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Análise das memórias falsas e microexpressões faciais em depoimentos judiciais

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4     O PROCESSO E A PROVA

De maneira sucinta, para entender como funciona o procedimento judicial, o acesso à Justiça e a produção de provas no curso do processo, é imprescindível conhecer brevemente alguns de seus elementos, como a ação, a defesa, a jurisdição e o processo.

Ação é o Direito de agir. “É o direito a obter um pronunciamento do juiz acerca de uma pretensão (decisão de mérito), independentemente de esse pronunciamento ser favorável ou desfavorável aquele que o pede”[37]. “Dá-se o nome de ação ao direito [...] a todos assegurado, de atuar em juízo, exercendo posições ativas ao longo de todo o processo, a fim de postular tutela jurisdicional”[38]. É importantíssimo destacar que o réu no processo também exerce o seu direito de agir, pois em sua defesa faz uso de seu direito fundamental ao contraditório, previsto na Constituição Federal em seu art. 5º, LV.[39]

O conceito de Jurisdição é bem complexo, mas ao que cabe minimamente entender, é que a “Jurisdição é a função estatal de solucionar as causas que são submetidas ao Estado através do processo, aplicando a solução juridicamente correta”[40].

Já com relação ao processo, “é o mecanismo de exercício do poder democrático estatal, e é através dele que são construídos os atos jurisdicionais”[41], ou seja, é o meio pelo qual o Estado realiza uma “sequência ordenada de atos logicamente encadeados e destinados à produção de um resultado final”.[42]

O Direito brasileiro é dividido em áreas, para tanto, varia por matéria o procedimento pelo qual será postulado o direito material – Lei processual. Enquanto se reserva ao direito material a regulamentação dos fatos, teorias, regras de aplicação, entre outros, de maneira correspondente à sua matéria (e.g. Direito civil – processo civil; Direito penal – processo penal; Direito do trabalho – processo do trabalho; Direito tributário – processo tributário). Cada um adota, de maneira quase que individual, técnicas e procedimentos, principalmente quando se trata da produção de provas.

No âmbito do Processo Civil, a matérias costumam versar acerca de conflitos financeiros, patrimoniais, possessórios, familiares, entre outros, com o intuito de que a intervenção estatal solucione o litígio entre as partes.

Já no Processo Penal, o instrumento processual é utilizado para apurar e, em caso positivo, condenar o agente pelo ato criminoso, ou seja, “é um caminho necessário para chegar a uma pena”[43], assim, garante ao acusado o cumprimento das normas legais para a punição pelo delito cometido.

Sabe-se que “não pode o juiz “inventar” a solução da causa, até porque ninguém vai ao Judiciário em busca de uma decisão subjetiva do juiz. O que se busca é o reconhecimento de um direito que já se tem”[44], para tanto, é fundamental que as provas estejam no mesmo sentido dos fatos e do direito postulado.

Durante a instrução processual, geralmente, realiza-se a produção da prova oral, ou seja, a oitiva das partes e testemunhas. E é nessa etapa que deve haver maior zelo para que os depoentes não sejam “contaminados” com as perguntas do entrevistador.

Conforme amplamente explanado, a mera escolha de palavras ao fazer uma pergunta pode afetar a credibilidade da memória, ou até induzir a testemunha a direcionar a resposta de forma diferente do ocorrido por intermédio de uma falsa memória. Sendo assim, a capacitação daqueles que tomarão os depoimentos é imprescindível para, além de evitar que as memórias sejam corrompidas, que sejam capazes de se atentar à possibilidade de mentiras e fatos controversos nos depoimentos.

Ao utilizar de maneira sábia os auxiliares da justiça (e.g. peritos, intérpretes, oficiais de justiça) é possível aprimorar a qualidade das provas produzidas e garantir a qualidade dos depoimentos.

Há previsões legislativas naturalmente desfavoráveis à colheita de provas, como é o caso da limitação de produção da prova oral prevista no artigo 228 do Código Civil, haja vista que não permite o testemunho dos menores de 16 anos, daqueles que possuem interesse no litígio (amigo íntimo ou inimigo capital de uma das partes), dos cônjuges, ascendentes, descendentes e dos colaterais até terceiro grau. Porém, o legislador não impede que tais indivíduos sejam ouvidos como informantes quando somente esses conheçam do fato (§ 1º).

E ainda que o CPC preveja a possibilidade da produção de prova antecipada caso “venha a tornar-se impossível ou muito difícil a verificação de certos fatos na pendência da ação” (art. 381, I), seria ideal que a oitiva das testemunhas sempre ocorressem logo no início do processo, com o intuito de garantir o “frescor” da memória para relatos mais precisos.

No Processo Penal é mais complexa a discussão sobre a condenação baseada em testemunho, haja vista que alguns direitos fundamentais estão em jogo. É demasiado complicado que o direito dependa, quase que exclusivamente, de relato testemunhal quando da ausência de outras provas. Exemplos polêmicos são os casos da “lava jato”, em que as delações conduzem parte das investigações, bem como, os crimes contra a dignidade sexual, porque são, em sua grande maioria, praticados na clandestinidade e a palavra da vítima carrega extremo valor probatório.

Prevendo casos de risco, o legislador do CPP dispôs 4 artigos que justificassem a produção da prova antecipada, sendo eles o art. 3º-B (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019), no qual cabe também ao juiz de garantias decidir sobre o requerimento de produção antecipada de provas consideradas urgentes e não repetíveis, nos limites da sua competência; o art. 156, I, que autoriza o juiz a pedir de ofício a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes; o art. 225, que faculta o juiz a colher antecipadamente o depoimento das partes que houver de ausentar-se, ou, por enfermidade ou por velhice, inspirar receio de que ao tempo da instrução criminal já não exista; e por último o art. 336 que permite ao juiz determinar a produção antecipada das provas urgentes quando o acusado for citado por edital.

Além disso, há previsões do Código de Processo Penal que devem ser observadas com maior cautela, como é o caso dos artigos 167 e 168, §3º, do CPP, que permitem à prova testemunhal suprir a falta de evidências concretas, o que pode resultar em condenações injustas se não aplicada com a devida análise do caso.

Como pode-se observar o Código de Processo Penal brasileiro preocupa-se somente com a produção antecipada da prova, se for realmente necessário, ignorando as falhas supramencionadas.

Contudo já houve mudanças positivas em nosso ordenamento jurídico, como por exemplo no art. 28, §1º[45] do Estatuto da Criança e do Adolescente[46], que determina a intermediação do depoimento por equipe interprofissional; o art. 11. da Lei 13.431/17, que obriga necessariamente o depoimento da vítima ser colhida antecipadamente em duas situações: quando a criança ou o adolescente tiver menos de 7 (sete) anos e em caso de violência sexual; art. 12, VI, da Lei 13.431/17, que ordena a gravação do depoimento especial em áudio e vídeo. Estes são exemplos claros que denotam a importância da adequação das formas de produção de prova e a coerência com o que se está sendo apresentado.

Tais situações demonstram serem essenciais ao processo a expertise dos Juízes e dos advogados, assim como, a coparticipação de psicólogos, peritos em expressões faciais, entre outros que se demonstrem necessários para acompanhar os depoimentos e afastar do processo toda a precariedade anteriormente descrita.

Contudo, não há como ignorar o fato de que o Brasil é um país geograficamente extenso (o quinto maior do mundo) e desuniforme, onde existe grande diferença cultural, social e econômica entre suas regiões. Com isso, é possível notar que em grandes centros, o judiciário é composto por um maior time, ao mesmo tempo que é sobrecarregado por um volume de trabalho, dificultando a dedicação dos profissionais em cada processo. Enquanto isso, no interior ainda há carência financeira e procedimental em âmbito do judiciário, pois faltam profissionais habilitados a realizar os inquéritos policiais, treinamento dos juízes para conduzirem as audiências, gravação das audiências e interrogatórios policiais, psicólogos para acompanhar as testemunhas durante todos os procedimentos e, ainda, peritos em microexpressões faciais.

Desta forma, ainda que a legislação seja a mesma para todo o país, a melhora no procedimento de produção de prova testemunhal só será realmente eficaz com o auxílio dos mecanismos já citados, devendo o Estado observar a necessidade de melhora na sua estrutura e garantir a Justiça de forma célere e mais próxima possível da realidade. 

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5     CONCLUSÃO 

Conforme estudado, a mente humana é realmente frágil e, mesmo sem intenção, acaba por confundir e distorcer toda a memória, afetando as informações armazenadas, o que, por conseguinte, não colabora com a busca pela verdade nos procedimentos em que se requer testemunhas e relatos do ocorrido.

Por fim, é possível observar que, por mais que a legislação vigente observe situações de risco, ainda não são suficientes para solucionar os conflitos existentes ante as fragilidades expostas.

Contudo, apresentam-se soluções que não requerem demasiados gastos extraordinários para a sua aplicação, apenas exigem que sejam utilizado recursos já existentes, como a gravação dos depoimentos e a redução de tempo entre a denúncia e a coleta da prova testemunhal. E, ainda, propõe-se que profissionais busquem se especializar e atuar em conjunto com o Judiciário, a fim de auxiliar a Justiça e garantir a segurança nos julgamentos quando houver a produção de prova oral/testemunhal. 


6     REFERÊNCIAS 

·         Livros:

BOBBIO, Norberto. O mundo da memória, Editora Campus Ltda., 1997.

CÂMARA, Alexandre F. O novo processo civil brasileiro. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2017. P. 42

DARWIN, Charles. The expression of the emotions in man and animals, London: John Murray. 1872

DINAMARCO, Candido R. Teoria geral no novo processo civil. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2018.

EKMAN, Paul – A linguagem das emoções: Revolucione sua comunicação e seus relacionamentos reconhecendo todas as expressões das pessoas ao redor.  Tradução Carlos Szlak. São Paulo: Lua de Papel, 2011. p.31

IZQUIERDO, Ivan et al. Envelhecimento, memória e doença de Alzheimer: Mecanismos de Formação da Memória. 1. ed. Porto Alegre, EDIPUCRS, 2009.

IZQUIERDO, Ivan. Memória. 3. ed. Porto Alegre, ArtMed, 2018.

LOPES Jr., Aury. Direito processual penal. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2016

PEREIRA, Caio M. S. Instituições de direito civil: volume. I / Atual. Maria Celina Bodin de Moraes. 30. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2017.

PRADO, Marco A. et al. Envelhecimento e memória: foco na doença de Alzheimer. REVISTA USP, São Paulo, n.75, p. 42-49, set. 2007.

 ·         Internet:

CARVALHO, Anderson. O Poder da Linguagem Corporal Vai Muito Além Do Que Você Imagina! Disponível em <https://cursodelinguagemcorporal.com/o-poder-da-linguagem-corporal/>Acesso dia: 14 maio 2019

EKMAN, Paul. Disponível em: https://www.paulekman.com/resources/micro-expressions/ acesso no dia 25 mar. 2019

EKMAN, Paul. What Scientists Who Study Emotion Agree About. San Francisco, SAGE, 2015.

GARATTONI, Bruno. 7 mistérios do cérebro: e as respostas da ciência para eles. Disponível em:  <https://super.abril.com.br/especiais/7-misterios-do-cerebro-e-as-respostas-da-ciencia-para-eles/> acesso no dia 31 mar. 2019.

HARRIS, Neil P. National Geographic: Brain games (season 01 episode 03) <https://www.nationalgeographic.com/tv/watch/46a1997690dbc55e9ed775e5be603efd/> Acesso no dia 31 mar. 2019.

LOFTUS, Elizabeth. Disponível em: <https://www.ted.com/talks/elizabeth_loftus_the_fiction_of_memory/transcript?language=pt-br#t-889587> acesso no dia 31 mar. 2019 

·         Documento jurídico

BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Rio de Janeiro, 7 de dezembro de 1940.

BRASIL. Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Rio de Janeiro, em 3 de outubro de 1941.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988.

BRASIL. Lei Nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente. Brasília, 13 de julho de 1990.

BRASIL. Lei Nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil.   Brasília, 10 de janeiro de 2002.

BRASIL. Lei Nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Brasília, 16 de março de 2015.

BRASIL. Lei Nº 13.431, de 4 de abril de 2017. Estabelece o sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência e altera a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente). Brasília, 4 de abril de 2017.

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Sobre os autores
Bernardo Langer

Advogado, inscrito na OAB-PR 104382. Pós-graduado em psicologia jurídica e avaliação pessoal. Breve relato sobre experiências anteriores. Durante os cinco anos de faculdade, me dediquei exclusivamente à advocacia tanto pública, quanto privada. Logo no início da faculdade, trabalhava em escritório de advocacia na função de Assistente Jurídico na leitura e interpretação de intimações pelo PROJUDI, alimentação do CPJ, redirecionamento de tarefas internas, peticionamento de peças de pequena complexidade, protocolo de peças processuais em sistemas jurídicos eletrônicos (PROJUDI, ESAJ, EPROC...) e físicos, conferência de protocolos e demais funções relacionadas à atividade de escritório contencioso, período de 2015 até 2017. De 2017 à 2018 iniciei uma curta, porém valiosa aprendizagem com o estágio na Advocacia Geral da União onde laborava na produção de peças processuais em matérias relacionadas ao direito civil, como mineração, execução de acordão do TCU e improbidade administrativa. Já na Defensoria Pública do Estado, participei das atividades de três setores diferentes: Centro de atendimento Multidisciplinar (CAM)(2018), Cível (2018/19) e Crimes Contra Infância e Idoso (2019/20). Em todos os setores realizei atendimento direto com o público, trabalhava na elaboração de todas as peças processuais cabíveis em 1º grau, acompanhamento processual, cumprimento de prazos, acompanhamento de audiências, envio de ofícios e demais atividades relacionadas à prática da advocacia. Desde junho de 2020 trabalho como advogado autônomo e correspondente, em matérias como cível, consumidor, família, previdenciário, criminal, infracional, trabalhista, execução fiscal, entre outros.

Fernando de Alvarenga Barbosa

Diplomado em Estudios Avanzados en Derecho Internacional Público y Relaciones Internacionales, UBU/Espaa. Pós-Graduado em Direito Tributário, UNESA; Gestão dos Processos Educativos: Administração e Supervisão Escolar, UERJ. Graduado em Licenciatura Plena em Educação Física, UFRJ; Direito, UNESA. Lecionou Direito Constitucional, Direito Processual Constitucional e Arbitragem, Mediação e Conciliação no Centro de Ensino Superior de Valença, CESVA/RJ. Lecionou História das Instituições de Segurança Pública e Direitos Humanos para as Forças de Segurança na Academia Estadual de Polícia Sylvio Terra/ACADEPOL/RJ. Voluntário na Cruz Vermelha Brasileira, desde 1980, representando o Brasil em Seminários Internacionais. Conselheiro da Filial do Estado do Rio de Janeiro nos triênios 2008 até 2018; Coordenador Nacional do Programa de Restabelecimento de Laços Familiares/RLF, 2016/2017. Pesquisa a efetivação e a percepção dos Direitos Humanos perante às Instituições de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro, onde atua há 33 anos, investigando acerca de sua atuação e da Responsabilidade Internacional do Estado, no Uso da Força. Estuda ainda, as Migrações, junto com a Red Latinoamericana do Refugee Law Reader/RLR e o Tráfico de Pessoas e seus processos. Conteudista do Programa de Educação Continuada da Universidade Corporativa do Saber Policial/UNISPOL. Professor Orientador no Núcleo de Educação a Distância, UNESA/RJ. Coordenador da disciplina de Trabalho de Conclusão de Curso/TCC, na Unidade Nova América da UNESA, 2017/2019. Professor dos cursos de Direito e de Relações Internacionais da UNESA, lecionando Direito Internacional Público e Privado, Teoria Geral do Estado e História do Direito no Brasil. Mestrando em Derecho de las Relaciones Internacionales y de la Integración en América Latina/UDE/Uruguay.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LANGER, Bernardo ; BARBOSA, Fernando Alvarenga. Análise das memórias falsas e microexpressões faciais em depoimentos judiciais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6313, 13 out. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/84254. Acesso em: 22 dez. 2024.

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