arbítrios e da injustiça.

            68.Ora, o homem é a natureza que possui. Se o direito torna-se contrário à natureza humana, torna-se contrário ao homem, tendendo à sua destruição. Se, em vez do bem comum, o direito positivo (ou a jurisprudência) promove a ruína do homem, desvirtua-se por completo a sua finalidade ou teleologia.

            69.As leis naturais não são desprovidas de sanção. É conhecido o provérbio: "Deus perdoa sempre. O homem, às vezes. Mas a natureza não perdoa nunca". As transgressões à lei natural possuem graves conseqüências para o meio social.


Notas

            01 Suma Teológica. São Paulo: Loyola, 2005. Vol. IV. I Seção da II Parte, questão 95, artigo 2.

            02 A cidade de Deus: contra os pagãos. 2. ed. Petropólis: Vozes, 2002. parte 1. p. 153.

            03 Elementos de teoria geral do direito. Para os cursos de introdução ao estudo do direito. Belo Horizonte: Líder, 2005. p. 68-9. Do mesmo autor, recomenda-se a leitura de Contribuição ao personalismo jurídico. Belo Horizonte: Del Rey, 2000, e Direito e coerção. (reedição). São Paulo: Unimarco, 1999.

            04 Introdução à ciência do direito. 26. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 310.

            05 MATA-MACHADO. Elementos de teoria geral do direito. p. 69.

            06 Observe-se a semelhança entre o pensamento de Sócrates e a frase de São Pedro e de São João proferida diante dos chefes do povo e dos anciãos, contida no capítulo 4, versículo 19, dos Atos dos Apóstolos.

            7 MATA-MACHADO. p. 70.

            08 BÍBLIA SAGRADA. 74. ed. São Paulo: Ave Maria, 1991.

            09 In: MONTORO. Nota de rodapé da p. 313.

            10 MATA-MACHADO. p. 67.

            11 MONTORO. p. 314.

            12 In: MONTORO. p. 314.

            13 Ibidem, p. 7.

            14 A batalha pela normalidade sexual e homossexualismo. Tradução de Orlando Reis. Aparecida: Santuário, 2000. p. 19.

            15 Op. cit., p. 20.

            16 Op. cit., p. 62, 64-5.

            17 Op. cit., p. 76.

            18 Suma Teológica. Seção II da Parte II, questão 154, artigo 11.

            19 Direito civil: parte geral. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 412-13.

            20 Código Civil Brasileiro Interpretado. Parte Geral. 6. ed. São Paulo: Freitas Bastos, 1956. v. III. p. 239-40.

            21 Na verdade, o segundo. A Lei do Divórcio, Lei 6.515, de 26 de dezembro de 1977, constituiu a primeira punhalada certeira na célula-mãe da sociedade, a família. De lá para cá, verifica-se a paulatina flexibilização, a volatilização das relações afetivas, o que explica comportamentos sociais como o "ficar". É da substância do casamento a indissolubilidade. Em verdade, o casamento civil é ontologicamente, substancialmente, indissolúvel. Mas não se destina a crianças ou a pessoas imaturas. Compromissos definitivos requerem maturidade da personalidade.

            22 A indissolubilidade do casamento tem sua razão de ser não somente no bem dos esposos, na sua complementaridade material, física e psíquica. Explica-a e exige-a o bem da prole, o desenvolvimento dos filhos em um lar estável e equilibrado.

            23 V. g.: Ap. Cível n.º 70013801592; Ap. Cível n.º 70012836755; e Ap. Cível n.º 70005488812.

            24 A mesma crítica pode ser feita a estranhos argumentos expendidos pelo Min. Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, na Adin-MC 3.300-3/DF. Não se houve com o brilho costumeiro o eminente Ministro.

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Sobre o autor
Paul Medeiros Krause

Procurador do Banco Central em Belo Horizonte (MG), Ex-analista processual na Procuradoria da República no Estado de Minas Gerais

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

KRAUSE, Paul Medeiros. Da inadmissibilidade jurídica da união civil de homossexuais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1026, 23 abr. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8274. Acesso em: 5 nov. 2024.

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