Capa da publicação O Ministro da Educação e o princípio da isonomia: ele sabe do que está falando?
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Abraham Weintraub conhece o princípio da isonomia?

12/06/2020 às 09:14
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Abraham Weintraub, Ministro da Educação, com seu discurso meritocrático, parece se referir a uma realidade em que todos os brasileiros teriam acesso às mesmas oportunidades. A qual igualdade o Ministro se refere?

1- Introdução

Recentemente, o STF divulgou, dentro do inquérito 4.831/DF, o vídeo da reunião ministerial que, segundo Sérgio Moro, serviria como prova de que o Presidente da República estaria interferindo na atuação da Polícia Federal. No entanto, o conteúdo apresentado nesse vídeo ultrapassa a oitiva do Presidente, por isso foi possível a análise quanto a fala apresentada também pelos seus ministros durante a referida reunião.

Dentre várias outras problemáticas expostas por essa divulgação, o discurso alarmante do Ministro Weintraub merece ser debatido, pois representa a sua influência e atuação de forma veemente e, com isso, expõe uma grande problemática em vista do fato de que estamos falando sobre a atuação do Ministro da Educação do Brasil.

Segundo o laudo pericial sobre a reunião, a fala que destaco do ministro é a seguinte: “Esse país não é ... odeio o termo "povos indígenas", odeio esse termo. Odeio. O "povo cigano". Só tem um povo nesse país. Quer? Quer. Não quer? Sai de ré. É povo brasileiro, só tem um povo. Pode ser preto, pode ser branco, pode ser japonês, pode ser descendente de índio, mas tem que ser brasileiro, pô! Acabar com esse negócio de povos e privilégios.”

Realmente só existe um povo nesse país, no entanto, esse discurso igualitário não se apresenta como uma forma de criar a igualdade entre os cidadãos; mas, sim, como um discurso excludente, que fala de igualdade como forma de criar a imagem de que todos possuem acesso aos mesmos direitos — o que eles chamam de meritocracia — para dizer que não são necessárias políticas sociais para criação de oportunidades, visto que todos teriam as mesmas oportunidades de acesso à informação, conhecimento, alimentação, trabalho, saúde, lazer e outros direitos.


2- Análise do discurso

2.1- Povos Indígenas 

Quando o ministro fala que odeia o termo povos indígenas, o que ele é quer dizer é que os indígenas não devem ser tratados de forma diferenciada, ou seja, que eles possuem os mesmos direitos que os demais brasileiros. E realmente possuem. No entanto, o debate persiste quanto ao acesso e aplicação desses direitos.

Como podemos afirmar que deve subsistir o tratamento igualitário entre todos os cidadãos, quando a população indígena é atacada e assassinada em conflitos no campo?Essa é a realidade de todo o povo brasileiro? Lutar para se manter e manter suas origens?

Segundo dados do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), somente no ano de 2019, houve 135 casos registrados de assassinatos de pessoas indígenas e mais de 109 casos de exploração ilegal de recursos naturais [1], gerando violações ao patrimônio em conflitos que levam a maior parte dos casos de assassinatos. Ademais parte dessa população padece em vista da omissão do Estado em garantir acesso à saúde e informação. 

É por isso que subsiste o tratamento diferenciado, visando a dar a proteção que o povo indígena merece e nunca conseguiu desde o século XVI. E é assim que se cria o direito à isonomia, levando acesso à proteção àqueles que não a possuem. A omissão do Estado, ao impor a falsa imagem de que todos são iguais, não leva à igualdade e sim, à exclusão e degradação dos direitos fundamentais dos povos indígenas.

2.2 Povo Cigano

Nesse diapasão, o Ministro afirma que odeia o termo povo cigano, reiterando a sua a aplicação do que chamo de “igualdade excludente”, bem como afirmara com relação aos indígenas. No entanto, finge que desconhece o alto índice de intolerância religiosa no país, que atinge em grande maioria as religiões de matriz africana, mas não deixa de ser um grande problema também para os ciganos. Logo, cabe ao Estado - e, de certa forma, ao Ministério da Educação - a criação de diretrizes complementares na educação visando à produção de conteúdo que leve o conhecimento sobre as mais variadas religiões e, sobretudo, visando à diminuição da intolerância religiosa.

Não há como afirmar que todos são iguais em uma sociedade em que a prática de uma religião é subjugada pelos adeptos das religiões predominantes no país. A desigualdade já começa por aí, sem representatividade política e sem proteção contra a intolerância.

2.3 Povo Negro

Dizer que negros e brancos possuem as mesmas oportunidades é uma falácia. O descaso com a população negra possui origens antigas, desde o período colonial e escravagista que perdurou no país, de forma legalizada pelo Estado, até o ano de 1888. E os efeitos desse período subsistem até os dias atuais, quando se vê que a prática de crimes como racismo e injúria racial ainda persistem. 

Essa realidade caótica impõe ao Estado o dever de criação de políticas sociais de acesso à educação, mediante quotas nas universidades públicas, por exemplo, como já existe no país, não em grande quantidade como deveria ser.

Todavia, são muitos os ataques que visam à extinção dessas categorias de iniciativas inclusivas, tal como o projeto de lei 470/2019, que visa à extinção dessas quotas nas universidades estaduais do Rio de Janeiro. O fundamento é de que esse sistema criaria discriminação social, mediante a seguinte justificativa: “As cotas definidas pela cor da pele do indivíduo corrompem as Universidades onde são aplicadas, aniquilando o valor do mérito acadêmico e criando pressões sem fim para discriminar as pessoas por sua “raça” em todos os níveis de ensino, do fundamental à universidade.” Trazendo o mesmo discurso do ministro da educação, em uma fala que traz a ideia de igualdade entres os cidadãos, mas tem como o objetivo a exclusão dos direitos das minorias e dos menos privilegiados.

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É fato inconteste o racismo sofrido diariamente por essa população e as dificuldades de acesso à educação, emprego e direitos básicos garantidos pela Constituição. De modo que o tratamento diferenciado na criação de oportunidades e combate ao racismo não cria “privilégios”, como foi afirmado, mas sim faz jus ao tratamento igualitário.


3- Princípio da Isonomia, artigo 5º da Constituição Federal 

Com previsão expressa na Carta Magna, o princípio da isonomia esculpido em seu artigo 5.º, abrindo o rol dos direitos e garantias fundamentais, apresenta a seguinte redação: “todos são iguais perante a lei, sem a distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.”[2] A norma fundamenta o Estado Democrático de Direito ao impor a igualdade de tratamento entre as pessoas.

Esse princípio deve ser analisado, por óbvio, de modo a proporcionar o mesmo acesso ao direito a todos. A partir do ponto de vista da extensão territorial do país e das diferenças econômicas e culturais entre os cidadãos, torna-se incontestável a diferença entre essas pessoas. Logo, não existe uma igualdade natural entre elas, como o ministro afirma “só tem um povo”. É imprescindível a atuação do Estado em prol das minorias, visando minimizar essa discrepância de acesso e assim trazer a realidade o direito a igualdade. A isonomia não é um bem natural e deve ser conquistado mediante a atuação das instituições públicas e da própria população.

Esse é o princípio da isonomia, e assim deve ser, pois não é porque todos somos brasileiros que temos acesso as mesmas oportunidades. Isso não é um entendimento novo. Séculos atrás Aristóteles já havia dito “Devemos tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de sua desigualdade.” Tratamento diferenciado deve ser dado àquele que, por algum motivo, não possui o mesmo acesso aos direitos que os demais possuem, seja por uma questão religiosa, cultural, sexual ou pelo tom da sua pele.


4- Conclusão 

O Ministro Weintraub, quando afirma que quer acabar com "esse negócio de povos e privilégios", não está discursando em prol do princípio constitucional da isonomia. O discurso de que todos são iguais cria uma ilusão segundo a qual todos possuiriam as mesmas oportunidades e o limite entre o sucesso e o não sucesso estaria delimitado pela meritocracia.

O Ministro já afirmou, em outras oportunidades, o seu discurso da “igualdade excludente”, ao afirmar que o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) era uma competição e que os tempos atuais de pandemia afetariam todos de forma igualitária. No entanto, não é justo esse argumento, pois há candidatos que possuem acesso à internet, outros possuem acesso a livros e outros não têm acesso a absolutamente nenhum preparo. Como afirmar que todos esses candidatos possuem a mesma capacidade de conseguir uma vaga na universidade?

Esse é um entrave sempre existente no país, e que mais se acentua durante a pandemia. A falácia da meritocracia reside em ignorar a enorme desigualdade existente no Brasil. O ministro da educação conhece bem o princípio da isonomia, no entanto, só o enxerga dentro da sua própria realidade social e econômica. Faz parte de um dos mais importantes ministérios da República, mas não reconhece, tampouco direciona a sua atuação, em prol da criação de políticas educacionais que visem à aplicação da isonomia da realidade.

Ao afirmar que só existe o povo brasileiro, esquece das minorias, dos indígenas, dos negros, das diversas religiões que compõem o Brasil. E finge não ver que essas e demais minorias carecem de apoio para ter acesso aos mesmo direitos que os demais cidadãos possuem. O Ministro deve saber que nem todos possuem acesso à educação, que meritocracia não passa de um conto de fadas, que o “povo brasileiro” não é isonômico e que não temos acesso às mesmas oportunidades. Não existe igualdade natural, geral e pré-existente, como o Ministro afirma mediante um recorte simplório da Constituição, e é por isso que a isonomia deve ser construída pelo Estado! Isso sim é o princípio da isonomia! Quer? Quer. Não quer? Sai de ré!


Referências Bibliográficas 

[1] https://cimi.org.br/2019/09/a-maior-violencia-contra-os-povos-indigenas-e-a-apropriacao-e-destruicao-de-seus-territorios-aponta-relatorio-do-cimi/

[2] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm

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Sobre o autor
Matheus Rodrigues dos Santos

Advogado, graduado em Direito pela Universidade Estácio de Sá (UNESA), pós-graduando em Direito Civil Constitucional (UERJ). contato:[email protected]

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Matheus Rodrigues. Abraham Weintraub conhece o princípio da isonomia?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6190, 12 jun. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/82846. Acesso em: 5 nov. 2024.

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