Capa da publicação Sistema prisional brasileiro: as veredas do estado de coisas inconstitucional
Capa: Antonio Cruz / ABr

Sistema prisional brasileiro: as veredas do estado de coisas inconstitucional

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Resumo:


  • O sistema penitenciário brasileiro enfrenta uma crise estrutural e de direitos fundamentais, evidenciada pela declaração do Estado de Coisas Inconstitucional, que destaca a desconexão entre a legislação penal e a realidade das prisões.

  • Os presídios brasileiros são marcados por superlotação, violações de direitos humanos e condições insalubres, expondo detentos a um ambiente de violência e falta de medidas efetivas de ressocialização.

  • Apesar de reconhecido o Estado de Coisas Inconstitucional pelo STF, as medidas implementadas não foram suficientes para resolver os problemas estruturais e de direitos, e a pandemia de COVID-19 acentuou a necessidade urgente de reformas no sistema prisional.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

A NECESSIDADE DE REFORMAS PENITENCIÁRIAS ACENTUADA PELA PANDEMIA DO COVID-19

As crises são propulsoras de mudanças. Há ainda quem diga que foi criada uma forte dependência dessas para verdadeiras revoluções institucionais ou estruturais. Aquém de tais dependências, é fato que a busca de soluções é urgente no atual contexto de disseminação do letal Coronavírus. E, no meio dessa premência, talvez como em todas as outras, os presos estão sendo lembrados por conta da precariedade desumana que enfrentam todos os dias nos cárceres brasileiros. Afinal, enquanto o mundo assiste, atônito, ao avanço do novo vírus e a OMS segue recomendando o isolamento social e cuidados de higiene para evitar a disseminação da doença, o Estado continua inerte diante dos milhares óbitos de presos que se anteveem em um espaço perfeito para a disseminação da moléstia e de tantas outras que já, de longa data, assolam as prisões. Assim, mais do que nunca, cabe lembrar da advertência do excelentíssimo ministro Gilmar Mendes, no sentido de que não se pode mais falar da existência do atual sistema prisional como se fosse qualquer reclamação de frio ou de calor, como se não houvesse responsabilidades por trás da lamentável situação que se chegou.

Com efeito, o que se coloca diante do Brasil é cenário inescapável. O genocídio da população carcerária pode, agora, como nunca, virar uma realidade, caso a pandemia seja negligenciada nas cadeias e a superlotação desumana continue. Ora, o Estado tem sim lavado suas mãos e, ainda aos moldes de Pilatos, por mero medo da reação pública (defender direito de presos não dá votos), ou mesmo por suas inclinações pessoais. A soltura dos presos, no contexto da pandemia, de forma excepcional, porém efetiva, é um assunto delicado, mas nunca capaz de receber mais atenção do que a vida em si. A teor dos direitos e garantias fundamentais asseguradas por nada além do que a Constituição Federal, a reavaliação das prisões é imprescindível para que não se faça necessária a valorização das vidas.

Afinal, a vida não pode ser um privilégio de quem cumpre a lei, até mesmo porque os encarcerados estão em regime do caráter retributivo do cumprimento da pena, que garante o retorno ao convívio social para aqueles que a cumprem. A vida é direito de todos. Compreensão que, caso fosse disseminada, teria o poder de criar um marco histórico: a memória do período que o mundo se uniu contra o derramamento de sangue, abdicando da argumentação jurídica distorcida e rompendo com a falta de coragem que prevalece no cuidado estatal das masmorras brasileiras.

Sem qualquer previsão de medidas de desencarceramento, ainda uma grande ironia se faz quando a própria Portaria Interministerial n. 7, assinada pelos ministros da Justiça e da Saúde, prevê a necessidade de isolamento de presos com sintomas suspeitos, com o distanciamento em um raio de dois metros. Ora, isso é inexequível em uma realidade em que detentos têm que dividir colchões e se amontoar em celas insalubres, sem luz solar e ventilação suficiente e, na maior parte das vezes, sem acesso a itens básicos de higiene ou mesmo fornecimento ininterrupto de água. Realidade que se acentua ainda mais vista a já condição de vulnerabilidade dos presos ao vírus, dado que saem dos extratos mais precários da sociedade, trazendo a cabo a carência nutricional, o alto índice de HIV e tuberculose e o histórico comum do uso de drogas.

A vulnerabilidade é tamanha que, mesmo antes da pandemia, prisões, como as de São Paulo, relatavam que, a cada 19 horas, um preso morria. O próprio Ministério da Justiça já chegou a dizer que um detento tem seis vezes mais chances de morrer do que alguém fora do cárcere, e 34 mais vezes chances de contrair tuberculose. Isso, por si só, já justificaria medidas de desencarceramento, o que vem sendo praticado pelos países mais desacreditados, como é o caso do Irã, o qual colocou em meio aberto, aproximadamente, 70 mil detentos.

O desencarceramento racional, a partir de critérios pensados de forma fundamental pelo Conselho Nacional da Justiça, portanto, não é qualquer benesse. É uma forma de proteger toda a população, esteja ela privada de liberdade ou não (o epicentro da doença passará a ser as prisões a esses passos). De modo algum, a segurança da saúde pública pode ser prejudicada por impulsos ideológicos e opiniões isoladas, sem fundamentação científica por parte de quem vem demonstrando desconhecer a dinâmica e a gestão do sistema prisional brasileiro.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Talvez a medida mais eficaz neste momento seja avançar no debate público sobre as condições do sistema prisional brasileiro. Afinal, a pressão de fora para dentro do Estado é a única forma de disputar-se valores democráticos. Garantir direitos fundamentais aos presos e qualificar a discussão sobre o papel e a situação das prisões no país é, necessariamente, o começo para mudanças estruturais, tanto no sistema carcerário quanto em toda política criminal estigmatizante. Em tempos de pandemia, surge a oportunidade de repensar-se a estrutura punitiva, priorizando a dignidade humana e evitando o empilhamento, que aumentou o grau exponencial de sua curva com o COVID-19, o que, de fato, levaria a novas veredas no sistema penal brasileiro.


REFERÊNCIA:

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Notas

2 Durkheim, Émile. Da divisão do Trabalho Social. Lisboa: Presença Ltda, 1989

3 Foucault, Michel. Vigiar e Punir. Petrópolis: Vozes, 1987

4 Liberdade, Partido Socialismo- PSOL. Conjur. Em: <https://www.conjur.com.br/dl/psol-stf-intervenha-sistema-carcerario.pdf>. Acesso em: 15 de novembro de 2020

5 Goffman, Erwing. Estigma: Notas sobre a Manipulação da Identidade Deteriorada. Rio de Janeiro; LTC, 1981.

6 Capez, Fernando. Curso de Processo Penal. 19 ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

7 Varela, Drauzio. Prisioneiras. São Paulo, Companhia das Letras, 2017

8 Whatch, Human Rights. Casa de Detenção. São Paulo, 28 de novembro de 1998

9 Kiefer, Sandra. Homossexuais contam abusos que sofriam em prisões sem separação. Em: <https://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2014/11/25/interna_gerais,593189/uma-questao-de-respeito.shtml> acesso em 16/09/2020


Abstract: This article aims to identify what the Unconstitutional State is and the current situation of the Brazilian prison system, presenting its main problems and disrespect for fundamental rights. These disrespects reflect, without a doubt, a precarious prison history in Brazil, in which, rarely, any right of those behind bars was respected. Today, this history is exposed with the declaration of the State of Unconstitutional Thing in this environment, evidencing a Penal Code that has its legislation applied only in theory, distancing itself, substantially, from reality. From confronting violence and unhealthiness to the resocialization myth. This is the concreteness that, on a daily basis, is supported by a state that omits any responsibility towards Brazilian detainees. Thus, some of the main precariousness is denounced here, aiming at social awareness of that.

Key-words: Prison system; State of Unconstitutional Thing; Rights; Overcrowded; Criminal Executions Law.

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Sobre a autora
Manoela Moriana de Paula Serra

Discente de Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná-PUC/PR, cidade de Londrina/PR.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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