O dano moral presumido, registre-se, é aquele que decorre da mera comprovação da prática de conduta ilícita, sendo desnecessária a demonstração de prejuízos concretos ou a comprovação probatória do efetivo abalo moral, segundo Antonio Jeová Santos (Dano moral indenizável. Salvador: Juspodivm, 2015, p. 606).
O dano moral é aquele que afeta a personalidade e, de alguma forma, ofende a moral e a dignidade da pessoa. Doutrinadores têm defendido que o prejuízo moral que alguém diz ter sofrido é provado in re ipsa (pela força dos próprios fatos).
Em matéria especial, o STJ mostra que jurisprudência da Corte definiu em quais situações o dano moral pode ser presumido. Cadastro de inadimplentes, responsabilidade bancária e atraso de voo estão entre os casos.
O dano moral sofrido por pessoa jurídica não é in re ipsa. Partindo desta premissa, a 3ª turma do STJ afastou condenação de dano moral por manifestação em rede social contra uma imobiliária que tem o nome do próprio corretor. Tal se deu no REsp 1.759.821 – DF.
Com relação ao dano moral e suas características, surge a difícil questão sobre se pessoas jurídicas podem sofrer danos extrapatrimoniais e, assim, serem indenizadas por danos morais. Independentemente dessa discussão, o fato é que o art. 52 do CC determina que às pessoas jurídicas aplica-se, no que couber, a proteção aos direitos da personalidade.
Na matéria, afirmou Nelson Rosenvald:
“Não se pode confundir a personificação das pessoas jurídicas – pela concessão de capacidade de direito e de fato pelo ordenamento para a aquisição de direitos patrimoniais – com a personalidade, que é um valor próprio do ser humano, que antecede mesmo ao direito. As lesões atinentes à reputação da pessoa jurídica, face à perda de sua credibilidade no mercado, repercutem em sua atividade econômica (quando não atingem os sócios). Poder-se-ia, mesmo, cogitar de um dano institucional contra a pessoa jurídica, mas não do dano moral propriamente dito. (Direito das obrigações. Rio de Janeiro: Impetus, 3ª ed., 2004, p. 283)”.
Cite-se o Enunciado 286, da IV Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal, referindo-se ao art. 52 do CC, cujo teor é: “os direitos da personalidade são direitos inerentes e essenciais à pessoa humana, decorrentes de sua dignidade, não sendo as pessoas jurídicas titulares de tais direitos”.
Gustavo Tepedino, nessa linha, assim entendeu:
As lesões atinentes às pessoas jurídicas, quando não atingem, diretamente, as pessoas dos sócios ou acionistas, repercutem exclusivamente no desenvolvimento de suas atividades econômicas, estando a merecer, por isso mesmo, técnicas de reparação específicas e eficazes, não se confundindo, contudo, com os bens jurídicos traduzidos na personalidade humana (a lesão à reputação de uma empresa comercial atinge – mediata ou imediatamente – os seus resultados econômicos, em nada se assemelhando, por isso mesmo, a chamada honra objetiva, com os direitos da personalidade). (...) Daí a necessidade de uma reelaboração dogmática, de molde a subordinar a lógica patrimonial àquela existencial, estremando, de um lado, as categorias da empresa, informadas pela ótica do mercado e da otimização dos lucros, e, de outro, as categorias atinentes à pessoa humana, cuja dignidade é o princípio basilar posto ao vértice hierárquico do ordenamento. (A tutela da personalidade no ordenamento civil- -constitucional brasileiro. In: Temas de direito civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 55).
Mas a pessoa jurídica pode sofrer danos morais, especialmente no que concerne à sua honra objetiva.
Entendeu a ministra Nancy Andrighi, no julgamento do REsp 1.759.821 – DF, que o dano moral de pessoa jurídica não é idêntico àquele sofrido por um indivíduo. Percebe-se que a expressão dano moral é usada como analogia, uma vez que envolvem direitos extrapatrimoniais, mas não são de natureza biopsíquica e tampouco envolve a dignidade da pessoa humana. Nessa hipótese, protege-se a honra objetiva da pessoa jurídica, sendo os danos causados em violação ao bom nome, à fama, à reputação.
Daí porque o dano moral suportado por pessoa natural se apresenta em si mesmo (in re ipsa), isto é, o dano é compreendido em sua própria causa. Por isso, afirma-se que não há prova em dano moral, pois sua reparabilidade decorre da simples violação, sendo desnecessária a produção de prova do dano cuja indenização se pleiteia.
Entretanto, pessoas jurídicas são ficções legais, criadas para auxiliar o homem na condução das mais diversas atividades. Quando se trata de sociedades empresárias, percebe-se que sua finalidade é a obtenção e otimização de lucros, sem maiores espaços para valores existenciais.
A Terceira Turma pronunciou-se pela necessidade de demonstração dos prejuízos extrapatrimoniais suportados por pessoa jurídica, tais como nos julgamentos abaixo:
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO RESCISÓRIA. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. REEXAME DE FATOS E PROVAS. INADMISSIBILIDADE. DANO MORAL. PESSOA JURÍDICA. DEMONSTRAÇÃO. AUSÊNCIA.
- Recurso especial interposto em 19⁄05⁄2014 e atribuído ao Gabinete em 25⁄08⁄2016.
- Ausentes os vícios do art. 535 do CPC, rejeitam-se os embargos de declaração.
- O reexame de fatos e provas em recurso especial é inadmissível.
- Para a pessoa jurídica, o dano moral é fenômeno distinto daquele relacionado à pessoa natural. Não se aceita, assim, o dano moral em si mesmo, isto é, como uma decorrência intrínseca à existência de ato ilícito. Necessidade de demonstração do prejuízo extrapatrimonial.
- Na hipótese dos autos, não há demonstração apta de prejuízo patrimonial alegadamente sofrido pela recorrida.
- Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, provido.
(REsp 1497313⁄PI, TERCEIRA TURMA, DJe 10⁄02⁄2017)
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. PROTESTO INDEVIDO. PAGAMENTO EM ATRASO. DANOS MORAIS. PESSOA JURÍDICA. 1. Ação ajuizada em 14⁄01⁄2011. Recurso especial interposto em 11⁄02⁄2015 e atribuído a este gabinete em 25⁄08⁄2016.
2. Para a pessoa jurídica, o dano moral não se configura in re ipsa, por se tratar de fenômeno muito distinto daquele relacionado à pessoa natural. É, contudo, possível a utilização de presunções e regras de experiência no julgamento.
3. Afigura-se a ilegalidade no protesto de título cambial, mesmo quando pagamento ocorre em atraso.
4. Nas hipóteses de protesto indevido de cambial ou outros documentos de dívida, há forte presunção de configuração de danos morais. Precedentes.
5. Recurso especial provido.
(REsp 1564955⁄SP, Terceira Turma, DJe 15⁄02⁄2018)
A questão ganhou novos tons recentemente quando de recente julgamento pelo STJ.
Em recente postagem no site do STJ, em 5 de outubro de 2020, tem-se que a comercialização de produtos falsificados afeta a identidade construída pelo titular da marca, resultando na mudança de público-alvo e desvirtuando as qualidades que o proprietário busca ver atreladas à sua imagem. Por isso, os danos extrapatrimoniais gerados pela comercialização ilícita de produtos e serviços não dependem de prova para que possam ser compensados.
O entendimento foi fixado pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao reformar acórdão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) que, apesar de ter reconhecido a existência de danos materiais em episódio de venda de produtos falsificados, afastou a condenação das vendedoras ao pagamento de danos morais por concluir que o uso indevido de uma marca não implicaria, necessariamente, dano extrapatrimonial à pessoa jurídica titular desse direito. Para o TJSC, a violação à honra e à imagem deveria ser concretamente demonstrada pelo titular.
De acordo com o relator do recurso do proprietário da marca, ministro Paulo de Tarso Sanseverino, o entendimento tradicional do STJ é no sentido de que os danos morais experimentados pela pessoa jurídica – diferentemente daqueles sofridos pela pessoa física – não são presumidos, devendo ser comprovados para que haja a compensação.
"Todavia, nos casos em que há violação do direito de marca, notadamente naqueles em que há falsificação ou pirataria, o ato ilícito atinge a própria identidade do titular do direito de propriedade industrial", explicou o ministro.
Nesse sentido, o ministro Paulo de Tarso Sanseverino enfatizou que a violação aos direitos de personalidade também deve ser protegida no caso das empresas, por disposição expressa do artigo 52 do Código Civil, "razão pela qual os danos extrapatrimoniais, em casos como o presente, são presumidos diante da ocorrência do ilícito".
Com o provimento do recurso especial, a Terceira Turma condenou a microempresa e a microempreendedora individual que comercializaram as peças falsificadas em pequenos estabelecimentos no interior de Santa Catarina, além do ressarcimento dos prejuízos materiais do titular da marca, ao pagamento de danos morais no valor de R$ 5 mil, cada.
Tem-se ainda outro julgamento recente do STJ, no AgInt nos EDcl no AREsp 1584856 / SP, DJe 31/08/2020:
AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROTESTO INDEVIDO. PESSOA JURÍDICA. DANO MORAL IN RE IPSA. 1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 2. Nos casos de protesto indevido ou inscrição irregular em cadastro de inadimplentes, o dano moral se configura in re ipsa, mesmo que o ato tenha prejudicado pessoa jurídica. Precedente. 3. Agravo interno não provido.
Nesse mesmo propósito:
"AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL POR INCLUSÃO INDEVIDA EM CADASTRO RESTRITIVO DE CRÉDITO. DANOS MORAIS. CONFIGURAÇÃO DE DANO IN RE IPSA EM RELAÇÃO À PESSOA JURÍDICA. OCORRÊNCIA. PRECEDENTES. VIOLAÇÃO À COLEGIALIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. REVISÃO DO ACERVO FÁTICOPROBATÓRIO. NÃO OCORRÊNCIA. AGRAVO INTERNO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1. Cuidando-se de protesto indevido de título ou inscrição irregular em cadastro de inadimplentes, conforme expressamente reconhecido pelo Tribunal a quo, o dano moral, ainda que a prejudicada seja pessoa jurídica, configura-se in re ipsa, prescindindo, portanto, de prova. Precedentes.
2. O relator está autorizado a decidir monocraticamente recurso que for contrário a jurisprudência dominante (Súmula 568/STJ). Além disso, eventual nulidade da decisão singular fica superada com a apreciação da matéria pelo órgão colegiado por ocasião do agravo interno.
3. A obtenção das circunstâncias necessárias ao conhecimento do recurso a partir do delineamento fático do acórdão recorrido não implica reexame fático-probatório vedado pela Súmula 7/STJ.
4. Agravo interno a que se nega provimento" (AgInt no REsp 1.828.271/RS, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 18/2/2020, DJe 12/3/2020).
"PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RECURSO MANEJADO SOB A ÉGIDE DO NCPC. AÇÃO INDENIZATÓRIA. INSCRIÇÃO INDEVIDA EM CADASTROS DE INADIMPLENTES. PESSOA JURÍDICA. DANO IN RE IPSA. PRECEDENTES. MANUTENÇÃO DA DECISÃO AGRAVADA. MULTA DO ART. 1.021, § 4º, DO NCPC. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO, COM IMPOSIÇÃO DE MULTA.
1. Aplica-se o NCPC a este julgamento ante os termos do Enunciado Administrativo nº 3, aprovado pelo Plenário do STJ na sessão de 9/3/2016: Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC.
2. É firme no STJ o entendimento de que, nos casos de protesto indevido de título ou inscrição irregular em cadastros de inadimplentes, o dano moral se configura in re ipsa, isto é, prescinde de prova, ainda que a prejudicada seja pessoa jurídica.” (REsp 1.059.663/MS, Rel. Min. NANCY ANDRIGHI, DJe 17/12/2008). Precedentes