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O pregão em tempos de covid-19: inovações procedimentais de acordo com a Lei n. 13.979/2020

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4. O AFASTAMENTO DO “EFEITO SUSPENSIVO” DOS RECURSOS

Ao tratar do recurso na modalidade pregão, a Lei nº 10.520/2002, não dispõe, de forma expressa, acerca de seu efeito suspensivo, como faz, por exemplo, o §2º do art. 109 da Lei nº 8.666/1993 acerca dos recursos nas modalidades concorrência, tomada de preços e convite.

No tocante ao pregão presencial, estranhamente, o inciso XVIII do art. 11 do Decreto Federal nº 3.555/2000 estabelece que "o recurso contra decisão do pregoeiro não terá efeito suspensivo". Já o Decreto Federal nº 10.024/2019, que regulamenta o pregão eletrônico no âmbito federal, é silente quanto aos efeitos do recurso.

De todo modo, pela leitura do inciso XXI do art. 4º da Lei do Pregão, considerando que a adjudicação do objeto ao licitante vencedor e a homologação do certame estão condicionadas ao julgamento dos pleitos recursais, a conclusão mais razoável seria no sentido de que o recurso na modalidade pregão possui sim efeito suspensivo.

Quanto ao tema, cumpre transcrever trecho do voto do Min. Vital do Rêgo exarado no Acórdão TCU nº 567/2015 – Plenário:

É comum aos recursos que tenham efeito suspensivo. Significa dizer que uma vez interposto e recebido o recurso, não pode o procedimento prosseguir em seu fluxo até que seja resolvida a questão (ou questões) objeto do inconformismo. Para o pregão (e a regra vale tanto para o eletrônico quanto para o presencial), em se interpondo recurso, não poderá haver adjudicação antes de decidido o mérito recursal. A lei de regência do pregão não atribuiu qualquer efeito ao recurso. O Decreto nº 5.450/2005, por sua vez, deixa inferir a suspensividade do fluxo procedimental do pregão eletrônico, no que não é seguido textualmente pelo Decreto nº 3.555/2000 (art. 11, XVIII). Obviamente que há equívoco no decreto que disciplina o pregão presencial. Não há a menor lógica em receber o recurso, determinar o seu processamento, e não suspender o fluxo da licitação. Mais tarde, com o julgamento do recurso, poderia haver alteração na ordem de classificação dos licitantes, e os atos praticados até então deveriam todos ser anulados. Nesse sentido, é evidente que tanto o efeito suspensivo quanto o efeito devolutivo se encontram presentes nos pregões eletrônico e presencial.

[grifou-se]

Por conseguinte, há muito a doutrina e a jurisprudência do TCU convergiram em considerar que o recurso no pregão, seja presencial, seja eletrônico, ostenta efeito suspensivo.

Mas, em termos práticos, o que representa o efeito suspensivo para a duração do pregão? Entendemos que sua influência é considerável, pois, interposto recurso, considerando os prazos normais de razões e contrarrazões, de manifestação do Pregoeiro e de decisão da autoridade competente [na sequência: 3 dias + 3 dias + 5 dias + 5 dias[16]], ter-se-ia um tempo total de até 16 dias úteis[17].

Portanto, a retirada expressa do “efeito suspensivo” do recurso por parte do §2º do art. 4º-G da Lei nº 13.979/2020 terá repercussão significativa no tempo de duração do pregão, ainda que venha a representar certo risco caso o pleito recursal venha, após a adjudicação e homologação, ser julgado procedente. Nesse caso, os atos subsequentes, como a reserva orçamentária e a assinatura do termo contratual ou instrumento equivalente, terão de ser desconstituídos, além da própria homologação e adjudicação.

Note-se que a ausência de “efeito suspensivo” qualificará a adjudicação e a homologação como atos jurídicos condicionados, somente lhe atribuindo o caráter de definitivos após o indeferimento do eventual recurso. Daí a relevância de a Administração, para evitar transtornos e a geração de expectativa reforçada de direito a terceiros, se esforçar ao máximo para apreciar o recurso, pelo menos, antes da assinatura do instrumento contratual.    

No mais, o procedimento do recurso, inclusive a necessidade de registro de intenção recursal motivada e o exercício do juízo de admissibilidade pelo Pregoeiro, não são afetados pela Lei nº 13.979/2020.

Por fim, advoga-se apenas que, ante o exposto no inciso XX do art. 4º da Lei nº 10.520/2002, havendo interposição de recurso, ainda que destituído de “efeito suspensivo”, o Pregoeiro não terá competência para adjudicação, cabendo a autoridade superior fazê-lo, mesmo que anteriormente ao julgamento do recurso. 


5. A DISPENSA DE REALIZAÇÃO PRÉVIA DE AUDIÊNCIA PÚBLICA

Prevê o art. 39 da Lei nº 8.666/1993 que, sempre que o valor estimado para uma licitação ou para um conjunto de licitações simultâneas ou sucessivas[18] for superior a 100 vezes o limite previsto no art. 23, I, “c”, da Lei Geral de Licitações, o processo licitatório será iniciado obrigatoriamente com uma audiência pública concedida pela autoridade responsável com antecedência mínima de 15 dias úteis da data prevista para a publicação do edital, e divulgada, com a antecedência mínima de 10 dias úteis de sua realização, pelos mesmos meios previstos para a publicidade da licitação

Portanto, quando uma licitação (ou conjunto de licitações simultâneas e sucessivas) tiver valor estimado superior a R$ 330.000.000,00 deverá ser realizada, de forma prévia, uma audiência pública, dando aos interessados não apenas o acesso às informações do procedimento licitatório (objeto pretendido, especificações, projetos e todos os documentos que compõem dos autos administrativos), mas também o direito de se manifestar e formular à Administração sugestões e questionamentos.

Todavia, em face da pretensão de conferir maior celeridade aos procedimentos de realização do pregão, o §3º do art. 4º-G da Lei nº 13.979/2020, circunstancialmente, afasta a regra do art. 39 da Lei nº 8.666/1993, conferindo ao gestor a possibilidade de não realizar a audiência pública prévia quando o valor estimado da licitação for superior a R$ 330.000.000,00.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AMORIM, Victor Aguiar Jardim de. Licitações e Contratos Administrativos: Teoria e Jurisprudência. 3 ed. Brasília: Senado Federal, 2020.

AMORIM, Victor Aguiar Jardim de. O que "sobra" para estados e municípios na competência de licitações e contratos? Consultor Jurídico, 22/01/2017. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2017-jan-22/sobra-estados-municipios-licitacoes-contratos>.

AMORIM, Victor Aguiar Jardim de. Resolução quer inviabilizar uso do pregão para serviços de engenharia. Consultor Jurídico, 14/05/2019. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2019-mai-14/victor-amorim-norma-inviabilizar-pregao-area-engenharia>.

LEAL, Victor Nunes. Classificação das normas jurídicas. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 2, n. 2, 1945. Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/viewFile/8761/7489>.

PEDRA, Anderson. Pregão express versus contratação direta. Sollicita, 02/04/2020. Disponível em: <https://www.sollicita.com.br/Noticia/?p_idNoticia=16050&n=undefined>.

PÉRCIO, Gabriela. Alterações contratuais durante a pandemia COVID-19: aspectos da aplicação do art. 4º-I da Lei 13.979/20. Portal L&C. Disponível em: <http://www.licitacaoecontrato.com.br/artigo/alteracoes-contratuais-durante-pandemia-covid19-aspectos-aplicacao-art4-lei-13979-20-26052020.html>.

REIS, Luciano Elias; ALCÂNTARA, Marcus Vinícius Reis de. Sistema de Registro de Preços na Covid-19. Disponível em: <https://www.tcmgo.tc.br/site/wp-content/uploads/2017/06/Sistema-de-Registro-de-Pre%C3%A7os-na-COVID-19-Cartilha-Luciano-Elias-e-Marcus-Vin%C3%ADcius-Reis.pdf>.


Notas

[1] Em nosso ver, não há nenhuma novidade advinda da MP nº 926/2020 quanto a uma suposta "simplificação" das exigências de habilitação técnica e econômico-financeira, porquanto o atrelamento das exigências à natureza e as condições de fornecimento do objeto licitado decorre de expresso comando constitucional contido na parte final do inciso XXII do art. 37 da CF/1988 ("ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações"). Afinal, o afastamento das exigências somente quando realmente não forem aptas a conferir, com grau razoável de segurança para a Administração, condições para aferir a capacidade do futuro contratado em realizar o objeto satisfatoriamente. Daí defendermos em nossa atuação profissional que somente serão admitidas exigências de qualificação técnica e econômico-financeira quando apresentadas as suficientes justificativas no Termo de Referência ou Projeto Básico.

[2] A despeito de não ter sido utilizada a melhor técnica legislativa (em especial as diretrizes vertidas no art. 11, III, da LC nº 95/1998), o parágrafo único do art. 3° da EC 106 (inserido por emenda no processo de tramitação da PEC nº 10/2020) é norma autônoma e afasta temporariamente a aplicabilidade de dispositivo da CF, sem qualquer ressalva quanto a sua abrangência.

[3] Veja que o parágrafo único do art. 3º da EC nº 106/2020 dispõe que o afastamento da aplicação do §3º do art. 195 da CF dar-se-à "durante a vigência da calamidade pública nacional de que trata o art. 1º desta Emenda Constitucional" que, por sua vez, atrela-se ao disposto no Decreto Legislativo nº 6, de 2020.

[4] Para tanto, vide: PÉRCIO, Gabriela. Alterações contratuais durante a pandemia COVID-19: aspectos da aplicação do art. 4º-I da Lei 13.979/20. Portal L&C. Disponível em: <http://www.licitacaoecontrato.com.br/artigo/alteracoes-contratuais-durante-pandemia-covid19-aspectos-aplicacao-art4-lei-13979-20-26052020.html>.

[5] Para uma análise acurada do SRP na Lei nº 13.979/2020, vide: REIS, Luciano Elias; ALCÂNTARA, Marcus Vinícius Reis de. Sistema de Registro de Preços na Covid-19. Disponível em: <https://www.tcmgo.tc.br/site/wp-content/uploads/2017/06/Sistema-de-Registro-de-Pre%C3%A7os-na-COVID-19-Cartilha-Luciano-Elias-e-Marcus-Vin%C3%ADcius-Reis.pdf>.

[6] Quando à abrangência de sua aplicabilidade, a MP nº 961/2020 não está necessariamente atrelada à vigência circunstancial da Lei nº 13.979/2020 (art. 8º), mas sim "durante o estado de calamidade reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020", qual seja, até 31 de dezembro de 2020.

[7] Vide, para tanto: AMORIM, Victor Aguiar Jardim de. O que "sobra" para estados e municípios na competência de licitações e contratos? Consultor Jurídico, 22/01/2017. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2017-jan-22/sobra-estados-municipios-licitacoes-contratos>.

[8] A doutrina apresenta certa diferenciação entre “lei temporária” e “lei excepcional”. As primeiras já teriam período de início e término de vigência pré-determinado, enquanto as segundas, por estarem atreladas a circunstâncias excepcionais (guerra, calamidade, etc.), teriam vigência enquanto perdurarem tais condições, sem que seja possível predeterminar, de antemão, o término da vigência. Para tanto, vide: LEAL, Victor Nunes. Classificação das normas jurídicas. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 2, n. 2, 1945. Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/viewFile/8761/7489>.

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[9] Acerca da problemática relacionada ao cabimento da modalidade pregão para serviços de engenharia, vide: AMORIM, Victor Aguiar Jardim de. Resolução quer inviabilizar uso do pregão para serviços de engenharia. Consultor Jurídico, 14/05/2019. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2019-mai-14/victor-amorim-norma-inviabilizar-pregao-area-engenharia>.

[10] PEDRA, Anderson. Pregão express versus contratação direta. Sollicita, 02/04/2020. Disponível em: <https://www.sollicita.com.br/Noticia/?p_idNoticia=16050&n=undefined>.

[11] Disponível em: <https://www.comprasgovernamentais.gov.br/index.php/noticias/1275-novas-funcionalidades-no-comprasnet-para-apoiar-no-combate-ao-covid-19>.

[12] Salvo melhor juízo, compreendemos que a matéria contida no §1º do art. 43 da LC nº 123/2006 não está abrangida no universo de temas reservados à lei complementar. O disposto no art. 146, III, "d", da CF, ao que parece, cinge-se à matéria eminentemente tributária e fiscal.

[13] Art. 110.  Na contagem dos prazos estabelecidos nesta Lei, excluir-se-á o dia do início e incluir-se-á o do vencimento, e considerar-se-ão os dias consecutivos, exceto quando for explicitamente disposto em contrário.

[14] Conforme regra de arredondamento contida nas "Normas de Apresentação Tabular" do IBGE (Resolução nº 886/1967), em relação números inteiros, quando há casa decimal até 0,49, deve haver redução para o número interior antecedente. Quando há casa decimal de 0,50 a 0,99, deve haver o arredondamento para o número inteiro imediatamente posterior.

[15] Conforme regra de arredondamento contida nas "Normas de Apresentação Tabular" do IBGE (Resolução nº 886/1967), em relação números inteiros, quando há casa decimal até 0,49, deve haver redução para o número interior antecedente. Quando há casa decimal de 0,50 a 0,99, deve haver o arredondamento para o número inteiro imediatamente posterior.

[16] Entende-se, por aplicação subsidiária do §4º do art. 109 da Lei nº 8.666/1993, que tanto o Pregoeiro (autoridade recorrida) quanto a autoridade superior (competente para o efetivo julgamento do recurso), dispõem, cada qual, de até cinco dias úteis para se manifestar/decidir sobre o recurso.

[17] A despeito da inexistência de qualificação expressa do prazo para apresentação de razões e contrarrazões em dias úteis na Lei nº 10.520/2002 e no Decreto Federal nº 10.024/2019 – ao contrário do Decreto nº 3.555/2000, que, em seu art. 11, VII, prevê o prazo em dias úteis –, em termos práticos tal é o prazo que vem sendo adotado na Administração Federal, inclusive pelo próprio sistema COMPRASNET.

[18] Por "licitações simultâneas" entende-se " aquelas com objetos similares e com realização prevista para intervalos não superiores a trinta dias" e, por "licitações sucessivas", "aquelas em que, também com objetos similares, o edital subsequente tenha uma data anterior a cento e vinte dias após o término do contrato resultante da licitação antecedente" (AMORIM, Victor Aguiar Jardim de. Licitações e Contratos Administrativos: Teoria e Jurisprudência. 3 ed. Brasília: Senado Federal, 2020, p. 197.

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Sobre o autor
Victor Aguiar Jardim de Amorim

Doutorando em Constituição, Direito e Estado pela UnB. Mestre em Direito Constitucional pelo IDP. Coordenador do Curso de Pós-graduação em Licitações e Contratos Administrativos do IGD. Professor de pós-graduação do ILB, IDP, IGD, CERS e Polis Civitas. Por mais de 13 anos, atuou como Pregoeiro no Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (2007-2010) e no Senado Federal (2013-2020). Foi Assessor Técnico da Comissão Especial de Modernização da Lei de Licitações, constituída pelo Ato do Presidente do Senado Federal nº 19/2013, responsável pela elaboração do PLS nº 559/2013 (2013-2016). Membro da Comissão Permanente de Minutas-Padrão de Editais de Licitação do Senado Federal (desde 2015). Membro do Instituto Brasileiro de Direito Administrativo (IBDA). Advogado e Consultor Jurídico. Autor das obras "Licitações e Contratos Administrativos: Teoria e Jurisprudência" (Editora do Senado Federal) e "Pregão Eletrônico: comentários ao Decreto Federal nº 10.024/2019" (Editora Fórum). Site: www.victoramorim.com

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AMORIM, Victor Aguiar Jardim. O pregão em tempos de covid-19: inovações procedimentais de acordo com a Lei n. 13.979/2020. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6344, 13 nov. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/86299. Acesso em: 22 nov. 2024.

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