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A tutela antecipada requerida em caráter antecedente e seus reflexos práticos

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01/07/2020 às 17:20
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CAPÍTULO III- 3 A TUTELA ANTECIPADA REQUERIDA EM CARÁTER ANTECEDENTE E SEUS REFLEXOS PRÁTICOS

Quando a urgência for contemporânea à propositura da ação, o autor poderá buscar a antecipação dos efeitos da tutela satisfativa de forma antecedente, limitando-se, na petição inicial, nos termos do artigo 303 do CPC, ao requerimento da medida, com a indicação do pedido almejado na tutela final, exposição sumária dos fatos, do direito e a demonstração do preenchimento dos requisitos autorizadores da antecipação.

Não se trata, propriamente, “de uma petição inicial, mas de um requerimento inicial voltado exclusivamente à tutela de urgência pretendida.” (NEVES, p. 447, 2016). Importante lembrar que, quando do requerimento, o autor deverá manifestar sua vontade de valer-se da antecipação antecedente, bem como indicar o valor da causa, levando em consideração o pedido da tutela final.

Caso não indicado, no requerimento antecedente, que o autor pretende valer-se da antecipação, aditando posteriormente o pedido, gerar-se-ia incerteza a respeito da sua real pretensão no processo, ou seja, “haveria casos em que o juiz ficaria em dúvida se a inicial apresentada já contém a pretensão final ou apenas a pretensão à antecipação de tutela.” (GONÇALVES, p. 378, 2016).

Todavia, mesmo sendo antecedente, o requerimento é realizado “dentro do processo em que se pretende pedir a tutela definitiva, no intuito de adiantar seus efeitos, mas antes da formulação do pedido da tutela final” (BRAGA et al, 2015, p.602). Portanto, o pedido de tutela antecedente não caracteriza processo autônomo, mas sim, procedimento meramente preparatório à demanda principal, à qual naturalmente será incorporado, sem incidência de novas custas, como bem ensina Marcus Gonçalves (2016, p. 376):

Ainda que a tutela provisória seja antecedente, jamais haverá formação de um processo autônomo ou apartado. Formulado o pedido [...] em caráter antecedente, dever-se-á oportunamente apresentar o pedido principal, ou aditar o já apresentado, complementando-se a argumentação e juntando-se novos documentos, tudo nos mesmos autos [...], não havendo novas custas quando for apresentado ou aditado o pedido principal.

Assim, realizando o autor o requerimento da tutela antecedente, caberá ao juiz da causa - cuja competência, em regra, deve coincidir com aquele que seria competente para julgar o pedido principal (artigo 299 do CPC) - analisar os requisitos autorizadores da antecipação e tomar as providências de acordo com o desenrolar do caso concreto.

3.1  INDEFERIMENTO DA TUTELA SATISFATIVA ANTECEDENTE

Caso o juiz entenda que no requerimento não estão presentes os elementos autorizadores da concessão da tutela satisfativa, bem como que não há urgência contemporânea para a propositura da ação para sua concessão antecedente, deverá determinar, conforme disposição do § 6º do artigo 303 do CPC, a intimação do autor para que promova o aditamento da petição inicial no prazo mínimo de cinco dias (o prazo pode ser dilatado pelo juiz), com a complementação de sua argumentação, juntada dos documentos que julgue necessários e a confirmação da pretensão final.

Diante do indeferimento, caso queira, o autor poderá, ainda, desistir da tutela antecedente, bastando, para tanto, “deixar de emendar a petição inicial, com o que o processo será extinto sem prejuízo econômico [...], já que tudo ocorrerá antes da citação do réu e por isso não se justifica condenação ao pagamento de verbas honorárias” (NEVES, 2016, p.447), fator que possibilitará ao autor, portanto, ajuizar diretamente a demanda principal.

Noutro giro, discordando da decisão que indeferiu o pedido da tutela antecipada antecedente, poderá o autor impugná-la mediante a interposição de agravo de instrumento, devendo requerer, por óbvio, concessão de efeito suspensivo ao recurso, sob pena de ser o processo extinto em primeiro grau, sem resolução do mérito.

Ainda que seja capaz de frustrar, em primeiro momento, a pretensão do autor em ver concedida a antecipação dos efeitos da tutela antecedente e, quiçá, sua estabilização, o indeferimento da medida não traz severas consequências práticas que mereçam maior debate, sendo questão de fácil resolução. Extinto o processo sem resolução do mérito, poderá o autor, querendo, ajuizar demanda definitiva e nela requerer incidentalmente, inclusive de forma liminar (antes da citação do réu), concessão da antecipação dos efeitos da tutela

3.2  DEFERIMENTO DA TUTELA SATISFATIVA ANTECEDENTE

Diferentemente do indeferimento do requerimento inicial do autor, que busca a tutela satisfativa antecedente, seu deferimento é capaz de gerar diversas consequências práticas relevantes ao processo. Isso porque o novo Código de Processo Civil inovou e, nos moldes do direito italiano e francês, “admitiu a desvinculação entre a tutela de cognição sumária e tutela de cognição exauriente, ou seja, permitiu a chamada autonomização e estabilização da tutela de urgência na modalidade antecipada.”. (FREIRE, 2015, p. 15).

Regra geral, nas tutelas deferidas com base em cognição sumária (tutelas provisórias), sem juízo de certeza (mas sim de mera verossimilhança), o processo tende a seguir seu curso natural, mediante o aprofundamento cognitivo do juiz, que substituirá, ao final, a tutela provisória por um provimento definitivo, lastreado em cognição exauriente, regulamentando, definitivamente, a crise de direito material existente entre as partes, sob o manto da coisa julgada (imutabilidade).

Todavia, com a autonomização das tutelas antecipadas requeridas de forma antecedente, houve uma dissociação entre o procedimento baseado em cognição sumária e aquele assentado em cognição exauriente, permitindo, pois, diante de certas atitudes e comportamentos das partes envolvidas, que o procedimento antecedente (cognição sumária), por si só, resolva o processo mediante a estabilização da decisão que concedeu a antecipação dos efeitos da tutela, conforme será mostrado a seguir.

Logo, concedida pelo juiz a antecipação dos efeitos da tutela em caráter antecedente, deverão ser adotas as seguintes providências (art. 303, §1º do CPC): a) intimação do autor sobre o deferimento da antecipação, determinando o aditamento do requerimento inicial, com a complementação de sua argumentação, juntada de documentos e confirmação do pedido de tutela final, no prazo de 15 dias ou em outro maior a ser fixado pelo juízo, sob pena de extinção do processo sem resolução do mérito (art. 303, §1º, I e § 2º do CPC); e, b) citação e intimação do réu para a audiência de conciliação ou mediação (art. 303, §1, II, CPC), bem como para que tome ciência da decisão.

Importante frisar que, quando da citação e intimação do réu para a audiência de conciliação ou medição e para que cumpra a determinação judicial, iniciar-se-á o prazo para interposição do recurso de apelação que, como se verá mais adiante, é principal instrumento (em regra) idôneo a combater a estabilização da decisão que defere a antecipação antecedente.

Não obstante o início do prazo recursal, o mesmo não será aplicável para o termo inicial da contestação. Esta só será exigível quando o réu for devidamente intimado do aditamento da petição inicial do autor, iniciando-se a contagem do prazo para contestação (15 dias) nos termos do artigo 335 do CPC, como bem ensina Fredie Didier Jr. et al (2015, p. 602):

É necessário que se observe, contudo, que o prazo de resposta do réu não poderá começar a ser contato antes da sua ciência inequívoca do aditamento da petição inicial do autor, para que se garanta a ele, réu, o lapso temporal mínimo de quinze dias para resposta à demanda do autor em sua inteireza. Por exemplo, se a causa não admitir autocomposição, não sendo cabível designação da audiência de conciliação ou de mediação (art. 344, §4º, II, CPC), o réu será citado de imediato, mas o prazo de resposta só deverá ocorrer da data em que for intimado do aditamento da petição.

Porém, como já dito anteriormente, se a causa admitir autocomposição, a contagem do prazo para contestação iniciar-se-á da realização da audiência de conciliação ou mediação, ou do protocolo do pedido de cancelamento de tais audiências (art. 335, I e II, CPC).

3.2.1. Das Providências das Partes e suas Consequências

Considerando que o manejo da tutela antecipada antecedente constitui uma grande novidade processual no Brasil, a doutrina autorizada ainda não firmou entendimento uniforme quanto às providências que deverão ser adotadas pelas partes diante do deferimento da tutela satisfativa, cujos reflexos incidem, diretamente, na estabilização ou não da medida.

Justamente por isso, a fim de analisarmos os diferentes posicionamentos a respeito do assunto, tomaremos como ponto de partida as exigências trazidas pela literalidade do Código de Processo Civil, para depois pormenoriza-lo.

Concedida a antecipação antecedente, o processo poderá tomar três diferentes rumos que dependerão das providências adotadas (ou não) pelas partes: a) pode seguir sua regular tramitação, sem estabilização da decisão antecipatória, mediante o aditamento do requerimento inicial pelo autor e a interposição do respectivo recurso pelo réu; b) pode ser extinto sem resolução do mérito por ausência do aditamento do requerimento inicial (art. 303, § 2º, CPC), desde que haja interposição do respectivo recurso pelo réu; ou, c) pode ser extinto sem resolução do mérito, com a estabilização da decisão que concedeu a antecipação dos efeitos da tutela de forma antecedente, diante da inércia do réu - não interposição do recurso (art. 304, caput, CPC).

Antes de analisarmos, uma a uma, as providências acima demonstradas, é de suma importância definirmos qual o real sentido que a lei quis atribuir à expressão “respectivo recurso”.

O artigo 304, caput, do CPC preceitua que “a tutela antecipada, concedida nos termos do art. 303, torna-se estável se da decisão que a conceder não for interposto o respectivo recurso” que, em tese, seria o agravo de instrumento (art. 1.105, I, CPC).

Diante da literalidade da lei, pergunta-se: somente o recurso de agravo de instrumento é capaz de evitar a estabilização trazida pelo CPC ou também outro meio de resistência oferecida pelo réu atinge tal finalidade? A resposta divide significativamente a doutrina, principalmente porque o vocábulo “recurso” pode ser interpretado de diversas maneiras, como, por exemplo:

[...] recurso stricto sensu (o que significaria, então, afirmar que só não haveria estabilização se o réu interpusesse agravo contra a decisão concessiva da medida de urgência); ou, em sentido mais amplo, como meio de impugnação (o que englobaria outros remédios sem natureza recursal, como contestação). (CÂMARA, 2017, p. 166).

Assim, para os defensores da teoria que prega a estrita interpretação da expressão recurso, não há de se falar em outro meio de impugnação para evitar a estabilização, senão a interposição do agravo de instrumento. Argumentam, neste sentido, que a legislação foi bastante clara ao optar especificamente pelo recurso como meio de impugnação da decisão, fazendo uso, inclusive,

do verbo interpor [...], o qual é, no jargão do direito processual, empregado apenas quando se trata de recurso stricto sensu. Junte-se a isto o fato de que se faz alusão ao recurso contra uma decisão, e tudo isso só pode indicar que a norma se vale do conceito estrito de recursos (CÂMARA, 2017, 167).

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Ademais, em seus primeiros projetos, o Código de Processo Civil adotava o termo “impugnação” para se referir às formas de resistência do réu contra a estabilização. Todavia, “agora, no projeto aprovado e que se transformou no novo CPC houve uma tomada de posição quanto ao instrumento processual capaz de impedir a estabilização: o recurso.”. (FREIRE, et al. 2015, p. 17).

Noutro lado, parcela da doutrina entende que não só o agravo de instrumento é capaz de afastar a estabilização da tutela antecipada antecedente, como também qualquer forma de impugnação/irresignação do réu, desde que sejam realizados tempestivamente, ou seja, no prazo destinado à interposição do agravo.

Neste sentido, colacionamos o entendimento de Daniel Amorim Assumpção Neves (2016, fls. 452):

[...] qualquer forma de manifestação de inconformismo do réu, ainda que não seja voltado à impugnação da decisão concessiva de tutela antecipada antecedente, é o suficiente para se afastar a estabilização prevista no art. 304 do Novo CPC. O réu pode, por exemplo, peticionar perante o próprio juízo que concedeu a tutela antecipada afirmando que embora não se oponha à tutela antecipada concedida não concorda com a estabilização, e que pretende a continuidade do processo com uma futura prolação de decisão de mérito fundada em cognição exauriente, passível de formação de coisa julgada material.

Já Fredie Didier Jr. et al vai um pouco além, admitindo, inclusive, que a própria contestação, realizada antecipadamente dentro do prazo recursal, é eficaz para afastar a estabilização:

Se, no prazo do recurso, o réu não o interpõe, mas resolve antecipar o protocolo de sua defesa, fica afastada a sua inércia, o que impede a estabilização – afinal, se contesta a tutela antecipada e a própria tutela definitiva, o juiz terá que dar seguimento ao processo para aprofundar sua cognição e decidir se mantem a decisão antecipatória ou não. Não se pode negar ao réu o direito a uma prestação jurisdicional de mérito definitiva, com aptidão para a coisa julgada (2015, p. 609).

Não obstante respeitarmos o posicionamento que interpreta restritamente a expressão “recurso” como sendo especificamente o recurso de agravo de instrumento, acreditamos que o entendimento mais adequado é aquele que amplifica o sentido desta expressão, permitindo, pois, que qualquer meio de impugnação do réu, desde que realizado tempestivamente (no prazo recursal), também afaste a estabilização dos efeitos da antecipação da tutela concedida em caráter antecedente.

Isso porque a interpretação sistêmica do novo Código Processual deve prevalecer. Prezando o novo CPC pela duração razoável do processo, cooperação entre as partes, instrumentalidade das formas, etc., não faz sentindo impor ao réu a obrigação de recorrer de uma decisão quando sua pretensão é, tão somente, afastar os efeitos da estabilização da antecipação da tutela. O “objetivo do sistema é a diminuição do número de recursos, a interpretação literal do art. 304, caput, do Novo CPC, conspira claramente contra esse intento.”. (NEVES, 2016, p. 451).        

Portanto, onde se lê “respectivo recurso”, acreditamos que se deva entender “impugnação”, desde que realizada de forma tempestiva.

3.2.1.1. Prosseguimento do processo sem estabilização

Primeiramente denota-se, sem maiores complicações, que quando o réu interpõe o recurso de agravo de instrumento ou impugna tempestivamente a decisão que concede a antecipação dos efeitos da tutela antecedente, nos termos do artigo 304, caput, do CPC, resta afastada, em qualquer hipótese, a estabilização da medida.

Logo, tendo o autor aditado o requerimento inicial e o réu interposto recurso cabível, a decisão que concedeu a antecipação não se estabilizará, e o processo seguirá seu curso natural, conservando-se a medida antecipatória (tutela satisfativa) enquanto estiverem presentes seus requisitos autorizadores, podendo ser revogada ou modificada pelo juiz a qualquer tempo.

Dessa forma, quando coexistirem o aditamento do requerimento inicial e a interposição do recurso de agravo de instrumento ou outra forma de impugnação, não há qualquer dúvida: “ [...] o processo comum se desenvolverá normalmente, rumo às suas etapas de saneamento, instrução e decisão.”. (Didier, et al, 2015, p. 604).

Insta lembrar que, para efeitos de afastar a estabilização, não se faz necessário que o recurso seja provido, bastando que seja admitido, conforme instrução do enunciado nº 28 da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados: “admitido o recurso interposto na forma do art. 304 do CPC/2015, converte-se o rito antecedente em principal [...], independente do provimento ou não do referido recurso.”.

3.2.1.2. Extinção do processo sem estabilização

Outrossim, caso o réu interponha o recurso e o autor deixe de aditar seu requerimento inicial, o processo será extinto sem resolução do mérito, com a perda de eficácia da tutela antecipada outrora deferida. Isso porque, sem o aditamento do requerimento inicial, o réu não tem como se defender no processo, já que não conhecerá dos motivos da demanda que lhe foi movida pelo autor, fator que acaba por afrontar a ampla defesa e contraditório. Inclusive, nesses casos, “será possível a liquidação para fins de responsabilização civil do requerente da medida, apurando-se os danos indevidamente suportados pelo demandado (enunciado 499 do FPPC).”. (CÂMARA, 2017, p.169).

3.2.1.3. Extinção do processo com estabilização

Por derradeiro, concedida a antecipação dos efeitos da tutela de forma antecedente, caso o réu, intimado da decisão, deixe de interpor o recurso de agravo de instrumento ou apresentar outra forma de impugnação, o processo será extinto sem resolução do mérito, estabilizando-se a tutela satisfativa, que conservará seus efeitos para além do processo extinto.

Justamente nesse ponto, nos casos em que se admite a estabilização da tutela antecipada antecedente, existem situações práticas que podem colocar os operadores do direito em severa dúvida.

Pensemos nas seguintes hipóteses: a) deferida da tutela antecipada antecedente, o autor deixa de aditar o requerimento inicial e o réu deixa de apresentar recurso contra a decisão; b) deferida a tutela antecipada antecedente, o autor adita o requerimento inicial e o réu não apresenta resistência à decisão.

O principal problema das hipóteses acima levantadas é o aparente conflito dos prazos para que o autor emende o requerimento inicial e para que o réu recorra. “Dentro da normalidade, o autor será intimado da concessão da tutela antecipada antes de o réu ser citado” (NEVES, 2016, p. 448), logo o prazo para providência transcorrerá primeiramente para o autor, que não terá como adivinhar se o réu irá ou não interpor o recurso para afastar a estabilização.

Assim, teoricamente, ao autor seria obrigatório aditar a inicial, a fim de afastar a possibilidade de extinção do processo sem a estabilização da medida (o quê ocorreria se o réu recorresse e o autor não aditasse).

Isso posto, analisando a hipótese levantada na alínea “a” (parágrafo anterior), são válidas as palavras de Alexandre Câmara (2017, p.168), ensinando que “caso o autor não emende a petição, não pode o processo ser desde logo extinto, já que é preciso aguardar o prazo recursal (e isto porque a lei processual expressamente atribui efeitos à conduta do réu, que pode recorrer ou não.”. Por isso, deverá o juiz, diante da ausência do aditamento, aguardar o esgotamento do prazo de interposição do agravo de instrumento e decidir de acordo com a conduta do réu. Caso este recorra: extingue-se o processo sem estabilização. Caso não recorra: extingue-se o processo com estabilização.

Já na hipótese de ser aditado o requerimento inicial e o réu não ter interposto recurso, não se pode presumir que o autor, que deu início ao procedimento antecedente, pretenda prosseguir o processo rumo à decisão fundada em cognição exauriente.

Sua conduta, aditando a inicial, apesar de poder ser interpretada como manifestação de sua vontade pelo prosseguimento do feito, já que tem direito à uma decisão de mérito, pode ter sido tomada, simplesmente, como precaução, já que, diante do sobredito conflito de prazos, não teria como saber se o réu recorreria ou não da decisão.

A solução mais adequada para resolver tal impasse parece depender, ao nosso ver, da cooperação entre as partes: quando do aditamento à inicial (que em regra será realizado antes do decurso do prazo recursal), nada obsta que o autor, de forma preliminar, a fim de afastar o risco de eventual recurso do réu e ver o processo ser extinto sem a estabilização, manifeste seu interesse pela extinção do processo com a estabilização da tutela satisfativa antecedente (caso o réu não recorra); ou manifeste-se pelo prosseguimento do processo rumo à decisão de mérito.

Nada impede, também, que a cooperação parta do próprio juiz, como bem pondera Daniel Neves (2017, p. 448):

[...] mesmo tendo havido a emenda da petição inicial não se poderá presumir que com isso o autor abriu mão da estabilização da tutela antecipada e que, por tal razão, mesmo que o réu não interponha agravo de instrumento o processo seguirá normalmente. Nesse caso é o réu que deve se precaver agravando de instrumento mesmo que a petição inicial já tenha sido emendada. Não havendo agravo nesse caso entendo que o juízo deve intimar o autor para que ele se manifeste sobre a continuidade do processo em busca da tutela definitiva ou se já está satisfeito com a tutela antecipada estabilizada e por isso não se opõe à extinção do processo.

Diante do exposto, nota-se que a estabilização, ou não, da tutela antecipada, requerida em caráter antecedente, dependerá, principalmente, das condutas praticadas pelo réu, no sentido de recorrer ou não da decisão antecipatória. Todavia, não se pode afastar que o autor queira dar prosseguimento ao processo rumo à uma decisão fundada em juízo de certeza, ainda que possível a estabilização desta.

Vale ressaltar também, a título complementar, sobre a possibilidade de estabilização da tutela satisfativa quando as partes celebrarem entre si, antes ou durante o processo, negócio jurídico que disponha neste sentido, ainda que ausentes os pressupostos gerais da estabilização, como bem aponta o enunciado nº 32 do Fórum Permanente de Processualistas Civis: “Além da hipótese prevista no artigo 304, é possível a estabilização expressamente negociada da tutela antecipada de urgência satisfativa antecedente.”.

3.3 DA ESTABILIZAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA ANTECIPADA ANTECEDENTE

Estabilizada a decisão que antecipou os efeitos da tutela satisfativa em caráter antecedente, o processo será extinto sem resolução do mérito e, nos moldes do art.304, §2º e §3º do CPC, a tutela antecipada conservará seus efeitos para além do processo enquanto nenhuma das partes demandar a outra no intento de confirma-la, reforma-la ou invalidá-la.

Trata-se, pois, como outrora já dito neste estudo, de uma importantíssima inovação do direito processual civil brasileiro, no sentido de “possibilitar ao interessado a satisfação da sua pretensão, sem a instauração de um processo de cognição exauriente, quando o adversário não se opõe, pela via recursal, à medida” (GOLÇALVES, 2016, p. 382).

Cabe lembrar que a estabilidade não pode ser confundida com definitividade. Não há formação de coisa julgada, pois a medida foi concedida com base em cognição sumária, sem juízo de certeza. A estabilização, por si, decorre da impossibilidade de o juiz revogar, modificar ou invalidar, a qualquer tempo, a tutela concedida, diante do comportamento das partes envolvidas no procedimento antecedente.

Para que a estabilização seja confirmada, revogada, modificada ou invalidada, qualquer das partes poderá demandar a outra em um novo processo baseado em cognição exauriente, que entregará, pois, uma prestação definitiva aos jurisdicionados. Neste sentido exemplifica Paula Sarno Braga (2015, p. 219):

O autor, por exemplo, poderá propor ação no simples intuito de confirmar a decisão, agora com cognição exauriente e aptidão para fazer coisa julgada. Isso tem especial relevância naqueles casos em que ele, demandante, poderia ter manifestado interesse no prosseguimento do processo em que fora deferida a tutela provisória antecedente, mas não o fez, de modo que, com a superveniente inércia do réu, houve estabilização.

Já o réu que se manteve inerte (por descuido ou por vislumbrar nisso alguma vantagem) pode também retomar a discussão, deflagrando nova demanda.

A respeito da sobredita demanda judicial que busca rediscutir a estabilização ou apenas confirma-la perante novo processo baseado em cognição exauriente, o parágrafo 5º do artigo 304 do CPC impõe à parte interessada no intento que o faça no prazo decadencial de 2 anos, sob pena de tornar-se a estabilização indiscutível.

O juízo competente para julgar a demanda ajuizada com o objetivo de rediscutir ou confirmar os efeitos da estabilização deve ser o mesmo que concedeu a medida (art. 304, § 4º CPC). Trata-se de competência absoluta.

Importante frisar, também, que caso seja proposta a demanda em comento, o ônus da prova deverá observar o processo antecedente; ou seja, mesmo que a demanda seja proposta pelo réu (agora na qualidade de autor), o ônus probatório deverá ser suportado pelo beneficiário da estabilização concedida.

Ademais, ainda que ultrapassado o prazo decadencial de 2 anos, contados a partir da ciência da decisão que extinguiu o processo, não há de se falar em formação de coisa julgada, já que esta, como bem ensina Daniel Neves (2016, p.455), deve ser reservada às “decisões proferidas mediante cognição sumária, [...] pois a certeza se torna imutável e indiscutível, a probabilidade não”. A própria Lei é expressa neste sentido, dispondo que “a decisão que concede a tutela não fará coisa julgada” (art. 304, §6º, CPC).

Não obstante inexistir formação de coisa julgada, superado o prazo decadencial, a estabilidade converter-se-á em definitividade, “e a efetivação da medida não se fará mais como cumprimento provisório, mas como cumprimento definitivo de sentença” (GOLÇALVES, 2016, p. 381). Não se trata de coisa julgada material, “mas de um fenômeno processual assemelhado, mas a estabilidade e a satisfação jurídica da pretensão do autor estarão presentes em ambas”. (NEVES, 2016, p. 456).

Salutar são as lições de Alexandre Freire (2015, p. 23) a respeito da inexistência de coisa julgada:

[...] não há dúvida, do ponto de vista prático, não obstante as dificuldades que o ponto pode gerar sob o aspecto teórico, esta estabilização definitiva, apesar e não ser acobertada propriamente pelo efeito da coisa julgada, gera certa estabilidade de efeitos, após o transcurso do tempo previsto pelo legislador para ajuizamento da ação principal, para se discutir, em sede de cognição exauriente, o direito material objeto da decisão antecipatória, e tal estabilidade de efeitos vem mais do decurso do tempo pelo não ajuizamento da ação principal do que propriamente da coisa julgada.

Assim, considerando que não há formação de coisa julgada, resta afastado, consequentemente, o cabimento de eventual ação rescisória contra a decisão, como bem aponta a orientação do enunciado nº 32 do Fórum Permanente de Processualistas Civis, citado por Cássio Scarpinella Bueno (2015, p. 227): “não cabe ação rescisória nos casos de estabilização da tutela antecedente de urgência”.

Por fim, salientamos que parte da doutrina vem se manifestando de forma favorável à estabilização não só da tutela satisfativa antecedente, como também daquela manejada incidentalmente no processo, especialmente quando deferida liminarmente, já que todos os requisitos para sua concessão são comuns, seja ela antecedente ou incidental.

Para Alexandre Freire (2015, p.30),

Nada justifica o tratamento diverso, pois não há diferença substancial entre a estabilização no curso do procedimento de cognição exauriente ou naquele prévio ou antecedente: em ambos os casos, a tutela sumária é definida com base nos mesmos requisitos e cumpre o mesmo papel ou função, razão pela qual a diferenciação de tratamento produzida no novo CPC quanto à estabilização da tutela sumária parece artificial (2015, p.30).

Não nos parece ser essa a posição mais acertada. O legislador foi muito claro ao limitar o fenômeno da estabilização somente às tutelas antecipadas concedidas de forma antecedente. Logo, apesar da igualdade dos requisitos para concessão antecedente e incidental, entendemos que seria incabível surpreender o réu com uma inovação que carece de qualquer fundamentação normativa.

Todavia, considerando que o presente estudo foi proposto a fim de analisar tão somente a tutela antecipada antecedente, a discussão a respeito da possibilidade, ou não, de estabilização da tutela antecipada incidental ficará para outra oportunidade.

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Sobre o autor
Filipe Soares Alho

Advogado na cidade de Santarém e região, especialista em Direito Constitucional Aplicado e MBA em Direito Civil e Processual Civil pela Fundação Getúlio Vargas. Atuante na área Civil, Processual Civil, Direito do Consumidor, Direito Imobiliário, Direito de Família e Sucessões; e Direito Comercial. Corretor de imóveis e avaliador. Sócio da Imobiliária Alho LTDA., empresa estabelecida há mais de 30 anos na cidade de Santarém.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALHO, Filipe Soares. A tutela antecipada requerida em caráter antecedente e seus reflexos práticos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6209, 1 jul. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/83624. Acesso em: 23 abr. 2024.

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