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Danos morais por abandono afetivo

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4. ANÁLISE JURISPRUDENCIAL: Caso do pai que arca com a pensão alimentícia em dia mas negligencia o afeto

Como foi analisado no presente artigo, configura-se dano moral a atitude de um genitor que se recusa a estabelecer convívio com o filho, causando-lhe sofrimento e prejuízo para sua integridade emocional. Cabe agora, identificar a situação do pai que arca com a pensão alimentícia em dia, mas não estabelece vínculos de cuidado e afeto com o filho.

De acordo com o TJMG:

 EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - ABANDONO AFETIVO DE MENOR - GENITOR QUE SE RECUSA A ESTABELECER CONVÍVIO COM FILHO - REPERCUSSÃO PSICOLÓGICA - VIOLAÇÃO AO DIREITO DE CONVÍVIO FAMILIAR - DANO MORAL - OCORRÊNCIA. - Configura dano moral a atitude de um pai que se recusa a estabelecer convívio com o filho, causando-lhe sofrimento e prejuízo para sua integridade emocional. V.V.:APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. ABANDONO AFETIVO. GENITOR AUSENTE. DANO MORAL. SITUAÇÃO EXCEPCIONAL. PAGAMENTO DE PENSÃO. ATO ILÍCITO. NÃO CONFIGURAÇÃO. AUSENTE O DEVER DE INDENIZAR. DANO MORAL NÃO CONFIGURADO. O cumprimento do dever de cuidado é imprescindível nas relações familiares, haja vista as obrigações afetas aos pais, com o intuito de zelar pela formação hígida dos filhos. Contudo, não se exige a convivência presencial dos pais para que a devida atenção seja assegurada. O pedido de dano moral decorrente de abandono afetivo proveniente da relação paterno-filial deve se dar apenas em casos excepcionais, até mesmo para evitar a mercantilização da questão, como já decidiu o STJ. (TJ-MG - AC: 10236140037581001 MG, Relator: Evandro Lopes da Costa Teixeira, Data de Julgamento: 06/06/2019, Data de Publicação: 18/06/2019) (MINAS GERAIS, 2019, p. 1).

No inteiro teor da referida decisão, é possível verificar que o pai só reconheceu o filho após um longo processo judicial. Segundo o TJMG (MINAS GERAIS, 2019, p. 3): ―ele nunca lhe deu atenção e cuidado, salvo o pagamento de pensão, em razão do referido processo judicial‖, o que causou diversos transtornos de ordem emocional no filho. Nesse caso, o réu foi condenado ao pagamento de R$50.000,00 (cinquenta mil reais) à título de indenização por dano moral.

Como se nota, o pai tentou justificar sua ausência através do cumprimento do encargo alimentar imputado, porém, deixou de lado sua responsabilidade imaterial, de cuidado, afeto, carinho, convivência, entre outros.

Nesse diapasão, importa registrar o pronunciamento da Ministra Nancy Andrighi no julgamento do Recurso Especial no 1.159.242/SP:

Aqui não se fala ou se discute o amor e, sim, a imposição biológica e legal de cuidar, que é dever jurídico, corolário da liberdade das pessoas de gerarem ou adotarem filhos. [...] Em suma, amar é faculdade, cuidar é dever. A comprovação que essa imposição legal foi descumprida implica, por certo, a ocorrência de ilicitude civil, sob a forma de omissão, pois na hipótese o non facere que atinge um bem juridicamente tutelado, leia-se, o necessário dever de criação, educação e companhia - de cuidado - importa em vulneração da imposição legal."(REsp 1159242 / SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJe 10/05/2012) (SÃO PAULO, 2012, s. p.).

Portanto, a condenação pecuniária por dano moral afetivo não pretende quantificar o amor ou afeto dispensado pelos pais aos filhos, mas o que se pretende é que seja aferida a presença ou não de violação ao dever de cuidar, reconhecido constitucionalmente.


5 CONCLUSÃO

Por meio do estudo realizado, conclui-se que, mais do que ter apoio material da família, com o pagamento de pensão alimentícia, por exemplo, também é direito do infante desfrutar do carinho, proteção e segurança, através do convívio parental, o que lhe é garantido constitucionalmente.

Afirma-se, então, que o abandono afetivo do filho ocorre quando o(s) genitor(es) da criança não cumpre(m) os deveres previstos constitucionalmente, de garantir o direito ao respeito, à dignidade, à convivência familiar e ao cuidado e negligenciam-se os pais ao permitirem que o filho esteja submetido a qualquer forma de violência, inclusive moral.

A Constituição Federal de 1988, o Código Civil de 2002 e o Estatuto da Criança e do Adolescente enumeram diversos argumentos protetivos às crianças e adolescentes, sendo possível concluir que o pai ou a mãe que abandona emocionalmente seu filho, negligenciando o direito ao convívio familiar, viola os princípios da dignidade da pessoa humana e da solidariedade social ou familiar, bem como os deveres decorrentes do poder familiar, o que configura o ato ilícito, nos exatos termos do que estabelece o art. 186 do CC. Dessa forma, configurado o ato ilícito e preenchidos os requisitos ensejadores da responsabilidade civil, é possível que o genitor que arca pontualmente com a pensão alimentícia, mas negligencia o afeto, seja condenado a ressarcir em pecúnia a vítima do abandono afetivo.


REFERÊNCIAS

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______. Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Brasília: Casa Civil, 1990. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm >. Acesso em: 10 abr. 2020.

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GAGLIANO, Pablo Stolze. Manual de Direito Civil. São Paulo: Saraiva, 2017. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil brasileiro: direito de família. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2017.

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Sobre os autores
Larissa Flauzino Grego

Aluna do Curso de Direito da Faculdade Cenecista de Varginha

Paulo Henrique Reis de Mattosq

Professor orientador do presente trabalho. É mestre em Direito Privado pela PUC MINAS, professor na Faceca nas disciplinas de Direito Civil (Parte Geral, Direito de Família e Direito das Sucessões) e advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GREGO, Larissa Flauzino ; MATTOSQ, Paulo Henrique Reis. Danos morais por abandono afetivo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6380, 19 dez. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/87412. Acesso em: 26 abr. 2024.

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