Conforme ensina Maurício Godinho Delgado, “para o Direito do Trabalho terceirização é o fenômeno pelo qual se dissocia a relação econômica de trabalho da relação justrabalhista que lhe seria correspondente”. Referido doutrinador acrescenta, ainda, que a terceirização “provoca uma relação trilateral em face da contratação de força de trabalho no mercado capitalista: o obreiro, prestador de serviços, que realiza suas atividades materiais e intelectuais junto à empresa tomadora de serviços; a empresa terceirizante, que contrata este obreiro, firmando com ele os vínculos jurídicos trabalhistas pertinentes; a empresa tomadora de serviços, que recebe a prestação de labor, mas não assume a posição clássica de empregadora desse trabalhador envolvido” [1]
Desse modo, a terceirização pode ser conceituada como a transferência da atividade de uma empresa a outras empresas especializadas neste tipo de atividade, originando uma relação trilateral entre o obreiro, a empresa tercerizante (prestadora de serviços) e a tomadora/contratante dos serviços terceirizados. Com o advento das leis 13.429/17 e 13.467/17, a terceirização foi possível em atividade meio e fim (art. 4º-A, Lei 6019/74), sendo tal inovação avalizada pelo Supremo Tribunal Federal (ADPF 324 e Recurso Extraordinário 958252, com repercussão geral).
No âmbito da administração publica, o fenômeno da terceirização foi permitido, primeiramente, pelo Decreto nº 200/1967, que previu uma série de providências para descentralizar a Administração Pública, recebendo, também, regramento pelas leis 8666/93, 8987/94 e 9472/97, além do Decreto 9507/18 e a nova redação da súmula 331, itens II e V do TST. Nessa direção, o Supremo assentou a constitucionalidade dos art. 25, §1º da lei 8987/95 e art. 58, III e 67 da Lei 8666 (ARE 791932, e ADC 16), definindo que a responsabilização subsidiária da administração pública direta e indireta não será automática, mas diante da comprovada conduta culposa na fiscalização das obrigações do prestador de serviço.
Ocorre que a decisão do STF, no entanto, não apreciou de quem é o ônus da prova a respeito da comprovação da negligência administrativa na fiscalização do contrato, se do trabalhador ou do próprio ente público, estando tal controvérsia pendente de julgamento (Tema 1118 RG). De um lado, há quem vincule o ônus probandi ao trabalhador, por ser fato constitutivo de seu direito; outros, atribuem à administração, dada a maior facilidade de cumprir o encargo e a extrema dificuldade do obreiro, visto que certamente não terá acesso á documentação retaliativa à regularização das obrigações decorrentes do contrato. (art. 373, §1º, CPC e 818, §1º, CLT e princípio da aptidão da prova).
No que se refere à responsabilidade do Estado tomar serviços em fase de execução, recentemente o STF vedou o bloqueio de verbas públicas para o pagamento de valores em ações trabalhistas, sob pena de ferir o princípio da separação dos poderes (art. 2º, CF) e os dispositivos constitucionais que regem o orçamento público (art. 167, VI e X, CF), conforme ADPF 485. Decidiu o Supremo que as verbas estaduais não podem ser objeto de bloqueio, penhora ou sequestro para pagamento de valores devidos em ações trabalhistas, ainda que as empresas envolvidas tenham créditos a receber da administração pública estadual.
Diante do exposto, compreendo que cabe ao Poder Público o ônus da prova, conforme distribuição dinâmica do “onus probandi” e princípio da aptidão da prova, encargo este do qual a Administração se desincumbirá se apresentar documentos que demonstrem o acompanhamento e a fiscalização contratual junto à prestadora dos serviços terceirizados. Por outro lado, o bloqueio das verbas estaduais para pagamento de verbas públicas para pagamento de ações trabalhistas é vedado, em respeito ao princípio da separação de poderes e princípios orçamentários, conforme posicionamento vinculativo do Pretório Excelso.
Notas
[1] DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 18. ed. São Paulo: LTR, 2019, p. 540