Não é nenhuma novidade que o Estado brasileiro é marcado pela corrupção, peculato, lavagem de dinheiro e demais práticas ilícitas que solapam os cofres públicos, com o único objetivo de enriquecimento pessoal dos agentes envolvidos.
Nessa senda, vem a lume a operação da polícia civil, no ano de 2016, que, juntamente com o ministério público, desarticularam uma organização criminosa no Estado do Pará, envolvidas com fraudes tributárias. Ao todo foram presas 48 pessoas, entre eles: servidores da Secretaria de Estado da Fazenda, empresários e contadores
O “esquema” dos crimes contra a ordem tributária no Brasil é facilmente compreendido quando identificamos o dia a dia dos empresários e servidores da Fazenda. Geralmente, de um lado, temos o empresário que não cumpre todas as suas obrigações tributárias principais e acessórias e de outro, o agente fiscalizador que diante de um eminente lavratura de auto(s) de infração(ões), convenciona o recebimento de propina para livrar o sujeito passivo das obrigações tributárias.
O grande problema de tal prática é que, no momento em que o sujeito passivo deixa de contribuir com o Fisco, o Estado deixa de arrecadar valores importantíssimos para a manutenção da estrutura estatal que possui como finalidade precípua a assistência social e o fornecimento de serviços essenciais à sociedade, tais como: saúde, educação, segurança, lazer, etc.
Desde os idos de 1965, já foi tipificado o crime de sonegação fiscal e afins pela lei 4.729, com penalidades relativamente pesadas aos sujeitos passivos que omitem informações ao fisco, emitem declarações falsas, falsificam documentos relativos a operações tributáveis e deixam de fornecer nota fiscal quando obrigatório.
Porém, somente a partir de 2013, por intermédio da lei 12.846 (lei anticorrupção), é que, efetivamente, se debruçou sobre a questão da corrupção, adotando-se punições às pessoas jurídicas nas esferas administrativa, cível e responsabilização criminal dos sócios.
Chama a atenção o que prevê o art. 5º, I da referida lei, pois prevê, expressamente, como ato lesivo à administração pública: “prometer, oferecer ou dar, direta ou indiretamente, vantagem indevida a agente público, ou a terceira pessoa a ele relacionada”. Atribui-se a esta conduta, além da penalização pecuniária (art. 6º), a suspensão das atividades empresariais, perda de bens e até mesmo dissolução da pessoa jurídica (art. 19).
Quanto ao ato praticado pelo agente público que recebe a propina, o código penal há tempos prevê, em seus arts. 312 e seguintes, os crimes praticados por funcionários públicos contra a administração em geral, com penas privativas de liberdade que variam de 2 á 8 anos e multa, sem prejuízo das demais sanções cíveis e administrativas cabíveis.
Bom, diante do que tecemos acima, não nos parece que há omissão legislativa quanto a estas condutas lesivas aos cofres públicos. A questão que se coloca: porque esses crimes ainda acontecem e são tão corriqueiros?
Para responder a essa pergunta, faço-me valer de um manifesto do sindicato nacional dos auditores fiscais da receita federal, disponível em <http://www.sindifisconacional.org.br/mod_download.php?id=L2ltYWdlcy9lc3R1ZG9zL3BhcmVjZXIvUGFyZWNlckh1Z29kZUJyaXRvTEdULnBkZnww>, acessado em 02/12/2020.
O referido texto aponta, de forma bem elucidativa, que a auditoria fiscal é fundamental no combate à corrupção e à sonegação, pois compete a ela: “realizar a investigação patrimonial e apurar a existência de “caixa-dois”, apresentando ao Ministério Público a correspondente representação para fins penais, peça inicial e essencial para a denúncia e a ação penal.”
O referido manifesto traz à baila a experiência italiana no combate aos crimes contra a ordem tributária, informando que na experiência estrangeira se obteve importantíssimos resultados no combate à corrupção e peculato, a partir do momento em que se aumentou significativamente à fiscalização com auditorias internas dentro dos órgãos públicos ficais e compliance[1] nas pessoas jurídicas (privadas).
Com isso, se vê que o fortalecimento dos entes de fiscalização (auditorias) é essencial para diminuir, ou até mesmo inibir, a prática desses crimes tão corriqueiros aqui no país descoberto por Cabral. O texto ainda traz algumas importantes soluções a serem adotadas para a experiência brasileira, entre elas:
- Fortalecer os órgãos de fiscalização e de jurisdição do Estado, tais como Secretaria da Receita Federal, Banco Central, Polícia Federal, Procuradoria da Fazenda Nacional, Ministério Público e Justiça Federal.
- Fortalecimento específico da Receita Federal, criando-se programa de efetivo combate à sonegação e investimentos em recursos humanos e materiais.
- Extinguir mecanismos que engessam e restringem a fiscalização da receita federal
- Combater o contrabando, valorizando a aduana brasileira, estabelecendo uma política de administração aduaneira no Brasil e controles dos fluxos internacionais financeiros e de mercadorias, especialmente no que diz respeito às importações.
- Aumentar o risco da sonegação, majorando as multas por infrações fiscais.
- Estabelecer controle e fiscalização rigorosos sobre a origem dos recursos depositados ou creditados nas contas de não-residentes no país (contas CC5), instituindo mecanismos de rastreamento do dinheiro (tanto na origem quanto no destino) movimentado nessas contas bancárias.
- Responsabilizar os bancos e seus respectivos dirigentes, pela conivência de manterem contas em nome de “laranjas” e pessoas fictícias, instituindo penalidades administrativas e criminais.
Concluímos que a legislação brasileira é bastante avançada no que diz respeito à tipificação e criminalização das condutas ilícitas contra a ordem tributária. Contudo, o que, de fato, irá coibir as referidas práticas ilícitas, tanto pelas pessoas jurídicas privadas, como pelos agentes públicos, é o fomento dos mecanismos de fiscalização, com especial enfoque as auditorias e compliances.
Nota
[1] No âmbito institucional e corporativo, compliance é o conjunto de disciplinas a fim de cumprir e se fazer cumprir as normas legais e regulamentares, as políticas e as diretrizes estabelecidas para o negócio e para as atividades da instituição ou empresa, bem como evitar, detectar e tratar quaisquer desvios ou inconformidades que possam ocorrer.