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A história da educação e a construção de metodologias ativas no mundo contemporâneo:

o direito educacional e a didática para a efetividade do ensino-aprendizagem

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10/06/2020 às 15:15
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5. A EDUCAÇÃO NO ILUMINISMO: AS NOVAS PEDAGOGIAS DE PESTALOZZI, HERBART E FRÖBEL E OS EXEMPLOS EDUCACIONAIS DO REINO DE PORTUGAL E DO BRASIL NOS SÉCULOS XVIII E XIX

O período do Iluminismo foi marcado pelo predomínio da razão em contraponto à religião. Dessa forma, a educação acabou recebendo influências do humanismo, do antropocentrismo e de uma valorização da infância que já havia sido observada durante a fase do Renascimento. Assim é que surgiram os autores Pestalozzi, Herbart e Fröbel como expoentes de novas pedagogias para uma maior efetividade do ensino-aprendizagem, com embasamentos totalmente diversos de anteriores paradigmas religiosos ou de rigidez disciplinar.  

Pestalozzi concebeu a pedagogia do afeto e com foco na formação moral do indivíduo. Tal autor encontrou em Rousseau uma grande influência e defendeu a laicização do ensino, bem como procurou, junto às crianças pobres, desenvolver um trabalho que não observasse uma disciplina autoritária, mas sim a busca da felicidade. “Pestalozzi enfatizava as conexões entre a pedagogia e sociedade pela disciplina e pelo trabalho, bem como a formação do homem, vista como exercício de liberdade, e da participação na vida coletiva, econômica e social” (BRETTAS, 2018, p. 427).

A formação do sujeito em Pestalozzi encontrou no pensamento autônomo e na observação do comportamento dos mestres a via de compartilhamento dos valores morais, o que tornou a educação harmônica e capaz de atender à sua real finalidade. O método de Pestalozzi esteve muito aliado à Psicologia, o que favoreceu o uso da técnica intuitiva como possibilidade de ativação da mente da criança. A contribuição do suíço, apesar de plenamente disseminada no mundo, ainda não encontrou amplo respaldo no Brasil (BRETTAS, 2018, p. 417).

Passando à análise do pedagogo Herbart: enxergou a educação como uma ciência e, se em Pestalozzi havia uma aproximação com a Psicologia, aqui houve uma tentativa de cientificidade, com observação de procedimentos a serem seguidos. Porém, ainda que houvesse essa noção de procedimentalização, a preocupação central continuava sendo uma formação moral. A formação do sujeito foi trabalhada pela via do controle comportamental, da instrução e da disciplina.

Já em Fröbel, surgiu a noção de jardim de infância. Esse autor trabalhou com a ideia de ludicidade e brincadeiras como forma de aprendizado. Isso influenciou bastante as sociedades posteriores no que tange ao desenvolvimento de metodologias ativas e atividades lúdicas na educação básica, seja no Brasil, seja em outros países. O século XX observou, por exemplo, o ingresso de tais ideias em novas mídias tecnológicas, podendo-se falar em jogos de computador ou jogos de videogame capazes de colaborar na participação ativa do aluno.

Ainda no que diz respeito à educação no período do Iluminismo, foram observadas mudanças significativas no reino de Portugal que implicaram alterações das práticas educacionais no Brasil. A nomeação do Marquês de Pombal como primeiro-ministro resultou na extinção do ensino jesuítico e implantação do modelo iluminista de ensino-aprendizado. O sistema de Aulas Régias – Latim, Grego, Filosofia e Retórica – vigorou de forma gratuita.

Posteriormente, já no reinado de Dom Pedro I, foi adotado o método Lancaster de ensino primário oficial no Brasil. No Reinado de Dom Pedro II, não houve muitas modificações significativas no sistema educacional.


6. A EDUCAÇÃO NO PERÍODO DA PRIMEIRA REPÚBLICA À DITADURA MILITAR NO BRASIL: POSITIVISMO, ESCOLANOVISMO E MOBRAL

Com o fim do império e promulgação da Constituição republicana de 1891, houve o estabelecimento de um novo projeto de educação. A base ideológica e filosófica da época era o positivismo de Augusto Comte, e os objetivos da demanda educacional seriam formar pessoas para ocupar os postos de trabalho do país que estava em construção. A pedagogia era a denominada liberal tradicional.

Esse foi um período em que se lecionava uma matéria denominada Educação Moral e Cívica. Um fato muito importante de ser mencionado seria uma reforma educacional promovida por Benjamin Constant no ano de 1890, que promoveu o ensino laico e a gratuidade da escola primária. Tal reforma estava baseada no positivismo.

No começo dos anos 1900, surgiu no Brasil o que ficou conhecido por escolanovismo, que foi um movimento de professores que tinham por objetivo contrapor uma educação que era baseada meramente no fator memorização e repetição de conteúdos. Isso foi muito inovador à época porque valorizou a capacidade do aluno de produzir conhecimento e de transformar a realidade.

Ocorre que o Brasil não teve sorte em sua História recente, tendo ingressado em uma ditadura militar nos anos 60. A partir daquele momento, a educação não tem mais o objetivo de promover nenhuma transformação social, mas apenas a mantença do status quo, a garantia do regime militar, com a permanência de disciplinas como Educação Moral e Cívica, Organização Social e Política Brasileira (OSPB) e criação de uma política de alfabetização que teve sua qualidade bastante contestada, o denominado MOBRAL.

No que diz respeito à formação de sujeitos, esse modelo de educação pode ser considerado alienador, pois configura um projeto de ideologia nacionalista, modelo cívico-militar composto de elementos repressivos quanto aos conteúdos lecionados, que ficaram sujeitos à censura. Professores que contestaram o sistema foram presos ou torturados, alunos não puderam expressar a opinião de forma livre e somente após a promulgação da Constituição de 1988 é que se voltou a pensar e construir uma sociedade democrática.


7. TENDÊNCIAS PEDAGÓGICAS CONTEMPORÂNEAS: METODOLOGIAS ATIVAS E DIDÁTICA PARA A EFETIVIDADE EDUCACIONAL

A noção de um ensino que deve ser estendido a todos foi disseminada com a obra de Comênio no século XVII, sendo ele considerado o pai da didática moderna. Os pilares da educação atual se construíram com a obra Didática Magna desse pensador, que disseminou a ideia da universalização do ensino; a valorização da realidade do aluno; a observação da ética e dos valores; bem como a construção interdisciplinar dos saberes. Estava plantada a semente da evolução dos métodos de ensino-aprendizagem.

Diante disso, o professor da atualidade precisou se valer dos métodos didáticos clássicos e das novas metodologias de ensino que foram desenvolvidas ao longo do tempo. Tais métodos não se invalidaram, mas se complementaram. Houve a adaptação das estratégias à realidade dos alunos. O professor passou a se posicionar em termos filosóficos e instrumentais, sabendo usar metodologias como a aprendizagem baseada em jogos (game-based learning); a aprendizagem baseada em problemas; a peer instruction; a aprendizagem baseada em investigação ou mesmo a aprendizagem baseada em casos.

Precisou o professor, ainda, considerar a geração dos nativos digitais e se adequar ao mundo da cibercultura; teve de estar atento às modificações da lei que se refiram a políticas educacionais; bem como precisou considerar a realidade socioeconômica de seus alunos. Assim é que o próprio mestre, realizando a migração do mundo virtual, passando a entender o contexto da inclusão/exclusão e letramento digital dos alunos. Resta lembrar que a didática precisou se fazer presente em qualquer modalidade de ensino, seja presencial, seja na modalidade à distância.

Nesses termos, o direito à educação não se limitou à norma jurídica presente na Constituição Federal e nas leis formais. Também não se resumiu à declaração de bens jurídicos judicialmente tuteláveis, a exemplo da determinação pelos magistrados de que o Estado procedesse à construção de escolas, fornecimento de merendas ou vagas em creches públicas. Não foi suficiente equipar as escolas com microcomputadores, levando em consideração as diferentes realidades sociais de inclusão e exclusão digital.

O direito à educação foi além: adentrou no campo do próprio saber em si, perpassou o âmbito epistemológico do “fazer” educativo, da elaboração de metodologias e execução das referidas práticas. Isso porque não adiantou a presença do professor, da estrutura material, dos bens materiais, se a execução do plano estratégico de ensino se torna ineficaz. O direito à educação teve, então, além de suas outras denotações, a de “didática para a efetividade educacional”.

A reflexão que pôde ser realizada a respeito das metodologias ativas trouxe à tona o papel da Didática para a efetividade do ensino-aprendizagem como uma das vertentes do direito à educação no Brasil. É dizer: se antes se falava numa pedagogia que tinha por pressuposto processos educacionais mecânicos e desinteressantes, o desenvolvimento da própria ciência ou estudo dos “fazeres” do “educar” integram a noção de realização dos direitos fundamentais dos educandos.

A pedagogia progressista apresentou as tendências libertadora, libertária e crítico-social dos conteúdos, que contribuíram para a compreensão do conhecimento construído, para relação horizontal entre professor e aluno e para a aprendizagem significativa daquilo que é ensinado.

Das teorias da aprendizagem, o cognitivismo de três vertentes –  construtivismo, sociointeracionismo e ensino significativo –, com autores como Jean Piaget, Vigotsky e Ausubel, aprimorou a noção de que o conhecimento de mundo do aluno e a mediação realizada pelo professor são os pontos chaves para que esse educando venha a encontrar reais significados para o que aprende. Essa seria a real função da Psicologia da Educação.

Assim, as metodologias ativas como a aprendizagem baseada em jogos (game-based learning), a aprendizagem baseada em problemas, a peer instruction, a aprendizagem baseada em investigação ou mesmo a aprendizagem baseada em casos, se são capazes de efetuar uma ação docente efetiva, eficaz, que gere no sujeito de direitos uma evolução ou progressão não só como discípulo de uma turma de sala de aula, mas também de natureza moral, há de se reconhecer que a ciência da Didática – o campo epistemológico – conseguiu imprimir no campo da materialidade dos direitos fundamentais a sua marca: a cidadania.

Essa cidadania foi prevista como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil no art. 1º, II da Constituição Federal. Trazer a Didática e as metodologias ativas para o próprio campo de discussão do exercício da educação cidadã é colocar em prática o art. 205 da Carta Magna:

Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (BRASIL, 1988).

No plano infraconstitucional, o direito à educação da criança e a seu exercício de cidadania são assegurados no artigo 53 do Estatuto da Criança e do Adolescente:

Art. 53. A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho, assegurando-se-lhes:

I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;

II - direito de ser respeitado por seus educadores;

III - direito de contestar critérios avaliativos, podendo recorrer às instâncias escolares superiores;

IV - direito de organização e participação em entidades estudantis;

V - acesso à escola pública e gratuita, próxima de sua residência, garantindo-se vagas no mesmo estabelecimento a irmãos que frequentem a mesma etapa ou ciclo de ensino da educação básica. 

Parágrafo único. É direito dos pais ou responsáveis ter ciência do processo pedagógico, bem como participar da definição das propostas educacionais (BRASIL, 1990).

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Conforme já mencionado o game-based learning, enquanto metodologia ativa, representa a inserção do aluno no ciberespaço. Fundamenta-se na ideia de jogos educacionais, sendo que eles podem ser jogos digitais, jogos de tabuleiro ou outras modalidades. Os valores da vida são relatados nesses games e a ideia de transposição didática vem à tona: o saber científico é convertido numa forma de significação para a vida do educando, de forma que possa desenvolver processos cognitivos efetivos para a aprendizagem.

Nesses termos, entenda-se o game-based learning como uma metodologia ativa muito adequada ao cenário das gerações Z e Alpha, que é o de crianças extremamente bem relacionadas às tecnologias digitais, capazes de ter uma boa experiência de usuário – customer experience – com as Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs).

Já a aprendizagem baseada em problemas (problem-based learning) “[...] tem como premissa básica o uso de problemas da vida real para estimular o desenvolvimento conceitual, procedimental e atitudinal do discente” (BOROCHOVICIUS; TORTELLA, 2014, p. 268). Essa metodologia prioriza, geralmente, o trabalho em equipe, no qual ocorrerão discussões interdisciplinares. O método é centrado no aluno que, uma vez em contato com uma situação que apresenta um problema, massa ao trabalho de pesquisa.

De acordo com Dourado e Souza (2015), esse método de ensino-aprendizagem se destaca tanto no ensino básico como no ensino superior, sendo que os problemas são utilizados como gatilhos para a aquisição de novos conhecimentos. É bem mais enfatizada a questão da compreensão dos conteúdos do que a mera memorização, e aí está um grande ganho dessa metodologia: representa a ideia daquilo que David Ausubel designou por aprendizagem significativa, aquela que se relacione com a realidade do aluno ou que produza algum significado real em sua vida.

Mencione-se agora a peer instruction: trata-se de uma metodologia que foi desenvolvida pelo professor de física da universidade de Harvard Eric Mazur, e que significa que os próprios discentes irão auxiliar uns aos outros em sala de aula, de forma que essa colaboração é que produzirá o aprimoramento individual.

Gitahy et al (2017) indicam que existem ferramentas de interatividade gratuitas que facilitam a colocação em prática dessa metodologia. Os autores indicam o Google Docs, o Plickers, o Kahoot e o Socrative, todos aplicativos que podem ser acessados na internet pelos alunos e pelo professor. Assim, afirmam Gitahy et al (2017, p. 649):

Essas são algumas ferramentas de interatividade gratuitas que podem ser usadas com a metodologia ativa peer instruction para poder inovar e diversificar a educação. Essas ferramentas auxiliam o professor em tomadas de decisão sobre conteúdo abordado em aula. Ajudam as aulas a se tornarem mais atrativas e mais dinâmicas para os estudantes.

Outra metodologia ativa que pode ser mencionada é a aprendizagem baseada em investigação, também conhecida por inquiry-based learning.  Essa metodologia utiliza o método científico, tendo o professor como mediador do conhecimento. Dessa forma, Canto et al (2018) observam que, uma vez disponibilizado ou concebido um determinado ambiente de pesquisa, com materiais e recursos tecnológicos, passa-se à fase do desenvolvimento de perguntas e análise de dados.

Por último, mencione-se a case-based learning ou aprendizagem baseada em casos. Esse método é utilizado em muitas universidades, nas quais os alunos são instigados a lidarem com casos da vida concreta e, em cima de tais situações, devem desenvolver soluções práticas para resolver problemas ou devem elaborar novos estudos com base no modelo referencial.

Uma vez consideradas essas novas metodologias, se contrapostas com os modelos de ensino anteriores, baseados em finalidades de Estado, de ideologia de fé, ou mesmo em interesses de elite, o atual modelo de educação tem o foco na aprendizagem do aluno e no seu desenvolvimento para atuação perante o corpo coletivo. Se no Iluminismo os interesses da burguesia deram prioridade a um ensino individualista, hoje vigora uma noção de ética e fraternidade, responsabilidade social e ambiental.

Assim, o direito educacional pode ser encarado sob dois aspectos: o primeiro, seria o da materialidade do direito fundamental constitucional; o segundo; seria o da epistemologia ou ciência do “ensinar”, a didática para a efetividade do ensino-aprendizagem.

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Sobre o autor
Thiago dos Santos Rocha

Thiago dos Santos Rocha é um advogado e autor de livros e artigos jurídicos, graduado em Direito pela Universidade Federal do Maranhão. É especialista em Direito do Consumidor, em Direito Constitucional Aplicado e em Direito Processual Civil pela Faculdade Damásio. Em seus textos acadêmicos, promoveu o diálogo entre Direito e Game Studies, abordando temas como: videogames e epilepsia; advergames e publicidade infantil; gameterapia e planos de saúde; videogames e política nacional de educação ambiental; etc. Também publicou obras na área de Direito Médico, tendo escrito os livros "A violação do direito à saúde sob a perspectiva do erro médico: um diálogo constitucional-administrativo na seara do SUS" (Editora CRV) e "A aplicação do Código de Defesa do Consumidor à relação médico-paciente de cirurgia plástica: visão tridimensional e em diálogo de fontes do Schuld e Haftung" (Editora Lumen Juris).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROCHA, Thiago Santos. A história da educação e a construção de metodologias ativas no mundo contemporâneo:: o direito educacional e a didática para a efetividade do ensino-aprendizagem . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6188, 10 jun. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/82962. Acesso em: 26 abr. 2024.

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