5. A Lei
Como afirmamos em nosso Livro, o Progressismo33, no pensamento de São Tomás de Aquino, sobre a Lei, é de que todo o homem é dotado de livre-arbítrio, orientado pela consciência e tem uma capacidade inata de captar, intuitivamente, os ditames da ordem moral. Há uma Lei Divina, revelada por Deus aos homens, que consiste nos Dez Mandamentos. Há uma Lei Eterna, que é o plano racional de Deus, que ordena todo o Universo e uma Lei Natural, que é conceituada como a participação da Lei Eterna, na criatura racional, ou seja, aquilo que o homem é levado a fazer pela sua natureza racional. A Lei Positiva é a lei feita pelo homem, de modo a possibilitar uma vida em sociedade. Esta subordina-se à Lei Natural, não podendo contrariá-la sob pena de se tornar uma lei injusta; não há a obrigação de obedecer à lei injusta (este é o fundamento objetivo e racional da verdadeira objeção da consciência).
Frederic Bastiat (1801-1854)34 foi um economista e jornalista francês, afirmava que a “Lei, é a organização do Direito Natural de legítima defesa; o Estado é a substituição das forças individuais pela força coletiva, para agir no círculo onde aquelas têm o direito de agir, para fazer aquilo que elas têm o direito de fazer, para garantir as Pessoas, as Liberdades, as Propriedades, para manter cada qual em seu Direito, para fazer reinar entre todos a Justiça.
No Prefácio à Edição brasileira do Livro “A Lei 35”, de Frederic Bastiat, o festejado Professor Ives Gandra Martins36, da Universidade Presbiterana Mackenzie, suscita em suas manifestações sobre a “Lei”, dizendo que,
O próprio título “A Lei”, que Batiat, em suas conclusões, procura vincular sentido de “justiça”, enfrenta nos diversos Sistemas Jurídicos, dificuldades vernaculares, pois, entre nós, “Lei” e “Direito” são expressões distintas, não o sendo, por exemplo, no Sistema anglo-saxão. O Direito romano foi, de rigor o primeiro grande Sistema Jurídico da História, visto que as codificações anteriores, como Shulgi, Ur-nammu, Lipit-Ishtar, Hamurabi, Leis de Manu, judaica, hitita, egípcia e até mesmo da Grécia, com Dracom 650-600 a.C), Sólon (640-558 a.C) e Licurgo (700-630 a.C), nunca representaram um Sistema, mas, apenas, regulações do poder de controle do povo. Os vocábulos “jus”, e “lex”, de Roma, merecem, pois, ser lembrados, pois, tinham em “jus”, uma abrangência integrativa de lex. Bastiat, todavia em seu livro, procura colocar a sua visão de “lei”, como instrumento de estabilidade institucional contra o socialismo, que surge como reação aos princípios liberais da Revolução Francesa, no qual, o respeito ao direito não constituía a essência de sua introdução ou primado. (Nosso grifo).
Ainda, o Professor Ives Gandra Martins, na sua obra “Uma breve Introdução ao Direito37”, ensina que ,
Procurei mostrar que, na evolução do homem em sociedade, dos costumes à lei e da lei ao Direito, sempre houve conflitos, em que detentores do poder “pro domo sua”, ora com força tirânica, ora democraticamente, impuseram sua maneira de ser, não necessariamente de acordo com as aspirações do povo. É que a lei, como dizia H.L. Hart (1907-1992) em The Concept of Law (O Conceito de Lei) 38 de 1961, mesmo nas democracias, embora feita para dirigir-se a governantes e governados, por serem feitas pelos próprios governantes, obrigam mais os governados que os próprios governantes.
A Ciência do Direito, como Sistema Normativo, incorpora o que de científico possui a elaboração legislativa, em que a lei é apenas a sua parte visível, a ser aplicada a casos concretos, que o legislador objetiva regular.
A Constituição Federal do Brasil39, estabelece no seu art. 59, a hierarquia das leis e o processo legislativo, que compreende:
Art. 59. O processo legislativo compreende a elaboração de:
I - emendas à Constituição;
II - leis complementares;
III - leis ordinárias;
IV - leis delegadas;
V - medidas provisórias;
VI - decretos legislativos;
VII - resoluções.
Parágrafo único. Lei complementar disporá sobre a elaboração, redação, alteração e consolidação das leis.
A Lei Complementar nº 95, de 26/02/199540, dispõe sobre a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis, conforme determina o parágrafo único do art. 59, da Constituição Federal, e estabelece normas para a consolidação dos atos normativos que menciona. O Decreto nº 9.191, de 1º/11/201741, estabelece as normas e as diretrizes para elaboração, redação, alteração, consolidação e encaminhamento de propostas de atos normativos ao Presidente da República pelos Ministros de Estado.
5.1. A Lei é instrumento de Poder
Em uma sociedade, a função das leis é controlar os comportamentos e ações dos indivíduos de acordo com os princípios daquela sociedade que se encontra num Estado. Portanto, Lei é Poder! Lei, do latim lex, é uma obrigação imposta e significa "aquilo que liga", ou legere, que significa "aquilo que se lê". De acordo com o Dicionário de Aurélio, tem vários sentidos, entre os quais, norma, preceito, princípio, regra; obrigação imposta pela consciência e pela sociedade. Lei é toda norma geral e abstrata emanada pelo Poder Competente, e assim pode ser:
Lei Natural é a lei de Deus que estabelece uma relação do homem com o Cosmos, que é a ordem universal e também os costumes e tradições aceitas em determinada sociedade. A Lei natural divide-se em leis físicas (científicas) e leis morais.
Lei Científica é aquela que estabelece entre os fatos, relações entre o homem o cosmos, mensuráveis universais e necessárias, permitindo que se realizem previsões. Ex.: a água ferve a 100º c; dois corpos não podem ocupar ao mesmo tempo o mesmo lugar no espaço, o ar que respiramos; lei da gravidade; velocidade da luz; noite e dia, etc.
Lei Moral é conjunto de princípios ou regras relativas à conduta humana. Ex: os Dez Mandamentos (não matar, não roubar, honrar pai e mãe.) ou, independente de crença, que o homem pratique o bem, e saiba o que seja o mal.
Conclusão
Conforme já mencionado, ao escrevemos sobre o Constitucionalismo e o Neoconstitucionalismo, entre outros temas, citamos e analisamos as dimensões do Direito, na concepção de Norberto Bobbio (1909-2004). Neste Artigo, A dimensão do Direito em outra Perspectiva, procurou-se estabelecer, ainda que de forma breve, a conexão e a dimensão entre o Direito e o Tempo, o Direito e a Justiça, o Direito e a Lógica Jurídica e o Direito e a Lei, que per si, integram uma Ordem Jurídica.
O Direito é uma ciência social e tem como objetivo, o estudo das normas que disciplinam a conduta do homem em sociedade, visando a harmonia do convívio e ao bem comum, de modo a alcançar Justiça. A Teoria Geral do Direito é o estudo dos conceitos fundamentais e universais do Direito e das características que são comuns a todos os Sistemas Jurídicos.
O tempo como evento natural, que pode, por si só, apresentar-se como fato jurídico lato sensu, com aptidão para produzir efeitos no plano dos direitos subjetivos, seja em razão da lei, ou em função da declaração de vontade.
A Justiça é um conceito abstrato, que se refere a um estado ideal de interação social, em que há um equilíbrio, que por si só, deve ser razoável e imparcial entre os interesses, riquezas, e oportunidades entre as pessoas envolvidas em determinado grupo social. A Lógica jurídica é ligada à idéia que fazemos do Direito e se adapta a ela. A Lei, é toda norma geral e abstrata emanada pelo Poder Competente.
Finalmente, a Ordem Jurídica está consubstanciada numa Lei principal, via de regra denominada Lei Maior ou a Constituição. Esta Ordem Jurídica está fundamentada em Sistemas, cuja finalidade é sistematizar o Direito, e não obstante outras dimensões do Direito, entendemos ser necessário conhecer a dimensão do Direito em outra Perspectiva.
Bibliografia.
AUSTIN, John. The Province of Jurisprudence Determined. 2. ed. Londres: John Murray, 1906.
BASTIAT, Frédéric. A Lei. Tradução: Pedro Sette-Câmara. LVM Editora. 2019. p.43.
BASTIAT, Frédéric. A Lei. Tradução: Pedro Sette-Câmara. LVM Editora. 2019. p.13-14.
BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. 9ª edição. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, p. 32.
BRANCATO, Ricardo Teixeira. Instituições de Direito Público e de Direito Privado, SP, 2009, p.7.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
BRASIL. Lei Complementar nº 95, de 26/02/1995. Dispõe sobre a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis, conforme determina o parágrafo único do art. 59, da Constituição Federal, e estabelece normas para a consolidação dos atos normativos que menciona.
BRASIL. Lei nº 810, de 06/09/1949. Define o Ano Civil.
BRASIL. Lei nº 10.406, de 10/01/2002. Institui o Código Civil.
BRASIL. Decreto nº 9.191, de 1º/11/2017. Estabelece as normas e as diretrizes para elaboração, redação, alteração, consolidação e encaminhamento de propostas de atos normativos ao Presidente da República pelos Ministros de Estado.
BÜLOW, Oskar Von. Teoria das Exceções e dos Pressupostos Processuais. Editora LZN (2003).
CASTRO, Flávia Lages de. História do Direito Geral e do Brasil. Rio de Janeiro, 2008, Lumen Juris, p.2.
DELLAGNEZZE, René. O Progressismo - Escolas do Pensamento Filosófico, Econômico e o Pensamento Positivista e Progressista do Brasil. Novas Edições Acadêmicas - OminiScriptun GmbH & Co. KG. Saarbrücken - Alemanha. ISBN 978-3-73107-3. 261. p. (www.nea-edicoes. com). 2016, pp. 32-33.
DELLAGNEZZE, René. O Constitucionalismo e o Neoconstitucionalismo. Publicado em 01/04/2015. 61p. Nº 135, - Ano XVIII - ISSN - 1518-0360. Revista Âmbito Jurídico (link: Constitucional). Rio Grande, RS (www.ambito-juridico.com.br).
DELLAGNEZZE, René. Credito de Imagem. Palestra: A Advocacia. Agosto de 2013. Centro Universitário Estácio de Brasília. Universo Jurídico. Simbologia. A espada - Representa a força, prudência, ordem, regra e aquilo que a consciência e a razão ditam. A balança - Simboliza a equidade, o equilíbrio, a ponderação, a justeza das decisões na aplicação da lei. Deusa de olhos vendados - Pode significar o desejo de nivelar o tratamento de todos por igual, sem distinção, tem o propósito da imparcialidade e da objetividade.
DELLAGNEZZE, René. A Jurisdição, o Controle Difuso, o Controle Concentrado da Constituição Federal do Brasil e a Questão Fática nos Recursos Excepcionais para STF e o STJ. Publicado em 01/07/2017. 45p. nº 162. Ano XX – ISSN - 1518-0360. Revista Âmbito Jurídico (link: processo civil). Rio Grande, RS (www.ambito-juridico.com.br).
EINSTEIN Albert. Como Vejo o Mundo. Editora Nova Fronteira. Tradução H.P. de Andrade. 1981. Rio de Janeiro.
ENNERCCERUS, Ludwig; KIPP, Theodor e WOLFF, Martin. Tratado de Derecho Civil. 2. ed. Barcelona: Ed. Bosch, 1950, v. 2, § 126, p. 1-5.
FASSO, Guido. Storia della Filosofia del Diritto, Vol. III: Ottocento e Novecento, Società Editrice Il Mulino, Bologna, 1966, p. 35/36.
FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio - Introdução ao Estudo do Direito, São Paulo, Editora Atlas, 1ª edição/3ª tiragem, 1990.
GLEISER, Marcelo. Artigo: A Origem do Tempo. Folha de São Paulo. Caderno. Ciência. Edição de 23/11/2008.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro - Volume I - Parte Geral. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007.
HART, H.L.O Conceito de Direito. Trad. Antônio de Oliveira Sette-Camara. São Paulo. Ed.WMF. Martins Fontes, 2009.
HAWKING, Stephen. O Universo numa casca de noz. Tradução: Cassio de Arantes Leite. Editora Intrínseca Ltda. 2016. p. 39.
IHERING, Rudolf von. A Luta pelo Direito. Tradução de João Vasconcelos. São Paulo: Forense, 2006.
KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura. Editora Martin Claret. 2005. São Paulo.
KAUFMANN, A. e HASSEMER, W., Introdução À Filosofia do Direito e a Teoria do Direito Contemporâneo. Ed. Calouste Gulbenkian. 2015.. p. 170.
KELSEN, Hans. O Problema da Justiça. Tradução de João Baptista Machado. 3ª Edição. São Paulo: Martins Fontes, 1998., p. 03.
LUMER, Christoph, Encyclopedia philosophy. Meiner: Hamburg 2005.
MARTINS, Ives Gandra da Silva. Prefácio à Edição brasileira do Livro “A Lei, de Frédéric Bastiat. Tradução: Pedro Sette-Câmara. LVM Editora. 2019. p.13-14. Professor Emérito das Universidades Mackenzie, UNIP, UNIFIEO, UNIFMU, do CIEE/O ESTADO DE SÃO PAULO, das Escolas de Comando e Estado-Maior do Exército - ECEME e Superior de Guerra - ESG; Professor Honorário das Universidades Austral (Argentina), San Martin de Porres (Peru) e Vasili Goldis (Romênia); Doutor Honoris Causa da Universidade de Cracóvia (Romênia) e Catedrático da Universidade do Minho (Portugal); Presidente do Conselho Superior de Direito da FECOMERCIO - SP; Fundador e Presidente Honorário do Centro de Extensão Universitária.
MARTINS, Ives Gandra da Silva. Uma breve Introdução ao Direito. Migalhas 2.ed. ver. Ampl. 2018. https://www.gandramartins.adv.br/project/ives-gandra/public/uploads/2018/10/16/a1a2fd6uma_breve_introducao_ao_direito.pdf. Acesso em 22/02/2020.
MIRANDA, Pontes de, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado. Atualizado por Marcos Bernardi de Mello e Marcos Ehrhardt Jr. São Paulo: RT, 2013. § 549. p. 243.
NEWTON, Isaac. Philosophiae Naturalis Principia Mathematica (Princípios Matemáticos da Filosofia Natural) é uma obra de três volumes escrita por Isaac Newton, publicada em 5 de julho de 1687. Esta bra que descreve a Lei da Gravitação Universal (Exemplo: maçã caindo ao solo) e as 3 (três) Leis de Newton, que fundamentaram a mecânica clássica, a saber: 1ª) Lei da Inércia: Todo corpo continua em seu estado de repouso ou de movimento uniforme em uma linha reta, a menos que seja forçado a mudar aquele estado por forças aplicadas sobre ele. Exemplo: pensemos num ônibus em que o motorista, que está numa determinada velocidade, se depara com um cão e rapidamente, freia o veículo. Nesta situação, a tendência dos passageiros é continuar o movimento, ou seja, eles são jogados para frente; 2ª) Princípio Fundamental da Dinâmica: mudança de movimento é proporcional à força motora imprimida e é produzida na direção de linha reta, na qual, aquela força é aplicada. Exemplo: pensemos, na força aplicada ao golpear a bola faz com que esta adquira certa aceleração. Se em lugar de uma bola de tênis o golpe for dado em uma bola de futebol (corpo com maior massa), a aceleração provocada será menor; 3ª) Lei da Ação e Reação: A toda ação há sempre uma reação oposta e de igual intensidade: as ações mútuas de dois corpos um sobre o outro são sempre iguais e dirigidas em sentidos opostos. Exemplo: (a) pensemos em dois patinadores parados um de frente para o outro. Se um deles der um empurrão no outro, ambos irão se mover em sentidos opostos; (b) a capacidade de voar do avião é a famosa 3ª lei de Newton, a Lei da Ação e Reação. Uma vez que a superfície curva das asas do avião joga o ar para baixo, ele reage sobre a asa e exerce uma força no sentido vertical sobre a mesma.
PERELMAN, Chaïm. Lógica Jurídica: nova retórica. Tradução de Verginia K. Pupi. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
RAWLS, John. Uma Teoria da Justiça. Brasília: Universidade de Brasília, 1981.p. 33.
REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 27ª Edição (2002), 10ª Tiragem (2011). São Paulo: Saraiva, 2002, p.39.
REALE, Miguel. Teoria Tridimensional do Direito. 5ª ed., Editora Saraiva, São Paulo, 2003.
ROOSEVELT, Theodore. 26º (vigésimo sexto) Presidente dos Estados Unidos, de 1901 a 1909. (https://www.pensador.com/frase/NDgx/) acesso em 11/09/2020.
SANDEL, Michael J. Justiça: o que é fazer a coisa certa? Trad. 6. ed. de Heloísa Matias e Maria Alice Máximo. 6. edição. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012.
SEN, Amartya. The Idea of Justice. Cambridge: Harvard University Press, 2009.
SOUZA, Rubin Assis da Silveira. A Fundamentação da Moralidade Kantiana e o seu correlato Princípio do Direito. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3321, 4 ago. 2012. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/22348/a-fundamentacao-da-moralidade-kantiana-e-o-seu-correlato-principio-do-direito>. Acesso em: 20-02-2020.