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ICMS: Documentos inidôneos e nota fiscal eletrônica.

Uma análise à luz da legislação do Estado de São Paulo

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17/11/2020 às 11:00
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12. Proposta de Emenda à Constituição 45 de 2019 (PEC 45/2019)

Desde 2019, encontra-se em discussão na Câmara dos Deputados a PEC 45/2019, Proposta de Emenda à Constituição Federal, apresentada pelo Deputado Baleia Rossi, de autoria do economista Bernard Appy (Diretor do Centro de Cidadania Fiscal – CCiF). A Proposta extingue três tributos federais (IPI – imposto sobre produtos industrializados, PIS – contribuição para o programa de integração social – e Cofins – contribuição para o financiamento da seguridade social), um imposto estadual (ICMS – imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação) e um imposto municipal (ISSQN – imposto sobre serviços de qualquer natureza), para, no lugar deles, criar o IBS (imposto sobre operações com bens e serviços), que incide sobre o valor agregado e não somente sobre o consumo. O IBS é, portanto, “imposto sobre o valor agregado” (IVA).

Principais características do IBS são:

  1. incidir sobre base ampla de bens, serviços e direitos, tangíveis e intangíveis, pois todas as utilidades destinadas ao consumo serão tributadas;

  2. ser cobrado em todas as etapas de produção e comercialização;

  3. ser não-cumulativo;

  4. não onerar as exportações, já que haverá rápida devolução dos créditos acumulados pelos exportadores;

  5. não onerar investimentos, já que imposto pago na aquisição de bens de capital será creditado de 1 (uma) só vez;25

  6. incidir em operação de importação, para consumo final ou insumo;

  7. ter natureza nacional e legislação uniforme, sendo instituído por lei complementar e tendo alíquota igual à soma das alíquotas federal, estadual e municipal;

  8. garantir a autonomia dos entes federativos, ao permitir que cada ente altere sua alíquota por meio de lei ordinária;

  9. em operação interestadual ou intermunicipal, pertencer ao Estado e ao Município de destino (PEC 45/2019 – Proposta de Emenda à Constituição / Inteiro teor, p. 27-28).

Com a não-cumulatividade plena (também conhecida como “crédito financeiro”), o imposto pago pelo consumidor final é igual à soma dos valores de imposto devidos em cada uma das etapas de produção e comercialização do bem adquirido ou do serviço tomado (ibidem, p. 29).

Como é lógico, não poderá ser utilizado crédito de operação ou prestação que não faz parte da atividade produtiva, como o consumo de proprietários ou empregados da empresa (ibidem, p. 29).

A alíquota do IBS incidirá “por fora”, ou seja, sobre o preço do bem ou serviço, sem o IBS relativo à própria operação ou prestação (ibidem, p. 30).26

Na Justificativa da PEC 45, o único ponto que menciona fraude no crédito é de, na lei complementar, ser fixado prazo muito curto para devolução de créditos acumulados a exportadores: em princípio, apenas 60 dias, suficiente para identificar se há indícios de fraude na formação dos créditos cujo ressarcimento está sendo demandado (ibidem, p. 30).

Adoção de alíquota uniforme, para todos os bens e serviços, evita questões de classificação e o consequente aumento do contencioso (ibidem, p. 30).

Adoção de regime uniforme de tributação para todos os bens e serviços, sem a concessão de benefícios fiscais, torna transparente o custo de financiamento das ações do poder público (ibidem, p. 31).

Para evitar o efeito regressivo da tributação sobre o consumo, propõe-se a devolução de grande parte do imposto pago pelas famílias mais pobres, por meio de transferência de renda a consumidores que informarem seu CPF na aquisição de bens ou recebimento de serviços e que estejam inscritos em cadastro único de programas sociais (ibidem, p. 31).

A alíquota aplicada à operação ou prestação será a soma das alíquotas federal, estadual e municipal. Na transação interestadual e intermunicipal, a alíquota aplicada será a do Estado e do Município de destino (ibidem, p. 32).

No que concerne ao ICMS, em operações e prestações que destinam bens e serviços a consumidor final, localizado em outro Estado:

  1. se o consumidor for contribuinte do ICMS, arrecadação do imposto correspondente: à alíquota interestadual cabe ao Estado de origem (cf. estava disposto na al. “a” do inc. VII do § 2° do art. 155. da CF antes de a EC 87/2015 passar a produzir efeitos e, depois dessa data, cf. está disposto no inc. VII do § 2° do art. 155, na redação dada pela EC 87/2015); à diferença entre a alíquota interna do Estado de localização do destinatário e a alíquota interestadual cabe a esse Estado (cf. estava disposto no inc. VIII do § 2° do art. 155. da CF antes de a EC 87/2015 passar a produzir efeitos e, depois dessa data, cf. está disposto no inc. VIII do § 2° do art. 155), cabendo o recolhimento da diferença ao destinatário (cf. al. “a” do inc. VIII do § 2° do art. 155, na redação dada pela EC 87/2015);

  2. se o consumidor não for contribuinte do ICMS: arrecadação do imposto correspondente à alíquota interna cabia ao Estado de origem até dezembro de 2014 (cf. al. “b” do inc. VII do § 2° do art. 155. da CF, antes de a EC 87/2015 passar a produzir efeitos); com a EC 87/2015, o ICMS correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual passou a ser partilhado entre os Estados de origem e de destino, sendo reduzido de 20% (vinte por cento) a cada ano no Estado de origem e aumentado nesse percentual no Estado de destino, de modo que, no ano de 2015, 20% (vinte por cento) coube ao Estado de destino e 80% (oitenta por cento) ao Estado de origem e, a partir de 2019, toda a arrecadação daquela parcela do imposto coube apenas ao Estado de destino (cf. art. 99. do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias), cabendo o recolhimento da diferença ao remetente (cf. al. “b” do inc. VIII do § 2° do art. 155, na redação dada pela EC 87/2015).

Há bastante tempo, economistas de renome criticam a injusta distribuição do ICMS incidente sobre operações interestaduais, porque privilegiava e ainda privilegia o Estado de origem em detrimento do de destino. Isso só agrava a desigualdade de desenvolvimento industrial entre os Estados. Essa distorção na distribuição do imposto e a necessidade de criação de novos empregos com a implantação de indústrias em Estados menos desenvolvidos foi e é causa da “guerra fiscal” travada entre os Estados na área do ICMS.

Determina o caput do art. 3° da Lei Complementar 116/2003 (que dispõe sobre o ISSQN, de competência dos Municípios e do Distrito Federal) que “o serviço considera-se prestado, e o imposto, devido, no local do estabelecimento prestador”, exceto nas hipóteses previstas em seus incisos, quando será devido no local da prestação dos serviços. As regras de exceção foram postas para desestimular empresa prestadora de serviços de escolher como domicílio estabelecimento situado em Município vizinho ao em que costuma prestar serviços, em razão de aquele ter menor alíquota do imposto do que este.

As três alíquotas de referência do IBS (a federal, a estadual e a municipal), calculadas pelo Tribunal de Contas da União e aprovadas pelo Senado Federal, deverão repor as perdas de receita dos tributos que, em nível federal, estadual e municipal, respectivamente, serão substituídos pelo IBS (PEC 45/2019 – Proposta de Emenda à Constituição / Inteiro teor, p. 32).

União, Estados e Municípios poderão, por lei ordinária, fixar sua alíquota em valor distinto da de referência. No entanto, não fixada alíquota de valor distinto, será utilizada a de referência (ibidem, p. 32).

Relevante para o contribuinte será a alíquota total de cada cliente. Para implementar a tributação no destino, será necessário que cada estabelecimento da empresa faça sua escrituração, mas que o pagamento seja unificado, isto é, que débitos e créditos de todos os estabelecimentos da empresa sejam objeto de uma única apuração e de um único recolhimento do imposto (ibidem, p. 33). Conforme se vê, perde relevância a discussão sobre a necessidade de haver mudança de titularidade dos bens ou das mercadorias para que o IBS incida. Basta haver movimentação de bens ou de mercadorias de um estabelecimento para outro, ainda que da mesma empresa.

“A operacionalização da distribuição da receita entre os Estados e Municípios, proporcionalmente aos débitos e créditos atribuíveis a cada ente federativo, será regulamentada pela lei complementar. Apenas a título de exemplo, pelo modelo proposto a receita atribuível ao Estado ‘A’ será calculada a partir da soma do saldo entre débitos e créditos da parcela estadual do imposto dos estabelecimentos localizados em seu território, somando-se a parcela estadual do imposto incidente nas vendas de outros Estados para o Estado ‘A’ (a qual já será cobrada com base na alíquota do Estado ‘A’) e subtraindo-se o imposto incidente nas vendas do Estado ‘A’ para outros Estados. Vale notar que este modelo só é factível por conta da ampla disseminação do uso da nota fiscal eletrônica no Brasil27 (negritos acrescentados) (ibidem, p. 33-34).

A arrecadação do IBS e a distribuição da receita entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios serão geridas por um comitê gestor nacional, que será composto por representantes da União, dos Estados e dos Municípios, reforçando o caráter federativo do imposto. O comitê gestor será responsável também pela edição do regulamento do IBS e pela representação judicial e extrajudicial dos entes federativos nas questões relativas ao imposto (ibidem, p. 34).

“A fiscalização do IBS será feita de forma coordenada pelos fiscos das três esferas de governo, com base em critérios estabelecidos pelo comitê gestor nacional” (ibidem, p. 34).

O processo administrativo para solução de conflitos relativos ao IBS deverá ser delineado por lei complementar, mediante representação dos vários entes federativos. O processo judicial será executado em âmbito federal, mas com a participação coordenada dos procuradores de todos os entes federativos, segundo critérios estabelecidos pelo comitê gestor nacional (ibidem, p. 34).

Além de todo o IBS caber ao Estado e ao Município de destino nas operações e prestações interestaduais e intermunicipais, a vedação de concessão de benefícios fiscais no âmbito do IBS contribui também para extinguir a “guerra fiscal” do ICMS e do ISSQN (ibidem, p. 34).

Dos recursos transferidos ao Estado ou ao Distrito Federal proporcionalmente ao valor das respectivas exportações de produtos industrializados (art. 159-A, VII), deverá o Estado entregar aos respectivos Municípios 25% (vinte e cinco por cento) do que receber, de acordo com os critérios estabelecidos no art. 159-G, I e II (cf. o disposto no parágrafo único do art. 159-F). Nesse ponto, a distribuição do IBS será mais justa e de maior impacto federativo do que é a da quota-parte do ICMS: três quartos na proporção da respectiva população (inc. I do art. 159-G); e um quarto conforme dispuser em lei estadual (inc. II).

“A substituição dos tributos atuais pelo IBS será feita em dez anos, sendo os dois primeiros anos um período de teste e os oito anos seguintes o período de transição propriamente dito. No período de teste o IBS será cobrado à alíquota de 1% (um por cento), sendo o aumento de arrecadação compensado pela redução das alíquotas da Cofins, não afetando, portanto, os Estados e Municípios. Já no período de transição todas as alíquotas do ICMS, do ISS, do IPI, do PIS e da Cofins (ad valorem e ad rem, internas e interestaduais) serão reduzidas em 1/8 (um oitavo) por ano, sendo estes cinco tributos extintos no oitavo ano” (ibidem, p. 35).

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Como a receita do IBS com alíquota de 1% (um por cento) será conhecida, se saberá quanto terá de ser elevada a alíquota de referência do IBS (soma das alíquotas de referência federal, estadual e municipal) para, a cada ano do período de extinção, repor a perda de receita dos cinco tributos atuais (ibidem, p. 36).

Nos primeiros vinte anos contados do início da transição, a distribuição da receita do IBS será feita de modo que seja reposta, para cada Estado e para cada Município, o valor correspondente à redução da receita de ICMS e de ISS em cada ano da transição, corrigido pela inflação. Nesse período, apenas a diferença entre o valor da receita do IBS correspondente à alíquota de referência e o valor que repõe a receita do ICMS e do ISS que será distribuído pelo critério de destino (ibidem, p. 38).

O modelo garante que nos primeiros vinte anos nenhum Estado e nenhum Município terá redução do valor real de sua receita em decorrência da mudança do sistema tributário” (ibidem, p. 39).

“Nos trinta anos subsequentes, a parcela que repõe a perda de receita dos Estados e Municípios com o ICMS e o ISS será progressivamente reduzida (ao ritmo de 1/30 – um trinta avos – por ano), havendo convergência completa para a distribuição da receita do IBS pelo princípio do destino apenas no quinquagésimo ano contado do início da transição” (ibidem, p. 39).

Durante esse período de cinquenta anos, a variação da receita (para mais ou para menos) decorrente de mudanças na alíquota estadual ou municipal relativamente à alíquota de referência será integralmente apropriada como ganho ou perda de receita do Estado ou do Município que alterou a alíquota (ibidem, p. 39).

A inclusão do inc. III ao art. 154. da CF, permite à União instituir impostos seletivos, destinados a desestimular o consumo, a tomada ou o exercício de, respectivamente, determinados bens (como cigarros e bebidas alcoólicas), serviços ou direitos.


13. Novo imposto, velho problema ...

A proposta do novo IBS é tributar o consumo de forma não-cumulativa, visto que incidirá, em cada etapa do ciclo de comercialização ou produção do bem ou de prestação do serviço, sobre o valor agregado (IVA). Haverá, portanto, crédito de imposto correspondente à operação ou prestação anterior. Além disso, com a adoção da não-cumulatividade plena (aceitação do “crédito financeiro”), maior será a probabilidade de ocorrência de créditos espúrios, em que a empresa emitente da Nota Fiscal Eletrônica não é a real vendedora ou produtora do bem nem a real prestadora dos serviços, ou em que não houve absolutamente operação com bens ou prestação de serviços.

Quanto à possiblidade de sonegação, assim como no ICMS, o “nó górdio” do IBS deverá ser também o “documento inidôneo”.

É provável que a lei complementar que instituir o IBS ou o regulamento deste trate do documento inidôneo e a forma como deverá ser glosado o crédito do imposto daquele que o apropriou indevidamente, ainda que de boa-fé.

Impugnação judicial a multa por creditamento indevido ou a glosa de créditos será de competência da justiça federal. Prevalecendo o atual entendimento do STJ quanto ao aproveitamento de créditos apropriados antes de declarada a inidoneidade de documentos de emissão atribuída à suposta vendedora ou prestadora desde que comprovados os respectivos pagamentos, deverão os fiscos de Estados e de Municípios tentar detectar o mais rapidamente possível empresas suspeitas de estarem a simular sua existência. Se em diligência ao estabelecimento da emitente a simulação for confirmada, será suspensa de imediato a emissão de novas Notas Fiscais Eletrônicas e serão declarados como inidôneos os documentos de sua emissão.

“Softwares inteligentes” como os que foram usados nas diversas fases da Operação Quebra Gelo (executada pela Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo) poderão apontar empresas suspeitas. Para o IBS, a título exemplificativo, haverá indício de simulação quando o índice de Valor Acrescido (IVA)28 da empresa – definido a seguir – em determinado período for notadamente inferior à Mediana29 de valores de IVA de outras empresas do mesmo segmento de atividade econômica, no referido período:

IVA = (Saídas – Entradas) / Entradas;30

  • Saídas são a soma dos valores contábeis das operações ou das prestações informados nas Notas Fiscais Eletrônicas emitidas no período pela empresa;

  • Entradas são a soma dos valores contábeis informados em Notas Fiscais Eletrônicas de operações com bens recebidos e de prestações de serviços tomados no mesmo período pela empresa.

Se, no período analisado, a empresa adquiriu bem de ativo, seu IVA resultará distorcido, podendo apresentar valor negativo. Por essa razão, em nota de fim de texto, afirmamos que, em vez de lançar de uma só vez o valor do bem de ativo como crédito do imposto, melhor seria lançá-lo ao longo do período previsto para a utilização do bem, como o fixado na Lei Complementar 87/96.

Mesmo que IVA da empresa no período seja próximo da Mediana de valores de outras empresas do mesmo segmento de atividade econômica no mesmo período, o não-recolhimento do imposto devido é mais um indício de simulação de atividade, que recomenda a realização de diligência ao(s) estabelecimento(s) da empresa, para verificar se ela realmente está ou esteve em atividade.

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Sobre o autor
Wagner Pechi

Agente Fiscal de Rendas do Estado de São Paulo aposentado. Ex-Delegado Tributário de Julgamento de São Paulo. Ex-integrante do Tribunal de Impostos e Taxas. Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PECHI, Wagner. ICMS: Documentos inidôneos e nota fiscal eletrônica.: Uma análise à luz da legislação do Estado de São Paulo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6348, 17 nov. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/84253. Acesso em: 19 dez. 2024.

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