Nos últimos dias publiquei a minha melhor série de muito tempo para cá: "Dois capitães entrelaçam as milícias do RJ com os torturadores da ditadura".
Nela, depois de aprofundar o tema da absorção de antigos membros da repressão política do regime militar na modalidade criminosa então emergente e destacar as flagrantes afinidades das milícias brasileiras com as máfias italianas, concluí apontando uma grave vulnerabilidade de Sergio Moro.
Afinal, trata-se de um personagem que tem tudo para sobreviver à atual derrocada do bolsonarismo e continuar encarnando a ameaça de instauração de um estado policial, como várias ilegalidades cometidas pela Operação Lava Jato nos levaram a temer.
Mas, colocado no finalzinho da 3ª e última parte da série, tal alerta corria o risco de passar despercebido. Daí este artigo complementar em que chamo a atenção, especificamente para ele, começando por reproduzi-lo:
"Em 2010, as milícias já controlavam 41 comunidades (eufemismo de favelas) do Rio de Janeiro, segundo levantamento do Ministério Público Estadual. O número, claro, deve ter crescido desde então, ainda mais a partir de 2018, quando colocou um pé nas mais altas esferas governamentais...
Elas começaram vendendo proteção e hoje extorquem de várias outras maneiras os moradores das áreas sob seu controle, cobrando, p. ex., comissões sobre venda de botijões de gás, água, TV a cabo ilegal e transporte.
Estão também envolvidas na/no:
— grilagem de terras de reservas ambientais pertencentes à União;
— extração de pedra e saibro nessas áreas;
— venda das terras com registro legal;
— venda de material de construção;
— construção de imóveis;
— furto de petróleo cru que passa pelas tubulações da Petrobras após extração na costa do Rio de Janeiro;
— comercialização de mercadorias ilegais; e
— até no despejo ilegal e derrubada de imóveis de um condomínio para que nele pudessem instalar-se milicianos.
Ou seja, assim como as várias máfias italianas, as milícias passaram da extorsão camuflada em fornecimento de proteção, para uma atuação bem mais ampla e diversificada, combinando negócios ilícitos e outros legais, amiúde recorrendo a pressões, intimidações e até violências para atingirem seus intentos nos dois casos, além de, cada vez mais, influírem nos três poderes da República e neles se infiltrarem.
O imperativo de o Estado brasileiro combater decididamente esse tipo de organização criminosa salta aos olhos.
Por último, uma pergunta que não quer calar: por onde anda aquele juiz que, em 2004, escreveu uma razoável tese (acesse-a aqui) sobre a Operação Mãos Limpas (por ele apresentada como 'uma das mais exitosas cruzadas judiciárias contra a corrupção política e administrativa' que 'havia transformado a Itália em (...) uma democracia vendida')? Morreu?
Não, está bem vivo, mas Giovanni Falcone, se também o estivesse, decerto não se orgulharia desse pretenso discípulo.
Pois, ao integrar o governo Bolsonaro e até contribuir para a implementação de algumas das medidas presidenciais que claramente favoreciam as milícias, ele atuou não para evitar a atuação mafiosa, mas para alçá-la a um patamar mais elevado.
Se o Brasil se tornar efetivamente uma democracia vendida, parte da culpa, sem dúvida, lhe caberá.
Seu nome, todos já devem ter adivinhado, é Sergio Fernando Moro".
Ou seja, as lamentações a respeito do que ele fez, ou deixou de fazer, com o Lula, sensibilizam principalmente os contingentes que já não votariam nele de jeito nenhum.
Pode causar-lhe muito dano, contudo, a constatação de que ele, já em 2004, esforçava-se ao máximo para atrelar sua imagem à da Operação Mãos Limpas, mas, ao participar do Governo Bolsonaro, envolveu-se com um presidente que, desde sua exclusão do Exército, vinha mantendo relações altamente comprometedoras com a organização criminosa brasileira cuja trajetória mais se assemelha à das várias máfias italianas.
Tal duplicidade pode desmascará-lo aos olhos de muitos e muitos que acreditaram piamente nas lorotas por ele espalhadas, desde quando ainda era um quase desconhecido precisando se promover.
Pior: Lula pode mesmo ser culpado por praticar ou fechar os olhos à corrupção política que marca toda a história da República brasileira, mas as milícias do Rio de Janeiro exploram as comunidades mais pobres e vulneráveis, barbarizam, torturam e matam.
Se Moro quisesse mesmo ser o Giovanni Falcone brasileiro, como tanto forçou a barra para fazer-nos crer, eram as milícias do Rio de Janeiro que ele deveria combater em primeiro lugar; não Lula e o PT.
O certo teria sido liderar cruzadas tanto contra a corrupção política, quanto contra as máfias do Rio do Janeiro. Mas, ele priorizou o inimigo menos perigoso e jamais combateu as milícias com o rigor que se impunha (muito menos quando tinha o dever de fazê-lo, como ministro da Justiça).
Isto precisa ser explicado àqueles eleitores que ainda acreditam na imagem fantasiosa que a mídia dele espalhou.
Dois juízes empenhados em destruir as máfias italianas foram assassinados ao cumprirem fielmente seu dever. Moro pega carona no martírio deles, mas jamais correu verdadeiro perigo.