Capa da publicação Os guardiões das constituições lusófonas: análise acerca da defesa da legalidade institucional e da legitimidade democrática
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Os guardiões das constituições lusófonas:

uma breve análise acerca da defesa da legalidade institucional e da legitimidade democrática

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9 OS GUARDIÕES DO TIMOR-LESTE[22]

No preâmbulo da Constituição do Timor-Leste está enunciado que a resistência ao domínio estrangeiro desdobrou-se em três frentes: a militar, protagonizada pelas forças armadas, a clandestina, protagonizada por homens e mulheres civis, e a diplomática, que envolveu múltiplos setores da sociedade mundial, mormente a Igreja Católica, de sorte que muitos foram os mártires que viabilizaram a independência e a liberdade do Timor-Leste e que tornaram possível a promulgação de sua Constituição.

Nessa Constituição, está prescrito que a República Democrática do Timor-Leste é um Estado de direito democrático, soberano, independente e unitário, baseado na vontade popular e no respeito pela dignidade da pessoa humana. Também está enunciada que a soberania reside no povo, que a exerce nos termos da Constituição, que o Estado subordina-se à Constituição e às leis, e que estas e os demais atos do Estado e do poder local só são válidos se forem conformes à Constituição e que o Estado reconhece e valoriza as normas e os usos costumeiros de Timor-Leste que não contrariem a Constituição e a legislação que trate especialmente do direito costumeiro.

Dentre os objetivos fundamentais do Estado timorense está o de defender e garantir a soberania do país, garantir e promover os direitos e liberdades dos cidadãos e o respeito pelos princípios do Estado de direito democrático e defender a garantir a democracia política e a participação popular na resolução dos problemas nacionais. A Constituição assegura o acesso aos tribunais para a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos e que a justiça não pode ser denegada por insuficiência de meios econômicos. Também é instituída a figura do Provedor de Direitos Humanos e Justiça como órgão independente que tem por função apreciar e procurar satisfazer as queixas dos cidadãos contra os poderes públicos, podendo verificar a conformidade dos atos com a lei, bem como prevenir e iniciar todo o processo para a reparação das injustiças. É, também, assegurado a todos o direito de não acatar e de resistir às ordens ilegais ou que ofendam os seus direitos, liberdades e garantias fundamentais, assim como o direito de legítima defesa.

Assegura-se o direito de participação política, o direito de votar e ser de ser votado e o caráter cívico do direito ao sufrágio, bem como que todo cidadão tem o direito de apresentar petições, queixas e reclamações, individual ou coletivamente, perante os órgãos de soberania ou quaisquer autoridades, para defesa dos seus direitos, da Constituição, das leis ou do interesse geral. Todo o cidadão tem o direito e o dever de contribuir para a defesa da independência, soberania e integridade territorial do país, inclusive mediante o serviço militar.

No concernente à organização do poder político, está prescrito que ele se radica no povo. E que são órgãos da soberania o presidente da República, o Parlamento Nacional, o Governo e os Tribunais, que devem respeitar, nas suas relações recíprocas e no exercício de suas funções, o princípio da separação e interdependência dos poderes constitucionalmente estabelecidos. Prescreve que o Presidente da República é o chefe do Estado, símbolo e garante da independência nacional, da unidade do Estado e do regular funcionamento das instituições democráticas, bem como é comandante supremo das forças armadas.

Dentre as competências presidenciais, na qualidade de defensor da Constituição, que deve jurar defender no ato de sua posse, está a de promulgar ou de exercer o direito de veto sobre os diplomas legislativos, requerer a apreciação preventiva e a fiscalização abstrata da constitucionalidade das normas, bem como a verificação da inconstitucionalidade por omissão, declarar os estados de sítio ou de emergência, mediante autorização do Parlamento, declarar a guerra e fazer a paz.

O Governo é o órgão de soberania responsável pela condução e execução da política geral do país e o órgão superior da administração pública. É constituído pelo primeiro-ministro, pelos ministros e secretários de Estado. O primeiro-ministro é indicado pelo partido político mais votado ou pela aliança de partidos com maioria parlamentar e nomeado pelo presidente da República. O Governo responde perante o presidente da República e perante o Parlamento nacional. Dentre suas atribuições, como guardião da Constituição, está a de garantir o gozo dos direitos e liberdades fundamentais aos cidadãos, bem como subsidiar o presidente da República no exercício de suas atribuições constitucionais.

No tocante ao poder legislativo, está prescrito que o Parlamento Nacional é o órgão de soberania da República Democrática de Timor-Leste, representativo de todos os cidadãos timorenses com poderes legislativos, de fiscalização e de decisão política. Os deputados não respondem civil, criminal ou disciplinarmente pelos votos e opiniões que emitirem no exercício das suas funções. Dentre suas atribuições como guardião da Constituição, compete legislar sobre cidadania, direitos, liberdades e garantias, a suspensão das garantias constitucionais e a declaração do estado de sítio e do estado de emergência e política de defesa e segurança.

Quanto ao poder judiciário e à magistratura, está enunciado que os tribunais são órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, e que as suas decisões são de cumprimento obrigatório e prevalecem sobre todas as decisões de quaisquer autoridades, assim como os são independentes e apenas sujeitos à Constituição e à lei, e que não podem aplicar normas contrárias à Constituição ou aos princípios nela consagrados. Aos juízes, no exercício de suas funções, garante-se a independência e devem apenas obediência à Constituição, à lei e à sua consciência. Dentre os órgãos jurisdicionais, compete ao Supremo Tribunal de Justiça administrar a justiça em matérias de natureza jurídico-constitucional.

Segundo a Constituição, na qualidade de seu guardião, cabe ao Supremo Tribunal de Justiça apreciar e declarar a inconstitucionalidade e ilegalidade dos atos legislativos e normativos dos órgãos do Estado, verificar previamente a constitucionalidade e a legalidade dos diplomas legislativos e referendos, verificar a inconstitucionalidade por omissão e decidir, em sede recursal, sobre a não aplicação de normas consideradas inconstitucionais pelos tribunais inferiores.

No processo de garantia e revisão da Constituição, está disposto que podem requerer ao Supremo Tribunal de Justiça a declaração de inconstitucionalidade o presidente da República, o presidente do Parlamento, o procurador-geral da República, o primeiro-ministro, um quinto dos deputados e provedor de direitos humanos e justiça. E que cabe recurso ao Supremo das decisões dos tribunais que recusem a aplicação de qualquer norma com fundamento na sua inconstitucionalidade ou que apliquem normas cuja inconstitucionalidade tenha sido suscitada durante o processo. As decisões do Supremo não são passíveis de recurso e possuem força geral e obrigatória em matéria constitucional.

Já a revisão da Constituição compete ao Parlamento decorrido seis anos sobre a data da publicação da última lei de revisão constitucional. Nada obstante, se quatro quintos dos deputados decidirem, a qualquer momento pode o Parlamento revisar a Constituição. As alterações constitucionais exigem aprovação de pelo menos dois terços dos parlamentares. A Constituição não pode ocorrer na vigência do estado de sítio ou do estado de emergência. E a revisão deve respeitar, dentre outras limitações materiais, a independência nacional e a unidade do Estado, os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, a forma republicana, a separação dos poderes, a independência dos tribunais, o multipartidarismo e o direito de oposição democrática e o sufrágio.

Por fim, quanto à defesa e segurança nacionais, as forças armadas garantem a independência nacional, a integridade territorial e a liberdade e segurança das populações contra qualquer agressão ou ameaça externa e o respeito pela ordem constitucional. Elas são apartidárias e devem obediência aos órgãos de soberania, sendo-lhes vedada qualquer intervenção política. A polícia defende a legalidade democrática e garante a segurança interna dos cidadãos, sendo rigorosamente apartidária e a prevenção criminal deve fazer-se com respeito aos direitos humanos.

Essa é a disciplina normativa relativa aos guardiões da legalidade constitucional e da legitimidade democrática do Timor-Leste.


10 OS GUARDIÕES DO BRASIL[23]

A Constituição brasileira, promulgada em 1988, nasceu de um amplo acordo político decorrente de um sólido consenso social que resultou na restauração da democracia republicana, que foi parcialmente suspensa com o movimento cívico-militar de 1964. Nada obstante a guerrilha armada e o autoritarismo político-militar, a redemocratização e o restabelecimento das franquias cívicas foram pacificamente conquistados e institucionalmente garantidos, graças à habilidade das forças políticas nacionais, que souberam construir uma solução responsável e adequada para o nosso contexto histórico. Assim, diferentemente das demais Constituições lusófonas africanas que resultaram de guerras civis de libertação, a brasileira foi pacificamente construída, mas com ampla participação popular, de sorte que os “gabinetes do poder” foram pressionados pelo “pulsar das ruas”.

Nessa perspectiva, a Constituição reafirma o mantra democrático segundo o qual todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente nos termos constitucionalmente estabelecidos. Dentre os direitos constitucionalmente assegurados aos indivíduos está o de petição aos poderes públicos em defesa de seus direitos ou contra ilegalidades ou abusos de poder. Assegura a Constituição que o exercício da soberania popular será por sufrágio universal e voto direto e secreto, com igual valor para todos. O alistamento eleitoral e o voto são deveres cívicos obrigatórios para os maiores de 18 anos de idade, e facultativo para os maiores de 70 anos e para os menores de 18 e maiores de 16 anos.

Está prescrito que é competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios zelar pela guarda da Constituição, das leis e das instituições democráticas e conservar o patrimônio público. É de ver a aplicação medular da “guarda constitucional mista”. Ou seja, praticamente todas as autoridades e agentes públicos devem ser guardiões da Constituição. E como o poder emana do povo, este também deve ser seu guardião, assim como todo e qualquer cidadão brasileiro.

No tocante à organização dos poderes, a Constituição brasileira adotou explicitamente o federalismo tridimensional com as autonomias governamentais federal, estaduais e municipais, e com a figura do Distrito Federal que é a um só tempo Estado e Município. Além do federalismo, a Constituição adotou a separação dos Poderes com a repartição de competências entre os poderes legislativo, executivo e judiciário, que devem ser independentes e harmônicos entre si.

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No plano federal, o poder legislativo é exercido pelo Congresso Nacional que se compõe de duas Casas Legislativas, a Câmara dos Deputados e o Senado Federal. Este composto por representantes dos Estados, enquanto aquela composta por representantes do povo. No exercício de suas atribuições de guarda constitucional, ao Congresso Nacional compete autorizar o presidente da República a declarar a guerra, a celebrar a paz, a permitir que forças estrangeiras transitem pelo território nacional ou nele permaneçam temporariamente, aprovar o estado de defesa e a intervenção federal e autorizar o estado de sítio ou suspender qualquer  uma dessas medidas excepcionais do estado de exceção constitucional, e sustar os atos normativos do poder executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa.

Também compete ao Congresso Nacional julgar o presidente da República por crimes de responsabilidade (crimes políticos), sendo que a instauração desse processo de impedimento (impeachment) compete  à Câmara dos Deputados, por dois terços de seus membros, e o processo e o julgamento compete ao Senado Federal, que eventualmente condenará por dois terços de seus membros. Para bem desempenharem essas funções, os parlamentares são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos, e somente podem ser processados e julgados perante o Supremo Tribunal Federal. Ainda no exercício de guarda da Constituição, o Parlamento está autorizado a fiscalizar os atos governamentais do poder executivo e a de investigar fatos relevantes.

Quanto à reforma da Constituição, o Congresso Nacional pode executá-la se três quintos dos membros de cada uma de suas Casas aprovar, em dois turnos de votação. Somente um terço, no mínimo, dos membros de cada uma das Casas legislativas, ou o presidente da República ou mais da metade das Assembleias Legislativas dos Estados federados poderão propor emenda à Constituição. Durante a vigência dos estados de exceção constitucional não pode haver mudança constitucional. Não será objeto de deliberação a proposta de emenda constitucional tendente a abolir a forma federativa, o voto direto, secreto, universal e periódico, a separação dos Poderes e os direitos e garantias individuais.

Já o poder executivo é exercido pelo presidente da República com o auxílio dos ministros de Estado. No Brasil, diversamente do que sucede nos outros países lusófonos, vige o sistema presidencialista, no qual o presidente da República acumula a chefia de Estado, de Governo e da administração federal. O presidente é eleito junto com o seu vice-presidente e ambos tomam posse conjuntamente e se comprometem a manter, defender e cumprir a Constituição, observar as leis, promover o bem geral do povo brasileiro, sustentar a união, a integridade e a independência do Brasil.  Dentre as atribuições do presidente da República como guardião da Constituição estão a de sancionar ou vetar os projetos de lei, por motivos de inconstitucionalidade ou de interesse público, decretar o estado de defesa, o estado de sítio e a intervenção federal, e exercer o comando supremo das forças armadas.

O poder judiciário é exercido por juízes e tribunais, sendo o órgão de cúpula o Supremo Tribunal Federal que tem como função precípua a guarda da Constituição e competência para apreciar a ação direta de inconstitucionalidade, a ação declaratória de constitucionalidade e a arguição de descumprimento de preceito fundamental, no concernente ao controle concentrado e abstrato de constitucionalidade, e de julgar outros feitos, ações e recursos no controle de casos concretos, mormente de decisões de instâncias judiciais inferiores que contrariem dispositivos constitucionais, que declarem a inconstitucionalidade de tratado ou de lei federal, ou que julguem válidas leis ou atos de governo local contestados em face da Constituição.

Está preceituado que as decisões definitivas de mérito do Supremo Tribunal Federal, no controle concentrado e abstrato, bem como as suas “súmulas vinculantes”, produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do poder judiciário e à administração pública. Podem propor, perante o Tribunal, as ações de controle concentrado e abstrato, o presidente da República, a mesa do Senado Federal, a mesa da Câmara dos Deputados, a mesa do poder legislativo do Estado federado ou do Distrito Federal, o governador de Estado ou do Distrito Federal, o procurador-geral da República, o conselho federal da Ordem dos Advogados, o partido político com representação no Congresso Nacional, e a confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional. 

Por fim, como últimos guardiões da legalidade institucional e da legitimidade democrática, na eventual hipótese de falência ou insuficiências das instituições normais para essa finalidade, restam as forças armadas, que são as instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do presidente da República e destinadas à defesa da pátria, à garantia dos poderes constitucionais, da lei e da ordem, por iniciativa de qualquer dos poderes. Ao militar, dentre várias vedações, está de sindicalizar-se ou de fazer greve, bem como de filiação e de atividades político-partidárias. O serviço militar é obrigatório para os homens. Mulheres e eclesiásticos ficam isentos do serviço militar obrigatório em tempos de paz.

Em suma, esse é o desenho normativo dos órgãos responsáveis pela legalidade constitucional e pela legitimidade democrática no Brasil.

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Sobre o autor
Luís Carlos Martins Alves Jr.

LUIS CARLOS é piauiense de Campo Maior; bacharel em Direito, Universidade Federal do Piauí - UFPI; orador da Turma "Sexagenária" - Prof. Antônio Martins Filho; doutor em Direito Constitucional, Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG; professor de Direito Constitucional; procurador da Fazenda Nacional; e procurador-geral da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico - ANA. Exerceu as seguintes funções públicas: assessor-técnico da procuradora-geral do Estado de Minas Gerais; advogado-geral da União adjunto; assessor especial da Subchefia para Assuntos Jurídicos da Presidência da República; chefe-de-gabinete do ministro de Estado dos Direitos Humanos; secretário nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente; e subchefe-adjunto de Assuntos Parlamentares da Presidência da República. Na iniciativa privada foi advogado-chefe do escritório de Brasília da firma Gaia, Silva, Rolim & Associados – Advocacia e Consultoria Jurídica e consultor jurídico da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB. No plano acadêmico, foi professor de direito constitucional do curso de Administração Pública da Escola de Governo do Estado de Minas Gerais na Fundação João Pinheiro e dos cursos de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC/MG, da Universidade Católica de Brasília - UCB do Instituto de Ensino Superior de Brasília - IESB, do Centro Universitário de Anápolis - UNIEVANGÉLICA, do Centro Universitário de Brasília - CEUB e do Centro Universitário do Distrito Federal - UDF. É autor dos livros "O Supremo Tribunal Federal nas Constituições Brasileiras", "Memória Jurisprudencial - Ministro Evandro Lins", "Direitos Constitucionais Fundamentais", "Direito Constitucional Fazendário", "Constituição, Política & Retórica"; "Tributo, Direito & Retórica"; e "Lições de Direito Constitucional".

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVES JR., Luís Carlos Martins. Os guardiões das constituições lusófonas:: uma breve análise acerca da defesa da legalidade institucional e da legitimidade democrática. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6299, 29 set. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/85637. Acesso em: 24 nov. 2024.

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