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Do caos à responsabilidade criminal: o "apagão" no Amapá

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15/11/2020 às 10:30
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5. O excepcional trabalho da Polícia Civil do Estado do Amapá e do Poder Judiciário

Forte nesses argumentos, em excepcional e rápida atuação, a Polícia Civil do Estado do Amapá, por meio da Delegacia de Crimes contra o Consumidor e da Concorrência (DECCON), representou pela expedição de mandado de busca e apreensão na sede das empresas Isolux Corsan do Brasil LTDA e Linhas de Macapá Transmissora de Energia S/A, com a finalidade de resguardar e apreender provas, realizar perícia nos transformadores, bem como analisar dados que podem estar disponíveis nos computadores dos representados. 

Em acertado acatamento da representação da Delegada de Polícia Janeci da Costa Monteiro, a Juíza Mayra Júlia Teixeira Brandão, do Núcleo de Garantias de Macapá, deferiu o pedido de busca e apreensão, cumprido no dia 10/11/2020, confira um trecho da decisão da magistrada:

Ainda que a busca e apreensão seja medida extrema por violar garantias constitucionais, haja vista que se tratam de empresas privadas, nesse momento de completa distopia em que vive o Estado do Amapá é perfeitamente possível a relativização dessa garntia diante do grande interesse público envolvido bem como diante da necessidade de se apurar as responsabilidades no que diz respeito ao IP que gerou essa representção, sem prejuízo das demais responsabilidades em outros esferas do Direito. Além da necessidade de esclarecimento dos fatos narrada na representação, estamos diante da possibilidade de perecimento de provas haja vista a proporção nacional que o problema tomou sendo imprescindível a medida extrema adotada, razão pela qual a defiro, autorizado desde já o uso de reforço poilicial caso seja necessário. Nesse ato também autorizo a quebra de sigilo e senhas de computadores e eletrônicos que possam vir a ser apreendidos, desde que pertencentes às empresas representadas.

Como se trata de investigação em andamento, abstraindo eventuais provas já apreendidas, é certo que o Direito Penal, por meio das instituições de persecução criminal, sobretudo da Polícia Investigativa, fará pesar sobre os ombros daqueles que violaram a dignidade de milhares de pessoas as consequências criminais de sua inação e desdém para com o povo amapaense. 

Não é demais pensar, nesse raciocínio, a responsabilização criminal dos gestores (?) públicos que deveriam fiscalizar a empresa, pois têm por lei o dever de cuidado, proteção (da sociedade) e vigilância (das concessionárias do serviço público), a teor do art. 13, § 2º, “a”, do CP. 

Existe a possibilidade, também, dentro do âmbito do processo penal, do manejo de medidas assecuratórias em relação aos bens das empresas envolvidas para resguardar o ressarcimento dos prejuízos financeiros advindos, com possível ajuizamento ação civil ex-delicto e fixação na própria sentença penal do valor mínimo de reparação. Note o texto do Código de Processo Penal:

Art. 63.  Transitada em julgado a sentença condenatória, poderão promover-lhe a execução, no juízo cível, para o efeito da reparação do dano, o ofendido, seu representante legal ou seus herdeiros.

Art. 387.  O juiz, ao proferir sentença condenatória:  

IV - fixará valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido; 

Justamente procurando resguardar valores suficientes para o ressarcimento dos prejuízos, novamente a Polícia Civil do Estado do Amapá, por meio da DECCON, representou indisponibilidade dos bens, pedido deferido pelo Poder Judiciário. Note um trecho da importante decisão judicial que determinou o bloqueio de 50.000.000,00 (cinquenta milhões de reais) das empresas, de lavra da Juíza Mayra Júlia Teixeira Brandão:

Por se tratar de medida radical e extrema, diante da distopia pela qual passam cotidianamente quase 800 mil pessoas naturais, além de empresas, hospitais, postos de saúde, entendo por bem deferir parcialmente a presente representação diante da necessidade de se garantir a indenização aos consumidores, sejam eles pessoas naturais ou jurídicas, vítimas do sinistro.

Ressalto aqui o Princípio da Proporcionalidade juntamente com o Princípio da Vedação da Proteção Deficiente, ambos perfeitamente aplicados na multidisciplinariedade que comporta o Direito do Consumidor e os crimes nele previsto e apurados no presente inquérito policial para fundamentar a presente medida.

Digo deferir parcialmente haja vista que o valor representado é consideravelmente alto, correspondendo mais de oitenta por cento do capital social de uma das representadas, devendo ser aqui considerado também o Princípio da Continuidade da Empresa. Ademais, levando-se como parâmetro nesse juízo de cognição sumária ainda - nada impede que com o curso do processo essa decisão não possa ser revista - entendo por justo e razoável nesse momento o bloqueio de dez por cento do valor ora representado, qual seja, R$50.000.000,00 (cinquenta milhões de reais) para assegurar a indenização dos prejuízos causados pelos supostos crimes apurados em razão do sinistro.
Isso posto, defiro parcialmente a representação para determinar o bloqueio judicial de bens e valores das representadas, inclusive de valores supostamente a ser recebidos do governo em razão do contrato de concessão, devendo a ANEEL ser notificada a respeito dessa decisão. (grifo nosso).

Externamos profundo sentimento de respeito e admiração à ação eficiente da equipe policial da DECCON/PCAP, bem como à pronta resposta jurisdicional do Poder Judiciário do Amapá, e excepcional trabalho da Polícia Técnico-científica (POLITEC/AP), com a absoluta certeza que todos os meios legais e jurídicos necessários ao ressarcimento dos prejuízos sociais estão sendo e serão manejados.

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6. Das considerações finais

Não se pretendeu aqui de maneira alguma exaurir o assunto, mas sim aclarar a possibilidade, bastante plausível, de aplicação do Direito Penal para responsabilizar pessoas físicas encortinadas por conglomerado de empresas privadas.

Se dentro do próprio Brasil os estados da região norte são esquecidos e carentes de condições mínimas, com os mais baixos Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) do país, talvez  por ostentarem o ônus e o bônus de mais preservados ambientalmente, o que se dirá de empresas multinacionais sediadas em locais onde seria inimaginável a ocorrência de situação semelhante. 

Se podemos extrair algo positivo dos últimos acontecimentos, que seja a gestão fiscalizatória eficaz do Estado para situações como a presente nunca mais ocorram em qualquer local do Brasil. 

Reafirme-se, o Amapá existe! As pessoas que residem do Oiapoque ao Laranjal do Jari merecem respeito e dignidade.


Referências

MASSON. Cléber. Código Penal Comentado. 2. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2014. 

MAZZA. Alexandre. Manual de Direito Administrativo. 4. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2013. 

[i] Apagão no Amapá: energia é retomada em algumas regiões. Disponível em:https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2020-11/apagao-no-amapa-energia-e-retomada-em-algumas-regioes. Acesso em: 10/11/2020. 

[ii] O que é ONS? Disponível em: http://www.ons.org.br/paginas/sobre-o-ons/o-que-e-ons. Acesso em: 10/11/2020. 

[iii] Disponível em: https://pt.qaz.wiki/wiki/Redundancy_(engineering). Acesso em 11/11/2020.

[iv] Os critérios para o planejamento de transformadores de força. Disponível em: https://www.osetoreletrico.com.br/criterios-de-planejamento-para-transformadores-de-forca// Acesso em 11/11/2020.


Abstract: The purpose of this article is to comment briefly on the blackout that occurred in the State of Amapá on 11/03/2020, which affected around 735 thousand people, pointing out the social chaos caused and the state of dystopia experienced by the local population. It is also intended to analyze criminal aspects of the conduct of those involved, verifying the possibility of incidence in crimes provided for in the national legislation.

Keywords: Blackout in Amapá. Criminal responsibility for the blackout. 

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Sobre o autor
Paulo Reyner Camargo Mousinho

Delegado de Polícia Civil do Estado no Amapá. instrutor da Academia Integrada de Formação e Aperfeiçoamento do Amapá (AIFA). professor convidado da pós-graduação de Direito Penal da Escola Superior de Advocacia do Amapá (ESA/AP). Professor de cursos preparatórios para concursos públicos. Administrador do site Justiça & Polícia (juspol.com.br), autor do livro Peças e Prática da Atividade Policial pela editora Clube de Autores, coautor do livro Tratado Contemporâneo de Polícia Judiciária pela editora Umanos, autor de diversos artigos jurídicos sobre temas correlatos. Especialista em Política e Gestão em Segurança Pública pela Escola de Administração Pública do Amapá (EAP) em parceria com a Universidade Estácio de Sá. Presidente do Conselho Editorial da Revista Justiça & Polícia.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MOUSINHO, Paulo Reyner Camargo. Do caos à responsabilidade criminal: o "apagão" no Amapá. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6346, 15 nov. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/86727. Acesso em: 18 abr. 2024.

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