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A história da educação e a construção de metodologias ativas no mundo contemporâneo:

o direito educacional e a didática para a efetividade do ensino-aprendizagem

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10/06/2020 às 15:15
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4. A EDUCAÇÃO NO RENASCIMENTO: O HUMANISMO, A REFORMA E O PROJETO DE CATEQUESE DOS PADRES JESÚITAS NO BRASIL

A teoria contratualista de Hobbes fundamentou o poder dos reis e a institucionalização de Estados, com a derrocada do feudalismo, sendo de destaque, também, a obra O Príncipe de Maquiavel. Foi nesse período que aconteceu a institucionalização da figura da escola oficial prevista em lei, aquela que prepara o sujeito segundo os próprios interesses estatais. Com isso, um maior número de pessoas teve acesso ao conhecimento.

Em artigo publicado na Revista Vozes dos Vales, Petean (2012, p. 5) caracterizou muito bem o período do Renascimento e da Era Moderna:

O mundo moderno que estava nascendo nos séculos XV e XVI valorizou a autonomia do sujeito que passou a ser visto como leitor e autor do conhecimento. O sujeito deixou de ser um mero produto de Deus e passou a ser responsável pelo conhecimento. A nascente ciência moderna de caráter empírico passou a valorizar o saber baseado na experiência sensível do indivíduo. O empirismo recusou todo saber que estivesse à margem ou anterior à experiência, negando, assim, o saber baseado nos escritos dos grandes homens do passado. Portanto, a valorização da experiência e a observação da natureza caracterizavam o mundo moderno que estava nascendo. A ciência buscou, na experimentação e na observação, as raízes do saber sobre o cosmos. Negou a tradição, vista como o reino do obscurantismo e do erro. Negou o saber dos grandes doutos da igreja e duvidou da “palavra revelada”. Ciência e crítica ideológica estavam juntas neste projeto de construção das bases de um novo saber. Era o nascer do saber empírico e experimental.

A Modernidade foi o palco de desenvolvimento do humanismo. Num primeiro momento, essa palavra significou a dedicação a estudos dos clássicos e das letras, mas posteriormente designou as filosofias centradas na figura do ser humano. No prefácio da obra Princípios Humanistas Constitucionais: reflexões sobre o humanismo do século XXI, Silva (2010, p. 7) aduz:

[...] o humanismo não designa uma doutrina unitária, pois como observa Ferrater Mora, o termo designa o movimento que, na Renascença, se voltou para os estudos das línguas e dos autores clássicos, chamado humanismo renascentista, mas também as tendências filosóficas que põem em relevo ‘um ideal humano’ [...]. 

Dessa forma, o humanismo foi pautado na secularização da cultura e do saber, foi baseado no afastamento com relação à religião e na valorização da razão. O diálogo intertemporal no que tange ao humanismo observou imensas contribuições para a sociedade atual. Essas relevantes marcas se fazem presentes no Direito e nas ciências humanas em geral. Um exemplo foi o desenvolvimento, já na época do Renascimento, da ideia de colocação do homem como o centro dos valores e das decisões, não mais prevalecendo a religião, e isso deu origem ao princípio pro homine, ou seja, a aplicação em prática de uma norma jurídica mais favorável ao ser humano, aquela capaz de melhor resguardar direitos fundamentais (ROCHA, 2010).

Um exemplo que poderia ser mencionado concerne ao próprio direito à educação, atualmente resguardado na Constituição Federal brasileira, o qual deve prevalecer sobre questões de orçamento público. Ou seja: há uma prioridade da educação sobre a reserva do possível, em se tratando de direitos fundamentais considerados mínimos existenciais, tais como o ensino fundamental. Dessa forma, um magistrado poderá dar uma sentença obrigando um município a construir uma escola ou a realizar concurso público para nomeação de professores da rede municipal.

No entanto, o humanismo não extinguiu a religião. No século XVI, que foi justamente aquele das grandes navegações, argumento e ideologia cristãos ainda se faziam presentes. Tanto é que, no caso das expedições portuguesas enviadas ao Brasil após o ano de 1500, o objetivo era a catequese de índios para reafirmação do poder da Igreja e imposição de uma educação baseada no trivium e quadrivium aos nativos. Essa educação também seguiu um modelo denominado inaciano, ou seja, aquele concebido por Inácio de Loyola.

O diálogo interétnico entre portugueses e índios permitiu uma troca: a aquisição da língua portuguesa e formação religiosa cristã pelos naturais do Brasil e aprendizado da língua tupi pelos padres da Igreja. Ocorre que esse contato se deu na base do etnocentrismo: foi uma discriminação cultural, uma vez que um indivíduo ou grupo se achou superior ao outro. Em nenhum momento a cultura nativa pôde ser considerada inferior à do homem branco europeu e o que ocorreu foi, mais uma vez, um mecanismo de biopoder, artifício da Igreja Católica sobre outros povos para a mantença de sua perpetuação.

Essa tentativa de mantença de longevidade do poder da Igreja por meio das missões jesuíticas era uma verdadeira manobra da Contrarreforma. As críticas protestantes estavam em plena vigência na época – a denominada Reforma –, e a reação da Fé Católica era justamente avançar na educação de índios e de até mesmo dos portugueses que estavam presentes na colônia. Esse objetivo acabou coincidindo com os escopos políticos do reino de Portugal na colonização do Brasil (MACIEL; SHIGUNOV NETO, 2008).

Ainda assim, Almeida (2014) aponta que esse modelo de ensino produziu influência até mesmo na educação brasileira atual. O diálogo intertemporal que pode ser realizado é no sentido de que o plano de estudos jesuítico, também chamado Ratio Studiorum, trouxe a contribuição curricular e a estrutura de diretrizes básicas. Veja-se:

Os jesuítas deixaram um legado de colégios organizados em rede, um método pedagógico e um currículo comum. Embora o processo de colonização tenha atuado como uma ferramenta de imposição cultural aos índios, como forma de exercer o domínio sobre eles, é por meio da Companhia de Jesus que a educação brasileira desenvolveu-se, atendendo às necessidades da sociedade, dedicando-se a educar a elite e sendo também responsável pela integração da cultura europeia e indígena, disseminando-as pelos colégios e igrejas.

O estabelecimento de uma estrutura organizacional e a sistematização do ensino foram relevantes para o processo educacional brasileiro. Ao trazer para o Brasil uma estrutura de diretrizes básicas, baseadas na Ratio Studiorum, possibilitou à educação em nosso país uma estrutura regimentar intensa, conforme um processo catequético, mas baseado em uma forma coerente e em um eficaz sistema de aprendizado para a época. Desse conjunto de normas que organizaram e estruturaram a educação jesuítica, o que não permanece, evoluiu, compondo a atual lei de diretrizes e bases da educação nacional (ALMEIDA, 2014, p. 124).

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Faça-se um diálogo intertemporal com a atualidade: foi possível verificar, ao longo da história dos povos, que o comportamento etnocêntrico não se encontrou apenas na atitude pessoal das pessoas, mas pôde se fazer presente inclusive nos meios de comunicação. Assim, em estudo publicado por Denise da Costa Oliveira Siqueira e Euler David de Siqueira, intitulado “Etnocentrismo e imaginário nos discursos midiáticos sobre Paris”, foi possível perceber que os jornais de circulação local, as publicidades de turismo, o próprio cinema e até a televisão veicularam uma imagem da cidade de Paris como sendo a portadora das atrações turísticas mais esplendorosas do mundo, criando um discurso etnocêntrico (SIQUEIRA; SIQUEIRA, 2013).

A formação dos sujeitos e das sociedades com base em imposições etnocêntricas só geraram conflito e posteriores rupturas. Escravos negros rebelaram-se contra seus senhores, índios mataram invasores, o homem europeu que colonizou a América do Sul não deixou de sofrer resistência diante de sua ambição capitalista e “missão civilizatória cristã”. Aquilo que Michel Foucault denominou por biopoder e biopolítica, uma vez observado no contexto educacional de formação de subjetividades, evidenciou práticas didáticas de submissão e atendimento a ideologias e interesses específicos do fator real de poder em evidência.

Ainda dentro de uma ideia de diálogo intertemporal, no contexto do etnocentrismo: o combate a esse tipo de atitude foi estimulado pelo desenvolvimento da alteridade, a capacidade de apreender a visão do outro, da valorização da diversidade cultural. O direito à diferença veio à tona, com as minorias ganhando espaço na sociedade por meio de suas reivindicações e por meio da dignidade da pessoa humana constitucionalmente reconhecida (art. 1º, III da Constituição brasileira). Minorias étnicas, de gênero, de classe social e de diversas outras formas de expressão tiveram suas opiniões ouvidas.

Importante destacar isso porque foram as formas de desrespeito do passado que fizeram as modificações das configurações do presente. As novas formações de sujeitos e sociedades se deram com base na ideia de um multiculturalismo e respeito à diferença. A globalização favoreceu a diversidade cultural, mas ainda assim não houve uma padronização total de cultura e existiu, ainda, a presença de movimentos antiglobalização. No Brasil, observou-se uma multiplicidade de culturas em função da miscigenação de influências indígenas, africanas, europeias e asiáticas.

A questão do multiculturalismo e o respeito à diferença foi mencionada porque isso repercutiu nos currículos e nas políticas educacionais de vários países, de acordo com a postura política de determinados partidos políticos e dos governos de ocasião. A educação não pode desconsiderar que existem diferentes realidades políticas, de gênero, econômicas e culturais. E em sala de aula o professor deve estar preparado para lidar com essas diferenças, recebendo apoio e preparação por meio de políticas vindas do Estado.

Conforme já mencionado, veja-se que o Renascimento observou a questão da Reforma protestante:  a Igreja viu sua imagem contestada em função de uma série de práticas, como vendas de indulgências, enriquecimento e adoração de santos. Martinho Lutero teve grande destaque na divulgação das ideias protestantes e, no que diz respeito à educação, defendeu que o monopólio da Igreja fosse extinto, passando o ensino a ser divulgado para qualquer do povo que quisesse ter acesso à Bíblia para se instruir na palavra de Deus. Obviamente, a Igreja repreendeu tal atitude: no concílio de Trento, definiu uma série de medidas que reforçavam a sua autoridade. Foi a denominada Contrarreforma.

Por último, para fechar a discussão sobre a educação no Renascimento, cite-se trecho da obra de Bortoloti (2015, p. 134) acerca do pai da Didática moderna, Comênio:

Para o educador, cientista e escritor tcheco Comenius (1592 –1670) todos os problemas que tumultuaram e perturbavam a humanidade seriam solucionados com o aprimoramento do processo educativo. Faltava até aquele momento um projeto de estudos adequado, um método que valorizasse a revolução científica. Enfim, para Comênio faltava tudo o que pudesse tornar o processo educativo atraente para os educandos. Almejava, dessa forma, alargar o programa de estudo para nele incluir o máximo número de disciplinais possíveis até criar um sistema de conhecimento universal, objetivo último de sua educação.

Em sua obra mais significativa, Didática Magna, apresenta um método que deveria servir para ensinar a todas as crianças agradavelmente. Trata-se de um método baseado na maturação da mente da criança e nos princípios que governam a evolução da mente humana. Comênio, na realidade, pretendia, através de experiências, facilitar o processo de aprendizagem, tornando-o mais interessante e envolvente para o educando. Estes princípios substituiriam a estrutura formal lógica, por uma configuração psicológica.

Foi por meio de Comênio que se passou a poder pensar numa educação para todos, com objetivos de formação ética e moral, uma pedagogia que enxergou a realidade do aluno como sendo indissociável do processo de ensino e aprendizagem. Isso teve profundas influências nas concepções posteriores de como se pensar a educação transformadora e efetiva na vida de crianças, jovens e até mesmo adultos, por meio da ideia de inclusão e do aprender mediante significados.

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Sobre o autor
Thiago dos Santos Rocha

Thiago dos Santos Rocha é um advogado e autor de livros e artigos jurídicos, graduado em Direito pela Universidade Federal do Maranhão. É especialista em Direito do Consumidor, em Direito Constitucional Aplicado e em Direito Processual Civil pela Faculdade Damásio. Em seus textos acadêmicos, promoveu o diálogo entre Direito e Game Studies, abordando temas como: videogames e epilepsia; advergames e publicidade infantil; gameterapia e planos de saúde; videogames e política nacional de educação ambiental; etc. Também publicou obras na área de Direito Médico, tendo escrito os livros "A violação do direito à saúde sob a perspectiva do erro médico: um diálogo constitucional-administrativo na seara do SUS" (Editora CRV) e "A aplicação do Código de Defesa do Consumidor à relação médico-paciente de cirurgia plástica: visão tridimensional e em diálogo de fontes do Schuld e Haftung" (Editora Lumen Juris).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROCHA, Thiago Santos. A história da educação e a construção de metodologias ativas no mundo contemporâneo:: o direito educacional e a didática para a efetividade do ensino-aprendizagem . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6188, 10 jun. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/82962. Acesso em: 4 nov. 2024.

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