Capa da publicação Fraqueza normativa da Constituição: o julgamento sobre o salário mínimo na ADI 1.439
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A fraqueza normativa da Constituição

ineficácia da folha de papel a partir do julgamento da ADI 1.439

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4 Aspectos jurídicos e econômicos do salário mínimo

A Lei n. 185, de 14 de janeiro de 1936, estabeleceu que todo trabalhador tem direito, em pagamento do serviço prestado, a um salário mínimo capaz de satisfazer, em determinada região do País e em determinada época, das suas necessidades normais de alimentação, habitação, vestuário, higiene e transporte. Nessa Lei ficou definido que o salário mínimo é a remuneração mínima devida ao trabalhador adulto por dia normal de serviço, e que os menores aprendizes ou quem desempenhe serviços especializados podem ter reduzido o seu valor até a metade, e para os trabalhadores ocupados em serviços insalubres é permitido aumenta-lo na mesma proporção. Nessa Lei estava disposto que seria nulo, de pleno direito, qualquer contrato ou convenção que estipulasse remuneração inferior ao salário mínimo, bem como assinalava multa para quem descumprisse os preceitos legais. Eis a fonte legal do salário mínimo no Brasil.

Essa aludida Lei 185/1936 foi regulamentada pelo Decreto-Lei n. 399, de 30 de abril de 1938, que na definição do salário mínimo acrescentou que não deveria haver distinção de sexo, e estabeleceu que o valor seria determinado pela soma das despesas diárias com alimentação, habitação, vestuário, higiene e transporte de um trabalhador adulto. Nesse DL 399/1938 também se fez uma distinção entre os trabalhadores domésticos e os que trabalham em domicílio. E dividiu-se o Brasil em (22) vinte e duas regiões a fim de que fosse estabelecido o valor do salário mínimo para cada região. Essa legislação (Lei 185/1936 e DL 399/1938) também cuidaram das Comissões de Salário Mínimo, órgãos colegiados vinculados ao Ministério do Trabalho, que teriam a atribuição de fixar o valor do salário mínimo para cada região do País. Essas Comissões seriam compostas por representantes dos empregadores e dos empregados, nomeados pelo ministro do Estado do Trabalho. Nesse DL 399/1938 também constava uma relação de alimentos típicos do trabalhador brasileiro.

A instituição legal do salário mínimo se deu com a edição do Decreto-Lei n. 2.162, de 1º de maio de 1940, repetindo uma série de preceitos da referida legislação. Esse DL 2.162/1940 acrescentou o caráter privilegiado do crédito trabalhista, nos processo falimentares. Na Consolidação das Leis do Trabalho – CLT (Decreto-Lei n. 5.452, de 1º de maio de 1943), há capítulo cuidando apenas do salário mínimo, na esteira da legislação já vigente, e inovando no sentido de estender ao trabalhador rural esse direito também. E também se estabeleceu que o valor pago em dinheiro deveria ser de pelo menos 30% (trinta por cento) do valor do salário mínimo.

Nas Constituições, o salário mínimo constou no art. 121, § 1º, alínea “b”, da Constituição de 1934, que dispôs que ele - salário mínimo – deveria ser capaz de satisfazer, conforme as condições de cada região, às necessidades normais do trabalhador. Na Carta Política de 1937 esse preceito foi repetido no art. 137, alínea “h”. Na Constituição de 1946, no art. 157, inciso I, acrescentou-se a família como destinatária das satisfações econômicas do salário mínimo. A Carta Política de 1967, no art. 157, inciso I, repetiu a redação da Constituição de 1946. A Constituição de 1988 robusteceu normativamente as expectativas relacionadas ao salário mínimo, conforme se lê do disposto no art. 7º, inciso IV.

Como se viu, essa robustez normativa do salário mínimo, segundo o próprio STF, não foi capaz de torná-lo um instrumento capaz de garantir ao trabalhador e a sua família, o acesso a todos os bens econômicos prometidos. Qual a razão para essa incapacidade econômica do salário mínimo? Apenas vontade política? Ou impossibilidade econômica mesmo? Se tomarmos as lições econômicas de Henry Hazlitt[12] e as de Thomas Sowell[13] veremos que o salário mínimo tende a piorar a situação dos trabalhadores menos qualificados, menos escolarizados e a jogar-lhes para o desemprego e para a informalidade, bem como tende a inviabilizar pequenos e médios empreendimentos, colocando-os na clandestinidade e na ilicitude.

Assinalou Hazlitt:

O salário é um preço como outro qualquer. Qualquer tentativa de elevá-lo por decreto estará fadada ao fracasso. A primeira coisa que acontece, por exemplo, ao ser decretado que ninguém receberá menos que R$ 350 por semana de 40 horas é que qualquer pessoa cujo trabalho não vale R$ 350 por semana não será empregada.

Não se pode fazer com que alguém mereça receber determinada importância tornando ilegal o oferecimento de importância menor. Ele está simplesmente sendo privado do direito de ganhar a importância que suas aptidões e situação permitem ganhar; ao mesmo tempo, a comunidade está sendo privada dos modestos serviços que ele pode prestar. É, em suma, substituir o salário baixo pelo desemprego. Todos estão sendo prejudicados, sem qualquer compensação.

Não é nossa intenção alegar que não haja meios de elevar os salários. Queremos, simplesmente, assinalar que o método aparentemente simples de elevá-los por decreto é errado, e o pior de todos. A melhor maneira de elevar salários é aumentar a produtividade do trabalho. Quanto mais o trabalhador produz, tanto mais aumenta a riqueza de toda a comunidade. Quanto mais produz, tanto mais seus serviços têm valor para os consumidores e, portanto, para os empregadores. E quanto mais operar a valer para o empregador, tanto maior salários ganhará. O salário real vem da produção, não de decretos governamentais.

Assim sendo, a política governamental deveria ser dirigida não no sentido de impor mais exigências onerosas ao empregador, mas, ao contrário, no de encorajar políticas que já favoreçam os lucros, que levem o empregador a investir em máquinas melhores e mais modernas, possibilitando o aumento da produtividade dos trabalhadores. Em suma, encorajar o acúmulo de capital, aumentando tanto ao nível de emprego como de salários.

Na mesma toada Sowell:

Conforme a legislação do salário mínimo, é ilegal pagar menos do que o preço especificado pelo governo para o trabalho. A Economia mais simples e básica nos diz que um preço artificialmente aumentado tende a fazer com que mais seja fornecido e menos seja demandado, do que quando os preços são deixados para serem determinados pela oferta e demanda em um mercado livre. O resultado é um excedente, não importando se o preço elevado definido artificialmente refere-se a produtos agrícolas ou à mão de obra.

Tornar ilegal pagar menos do que uma dada quantia não significa imputar mais valor à produtividade de um trabalhador – e se assim não for, é improvável que esse trabalhador consiga um emprego. Contudo, leis de salário mínimo são quase sempre discutidas politicamente em termos dos benefícios que conferem aos trabalhadores assim remunerados. Infelizmente, o salário mínimo real é sempre zero, independentemente das leis, e esse é o salário que muitos trabalhadores recebem na sequência da criação ou elevação pelo governo de um salário mínimo obrigatório, por perder seus empregos ou não conseguir encontrar um ao entrar na força de trabalho. A lógica é simples e um exame da evidência empírica observada em vários países ao redor do mundo tende a corroborá-la, como veremos...

Sem embargo dos melhores propósitos humanísticos, a realidade nacional confirma o aludido magistério, razão pela qual ser favorável à normatização jurídica do salário mínimo decorre ou de ignorância econômica ou de má-fé social.


5 Conclusões

A decisão do STF, na ADI 1.439, representou o reconhecimento dos limites normativos da Constituição na conformação jurídica de realidades e possibilidades econômicas, bem como revelou o caráter frágil da promessa normativa do salário mínimo. Isso porque o salário mínimo consiste em promessa normativa irresponsável e inconsequente, seja do ponto de vista jurídica, seja do ponto de vista econômico e financeiro, porquanto parte da crença infantil nos poderes mágicos das leis em conformar a realidade a partir das idealidades éticas e utópicas.

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São normativamente fracos os dispositivos constitucionais que geram demasiada frustração e ansiedade se confrontados com a realidade, bem como necessitam de muitos outros fatores para serem institucionalmente reivindicáveis e concretizáveis. Nessa perspectiva, devem constar no texto constitucional somente promessas realistas e pragmáticas, que visam os ideais normativos mas sem ignorar todas as vicissitudes da realidade, nem desprezar os “fatores reais de poder” de determinada sociedade, reconhecendo que a necessária “consciência constitucional” ou o desejável “sentimento de constitucionalidade” exigem um compromisso moral de sinceridade de propósitos e de integridade ética, tanto dos governantes (autoridades) quanto dos governados (povo).


Notas

[1] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1.439. Plenário. Relator ministro Celso de Mello. Julgamento da medida cautelar em 22.5.1996. Acórdão publicado em 30.5.2003 Brasília, 2003 (www.stf.jus.br).

[2] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1.458. Plenário. Relator ministro Celso de Mello. Julgamento da medida cautelar em 22.5.1996. Acórdão publicado em 30.5.2003 Brasília, 2003 (www.stf.jus.br).

[3] SARAIVA, Josilma Batista. Petição inicial. Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1.458. Supremo Tribunal Federal. Brasília, 1996 (www.stf.jus.br).

[4] LASSALLE, Ferdinand. A essência da Constituição. Prefácio de Aurélio Wander Bastos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001.

[5] HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1991.

[6] LOEWENSTEIN, Karl. Teoría de la Constitución. Barcelona: Editorial Ariel, 1965.

[7] VIEIRA JÚNIOR, Ronaldo Jorge Araújo; e SANTOS, Luiz Alberto. Petição inicial. Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1.439. Supremo Tribunal Federal. Brasília, 1996 (www.stf.jus.br).

[8] MELLO, Celso. Voto. Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1.439. Supremo Tribunal Federal. Brasília, 1996 (www.stf.jus.br).

[9] Segundo o Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), em sua pesquisa nacional de cesta básica de alimentos e sobre o salário mínimo nominal e necessário, em maio de 1996, o salário mínimo nominal foi de R$112,00 enquanto que o real deveria ser de R$801,95. No corrente mês de junho de 2020, o salário mínimo nominal é de R$1.045,00 e deveria ser de R$4.694,57 (www.dieese.org.br).

[10] ALVES JÚNIOR, Luís Carlos Martins. O sistema constitucional dos países lusófonos – um breve passeio no modelo jurídico-político de Angola, do Brasil, de Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste, à luz das concepções de Ferdinand Lassalle, Konrad Hesse e Karl Loewenstein. Revista Jus Navigandi, ISN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3494, 24 jan. 2013. Disponível em https://jus.com.br/artigos/23514. Acesso em 25 jun. 2020.

[11] ALVES JÚNIOR, Luís Carlos Martins. O modelo jurídico da seguridade social – uma breve análise acerca das proposições legislativas e a necessária desconstitucionalização. Revista Jus Navigandi, ISN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5820, 8 jun. 2019. Disponível em https://jus.com.br/artigos/74473. Acesso em 25 jun. 2020.

[12] HAZLITT, Henry. Economia numa única lição. Tradução de Leônidas Gontijo de Carvalho. São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010.

[13] SOWELL, Thomas. Economia básica – um guia de economia voltado para o senso comum, volume I. Tradução de Carlos Bacci. Rio de Janeiro: Alta Books, 2018.

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Sobre o autor
Luís Carlos Martins Alves Jr.

LUIS CARLOS é piauiense de Campo Maior; bacharel em Direito, Universidade Federal do Piauí - UFPI; orador da Turma "Sexagenária" - Prof. Antônio Martins Filho; doutor em Direito Constitucional, Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG; professor de Direito Constitucional; procurador da Fazenda Nacional; e procurador-geral da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico - ANA. Exerceu as seguintes funções públicas: assessor-técnico da procuradora-geral do Estado de Minas Gerais; advogado-geral da União adjunto; assessor especial da Subchefia para Assuntos Jurídicos da Presidência da República; chefe-de-gabinete do ministro de Estado dos Direitos Humanos; secretário nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente; e subchefe-adjunto de Assuntos Parlamentares da Presidência da República. Na iniciativa privada foi advogado-chefe do escritório de Brasília da firma Gaia, Silva, Rolim & Associados – Advocacia e Consultoria Jurídica e consultor jurídico da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB. No plano acadêmico, foi professor de direito constitucional do curso de Administração Pública da Escola de Governo do Estado de Minas Gerais na Fundação João Pinheiro e dos cursos de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC/MG, da Universidade Católica de Brasília - UCB do Instituto de Ensino Superior de Brasília - IESB, do Centro Universitário de Anápolis - UNIEVANGÉLICA, do Centro Universitário de Brasília - CEUB e do Centro Universitário do Distrito Federal - UDF. É autor dos livros "O Supremo Tribunal Federal nas Constituições Brasileiras", "Memória Jurisprudencial - Ministro Evandro Lins", "Direitos Constitucionais Fundamentais", "Direito Constitucional Fazendário", "Constituição, Política & Retórica"; "Tributo, Direito & Retórica"; e "Lições de Direito Constitucional".

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVES JR., Luís Carlos Martins. A fraqueza normativa da Constituição: ineficácia da folha de papel a partir do julgamento da ADI 1.439. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6259, 20 ago. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/84596. Acesso em: 21 nov. 2024.

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