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A regulabilidade e a propriedade intelectual das reproduções musicais no ciberespaço

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"Se a natureza fez alguma coisa menos suscetível que outras de tornar-se propriedade exclusiva, é a ação do poder pensante chamado "uma idéia" que um indivíduo pode possuir com exclusividade, enquanto a mantiver para si próprio; desde que essa idéia é divulgada, ela se torna posse de todos, e o receptor não pode se desapossar dela. É característica peculiar dessa idéia, também, que ninguém a possui em parte porque qualquer outro a possui no todo."

Thomas Jefferson


CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Em avanço à abordagem do cerne desta monografia, convém explicitar os termos que emolduram o título a ela anteposto. Assim, por regulabilidade quer-se propor a capacidade ou a suscetibilidade de sofrer regulação, enquanto por ciberespaço deve-se entender o espaço onde ocorre a comunicação entre máquinas, ou o "espaço cibernético", como pretendem alguns. Esse neologismo, surgido da invariável necessidade humana de nomear o fruto de sua própria criatividade, é utilizado na acepção de um verdadeiro ambiente digital, formado por redes de computadores denominadas genericamente de Internet. [01]

Da primária motivação militar que ensejou o embrião da rede mundial de computadores, a ARPANET, a Internet passou a angariar novos propósitos que impulsionaram seu desenvolvimento. Em 1973, quando o departamento de pesquisa da Universidade da Califórnia registrou o Protocolo de Controle de Transmissão/Protocolo Internet (TCP/IP), abriram-se os caminhos então trilhados para alcançar o atual estágio de sofisticação do ciberespaço. [02] É de se remarcar que a força motora do aceleramento tecnológico da Internet e sua conseqüente popularização foram resultados do interesse acadêmico pelo intercâmbio de pesquisas ao redor do globo. Foram as universidades que propagaram o fenômeno da rede mundial de computadores, bem como são elas as responsáveis pelos valores ainda hoje sobreviventes no âmago do ciberespaço, quais sejam a liberdade de expressão, o anonimato, livre troca de dados, relutância à tributação, dentre outros.

Em vista dessa axiologia que rodeia o ambiente virtual, muitos chegaram a alardear sua inexorável anarquia, sob o argumento da falibilidade de qualquer controle estatal convencional. Foi o que asseverou John Perry Barlow, fundador da Eletronic Frontier Foundation [03], ao estatuir em sua Declaração de Independência do Ciberespaço, na qual bradou, de maneira um tanto poética: "Governos do Mundo Industrializado, antiquados gigantes de carne e aço, eu venho do Ciberespaço, o novo lar da mente. Em nome do Futuro, eu vos intimo a nos deixardes sós. Vós não sois bem vindo entre nós. Vós não tendes soberania onde nós nos reunimos". [04]

Justamente sobre o conflito entre o poder regulador estatal estabelecido e a liberdade intrínseca ao ambiente cibernético é que se propõe a tratar esta monografia.

É o intuito destas palavras iniciar também no Brasil a discussão que já está a extrapolar as fronteiras da América do Norte e da Europa. Impende definir a atitude da Ordem Jurídica frente à dinamicidade dos fatos, sobretudo sob o enfoque da dilatação dos antigos limites físicos à reprodução de obras nascidas do intelecto e forçando a ciência do direito a uma revisão agora constante de seus conceitos. Assim é que vem a calhar a valiosa observação feita pelo renomado estudioso português José de Oliveira Ascensão, segundo o qual a "informática revoluciona a realidade que a regra jurídica valora". [05] O Direito não é morto, nem deve fugir ao novo.


CAPÍTULO 1 – O Ciberespaço e sua Regulabilidade.

1.1. O Código: conceito.

Antes de abordar a regulabilidade do ciberespaço, convém discorrer sobre a estrutura em que tal ambiente se alicerça. Começa-se a tratar do código, que não vem a corresponder à coleção sistemática de leis com a qual a tradição do Direito Continental Europeu está habituada a lidar. Nas mais célebres e sintéticas palavras do professor Lessig, referindo-se ao significado do termo para o ambiente virtual: "o código é a lei". [06]

Dessa afirmativa deve-se depreender que o código é a lei que regula o ciberespaço, é a sua arquitetura, sua estrutura. Está-se falando das leis físicas que compõem o ambiente cibernético, limites intransponíveis à conduta humana no ciberespaço. No entanto, tais leis "naturais" não são imposições imutáveis, semelhantes às que regem nosso mundo real, mas condições passíveis de intervenção, posto serem produções humanas, criadas ao seu bel-prazer.

Os "legisladores" da Internet não estão em parlamentos ou congressos, porém em laboratórios de informática, a escrever as linhas que concebem o espaço virtual. São os engenheiros de software os constituintes do ciberespaço. Esse poder tem-lhes sido solitariamente atribuído desde a criação da rede mundial de computadores, e assim pode continuar a ser, caso a sociedade internacional não perceba os riscos inerentes a tal situação. A propriedade privada do código é pressuposto da dominação e manipulação do ciberespaço.

O atual estado em que se encontra a Internet, contudo, não é aquele em que deve ela permanecer. É essencial discernir entre o que a Internet é e o que ela deve ser, visto existirem meios possíveis de regulação de sua estrutura. [07]

O fato é que a regulabilidade do ciberespaço está na medida de seu código, a depender de seu grau de acessibilidade aos usuários, debate que terá lugar mais adiante. De momento, é imprescindível conhecer as formas pelas quais o ciberespaço pode ser regulado, mediante suas vias diretas e indiretas.

1.2. Regulabilidade.

Séculos atrás, as normas sociais e os costumes ameaçavam a liberdade. Ao início do século XX, o Estado era o inimigo, enquanto em sua segunda metade, o mercado era o grande inibidor da conduta humana. Hoje, por sua vez, passa-se a enfrentar um novo instrumento regulador, tornado foco de toda a celeuma, o código. [08]

A fim de compreender o fenômeno da regulação, todavia, cumpre observar seu funcionamento como um todo, incluindo a maneira pela qual seus mecanismos agem e interagem sobre o indivíduo. Feito o adendo, cabe expor a existência de quatro meios reguladores ou inibidores do comportamento humano em sociedade, os quais também atuam na Internet: a lei, as normas sociais, o mercado e o código.

Inconteste é o constrangimento imposto pela lei à conduta individual no ciberespaço. Há inúmeras normas jurídicas a conterem a liberdade de ação do sujeito no ambiente cibernético, dentre as quais sobressaem-se as que condenam a pornografia infantil e as que protegem a propriedade intelectual. Exemplo dessa modalidade de regulação é a sanção pecuniária equivalente ao valor de 3000 exemplares da obra literária, artística ou científica, imposta a quem a editar, sem a autorização do respectivo titular, conforme a prescrição do art. 103 da Lei de Direitos Autorais [09]. Questão diversa, porém, é a avaliação da eficiência das mesmas, pois a despeito de dita norma o intercâmbio na Internet de obras protegidas pelo direito autoral não perde força, o que não olvida o fato de que leis existem e exercem certo constrangimento ao homem.

Assim como as leis, as normas sociais também atuam no ciberespaço. A ocorrência desse mecanismo de regulação é mais evidente em ambientes da rede que possibilitam o contato intersubjetivo, a exemplo das salas de bate-papo e listas de discussão. É comum a imposição de sanções sociais a quem contraria alguma regra estabelecida em tais espaços, podendo o transgressor ser expulso do grupo ou sofrer restrições à sua capacidade de usuário.

De modo semelhante, o mercado regula o comportamento na Internet. O livre-acesso aos incontáveis ambientes dentro da rede pode ser restringido mediante cobrança de preços pela sua utilização. Em contrapartida, a visitação de uma página pode ser estimulada através de promoções aos usuários. Enfim, o mercado, por força de seu sistema de preços, regula condutas conforme a oferta e a procura.

Por fim, a arquitetura do ciberespaço também regula as eventuais condutas através de seu código. Os softwares e hardwares que fazem o ciberespaço ser o que é compõem o conjunto de fatores limitantes de como o indivíduo pode se comportar. A forma pela qual se apresenta esse mecanismo pode variar, no entanto, sempre se exteriorizando ele através de condições no acesso à rede. A título ilustrativo, convém citar o embaraço do acesso por meio de senhas, a possibilidade ou a imposição de rastreamento dos passos do usuário em sua navegação, bem como a hipótese da obrigatoriedade do uso de criptografia na troca de informações, a depender do ambiente. Em suma, o código fortalece valores ou os torna impraticáveis, tanto quanto a arquitetura do mundo real, a constranger as ações humanas na mesma medida em que escadarias impedem a locomoção de deficientes ou alarmes desaconselham a prática de furtos.

Uma vez vistos os diferentes mecanismos, impinge afirmar a sua completa interdependência. Cada um deles pode apoiar ou contrapor-se aos outros. Trata-se de um funcionamento conjunto, em que agem diferentemente e causam distintas conseqüências uns aos outros. A lei constrange pelas sanções que imputa, as normas sociais através do estigma imposto pela comunidade, o mercado mediante os preços estabelecidos e o código segundo as barreiras físicas que constrói. Entretanto, nenhum desses reguladores são dogmas fixados pela natureza ou por alguma força superior, são eles mutáveis, através de um intrincado processo em que a lei possui relevante papel. [10]

As normas sociais, o mercado e a estrutura do ambiente não são mais tidos como instituições previamente estabelecidas, capazes de escapar à intervenção do homem. As leis que obrigam as escolas a prestarem educação sexual transformam os costumes; o mercado é suportado pelas leis que asseguram a propriedade privada e garantem os contratos, sem falar das que sobre-taxam ou subsidiam produtos, conforme seja o interesse estatal; também a arquitetura está sujeita ao império das normas jurídicas, a exemplo da lei que obriga a todos os estabelecimentos e lugares públicos a construírem rampas ou outros meios de acesso a deficientes físicos.

Em face do exposto, conclui-se que a lei opta pela regulação direta ou indireta. Em se tratando da primeira forma, a norma prescreve o comportamento desejado e comina uma sanção para os casos de desvio, trata-se de limitar a conduta humana sem uso de quaisquer subterfúgios. Já ao regular indiretamente, a lei almeja interferir num dos comentados mecanismos de regulação, colimando um fim específico diverso. Ao regular o comportamento do indivíduo, o poder legislativo estatal se utiliza de intermediários, tais como normas sociais, mercado e código.

A escolha entre as duas modalidades apontadas varia conforme o balanço entre eficiência e valor abordado. Com isso, entre exacerbar a pena por discriminação a deficientes físicos e incentivar campanhas educacionais, além de obrigar a facilitação do acesso, o Estado recorre à última hipótese.

Não obstante as muitas evidentes vantagens da regulação indireta, há malefícios que somam à mesma proporção. Mister é destacar o perigo existente nessa via oblíqua de regulação, o que será objeto de exame no Capítulo 2.3 deste estudo.


CAPÍTULO 2 – A Propriedade Intelectual das Reproduções Musicais no Ciberespaço.

Aclaradas as bases sobre as quais se assentam esta monografia, pode-se agora inserir o tema da Propriedade Intelectual das Reproduções Musicais no âmbito do ciberespaço, para cuja tarefa será necessária uma breve explanação acerca dos conceitos básicos de tal matéria.

2.1 Breves Considerações sobre a Propriedade Intelectual e as Reproduções Musicais.

Os autores das criações intelectuais, técnicas ou puramente estéticas, adquirem direitos exclusivos sobre suas produções, de maneira desvinculada do valor técnico ou artístico que possam apresentar. A esse conjunto de direitos resultantes do trabalho da inteligência e da criatividade, é atribuída a designação genérica de propriedade intelectual. [11]

O primeiro vislumbre de reconhecimento de tais direitos decorrentes do trabalho da criatividade e da inteligência ocorreu no século XIX, quando Edmond Picard defendeu a inclusão dos direitos intelectuais na classificação dos direitos da personalidade. O esforço desse jurista belga redundou, em 1886, na adoção dos direitos intelectuais pela legislação da Bélgica, consagrando-se em ordenamentos jurídicos de outros países e nas convenções internacionais. [12]

No Brasil, segundo Carlos Alberto Bittar, a expressão Direito Autoral teria sido um neologismo criado por Tobias Barreto, em 1882, para corresponder à palavra alemã urheberrecht, que significa direito de autor. Terminologia semelhante adotaram os países seguidores da tradição do direito romano, enquanto sistema anglo-saxão popularizou a expressão copyright, que, de forma literal, corresponderia ao direito de obter cópias. [13]

Do gênero abrangido pelos direitos do intelecto, o desenvolvimento do direito fez surgir duas espécies distintas, separadas segundo a destinação das manifestações criadas por dito intelecto:

1)Manifestações do Intelecto destinadas ao campo da Técnica: protegidas pela propriedade industrial – fora, portanto, do presente estudo;

2)Manifestações do Intelecto destinadas ao campo da Estética: protegidas pela propriedade literária, artística ou científica, compreendendo o denominado Direito Autoral, sobre o qual ora se discorre.

No plano jurídico-positivo nacional, a lei nº. 9.610/98, em seu art. 1º, define como direitos autorais "os direitos de autor e os que lhe são conexos". São direitos conexos aqueles, elevados ao plano dos de autor, pertencentes a determinadas categorias profissionais que auxiliam na criação, produção e na difusão da obra intelectual. O conceito de direito autoral seria, no entendimento de alguns doutrinadores, mais abrangente que o de direito de autor, segundo a nossa legislação. Todavia, tal distinção é indiferente à maioria dos juristas dedicados ao tema.

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O direito de autor, propriamente dito, pode ser entendido como o conjunto de prerrogativas que a lei reconhece a todo criador intelectual sobre suas produções literárias, artísticas ou científicas, de alguma originalidade. Trata-se de um monopólio garantido pelo Estado em favor do criador sobre aquilo que se convencionou chamar obra. [14]

Tais prerrogativas podem ser dividas, ainda, de acordo com os fins pecuniários que possam ter: a) se de ordem extrapecuniária, em princípio, tais direitos não teriam limitação no tempo; b) se de ordem patrimonial, tais direitos seriam conferidos ao autor por toda a sua vida, com o acréscimo, para os sucessores indicados na lei, do prazo por ela fixado.

Enquanto direito patrimonial, a propriedade intelectual difere da propriedade material pelo fato de que a primeira se adquire por qualquer dos vários meios permitidos pelo direito, enquanto a segunda apenas surge com a materialização de uma criação intelectual em um determinado suporte físico.

Predominantemente, entende-se que o direito de autor é um direito sui generis, uma vez que sua natureza é moral (direito da personalidade que é), podendo, no entanto, produzir efeitos patrimoniais (próximos ao direito real) distintos entre si. A dificuldade dos doutrinadores está em explicar o fenômeno aparentemente paradoxal, pelo qual alguns dos direitos de autor podem ser transmitidos a terceiro, enquanto outros persistem inalienados pelo autor.

Por essa teoria dualista, privilegiada pela legislação autoral brasileira, as prerrogativas morais e patrimoniais podem se desenvolver separadamente, ainda que as primeiras possam, por vezes, sobrepor-se às segundas, com fins de salvaguardar os interesses espirituais do autor. [15]

O direito de autor tem por objeto proteger tanto obras originárias (nascidas de forma autônoma) quanto as derivadas (nascidas de obras anteriores). São obras originárias todas a obras artísticas, literárias, e científicas que apresentem os seguintes componentes fundamentais necessários à proteção autoral:

a)Esteticidade: necessidade de possuir valor estético autônomo, independentemente de origem, destinação e utilidade prática;

b)Aporte trazido pelo autor: necessidade de ser resultado de atividade intelectual própria, inovadora da realidade do mundo (criatividade);

c)Forma: necessidade da expressão das criações do espírito por qualquer meio, não se levando em consideração o conteúdo ou valor estético da obra;

d)Inserção em suporte físico: necessidade do transporte das idéias do campo espiritual (corpus misticum) para um suporte (corpus mechanicum), pois que as idéias, isoladas em si mesmas, não são passíveis de proteção pelo direito do autor. O suporte, contudo, pode ser tangível ou intangível, desse modo englobando as obras digitais (art. 7º da lei nº. 9.610/98).

Por fim, insta abordar uma das expressões do direito patrimonial de autor, por representar ponto central neste estudo: a reprodução. O direito de reproduzir, passível de transmissão por cessão, traduz a verdadeira identidade do direito patrimonial, consistindo em extrair exemplares idênticos a partir de uma mesma matriz acabada.

Sob o enfoque econômico, a reprodução é uma das etapas tidas por menos complexa dentre as percorridas para a disponibilização da obra ao público, vez que é na criação-matriz que se concentram os custos de produção. Entretanto, na ótica da divulgação, da circulação e da distribuição, a reprodução é a fase mais importante. [16]

O art. 5º, VI, da Lei nº. 9.610/98, define reprodução como "cópia de um ou vários exemplares de uma obra literária, artística ou científica, ou de um fonograma, de qualquer forma tangível, incluindo qualquer armazenamento permanente ou temporário por meios eletrônicos ou qualquer outro meio de fixação que venha a ser desenvolvido". [17]

2.2 Revolução Tecnológica e Queda das Barreiras ao Fluxo da Informação.

A partir da segunda metade do século passado, o mundo vem assistindo a um novo e arrebatado desenvolvimento das tecnologias de disseminação do conhecimento, por meio da digitalização da informação. Este momento de transformações faz rememorar o aclive do fluxo de informações proporcionado por Gutemberg, no século XV, que revolucionou a tecnologia da informação e fez surgir, com a invenção dos tipos móveis, a necessidade do desenvolvimento da teoria dos direitos de autor, a fim de resguardar a individualidade dos autores, suas obras e investimentos.

Diz-se da tecnologia digital, de modo sintético ou mesmo simplista, que consiste na descrição das informações através de seqüências de códigos binários (zeros e uns). Ao contrário da antecessora tecnologia analógica, por meio da qual uma representação de uma obra é o próprio corpo dessa obra, passível de ser interpretado por um modo acessível, a tecnologia digital faz com que a representação por ela obtida seja apenas uma descrição, capaz de ser interpretada somente por um dispositivo eletrônico. A interpretação direta de uma obra digital é impossível. [18]

Essa vicissitude da tecnologia digital tornou possível a reprodução perfeita de qualquer obra, sem decréscimo de qualidade, justamente porque cada cópia digital é uma cópia potencialmente perfeita, idêntica à matriz.

Some-se a essa particularidade da tecnologia digital a sua contemporaneidade com a criação e expansão da rede mundial de computadores, já acima abordada, onde todas e quaisquer representações digitais podem, em tese, estar disponíveis a quem delas se interessar.

São, pois, algumas das importantes características da tecnologia digital: [19]

1) a facilidade com a qual obras na forma digitalizada podem ser replicadas ou reproduzidas;

2) a facilidade como podem ser transmitidas e com que podem ser utilizadas simultaneamente;

3) a facilidade como podem ser modificadas ou manipuladas;

4) a equivalência das obras na forma digital;

5) a compactação; e

6) a capacidade para possibilitar novos métodos de pesquisa no ambiente digital e de conexão e junção de obras.

Dentre essas facetas da tecnologia digital, convém ao presente estudo fazer menção a uma específica tecnologia de compressão de dados, livre de patente, chamada MP3. Trata-se de uma ferramenta de compactação de um arquivo musical digitalizado, consistente em retirar desse arquivo partes inaudíveis pelos seres humanos. A redução do tamanho dos arquivos musicais acarreta um encurtamento significativo do tempo empregado na transferência de dados via Internet. [20]

A facilidade do acesso à tecnologia do MP3 atingiu drasticamente o mercado fonográfico, na medida em que aproximou ao limite da nulidade os custos transacionais de distribuição. Inúmeras empresas atuantes na Internet surgiram para ocupar o incipiente mercado do ciberespaço, provocando a reação das gigantescas corporações, escoradas nas garantias da propriedade intelectual.

O desenvolvimento galopante da Internet e os já conhecidos melindres da tecnologia digital conduziram à seguinte indagação, reduzida a termo por John Barlow, em artigo publicado em 1994: "se nossa propriedade pode ser infinitamente reproduzida e instantaneamente distribuído por todo o planeta, sem custos, sem o nosso conhecimento e sem mesmo sair de nossas mãos, como a podermos proteger? Como seremos pagos pelo nosso trabalho intelectual? E se não conseguirmos pagamento, como garantiremos a continuidade da criação e distribuição de nosso trabalho?". [21]

Prosseguindo à questão, Barlow afirma ser a origem de tal dilema tão simples quanto é complexa a sua solução. O ativista norte-americano detecta que o cerne está em que a tecnologia digital está tornando a informação independente do suporte físico em que essa estava inserida, e sobre o qual o Direito Autoral sempre se fundou. [22]

O enfoque patrimonial das criações intelectuais sempre encontrou escoro não nas idéias em si mesmas, mas na expressão delas. As idéias, por si só, eram consideradas fatos da natureza, compreendidas como propriedade coletiva da humanidade.

Essa concepção do produto do trabalho mental remonta ao iluminismo, de cuja expressão talvez seja Thomas Jefferson o melhor exemplo: "Aquele que recebe de mim uma idéia, recebe instrução sem reduzir a minha; como aquele que acende sua vela na minha, recebe luz sem me escurecer. Que as idéias devam livremente circular de um para outro pelo globo, para a moral e mútua instrução do homem, e aperfeiçoamento de sua condição, parece ter sido peculiar e propositadamente instituído pela natureza, quando os fez, assim como ao fogo, expansível por todo o espaço, sem reduzir sem diminuir sua densidade em nenhum ponto, e assim como ao ar que respiramos, no qual nos movemos e temos nosso ser, incapaz de confinamento ou apropriação exclusiva. Invenções, pois, não podem, na natureza, ser a material da propriedade". [23]

Então, o Direito de Propriedade Intelectual foi criado para proteger a expressão do pensamento, e semelhante intento obteve longo sucesso, pois a reprodução e distribuição desautorizadas de obras sempre foi uma tarefa óbvia e visível, relativamente fácil de coibir. A garantia oriunda do direito contava com o apoio das limitações físicas da tecnologia disponível, seja ela a arquitetura da época, segundo o conceito explanado no capítulo 1.2.

Na criativa metáfora de Barlow, "as garrafas eram protegidas pelo direito, não o vinho". E na medida em que as informações vão sendo inseridas no ciberespaço, tais garrafas estão desaparecendo, sendo substituídas por metagarrafas, consistentes em complexos e fluidos padrões de zeros e uns. [24]

Com o surgimento do ciberespaço e seu código particular, as desde então antiquadas normas de proteção à propriedade intelectual passaram a encontrar dificuldade em se impor, o que veio a contrariar frontalmente os irresistíveis interesses das indústrias fonográficas, cinematográficas, dentre outras.

Assim surgiu o movimento dessas bilionárias corporações para pressionar o legislador dos diversos países do mundo, sobremodo os EUA, para constranger o livre fluxo de informações e recrudescer as sanções aos infratores.

2.3 A Regulação Indireta no Ciberespaço.

Embora já se tenha aqui afirmado, convém mais uma vez lembrar que dada a arquitetura da Internet tal qual se apresenta hoje, mostra-se difícil uma regulação estatal direta à conduta humana. Por outro lado, nessa mesma conjuntura em que se encontra o ciberespaço, não se vêem embargos a que o Governo tome providências a fim de alterar ou suplementar a Rede, tornando-a suscetível de regulação. E é justamente através de uma regulação indireta que o Estado vem nesse sentido agindo.

É bem verdade que o comércio eletrônico, desde seu surgimento, já vem dando os passos mais largos em direção a uma Internet mais regulável, visto que da segurança jurídica das transações é que dependem os bons logros e lucros do mercado. Quanto mais dinheiro estiver envolvido na questão, menos o mercado estará disposto a sustentar os custos de uma ideologia de liberdade do ciberespaço. [25] Sim, pois que o repertório de valores entranhado no espírito da Internet sempre privilegiou como dogma a completa ausência do Estado nos arredores do espaço virtual, até mesmo porque, segundo os baluartes dessa ideologia, qualquer tentativa no sentido de uma intromissão estatal seria inteiramente inócua.

Na verdade, o que se comprova no plano factual é que o Estado possui vias oblíquas de regulação, das quais não cogitavam os defensores da Internet livre. O Estado, ao regular o código diretamente, finda por regular indiretamente a conduta humana, seu fito derradeiro.

Em princípio, e antes do advento da Internet, o balanço das modalidades regulação em matéria de Direito de Autor era simplesmente o seguinte: a lei limitava a habilidade para reproduzir e compartilhar dados ou informações, impondo sanções a quem praticasse tais condutas; essas sanções eram enfatizadas por tecnologias que tornavam difícil (arquitetura) e custoso (mercado) a reprodução e o compartilhamento de informações; finalmente tais penalidades eram mitigadas pelas normas sociais reconhecidas pela sociedade, como troca de cópias de obras entre amigos. [26]

Contudo, no âmbito da Internet, onde proliferam tecnologias como MP3, o balanço das modalidades de regulação muda radicalmente, no que toca à eficácia da coação imposta pela arquitetura (código) e pelo mercado. A partir desse momento, grandes corporações, como aquelas da indústria fonográfica, passaram a denunciar aos governos uma "situação anárquica" capaz de comprometer seus direitos de propriedade.

Em 1995, essa comentada pressão resultou num documento preparado pelo Departamento de Comércio norte-americano, com intenção de combater a proclamada "anarquia do ciberespaço", criando-lhe as limitações ao livre fluxo de informações existentes antes do surgimento da Internet. Concentrava-se o documento nas seguintes medidas: [27]

1) fortalecimento do Direito da Propriedade Intelectual pelo Congresso Americano;

2) adoção de novas técnicas de negócios pelo mercado;

3) incentivo ao desenvolvimento do código (arquitetura) com a finalidade de proteger o material regulado pelo direito;

4) promoção de campanhas educacionais direcionadas aos jovens, em prol da proteção e respeito aos Direitos da Propriedade Intelectual.

Em tese, não existe nada de anormal na resistência dessas imensas corporações às mudanças tecnológicas que lhes tragam prejuízos. Aquilo que se reprova é o fato de um Estado utilizar sua força soberana para intervir no mercado e intentar a manutenção de um modelo negocial já ultrapassado pelo aperfeiçoamento tecnológico.

Numa sociedade livre, com um mercado livre, amparados pela liberdade de iniciativa e de empresa, o papel do Estado não pode ser o de corroborar uma maneira de fazer negócios em detrimento de alguma outra, tampouco o de prevenir e garantir empresas contra prejuízos. A ação do Estado não pode ser impeditiva do progresso tecnológico, mas sempre em proveito da inovação e da mudança. [28]

Há de se fazer alarde quando analisadas as transformações que se vêm perpetrando no ciberespaço pelas corporações titulares dos direitos patrimoniais sobre as obras do intelecto. Trata-se de mudanças que não apenas irão eficazmente proteger tais direitos de propriedade, mas desestimular a criatividade do ser humano na Internet.

De fato, os esforços do governo norte-americano, encurralado pelas já mencionadas indústrias fundadas na propriedade intelectual, redundaram na aprovação do Digital Millennium Copyright Act, que nada mais significou senão um conjunto de medidas envidadas para incentivar o desenvolvimento de tecnologias de proteção à propriedade intelectual que viessem a compensar a inicial perda de controle sobre a reprodução e distribuição das obras da criatividade. Em outras palavras, tais novas tecnologias eram "código" produzido para alterar o "código" original da Internet, e restabelecer a então ineficaz proteção aos titulares dos direitos de autor. Tratava-se de lei voltada a apoiar a elaboração de código (linguagem de programação informática) cuja intenção precípua não era outra senão fortificar os direitos de propriedade intelectual. [29]

No mundo anterior à tecnologia digital, de modo geral, era o direito que controlava se e como alguém era regulado pelas normas de propriedade intelectual. Era o direito representado na figura de um juiz ou tribunal que aplicava a lei ao caso concreto, podendo vir a restringir a liberdade do homem. Atualmente, no ciberespaço, o direito é aplicado não por um ser humano, mas por uma máquina, cujo código é resultado da interpretação do direito pelo proprietário das prerrogativas sobre as obras do intelecto.

Esse código inibidor da conduta humana é inscrito nas tecnologias que dão acesso ao conteúdo protegido pelo direito. É exemplo disso é o Adobe e-Book Reader, consistente num programa de computador capaz de interpretar o conteúdo dos e-books (livros digitalizados) publicados por diferentes editoras. Quando se tenta com tal programa ler uma obra caída no domínio público, como Política, de Aristóteles, nota-se que o Adobe Reader restringe a liberdade do usuário, ao somente permitir a leitura, impossibilitando a impressão ou cópia de excertos do livro. [30]

Nota-se que tal controle deriva do código de tal programa de computador, e não do direito, donde se observa o conceito de regulação indireta. Se o usuário tentar copiar ou imprimir excertos do livro, o suposto infrator não será processado, porque ele simplesmente será incapaz de cometer o ato pretendido.

Para as obras protegidas pelo direito de autor, o titular desses direitos certamente tem a faculdade de escolher como sua obra será utilizada, dentro dos limites impostos pelo direito. Entretanto, no que respeita às obras pertencentes ao domínio público, a ninguém assiste tal prerrogativa.

O fato, ao que consta, é que tal desenvolvimento tecnológico voltado para coibir a liberdade de circulação de informação na Internet permitiu que os proprietários das obras do intelecto fossem além da mera proteção de seus direitos, conseguindo controlar pelo código do ciberespaço condutas antes impassíveis de regulação, a exemplo do tolhimento da liberdade de escolha do usuário sobre quantas vezes deseja ler o livro legitimamente comprado. [31]

O futuro do Direito da Propriedade Intelectual promete ser menos embasado no direito, propriamente dito, que no código em que se sustenta o ciberespaço. O controle sobre o conteúdo na Internet não será exercido pelo Poder Judiciário, mas pelos programadores de softwares. E o prejuízo está em que o controle derivado do direito está sujeito ao exame de um juiz, enquanto o controle fundado no código não permite revisão alguma.

A tecnologia ora execrada, escorada por normas legais como o Digital Millennium Copyright Act, tem se tornado um meio de abolição do uso antes irregulado e inofensivo das obras da criatividade. O direito à propriedade intelectual, utilizando-se de vias oblíquas de regulação com fins de alcançar a conduta humana, tem se tornado mais eficaz, porque a aplicação desse direito tem ultrapassado os limites da perfeição, assim como os da razoabilidade.

2.4 Resistência Judicial dos Proprietários da Propriedade Intelectual no Ciberespaço.

Conforme já amplamente acima advertido, descomunal foram os esforços empenhados pelas grandes corporações, neste particular, a indústria fonográfica, para deter o avanço do primitivo código do ciberespaço, o qual ensejava o desimpedido fluxo de informação, em indiferença à propriedade intelectual tal qual fora instituída.

Serão brevemente relatadas três das mais interessantes disputas judiciais entre representantes das corporações fonográficas e empresas especializadas em softwares capazes de disseminar reproduções musicais pela Internet:

a)MP3.com:

Em 1997, um empresário chamado Michael Robertson vislumbrou na Internet uma grande oportunidade para desenvolver um negócio. Pesquisou tecnologias de distribuição e produção musical no ciberespaço, tendo optado pela utilização do MP3 e tecnologias de streaming [32], através de sua página virtual, MP3.com.

Robertson começou suas atividades encorajando artistas a produzir e distribuir música através de seu site, do que não diferia de outros negociantes da Internet, a exemplo do EMusic.com. A idéia do MP3.com diferia no fato de que propunha um sistema de fazer negócios distinto daquela já instituída pela indústria fonográfica, que guia as atividades dos artistas com vistas a que sejam populares. Em contraponto, o papel da página virtual seria o de apenas distribuir o arquivo musical, mediante assinaturas pagas de usuários, deixando aos artistas apenas o encargo de serem criativos e populares.

O artista seria popular pela natural demanda do público, pois o MP3.com fazia estatísticas automáticas das músicas mais ouvidas, projetando o artista para o topo da lista dos preferidos pelo público, sem a interferência das gravadoras, as quais usualmente se preocupam em fazer com que determinado artista seja preferido pelas rádios. E o ponto nevrálgico desse imbróglio era que, ao contrário da indústria fonográfica, MP3.com não cobrava dos artistas pela distribuição de suas obras, nem se arrogava possuir titularidade sobre as obras desses.

Através do MP3.com, o usuário poderia ouvir as músicas por duas maneiras: a) o usuário comprava o um CD (compact disc) numa página virtual, a qual imediatamente avisaria ao MP3.com da disponibilidade das correspondentes músicas na conta daquele específico usuário, que passaria a podê-las ouvir também por meio de seu computador, conectado à Internet; b) o usuário já era legítimo proprietário de um CD, o qual, quando tocado num computador com acesso à Internet, era identificado pelo MP3.com, que, por sua, vez, disponibilizava as respectivas músicas na conta daquele usuário. Uma vez disponibilizado na conta do MP3.com um arquivo musical na Internet, o usuário titular poderia escutá-la em qualquer outro computador conectado à rede mundial de computadores, sem a necessidade do CD. [33]

Para dispor de um grande acervo musical, o MP3.com foi obrigado a legitimamente comprar 50.000,00 CD´s, digitalizá-los e compactá-los através da tecnologia MP3.

Apenas cinco dias após o lançamento desse novo serviço em sua página virtual, o MP3.com recebeu uma notificação da RIAA (Recording Industry Association of America), juntamente a outras quatro gravadoras, para que encerrasse suas atividades. Alguns dias mais tarde, MP3.com já estava respondente a uma ação judicial milionária, sob o argumento de reprodução ilegal dos CD´s adquiridos e da inaplicabilidade da doutrina do fair use (propósitos não-comerciais do uso das obras).

Eram argumentos favoráveis ao MP3.com: a) o fato de que os clientes somente estavam autorizados a pôr em suas contas músicas de CD´s por eles legitimamente adquiridos; b) burlas aos direitos de autor existiam igualmente fora do ciberespaço; c) serviço prestado pela empresa servia para agregar valor aos cd´s, aumentando-lhes a procura e as vendas; d) o serviço prestado pela empresa poderia ser facilmente executado pelos próprios consumidores; e) direito de proporcionar ao consumidor um espaço livre em que pudesse armazenar seu próprio conteúdo, acessível de qualquer lugar.

Nada obstante aos razoáveis argumentos aduzidos pelo MP3.com, apenas nove meses mais tarde um juiz federal norte-americano veio a condená-lo ao pagamento de uma multa de 180.000.000,00 de dólares. Quase um ano depois, o MP3.com foi vendido a um dos autores da ação judicial, a Vivendi Universal. [34]

b)Napster:

Em evolução tecnológica ao MP3.com, o Napster, situado na página virtual Napster.com, desenvolveu um protocolo (código) capaz de permitir intercâmbio de dados armazenados nas memórias dos computadores pessoais dos usuários. Esse método de intercâmbio popularizou-se pela sigla P2P (peer-to-peer), que vem a significar um intercâmbio de dados na Internet de usuário final a usuário final.

O Napster elaborou um cadastro que armazenava a referência aos arquivos musicais e ao endereço eletrônico das pessoas que os possuíam no computador pessoal. Quando um usuário procurava alguma música na página virtual do Napster, o cadastro apontava quem detinha aquele específico arquivo, e se estava naquele momento conectado a Internet. Em caso positivo, o usuário poderia estabelecer uma conexão direta com o computador indicado, a fim de obter uma cópia do arquivo pretendido.

Assim sendo, o Napster era responsável por estabelecer um vínculo entre aqueles que desejavam fazer cópias de arquivos musicais, mas não se responsabilizava pelos atos desses indivíduos. De fato, não era o Napster quem disponibilizava o arquivo eletrônico a ser copiado, mas um cidadão comum, usuário da rede mundial de computadores.

A reação da indústria fonográfica foi imediata, através da promoção de ação judicial contra o Napster, sob a acusação de infração dolosa e contribuição à infração aos direitos de autor.

O Napster contra-argumentou alegando que a reprodução de arquivos musicais através da tecnologia P2P configurava uso lícito (fair use) e não-comercial pelo consumidor de um gravador digital de áudio, afora a adução da irresponsabilidade dos servidores pelo conteúdo que armazenam, enquanto não notificados da ilegalidade desses dados (seção 512, "a" e "d", do Digital Millennium Copyright Act). Além disso, dentre outros argumentos, o Napster afirmou que significante porcentagem das trocas de arquivos em sua página virtual tinha como objeto obras não protegidas pelo direito autoral, o que fazia invocar o precedente da imunidade de responsabilidade por contribuição à infração de direitos autorais, determinada pela Suprema Corte Norte-Americana, quando da discussão judicial sobre a legalidade dos videocassetes.

Ainda que bem fundamentadas as razões da defesa, a Corte de Apelações considerou que o Napster foi responsável por contribuição a infrações ao direito autoral, mas somente após o recebimento de notificação da violação pelo titular do direito. Napster, então, foi obrigado a retirar do sistema todas as músicas cuja propriedade fosse protegida pelo direito autoral. [35]

c)Kazaa:

O degringolar do Napster precipitou a popularização de outra tecnologia P2P de intercâmbio de dados, a qual permite troca de diversos tipos de arquivos, não somente aqueles musicais, e não necessita de um cadastramento central de usuários e correspondentes arquivos disponíveis para serem copiados.

Dentre as páginas virtuais que utilizaram esse tipo de tecnologia, destacou-se a empresa holandesa Kazaa, logo acionada pelas gravadoras européias Buma e Stemra, com o objetivo de cessar as alegadas infrações aos seus direitos autorais.

Em 1ª intância, a Justiça holandesa determinou o desligamento do Kazaa da Internet, como forma de impedir a reprodução ilícita de músicas, sob multa pecuniária, fundado no raciocínio de que tal medida viesse a impedir a troca ilícita de arquivos.

Todavia, a experiência empírica de tal medida e o laudo pericial produzido no processo convenceram o juiz de que o intercâmbio de dados através do programa oferecido pelo Kazaa ocorre independentemente do funcionamento da respectiva página virtual. A Corte de Recursos holandesa compreendeu serem atos relevantes ao direito autoral somente aqueles praticados pelos usuários do software desenvolvido pelo Kazaa, considerando que prover os meios para a reprodução de obras protegidas não equivale à infração de reproduzi-las. Ainda, a 2ª instância da Holanda levou em consideração a considerável proporção do uso lícito da tecnologia desenvolvida pelo Kazaa, que permite a troca de qualquer tipo de dados, entre fotos, livros eletrônicos, dentre outros. [36]

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Sobre o autor
Victor Epitácio Cravo Teixeira

Procurador Federal em exercício na Procuradoria Federal Especializada junto à ANATEL, em Brasília (DF). Bacharel em Direito pela UFPE. Pós-graduado em Regulação das Telecomunicações pelo INATEL. Mestre em Direito pela UnB.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TEIXEIRA, Victor Epitácio Cravo. A regulabilidade e a propriedade intelectual das reproduções musicais no ciberespaço. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1131, 6 ago. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8739. Acesso em: 7 nov. 2024.

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