Capa da publicação Razoável duração do processo penal e o excesso de prazo de prisões cautelares
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Da razoável duração do processo penal.

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23/06/2020 às 14:30
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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ficou evidenciado que a dilação indevida do processo, caracterizada pela inobservância dos prazos processuais do Código de Processo Penal, bem como observados os vetores de Aury Lopes Júnior, quais sejam, a complexidade do caso, a atividade processual do interessado (imputado), a conduta das autoridades judiciárias, e principalmente o princípio da razoabilidade, fere mortalmente os princípios da razoável duração do processo, do devido processo legal e de sua efetividade, da presunção de inocência, da proporcionalidade e, última instância, o próprio princípio da dignidade da pessoa humana.

Tal ilegalidade impõe o relaxamento da prisão cautelar, já que caracteriza inequívoco constrangimento ilegal.

Impossível fechar os olhos, como nas decisões apontadas no tópico 5.4, para a problemática do excesso de prazo. Com pensamento diverso, estaríamos tornando letra morta o artigo 5º,LXXVIII, da CRFB/88.

Por óbvio, não perdemos de vista que é cada caso concreto que indicará se está ou não caracterizado o excesso de prazo, cabendo ao Juiz da causa a sua determinação.

Contudo, não é possível mais se conformar com prisões cautelares que perduram por anos a fio, sem que haja sequer uma previsão do término do feito para que, ao menos, o agente possa, caso condenado, ter descontado na sua execução penal, ainda que provisória, o tempo da prisão processual.

Tomando por base os dados da obra de Luiz Flávio Gomes, no ano de 1990, tínhamos 18%, ou 16.200, presos provisórios, enquanto o restante do sistema carcerário brasileiro (82%, 73.800 presos) eram condenados. Já no ano de 2010, temos 44%, ou 220.886, presos provisórios, e 277.601, ou 56%, de presos condenados.[73]

Não há dúvidas que tal número de presos provisórios é extremamente alto, o que mostra um desrespeito do princípio da presunção de inocência. Ainda mais, restam dúvidas se todas as prisões apontadas estão devidamente fundamentadas e em respeito à razoável duração do processo.

Recorrendo novamente aos ensinamentos de Luis Flávio Gomes:

“O sistema carcerário brasileiro retrata uma das maiores atrocidades de todos os tempos em nosso país. A história do horror das penas supera em muito o horror dos crimes (Ferrajoli). A desumanidade indescritível das prisões só é suportada pela sociedade brasileira, de forma resignada, em razão da irracionalidade da nossa forma (alienada) de viver na era da globalização da riqueza (para alguns) e da miséria (para milhões).

O Brasil conta com mais de meio milhão de presos (de acordo com os dados do Departamento de monitoramento e Fiscalização do Conselho Nacional de Justiça – CNJ) e é o 4º do ranking mundial de encarceramento, atrás apenas dos Estados Unidos (2.292.133), China (1.620.000) e Rússia (825.400).

(...)

Enquanto o número de presos condenados cresceu 278%, entre 1990 a 2010, o número de presos provisórios simplesmente explodiu, aumentando 1.253% no mesmo período. Em outras palavras, significa dizer que o número de presos provisórios aumentou 13,5 vezes, ao passo que os condenados apenas 4 vezes.

O sistema brasileiro e, dentro dele, a prisão provisória (também chamada de prisão cautelar ou preventiva), é um dos problemas e dos entraves mais chocantes da nossa evolução civilizatória. Não existe prisão no nosso país que atenda todas as exigências internacionais, constitucionais e legais.”[74]

Se causa horror a quantidade de prisões cautelares, muito o mais aquelas que estão viciadas pelo excesso de prazo, mas que não são devidamente relaxadas.

E, infelizmente, tais constrangimento ilegais por excessos de prazo não se tratam de meros debates acadêmicos, distantes de nossa realidade, mas sim fatos que, todos os dias, se concretizam a cada instante

Aury Lopes Júnior cita o caso de Marcos Mariano da Silva, que como ele mesmo afirma, foi um inocente que ficou 13 anos preso sem sentença. Conforme decisão do STJ, no REsp 802435, o Estado Brasileiro foi condenado a pagar dois milhões de reais à Marcos, a título de danos morais e materiais, por ser mantido preso, por treze anos, no presídio Aníbal Bruno, em Recife/PE. No período, ficou cego dos dois olhos. Sua prisão foi em 27/07/1985, somente conseguindo êxito em seu habeas corpus em 25/08/1998.

O presente trabalho não têm o condão, nem poderia, de apontar uma solução para o caso. Contudo, conforme apontado anteriormente, se faz extremamente necessária uma resposta legislativa a fim de apontar o prazo razoável de um processo no âmbito penal.

Talvez, por nossa própria cultura e estado social, impossível, neste momento, a aplicação da pena estatal do Código de Processo Penal Paraguaio, que prevê a extinção do processo se decorridos três anos. Todavia, impossível ficarmos silentes a tantas ilegalidades efetuadas pela própria inércia do Poder Judiciário.

Por todo o exposto, para que não mais ocorram casos como o de Marcos Mariano da Silva, não mais persistindo a temível ilegalidade do excesso de prazo, entendemos pela plena aplicação da razoável duração do processo no processo penal e nas prisões cautelares. E, existindo a dilação indevida, o relaxamento deve se impor, por muito mais do que questão de Direito, mas sim, pela observância do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana.


REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

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Notas

[1] NUCCI, Manual de processo penal e execução penal, 4º Ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, pág.56

[2] GOMES, Normas, regras e princípio, artigo jurídico no sítio http://jus.com.br/revista/texto/7527/normas-regras-e-principios, acesso em 01/05/2013

[3] FILHO. Manual de Processo Penal, 13º Ed, São Paulo: Saraiva, 2010, pág. 69

[4] BONFIM. Curso de processo penal, 4º Ed., São Paulo: Saraiva, 2009, pág. 39

[5] BONFIM, Op. cit. , pág.39/40

[6] BONFIM, Op. cit., pág.41

[7]LENZA.Direito constitucional esquematizado, 13º Ed., São Paulo: Saraiva, 2009, pág.97

[8] LENZA.Op. Cit., pág.97

[9] BEDAQUE. Efetividade do processo e técnica processual, São Paulo: Malheiros, 2007

[10] JÚNIOR. Processo Civil – curso completo. Belo Horizonte: Del Rey, 2010, pág.65

[11] NUCCI.Op. Cit., pág. 75

[12] NUCCI.Op. Cit., pág.75 e 76

[13] PACELLI. Curso de Processo Penal, 16º Ed., São Paulo: Atlas, 2012, pág. 491

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[14] LENZA. Direito Constitucional esquematizado. São Paulo: Saraiva,16º Ed., 2012, pág.1265

[15] MENDES.Curso de direito constitucional.  2º Ed.– São Paulo: Saraiva, 2008, pág.500

[16] JÚNIOR. Razoável duração do processo – A celeridade como fator de qualidade na prestação da tutela jurisdicional, artigo jurídico do sítio http://jus.com.br/revista/texto/12483/razoavel-duracao-do-processo, acesso em 06/07/13

[17] BECCARIA. Edição RidendoCastigat Moraes, versão para ebook, pág.74

[18] BARBOSA. Edição RidendoCastigat Moraes, versão para ebook, pág.43

[19] GOMES. Prisão e medidas cautelares: comentários à Lei 12.403, de 4 de maio de 2011, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, pág.56

[20] ALEXANDRINO. Direito Constitucional descomplicado, 3º Ed., Rio de Janeiro: Forense, 2008, pág.90

[21] SILVA. Curso de direito constitucional positivo, 10º Ed., São Paulo: Malheiros, 1994, pág.24

[22] FILHO. Breves comentários à reforma do poder (com ênfase à justiça do trabalho): emenda constitucional n.45/2004. São Paulo: LTr, 2005, pág.24

[23] FILHO. Op. Cit., pág.24

[24] NUCCI. Op. cit., pág.96

[25] MENDES.Op. Cit., pág.501

[26] NUCCI.Op. Cit., pág.554

[27] PACELLI.Op. Cit., pág.490

[28] PACELLI.Op.Cit., pág.490

[29] GOMES, Luiz Flávio. Prisão decorrente de pronúncia: revogação tácita. Disponível em http://www.lfg.com.br - 14 de abril de 2010, acesso em 13/10/2013

[30] PACELLI.Op. Cit., pág. 533 e 534

[31] PACELLI. Op. Cit., pág.534

[32] GOMES. Prisão e medidas cautelares: comentários à Lei 12.403, de 4 de maio de 2011, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, pág. 89 e 90

[33] BRASIL. TJ-PI - HC: 201200010032593 PI , Relator: Des. Erivan José da Silva Lopes, Data de Julgamento: 01/12/2011, 2a. Câmara Especializada Criminal

[34] PACELLI. Op. Cit., pág.542

[35] PACELLI. Op. Cit., pág.542

[36] PACELLI. Op.Cit., pág.543 e 544

[37] PACELLI.Op.Cit., pág.499

[38] PACELLI.Op. Cit., pág.546

[39] CUNHA In Prisão e medidas cautelares: comentários à Lei 12.403, de 4 de maio de 2011, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, pág.144

[40] CUNHA. Op.Cit., pág.144

[41] PACELLI. Op.Cit., pág.549

[42] CUNHA. Op.Cit., pág.145

[43] CUNHA. Op.Cit., pág.146

[44] Id., pág.146 e 147

[45] PACELLI. Op.Cit., pág.547

[46] CUNHA.Op.Cit., pág.158

[47] BRASIL. STF - HC: 91513 BA , Relator: Min. GILMAR MENDES, Data de Julgamento: 04/03/2008, Segunda Turma, Data de Publicação: DJe-107 DIVULG 12-06-2008 PUBLIC 13-06-2008 EMENT VOL-02323-03 PP-00545

[48] BRASIL. STJ - HC: 262775 SP 2013/0000063-7, Relator: Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Data de Julgamento: 07/05/2013, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 16/05/2013

[49] BRASIL. TJ-PR - Habilitação: 9880446 PR 988044-6 (Acórdão), Relator: Jefferson Alberto Johnsson, Data de Julgamento: 24/01/2013, 3ª Câmara Criminal, Data de Publicação: DJ: 1039

[50] PACELLI. Op.Cit., pág.536 e 537

[51] BRASIL. TJ-SP - HC: 1015575020118260000 SP 0101557-50.2011.8.26.0000, Relator: Amado de Faria, Data de Julgamento: 26/05/2011, 15ª Câmara de Direito Criminal, Data de Publicação: 10/06/2011

[52] PACELLI.Op.Cit., pág.579

[53] PACELLI.Op. Cit., pág.580

[54] JÚNIOR. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, pág.135 e 136

[55] JÚNIOR, Luis Guilherme da Costa Wagner. Op. Cit., pág.71

[56] JÚNIOR.Op.Cit., pág.157

[57] PACELLI.Op. Cit., pág.558

[58] GOMES.Op. Cit., pág.58

[59] PACELLI. Op. Cit., pág.559

[60] JÚNIOR.Op.Cit., pág.160/163

[61] JÚNIOR.Op.Cit., pág.163/165

[62] JÚNIOR.Op.Cit., pág.156

[63] GOMES. Op.Cit., pág.60

[64] Id., pág.60

[65] JÚNIOR. Op.Cit., pág.156

[66] BRASIL. STF - HC: 117326-SP, Relator: Min. CÁRMEN LÚCIA, Data de Julgamento: 24/04/2013, Segunda Turma, Data de Publicação: DJe-089 DIVULG 13-05-2013 PUBLIC 14-05-2013

[67] BRASIL. STJ,HC nº 226.198-PE, Relator: Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Data de Julgamento: 16/02/2012, T6 - SEXTA TURMA

[68] BRASIL. STJ, RHC nº 31.958-PI, Relator: Ministra LAURITA VAZ, Data de Julgamento: 18/06/2013, T5 - QUINTA TURMA

[69] BRASIL. TJ-SP - Habeas Corpus: 2061457420128260000 SP 0206145-74.2012.8.26.0000, Relator: Sérgio Coelho, Data de Julgamento: 22/11/2012, 9ª Câmara de Direito Criminal, Data de Publicação: 28/11/2012

[70] BRASIL. TJ-SP - HC: 1834485920128260000 SP 0183448-59.2012.8.26.0000, Relator: Sérgio Coelho, Data de Julgamento: 13/12/2012, 9ª Câmara de Direito Criminal, Data de Publicação: 18/01/2013

[71] BRASIL. TJ-SP - HC: 1834485920128260000 SP 0183448-59.2012.8.26.0000, Relator: Sérgio Coelho, Data de Julgamento: 13/12/2012, 9ª Câmara de Direito Criminal, Data de Publicação: 18/01/2013, pág.3 e 4

[72] BRASIL. TJ-SP - HC: 1966328220128260000 SP 0196632-82.2012.8.26.0000, Relator: Amado de Faria, Data de Julgamento: 08/11/2012, 8ª Câmara de Direito Criminal, Data de Publicação: 12/11/2012

[73] GOMES. Op.Cit., pág.27

[74] GOMES. Op.Cit., pág.28

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RUIZ, Caio Henrique Machado. Da razoável duração do processo penal.: Do relaxamento/revogação das prisões cautelares por excesso de prazo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6201, 23 jun. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/83315. Acesso em: 29 mar. 2024.

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