Capa da publicação Intervenção das Forças Armadas: afinal, qual a dúvida?
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Intervenção das Forças Armadas

09/07/2020 às 16:10
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Respeitamos opiniões em contrário, mas, a interpretação da parte final do art. 142 da CF não pode ser feita isoladamente, sem levar em conta outros segmentos do sistema jurídico como um todo.

Em razão da crise entre o Poder Executivo e o STF, veio à baila a discussão da tese que admite a intervenção das Forças Armadas com base no art. 142 da Constituição.

O presente artigo visa a demonstrar a possibilidade ou não dessa intervenção. Para clareza, transcrevemos o art. 142 da CF, que assim prescreve:

Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.

§ 1º Lei complementar estabelecerá as normas gerais a serem adotadas na organização, no preparo e no emprego das Forças Armadas.

O dispositivo polêmico está na parte final do caput do art. 142, que diz respeito à garantia da lei e da ordem, por iniciativa de qualquer dos poderes.

Como se sabe, são três os Poderes do Estado: Legislativo, Executivo e Judiciário. Portanto, o Chefe de qualquer um desses Poderes poderá solicitar a atuação das FFAA em caso de quebra da lei e da ordem. Em tese, isso é correto. Porém, é preciso analisar o alcance e conteúdo desse dispositivo. Em caso de um Poder violar as atribuições privativas de outro Poder, pergunta-se, o Chefe do Poder afrontado poderá solicitar o concurso das Forças Armadas? Nessa hipótese estará caracterizada a quebra da lei e da ordem?

Suponhemos que o Chefe do Executivo, por exemplo, solicite a atuação das FFAA ante uma decisão do STF que no seu entender seria inconstitucional e arbitrária, usurpando a competência privativa do Executivo. Nessa hipótese, poderiam as FFAA intervir exercendo o papel de poder moderador? Parece-me que não! Para saber se houve usurpação de competência privativa do Poder Executivo, o Chefe das FFAA deverá proceder à interpretação de textos constitucionais. E sabemos que o intérprete máximo da Constituição é o STF, que é o seu guardião. Não há como sustentar que possam as FFAA se sobrepor aos três Poderes do Estado.

O campo de atuação das FFAA, para restabelecimento da lei e da ordem, está indicado na Lei Complementar nº 97/99 referida no § 1º, do art. 142 da CF.

Essa Lei Complementar dispõe, em seu artigo 15 e parágrafos:

Art. 15. O emprego das Forças Armadas na defesa da Pátria e na garantia dos poderes constitucionais, da lei e da ordem, e na participação em operações de paz, é de responsabilidade do Presidente da República, que determinará ao Ministro de Estado da Defesa a ativação de órgãos operacionais, observada a seguinte forma de subordinação:

[...]

 § 1o Compete ao Presidente da República a decisão do emprego das Forças Armadas, por iniciativa própria ou em atendimento a pedido manifestado por quaisquer dos poderes constitucionais, por intermédio dos Presidentes do Supremo Tribunal Federal, do Senado Federal ou da Câmara dos Deputados.

  § 2o A atuação das Forças Armadas, na garantia da lei e da ordem, por iniciativa de quaisquer dos poderes constitucionais, ocorrerá de acordo com as diretrizes baixadas em ato do Presidente da República, após esgotados os instrumentos destinados à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, relacionados no art. 144 da Constituição Federal.

  § 3o Consideram-se esgotados os instrumentos relacionados no art. 144 da Constituição Federal quando, em determinado momento, forem eles formalmente reconhecidos pelo respectivo Chefe do Poder Executivo Federal ou Estadual como indisponíveis, inexistentes ou insuficientes ao desempenho regular de sua missão constitucional.  (Incluído pela Lei Complementar nº 117, de 2004

Como se verifica, a atuação das FFAA na hipótese de quebra da lei e da ordem, situa-se no âmbito do setor de segurança pública, nunca no âmbito dos três Poderes do Estado.

Os parágrafos supra transcritos são autoexplicativos. Na hipótese de requisição das FFAA por qualquer dos poderes, a decisão de seu emprego caberá sempre ao Presidente da República (§ 1º). A atuação das FFAA somente poderá ocorrer  depois de esgotados os instrumentos destinados à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, relacionados no art. 144 da Constituição Federal (§ 2º). Finalmente, consideram-se esgotados os instrumentos relacionados no art. 144 da Constituição Federal quando, em determinado momento, forem eles formalmente reconhecidos pelo respectivo Chefe do Poder Executivo Federal ou Estadual como indisponíveis, inexistentes ou insuficientes ao desempenho regular de sua missão constitucional (§ 3º).           

O art. 144 da CF, por sua vez, prescreve:

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:

I – polícia federal;

II – polícia rodoviária federal;

III – polícia ferroviária federal;

IV – polícias civis;

V – polícias militares e corpos de bombeiros militares.

Resulta do exposto que a atuação das FFAA, na hipótese de ruptura da lei e da ordem, circunscreve-se à área de segurança pública, como aconteceu recentemente em Rondônia e, anteriormente, no Estado do Rio de Janeiro.

Respeitamos opiniões em contrário, mas a interpretação da parte final do art. 142 da CF não pode ser feita isoladamente, sem levar em conta o sistema jurídico como um todo.

Aquele dispositivo deve ser analisado conjugadamente com a Lei Complementar nº 97/99, resultante da delegação contida no § 1º, do art. 142 da CF, bem como em harmonia com o disposto no art. 144 do Texto Magno.

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Sobre o autor
Kiyoshi Harada

Jurista, com 26 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HARADA, Kiyoshi. Intervenção das Forças Armadas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6217, 9 jul. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/83829. Acesso em: 2 nov. 2024.

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