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Dano moral pela inclusão indevida na Serasa:

indústria do dano moral ou falha na prestação dos serviços?

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05/01/2021 às 09:35
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6. DA INCLUSÃO ENQUANTO SE DISCUTE A DÍVIDA

Como ensina Antonio Herman de Vasconcelos Benjamin, “evidentemente (que) todo credor – mesmo usurário – quer receber de volta o que emprestou, somado à sua remuneração. Para tanto vai, muitas vezes, às últimas consequências: a cobrança judicial. Só que esta, face aos obstáculos inerentes ao processo, não é nunca a opção primeira do credor. Em decorrência da demora e custos envolvidos em um processo judicial, o credor, provavelmente, fará uso, a princípio, de táticas extrajudiciais de cobrança”,[20] principalmente se considerarmos que muitas instituições financeiras terceirizam seu departamento de cobrança, perdendo controle sobre os procedimentos adotados pelos terceirizados.

Há diversos registros de situações em que, independentemente da eventual discussão, judicial ou extrajudicial, acerca do débito existente, o consumidor se depara com a ameaça de inclusão de seu nome naqueles bancos de dados, o que, inegavelmente, lhe cria constrangimentos e dissabores e, viola os objetivos principais do estatuto. Tais situações caracterizam “desvio de finalidade dos arquivos de consumo, pois a implementação prestou-se mais para cobrar dívida, do que para proteger o crédito como originariamente previsto”.[21] É o típico caso do consumidor que, não concordando com os valores que lhes são cobrados, seja com relação ao principal, seja com relação aos juros incidentes sobre a dívida, procura discutir seus débitos administrativamente. No curso das negociações, depara-se com a ameaça de inclusão de seu nome nos bancos de consumo o que, a toda evidência, o coloca em posição de inferioridade na discussão dos elementos que compõem o montante da dívida.

Nesse sentido, quando a discussão da dívida se dá em juízo, nossos Tribunais têm decidido que, enquanto se discute o montante da dívida, não há falar-se em inclusão do nome do consumidor nos cadastros de maus pagadores. O ilustre Desembargador Vicente Barroco Vasconcelos, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, a esse respeito posicionou-se de maneira peremptória nos seguintes temos: “Havendo discussão acerca do direito de crédito, é pelo menos razoável não fique o suposto devedor sujeito às consequências danosas do lançamento de seu nome em cadastros de maus pagadores, onde sequer lhe é concedido o direito de defesa. Há que se aplicar o bom senso, e sempre haverá maior facilidade para o credor ressarcir-se de prejuízos advindos da falta de lançamento do nome do devedor do cadastro de maus pagadores, que o devedor livrar-se das consequências, às vezes, imprevisíveis, de tal inscrição”.[22]

Da mesma forma, o não menos ilustre Desembargador Orlando de Almeida Perri, do Egrégio Tribunal de Justiça do Mato Grosso, assim decidiu: “Não obstante a necessidade da existência de bancos de dados na sociedade moderna, que facilitam as relações de consumo, ele não pode servir de instrumento de coação ao consumidor, máxime quando se está a discutir a própria legitimidade do débito inscrito ou a extensão dele”.[23]

Também o Superior Tribunal de Justiça, pelo voto abalizado do Ministro Ruy Rosado de Aguiar, já teve oportunidade de decidir a questão e assim o fez: “São por demais conhecidos os efeitos negativos do registro em bancos de dados de devedores; daí porque inadequada a utilização desse expediente enquanto pende ação consignatória, declaratória ou revisional, uma vez que, inobstante a incerteza sobre a obrigação, já estariam sendo obtidos efeitos decorrentes da mora. Isso caracteriza um meio de desencorajar a parte a discutir em juízo eventual abuso contratual”.[24]

A questão que se coloca é se o atraso, eventualmente existente, se deve por culpa exclusiva do devedor, ou se o credor também tem sua parcela de culpa no inadimplemento. Neste particular aspecto, o magistrado paulista Nivaldo Balzano, em acórdão de brilhante teor, do qual se transcreve trecho, nos brinda com uma magnífica lição sobre inadimplemento e mora, para concluir que é necessário cautela antes do envio do nome de devedor aos registros de maus pagadores, veja-se: “Esse registro é antijurídico na medida em que não distingue a mora do inadimplemento, nem do retardamento. O inadimplemento é a não satisfação da obrigação no prazo. A mora decorre do inadimplemento comprovado, sem causa ou injusto, mas nem toda retardação caracteriza a mora do devedor, podendo ocorrer de fato inimputável ao obrigado e sim imputável ao pretenso credor, como exemplo, exigência de encargos excessivos pelas instituições financeiras, aplicação de índices de reajustamentos indevidos, capitalização de juros vedada, falta de demonstração inequívoca de débito, enfim, tantas outras práticas do dia-a-dia que não encontram amparo no direito”. Para, ao depois, arrematar que “o singelo decurso do prazo de uma obrigação, sem perquirição de outros fatores, por si só, não gera o direito de enviar os dados do retardante a um cadastro de restrições amplas ao crédito, comprometendo todas suas atividades negociais. Remetido, o autor deve responder pelos danos morais causados, sem necessidade de se comprovar o reflexo concreto porque desnecessário a partir da Constituição Federal de 1988 que contemplou o direito à reparação desse dano isoladamente”.[25]

É nosso entendimento que, ainda que a dívida esteja sendo discutida tão somente no âmbito administrativo e, enquanto não solucionada a pendência pelo titular do crédito, seria precipitada a inclusão do nome do devedor nos cadastros de proteção ao crédito. E tal se justifica porque, como diz Marcio de Mello Casado, “por constituir em bem público, jamais a concessão de crédito poderia estar tão simplificada ao ponto de uma simples informação na tela do computador, fria, mormente incompleta, às vezes equivocada, servir para o fechamento absoluto das portas do sistema financeiro ao pretenso consumidor de crédito”.[26] Ademais, adverte ainda o mesmo autor que as atividades da Serasa acabaram por se converter em meio de cobrança abusiva, o que estaria a contrariar o disposto no art. 42 do estatuto consumerista.

Não é por outra razão que o magistrado Sebastião Flávio da Silva Filho, do extinto 1° Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, ainda que não acompanhado por seu pares, sentenciou: “Ninguém desconhece hoje o caráter estigmatizante decorrente da deformação da utilidade inicial desse serviço de proteção ao crédito mantido pela SERASA, o qual, se foi concebido com o bom propósito de proporcionar um cadastro geral para a segurança na concessão de créditos bancários, hoje tem mais o perfil de criar uma generalizada suspeita de insolvência ou de inadimplência contumaz, sem distinguir cada situação de ‘per si’. E não é por outra razão que se valem as instituições financeiras dessa deformação para compelir ao pagamento ou à renegociação de seus créditos, sabedoras de que informação sobre pendência creditícia implica gravíssimas restrições ao prosseguimento dos negócios do atingido, em face desse apontado caráter estigmatizante, verdadeira morte civil”.[27]

Assim, em que pese o respeito das opiniões em contrário, qualquer materialização da inclusão do nome do (suposto) inadimplente naqueles cadastros restritivos de crédito, enquanto se discute o montante da dívida, a sua origem e seus adicionais, seja discussão no âmbito judicial ou extrajudicial, estaria a caracterizar abuso de direito, ensejador de reparação pela via do dano moral.


7. DO DEVER DE INFORMAR DA ABERTURA DE CADASTRO

A inclusão do nome do devedor nos cadastros restritivos de crédito deve, obrigatoriamente, ser precedida da devida comunicação ao consumidor para lhe permitir a oportunidade de aferição da veracidade e da correção de tal indicação. Em assim não procedendo, a empresa credora e o banco de dados, deverão ser responsabilizados, solidariamente, pelo descumprimento do dever legal de comunicação, expressamente previsto no art. 43, §§ 2° e 3°, do estatuto consumerista.

Nesse sentido, se pode afirmar que o primeiro direito do consumidor, em se tratando de arquivos de consumo, é tomar prévio conhecimento de que alguém começou a estocar informações a seu respeito, independentemente de provocação ou aprovação sua. Esse dever de comunicação, além da expressa previsão do art. 43, é corolário dos direitos básicos e genéricos estatuído no art. 6º da Lei n° 8.078/90 e, a sua falta, configura-se em ato ilícito, gerando por via de consequência, a obrigação de indenizar.[28]

Esclareça-se que a comunicação deverá ser sempre por escrito e, recomenda o bom senso, deve ser entregue mediante comprovação de recebimento. Ocorre na prática diária que esta cautela não é seguida, nem pela Serasa, nem pelas empresas que apontam os nomes de seus clientes àquele banco de dados. Mais grave ainda: remetem a comunicação através de carta simples, sem sequer procurar saber se o endereço do apontado está correto e atualizado. Consequência óbvia: nascerá para o consumidor o direito à indenização pelo só fato de não ter sido, previamente, comunicado de que se estaria estocando informações a seu respeito. Tal se justifica porque em situações assemelhadas, o consumidor acabará por descobrir a inclusão de seu nome naquele banco de dados da pior maneira possível – quando vai utilizar seu crédito junto a algum fornecedor.

Outro aspecto que releva comentar é que o prazo máximo de estocagem da informação negativa do nome do devedor está limitado ao prazo de cinco anos, ressalvando-se que tal prazo deve ser contado do fato que deu origem à inscrição e não a data da inserção no banco de dados.[29] De tal sorte que viola as disposições contidas no § 1º do art. 43 do Código de Defesa do Consumidor manter-se por mais de cinco anos o apontamento do nome do inadimplente naqueles cadastros.

Neste aspecto, se a permanência da inscrição pelo lapso superior a cinco anos for causa de constrangimento para o consumidor, autorizará o mesmo a ingressar com a ação para compelir a Serasa a promover a exclusão de seu nome, sem prejuízo da ação competente visando ser indenizado em face do dano moral ocorrido. Nesse sentido e, até por ilustrativo, trazemos à colação trecho de ementa de julgado em que foi relator o Desembargador Sebastião Chaves, que assim sentenciou: “... o ato de manter o nome do apelado inscrito na Serasa com a informação de inadimplente por mais de cinco anos, conforme restou soberbamente comprovado nos autos, gera para o devedor o direito de obter, perante o poder judiciário, a exclusão de seu nome do cadastro negativo e a reparação dos danos decorrentes desse ato ilícito, e para o credor a obrigação de indenizar os danos sofridos pelo devedor, nos termos do art. 159 do Código Civil/1916 e dos arts. 186 e 187 do novo Código Civil”.[30]

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8. INDÚSTRIA DO DANO MORAL?

Na atual realidade brasileira, algumas críticas são dirigidas ao instituto do dano moral e, dentre estas, merece especial destaque aquela atinente à questão da chamada “indústria do dano moral”.

Sabemos que na vida moderna há o pressuposto da necessidade de coexistência do ser humano com os dissabores que fazem parte do dia-a-dia. Desta forma, alguns contratempos e transtornos são inerentes ao atual estágio de desenvolvimento de nossa sociedade. Concordamos que se há de ter prudência na propositura de ação a título de dano moral, pois, como assevera o mestre Antonio Chaves, não é “todo e qualquer melindre, toda suscetibilidade exacerbada, toda exaltação do amor-próprio pretensamente ferido, a mais suave sombra, o mais ligeiro roçar das asas de uma borboleta, mimos, escrúpulos, delicadezas excessivas, ilusões, insignificantes desfeitas” que hão de caracterizar a existência de ilícito autorizador da propositura de ação na busca de indenização por danos morais.[31]

Contudo, a crítica daqueles que, se baseando no grande volume de ações decorrente de dano moral, usam tal parâmetro para afirmar que tais ações visam a promover a loteria do dano moral, não merece prosperar.

Há, evidentemente, casos isolados que podem até denotar tal intuito. Contudo o que precisa ser ressaltado é que, o aumento das demandas de caráter indenizatório por danos morais decorre de duas premissas básicas: a uma, o despertar de cidadania da população brasileira que, como decorrência natural, faz com que cada dia mais, os cidadãos passem a ter consciência dos seus efetivos direitos e, mais do que isso, a exercê-los em toda sua plenitude e, a duas, a incidência, cada vez maior, de violação da intimidade das pessoas, principalmente em face da impessoalidade das relações negociais.

Não podemos concordar com aqueles que, em nome dos infratores habituais, procuram minimizar os efeitos deletérios da agressão à dignidade humana perpetrada diuturnamente pelos chamados infratores contumazes, com os argumentos que denotam desprezo pela honra, imagem, nome e intimidade das pessoas.

Em verdade, grande parte das demandas a título de dano moral, decorrem de falhas na prestação dos serviços bancários. Por mais que os computadores estejam cada vez mais sofisticados, a impessoalidade que impera em seus sistemas de controles impede uma avaliação pessoal de cada caso, de tal sorte a individualizar cada cliente. Conclusão: qualquer falha no sistema gera relatórios imprecisos e, por conseguinte, inscrições irregulares junto aos bancos de dados, não se perquirindo se a máquina foi alimentada com dados incorretos ou não.

Já se foi o tempo em que a análise do inadimplemento do cliente era feita pelo Gerente da conta. Nos dias atuais, pouca diferença faz se o inadimplente é cliente recente da instituição ou cliente antigo, daqueles que, ao longo de vários anos, sempre teve um proceder escorreito. Caindo nas malhas do sistema computadorizado, não importa perquirir sobre o perfil do cliente, independentemente de qualquer análise pessoal, seu nome será levado ao banco de dados de controle de crédito e, ele que prove a inexistência dos fatos que geraram sua inclusão naquele órgão.

Desta forma, não se há falar em indústria do dano moral porquanto as inúmeras demandas propostas, diuturnamente, contra as empresa bancárias a esse título decorrem, como já frisamos, de duas premissas básicas: primeiro - o despertar da cidadania para o exercício pleno de seus direito e, segundo - de falhas na prestação dos serviços, decorrentes, no mais das vezes, da impessoalidade das relações negociais.

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Sobre o autor
Nehemias Domingos de Melo

Advogado em São Paulo, palestrante e conferencista. Professor de Direito Civil, Processual Civil e Direitos Difusos nos cursos de Graduação e Pós-Graduação em Direito na Universidade Paulista (UNIP). Professor convidado nos cursos de Pós-Graduação em Direito na Universidade Metropolitanas Unidas (FMU), Escola Superior da Advocacia (ESA), Escola Paulista de Direito (EPD), Complexo Jurídico Damásio de Jesus, Faculdade de Direito de SBCampo, Instituo Jamil Sales (Belém) e de diversos outros cursos de Pós-Graduação. Cursou Doutorado em Direito Civil e Mestrado em Direitos Difusos e Coletivos, É Pós-Graduado em Direito Civil, Direito Processual Civil e Direitos do Consumidor. Tem atuação destacada na Ordem dos Advogados Seccional de São Paulo (OAB/SP) onde, além de palestrante, já ocupou os cargos membro da Comissão de Defesa do Consumidor; Assessor da Comissão de Seleção e Inscrição; Comissão da Criança e do Adolescente; e, Examinador da Comissão de Exame da Ordem. É membro do Conselho Editorial da Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil (Ed.IOB – São Paulo) e também foi do Conselho Editorial da extinta Revista Magister de Direito Empresarial, Concorrencial e do Consumidor (ed. Magister – Porto Alegre). Autor de 18 livros jurídicos publicados pelas Editoras Saraiva, Atlas, Juarez de Oliveira e Rumo Legal e, dentre os quais, cabe destacar que o seu livro “Dano moral – problemática: do cabimento à fixação do quantum”, foi adotada pela The University of Texas School of Law (Austin,Texas/USA) e encontra-se disponível na Tarlton Law Library, como referência bibliográfica indicada para o estudo do “dano moral” no Brasil.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MELO, Nehemias Domingos. Dano moral pela inclusão indevida na Serasa:: indústria do dano moral ou falha na prestação dos serviços?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6397, 5 jan. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/87691. Acesso em: 24 nov. 2024.

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