Capa da publicação Razoável duração do processo penal e o excesso de prazo de prisões cautelares
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Da razoável duração do processo penal.

Do relaxamento/revogação das prisões cautelares por excesso de prazo

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23/06/2020 às 14:30
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Talvez por nossa própria cultura e estado social, impossível, neste momento, a aplicação da pena do Código de Processo Penal Paraguaio, que prevê a extinção do processo se decorridos três anos. Todavia, impossível ficarmos silentes diante de tantas ilegalidades causadas pela inércia do Judiciário.

INTRODUÇÃO

Como afirmava o saudoso mestre Rui Barbosa, uma justiça tardia não passa de uma injustiça qualificada.

Percebe-se que, há muito, preocupa-se em que haja uma resposta jurisdicional em tempo razoável. Sobretudo no Direito Penal que, inegavelmente, busca, ao mesmo tempo, a repressão estatal ao delito praticado, e o direito de o réu ter um julgamento digno e com respeito aos limites legais, a celeridade processual mostra-se de suma importância.

Assim, sobre este tema, de tão fácil definição, mas que apresenta difícil resolução prática, é que se apresenta este artigo, fruto de monografia em bacharelado de Direito.


1. DOS PRINCÍPIOS QUE TUTELAM A RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO

Em primeiro, importante salientar o significado de princípios. Utilizando as palavras de Nucci:

No sentido utilizado em Direito não se poderia fugir de tais noções, de modo que o conceito de princípio jurídico indica uma ordenação que se irradia e imanta os sistemas de normas (José Afonso da Silva, Curso de direito constitucional positivo, p. 85) servindo de base para a interpretação, integração, conhecimento e aplicação do direito positivo. Todos os seus ramos possuem princípios próprios, que informa todo o sistema, podendo estar expressamente previstos em lei ou ser implícitos, vale dizer, resultar da conjugação de vários dispositivos legais, conforme a cultura jurídica formada pelo passar dos anos de estudo de determinada matéria. [1]

Não há dúvidas que os princípios orientam e dão base ao Direito, podendo até mesmo, por sua importância, se contraporem as próprias leis, fontes materiais do direito, derrogando-as por sua inobservância, já que estas buscam validade nos próprios princípios.

Exemplo nítido e recente de tal efeito pode ser vislumbrado na edição da Resolução nº 05 do Senado Federal que, por força da decisão definitiva em Habeas Corpus do Supremo Tribunal Federal, no HC nº 97.256/RS, considerou inconstitucionais os dispositivos da Lei de Drogas (Lei nº 11.343/06) que vedam a conversão de pena privativa de liberdade em restritiva de direitos, que desrespeitavam o princípio da individualização da pena, insculpido no artigo 5º, inciso XLVI da Constituição Federal.

Ademais, insta salientar que os princípios, em excelente explicação de Luiz Flávio Gomes[2], classificam-se em constitucionais, quando expressos na própria Constituição Federal; infraconstitucionais, expressos em leis esparsas e diversas da CRFB/88, como o princípio recursal do tantum devolutum quantum apellatum, explicitado no artigo 599 do Código de Processo Penal; e, ainda, os internacionais, expressos em tratados e pactos internacionais, que como exemplo temos o próprio princípio da razoável duração do processo, estudo deste trabalho, expresso no artigo 14 do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos de 1966.

Assim, antes mesmo da edição da Emenda Constitucional nº 45, que incluiu o princípio da razoável duração do processo entre os direitos fundamentais do artigo 5º da CRFB/88, alguns princípios constitucionais já, ainda que de forma implícita, garantiam a celeridade processual, como veremos a seguir.

1.1. Do Princípio do Devido Processo Legal

Previsto como direito fundamental em nossa Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso LIV, com a seguinte redação “Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.”, o princípio em comento garante a todos que o Estado não irá priva-los de direitos sem que haja o devido processo legal.

Como explica Tourinho Filho[3], a fonte original deste princípio estava no Capítulo 39 da Magna ChartaLibertatum, de João Sem Terra, promulgada em Windsor, em junho de 1215, prescrevendo que ninguém será privado de seus bens, vida e liberdade senão bythelawoftheland. 

E como bem conceitua o mestre Mougenot:

Mais tecnicamente, em sede penal, chamado de devido processo penal. “Devido processo penal” é expressão que deriva do inglês due processo oflaw, constituindo, basicamente, a garantia de que o conteúdo da jurisdicionalidade é a legalidade (nullusactumsine lege), ou seja, o rigor de obediência ao previamente estabelecido na lei.[4]

O devido processo legal divide-se em material, que é aquele que tutela o direito material, que “protege o particular contra qualquer atividade estatal que arbitrária, desproporcional ou não razoável constitua violação a qualquer direito fundamental”[5]; e o formal, que tutela o direito processual em si, que visa garantir o regular andamento do trâmite processual.

Novamente recorrendo às palavras de Mougenot:

Ao lado dessa dimensão fundamentalmente procedimental – que constitui o sentido original do princípio do devido processo legal, paulativamente alargado com o tempo –, o devido processo legal formal consubstancia-se também na disponibilização, aos cidadãos, de mecanismos eficazes de atuação perante o poder estatal. A implementação de um devido processo legal processual, portanto, implica garantir às partes uma atuação efetiva durante o desenrolar do processo (deduzindo pretensões, produzindo provas, fazendo alegações), na busca do convencimento do juiz, obrigando este à plena obediência ao princípio. Nesse sentido, já se reconheceu o cabimento de recurso extraordinário por ofensa direta à Constituição Federal, quando o órgão julgador deixou de analisar pressupostos de recorribilidade, e, portanto, fez com que o silêncio configurasse vício (de procedimento) infrator da garantia do devido processo legal. O devido processo legal, assim, constitui um conjunto de garantias suficientes para possibilitar às partes o exercício pleno de seus direitos, poderes e faculdades processuais.[6]

O princípio da razoável duração do processo está diretamente ligado ao princípio do devido processo legal.

Ora, um processo que não possua razoável duração certamente não estará atendendo o devido processo legal.

De outra banda, um processo que siga o devido procedimento previsto em lei provavelmente atingirá uma razoável duração.

Assim, ao garantir que os procedimentos legais do processo serão observados a ambos os litigantes, o princípio em comento acaba por ser indissociável ao próprio princípio da razoável duração do processo, buscando e dando-lhe validade.

1.2. Do Princípio da Proporcionalidade

Já que nosso estudo refere-se à razoável duração do processo, importante mencionarsobre o princípio da proporcionalidade.

Tal princípio, como bem explica Lenza:

O princípio da proporcionalidade ou da razoabilidade, em essência, consubstancia uma pauta de natureza axiológica que emana diretamente das ideias de justiça, equidade, bom senso, prudência, moderação, justa medida, proibição de excesso, direito justo e valores afins; precede e condiciona a positivação jurídica, inclusive de âmbito constitucional; e, ainda, enquanto princípio geral do direito,serve de regra de interpretação para todo o ordenamento jurídico.[7]

Tal princípio é fundamental para possíveis conflitos entre princípios. O supracitado professor ensina que, como parâmetro, temos três importantes elementos: a necessidade, da qual a adoção de medida que possa restringir direitos só se legitima se indispensável para o caso concreto, e não podendo se substituir por outra menos gravosa; a adequação, da qual o meio empregado deve atingir o objetivo perquirido; e a proporcionalidade em sentido estrito, onde deverá ser valorado se, sendo a medida necessária e adequada, esta supera a restrição a outros valores constitucionais.[8]

Assim, em conflitos de normas constitucionais, a proporcionalidade deve ser utilizada para a sua resolução.

Tal princípio deve ser utilizado para a real aplicação de uma razoável duração do processo, como será visto adiante.

1.3. Do Princípio da Efetividade do Processo

Corolário lógico do princípio do devido processo legal, o princípio da efetividade do processo garanteque um processo, seguindo ao mesmo tempo uma razoável duração, seguirá o disposto no rito processual.

Segundo José Roberto dos Santos Bedaque, o “processo efetivo é aquele que, observado o equilíbrio entre os valores de segurança e celeridade, proporciona às partes o resultado desejado pelo direito material”.[9]

Como explicado pelo referido autor, tal princípio visa garantir as partes que tenham, através do processo, o bem da vida perseguido. No processo penal, espera-se que o feito resguarde, ao mesmo tempo, todas as garantias fundamentais inerentes ao acusado, bem como tenha assegurada a devida resposta estatal para o delito cometido pelo agente.

Segundo entendimento de Luiz Guilherme da Costa Wagner Júnior, “para o efetivo exercício da jurisdição, não basta o acerto da decisão, impondo-se, igualmente, que seja ela proferida em tempo útil de ser fruída pelo beneficiário.”[10]

Assim, impossível pensar em um processo penal efetivo sem que este respeite uma razoável duração para seu termino.

1.4. Do Princípio da Presunção de Inocência

Previsto no artigo 5º, inciso LVII, da CRFB/88, o princípio da presunção de inocência garante a todos que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.

Como explica Nucci, tal princípio tem por objetivo “garantir, primordialmente, que o ônus da prova cabe à acusação e não à defesa.”[11]

O renomado doutrinador afirma ainda, ao relacionar o princípio em análise com a as prisões cautelares:

Por outro lado, confirma a excepcionalidade e a necessidade das medidas cautelares da prisão, já que indivíduos inocentes somente podem ser levados ao cárcere quando realmente for útil à instrução e à ordem pública”[12]

Eugênio Pacelli também se manifesta sobre o princípio em comento:

O princípio da inocência, ou da não culpabilidade, cuja origem mais significativa pode ser referida à Revolução Francesa e à queda do Absolutismo, sob a rubrica da presunção de inocência, recebeu tratamento distinto por parte de nosso constituinte de 1988. A nossa Constituição, com efeito, não fala em nenhuma presunção de inocência, mas da afirmação dela, como valor normativo a ser considerado em todas as fases do processo penal ou da persecução penal, abrangendo, assim tanto a fase investigatória (fase pré-processual) quanto a fase processual propriamente dita (ação penal).[13]

Assim, em nosso Estado Democrático de Direito, em que se privilegia o estado de inocência, impossível pensar em prisões cautelares sem fundamentação idônea, e tampouco que estas perdurem por tempo indeterminado, em total desrespeito ao princípio da razoável duração do processo.  

1.5. Do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana

Por fim, cumpre estudar o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Este, muito mais de um direito fundamental, foi pela nossa Carta Magna elevado como Fundamento da própria República Federativa do Brasil.

ConformeLenza, a dignidade da pessoa humana pode ser definida como o “núcleo essencial do constitucionalismo moderno. Assim, diante de colisões, a dignidade servirá para orientar as necessárias soluções de conflitos.”[14]

O Ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, tratando sobre o tema, afirma que:

“A duração indefinida ou ilimitada do processo judicial afeta não apenas e de forma direta a idéia de proteção judicial efetiva, como compromete de modo decisivo a proteção da dignidade da pessoa humana, na medida em que permite a transformação do ser humano em objeto dos processo estatais.

Dessarte, a Constituição conferiu significado especial ao princípio da dignidade humana como postulado essencial da ordem constitucional (art.1º, III, da CF/88). Na sua acepção originária, esse princípio proíbe a utilização ou transformação do homem em objeto dos processos e ações estatais. O Estado está vinculado ao dever de respeito e proteção do indivíduo contra exposição a ofensas ou humilhações.

A propósito, em comentário ao art.1º da Constituição alemã, afirma GüntherDürig que a submissão do homem a um processo judicial indefinido e sua degradação como objeto do processo estatal atenta contra o princípio da proteção judicial efetiva (rechtichesGehör) e fere o princípio da dignidade humana.”[15]

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O processo, ainda mais o penal, que poderá privar desde direitos, até mesmo a liberdade de um indivíduo, está intimamente ligado ao princípio da dignidade da pessoa humana, já que é inconcebível pensar nesta quando se vê um encarcerado preso além de um tempo razoável pela demora jurisdicional.

Como se vê, todos os princípios elencados, de alguma forma, estão interligados com o princípio da razoável duração do processo, nele se apoiando e encontrando-o como fundamento.


2. DO PRINCÍPIO DA RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO

2.1. Conceito e Histórico

Ainda que previsto expressamente no artigo 5º, inciso LXXVIII, é de difícil conceituação, até mesmo pela doutrina, do que seria razoável duração do processo.

Têm-se que razoável duração do processo, acolhendo-se a conceituação de Orlando Luiz Zanon Júnior, como “o lapso temporal suficiente para adequada resolução da controvérsia, sem prejuízo do próprio direito objeto do litígio e evitando a perda superveniente da utilidade do provimento final para os envolvidos.”[16]

Por óbvio, é complicada a definição do lapso temporal suficiente para a resolução da lide, que depende da interpretação de cada uma das partes. Por exemplo, em uma ação de execução civil, a demora judicial interessa ao executado, mas pode trazer à ruína o exequente.

De igual modo, no processo penal, uma ação criminal que demore, por exemplo, seis meses para sua conclusão, certamente será considerado como um tempo exarcebado para o encarcerado, mas não para a Acusação, Juízo e mesmo a Defesa, já que, ante as inúmeras demandas no Poder Judiciário, tal prazo mostra-se razoável.

Assim, é das tarefas mais difíceis, tanto para a doutrina quanto aos legisladores, a definição de razoável duração do processo.

Mas a preocupação de se atingir tal status é antiga. CesareBeccaria, no longínquo ano de 1764, em sua clássica obra Dos delitos e das penas, já prestava atenção à problemática da razoável duração do processo, como pode se perceber no excerto abaixo:

Só posso indicar aqui princípios gerais. Para fazer sua explicação precisa, é mister considerar a legislação existente, os usos do país, as circunstâncias. Limito-me a acrescentar que, para um povo que reconhecesse as vantagens das penas moderadas, se as leis abreviassem ou prolongassem a duração dos processos e o tempo da prescrição segundo a gravidade do delito, se a prisão provisória e o exílio voluntário fossem contados como uma parte da pena merecida pelo culpado, chegar-se-ia a estabelecer assim uma justa progressão de castigos suaves para um grande número de delitos.[17]

A preocupação com um processo com razoável duração também esteve, a longa data, presente no Brasil. Rui Barbosa, em discurso na Faculdade de Direito de São Paulo em 1920, convertida na obra Oração aos moços, no ano de 1921, afirma que:

Mas justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta. Porque a dilação ilegal nas mãos do julgador contraria o direito escrito das partes, e, assim, as lesa no patrimônio, honra e liberdade. Os juízes tardinheiros são culpados, que lassidão comum vai tolerando. Mas sua culpa tresdobra com a terrível agravante de que o lesado não tem meio de reagir contra o delinquente poderoso, em cujas mãos jaz a sorte do litígio pendente.[18]

Na Europa, na Convenção de Salvaguarda dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais, de 1950, já se previa, no artigo 6º de tal documento internacional, que “toda pessoa tem direito a que sua causa seja examinada equitativa e publicamente em prazo razoável (...)”.

De igual modo, na América Latina, através do Pacto de San José da Costa Rica, de 1969, prevê, em seu artigo 8º.1, que “toda pessoa tem o direito de ser ouvida com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável por um juiz ou tribunal competente(...)”

Ainda mais, como anota Luis Flávio Gomes:

A Convenção Americana sobre Direitos Humanos, por seu turno, enfatiza que “toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável...” (art. 8º, 1). No que diz respeito ao preso: “Toda pessoa detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada pela lei a exercer funções judiciais e tem direito a ser julgada dentro de um prazo razoável ou a ser posta em liberdade...” (art.7º, 5);”Toda pessoa privada da liberdade tem direito a recorrer a um juiz ou tribunal competente, a fim de que decida, sem demora...” (art. 7º,6)[19]

Tal pacto foi ratificado pelo Brasil pelo Decreto Legislativo nº27/92 e pelo Decreto nº 678/92. Assim, a partir de 1992 o princípio da razoável duração do processo já era garantido em nosso ordenamento jurídico.

Contudo, com a Emenda Constitucional n° 45 que, dentre outras modificações, acrescentou no artigo 5º o inciso LXXVIII, a razoável duração do processo foi elevado à direito fundamental.

Estudemos melhor tal artigo:

2.2. Da Emenda Constitucional nº 45 – Status do princípio da razoável duração do processo como Direito Fundamental

É sabido que, como os demais artigos presentes na própria Constituição Federal, o caput e incisos do artigo 5º são considerados direitos fundamentais. Estes, nas palavras de Vicente Paulo Marcelo Alexandrino, surgiram “como normas que visavam a restringir a atuação do Estado, exigindo deste um comportamento omissivo (abstenção) em favor da liberdade do indivíduo, ampliando o domínio da autonomia individual frente à ação estatal.”[20]

Em igual linha de raciocínio, José Afonso da Silva define como direitos fundamentais como:

Expressão que designa, em nível de Direito Constitucional positivo, aquelas prerrogativas e instituições que ele concretiza em garantias de uma convivência digna, livre e igual de todas as pessoas. No qualificativo fundamentais acha-se a indicação de que se trata de situações jurídicas, sem as quais a pessoa humana não se realiza, não convive e, às vezes, nem sobrevive; fundamentais do homem, no sentido de que todos, por igual, devem ser, não apenas formalmente reconhecidos, mas concreta e materialmente efetivados”[21]

Assim, com a Emenda Constitucional nº 45, de 30 de Dezembro de 2004, foi adicionado ao art. 5º da Constituição Federal o inciso LXXVIII, que garante “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.

Conforme bem explicitado por Manoel Antônio Teixeira Filho,

O inciso LXXVIII, do art. 5º, da Constituição, acrescentado pela EC n.45/2004, preocupou-se com o problema da falta de celeridade na prestação jurisdicional. Essa norma contém, portanto, uma solene declaração de princípios que, todavia, no plano da realidade prática, corre sério risco de converter-se em retórica inconseqüente. A mera afirmação de que se asseguram, no âmbito judicial(e, também, no daadministração pública), a razoável duração do processo e os meios garantidores da rápida tramitação processual, não é o bastante, por si só, para fazer com que, na prática, as coisas se disponham desse modo”[22]

Como Manoel afirma, não é apenas um inciso, ainda que Constitucional, que garantirá a celeridade dos processos, mas sim “juízes em números suficientes (e que estes cumpram seus prazos legais); estruturas administrativas adequadas; aparatos tecnológicos; dotações orçamentárias e o mais, ou seja, meios materiais e recursos humanos.”[23]

  De igual modo, entendemos ser aplicável o princípio da razoável duração do processo nas prisões cautelares. Como explica Nucci:

Observa-se, como fruto natural dos princípios constitucionais explícitos da presunção de inocência, da economia processual e da estrita legalidade da prisão cautelar, ser época de se consagrar, com status constitucional, a meta de que ninguém poderá ficar preso, provisoriamente, por prazo mais extenso do que for absolutamente imprescindível para o escorreito desfecho do processo. Essa tem sido a tendência dos tribunais pátrios, em especial do Supremo Tribunal Federal. De fato, não se torna crível que, buscando-se respeitar o estado de inocência, conjugado com o direito ao processo célere, associando-se a todas as especificações para se realizar, legitimamente, uma prisão cautelar, possa o indiciado ou o réu permanecer semanas, meses, quiçá anos, em regime de restrição de liberdade, sem culpa formada.[24]

Sobre a razoável duração do processo nas prisões cautelares, importante citar o posicionamento dado pelo Ministro do STF, Gilmar Mendes, em sua obra Curso de Direito Constitucional:

O direito à razoável duração de processo, a despeito de sua complexa implementação, pode ter efeitos imediatos sobre situações individuais, impondo o relaxamento da prisão cautelar que tenha ultrapassado determinado prazo, legitimando a adoção de medidas antecipatórias, ou até o reconhecimento da consolidação de uma dada situação com fundamento na segurança jurídica.

Nesse sentido, são expressivos os precedentes do Supremo Tribunal Federal que concedem habeas corpus em razão do excesso de prazo de prisão cautelar. O Tribunal tem entendido que o excesso de prazo, quando não atribuível à defesa, mesmo tratando-se de delito hediondo, afronta princípios constitucionais, especialmente o da dignidade da pessoa humana (art.1º, III, da CF/88); devido processo legal (art.5º, LIV, da CF/88); presunção de inocência (art.5º, LVII, da CF/88); e razoável duração do processo (art.5º, LXXVIII, da CF/88), impondo-se, nesse caso, ao Poder Judiciário, o imediato relaxamento da prisão cautelar do indiciado ou réu. (HC 85.237/DF, Rel.Celso de Mello, DJ de 29-4-2005; HC 87.164/RJ, Rel.Gilmar Mendes, DJ de 29-9-2006)”[25]

Assim, conceituado o princípio da razoável duração do processo, e entendendo pela aplicação deste nas prisões cautelares, cumpre-nos agora conceituar tal procedimento penal.

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Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RUIZ, Caio Henrique Machado. Da razoável duração do processo penal.: Do relaxamento/revogação das prisões cautelares por excesso de prazo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6201, 23 jun. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/83315. Acesso em: 20 abr. 2024.

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