Introdução
O objetivo deste artigo é analisar a aplicação do art. 366 do Código de Processo Penal no tocante a seu prazo e forma de cálculo, eis que se trata de um tema obscuro e com controvérsias.
O art. 366 do CPP prevê a suspensão do processo e da prescrição, caso o réu seja citado por edital e não compareça, nem constitua defensor.
Recentemente, o Supremo Tribunal Federal se debruçou sobre o dispositivo legal em comento, fixando balizas interpretativas importantes para assegurar segurança jurídica e uniformidade em todos os Tribunais e Juízes no Brasil. Contudo, advirta-se que, até para entender os precedentes paradigmáticos dos Tribunais Superiores sobre a matéria, é preciso um esforço intelectual significativo.
Em relação à forma de contagem do prazo, na nossa prática jurídica na área criminal, vimos que o Poder Judiciário aplica o art. 366 do CPP de maneira incorreta, total ou parcial, ou, em alguns casos, o aplica de maneira integralmente correta e não sabe justificar as premissas do cálculo, sendo que as partes não contestam os cálculos apresentados equivocadamente pela serventia judicial por desconhecimento e fica uma situação embaraçosa em que ninguém sabe o procedimento, o prazo etc.
Neste contexto, a despeito de ser um instituto de longa data no Código de Processo Penal, verifica-se que é mal compreendido e é preciso enfrentar essas dificuldades.
Há temas relevantes sobre a questão em comento, tais como produção antecipada de provas, prisão preventiva, a (in)constitucionalidade do prosseguimento do processo para o réu citado por edital na lei de lavagem de dinheiro (previsão do art. 2º, §2º, da Lei de Lavagem de Dinheiro - Lei nº 9.613/1998, com redação dada pela Lei nº 12.683/12) e recurso cabível da decisão que aplica o art. 366 do CPP, todavia, focar-nos-emos neste artigo sobre a questão mais polêmica (período da suspensão e forma de cálculo).
Inatividade processual e suspensão do processo e da prescrição
Na redação originária do art. 366 do CPP, previa-se que o processo seguiria à revelia do acusado que, citado ou intimado para qualquer ato do processo, deixasse de comparecer sem motivo justificado, motivo pelo qual era possível que fosse condenado à revelia, bastando que o juiz nomeasse defensor dativo.
Isso porque a citação por edital é ficta e, como todos sabem, ninguém tem tempo para ler editais todos os dias.
A redação atual do art. 366 do CPP, com redação dada pela Lei nº 9.271/1996 dispõe que, ‘’Se o acusado, citado por edital, não comparecer, nem constituir advogado, ficarão suspensos o processo e o curso do prazo prescricional, podendo o juiz determinar a produção antecipada das provas consideradas urgentes e, se for o caso, decretar a prisão preventiva, nos termos do disposto no art. 312.’’
Consigne-se que, a partir da Lei nº 11.719/08, o interrogatório não é mais o primeiro ato do processo penal, e sim o último, sendo que, atualmente, o réu é citado para apresentação de defesa escrita e não mais para interrogatório, razão pela qual o art. 366 do CPP deve ser relido, substituindo a expressão ‘’comparecer’’ por apresentar defesa escrita.
Assim, hodiernamente, para assegurar o conhecimento da denúncia formulada e permitir o exercício do contraditório e da ampla defesa, não haverá o prosseguimento de processos criminais sem a efetiva citação do réu, diferentemente de antigamente, com condenações injustas à revelia, num processo penal autoritário e inquisitorial.
Saliente-se que, conforme o dispositivo legal, haverá a suspensão tanto do processo (efeito processual) quanto da prescrição da pretensão punitiva (efeito penal).
Controvérsia a respeito da forma e do prazo de contagem do cálculo da suspensão
O art. 366 do CPP não prevê prazo de duração da suspensão do processo e da prescrição. Trata-se da questão mais complexa e obscura sobre o tema. Logo, qual o prazo aplicável e qual o critério?
A interpretação do dispositivo legal em comento gerou, ao menos, cinco posicionamentos diferentes.
A primeira corrente defende que não haveria prazo, de modo que o processo e a prescrição ficariam suspensos por tempo indeterminado até que o réu comparecesse em Juízo. Essa corrente foi adotada pelo STF durante muito tempo (RE 460971, Relator(a): SEPÚLVEDA PERTENCE, Primeira Turma, julgado em 13/02/2007, DJ 30-03-2007 PP-00076 EMENT VOL-02270-05 PP-00916 RMDPPP v. 3, n. 17, 2007, p. 108-113 LEXSTF v. 29, n. 346, 2007, p. 515-522 , e Extradição 1.042, Tribunal Pleno, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, em 19/12/06). Na ocasião, o STF entendeu que lei infraconstitucional (CPP, art. 366) poderia criar novas hipóteses de imprescritibilidade e que o art. 366 da lei adjetiva penal não criou hipótese de imprescritibilidade, apenas a condicionou a evento futuro e incerto.[1]
A segunda corrente argumenta que somente a Constituição Federal poderia estabelecer casos de crimes imprescritíveis e assim o fez com o crime de racismo (CF, art. 5º, XLII) e a ação de grupos armados, civis e militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático (CF, art. 5º, XLIV), sendo vedado ao constituinte derivado e ao legislador ordinário criar novas hipóteses de imprescritibilidade.
Esse entendimento foi seguido pelo E. STJ e resultou na aprovação da súmula 415, com o seguinte teor: ‘’O período de suspensão do prazo prescricional é regulado pelo máximo da pena cominada. (Súmula 415, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 09/12/2009, DJe 16/12/2009) ‘’
Para esta corrente, o art. 366 do CPP não estabelece o período da suspensão, porém, por lógica, e com apoio em doutrina, e diante da lacuna legislativa e da impossibilidade de tornar imprescritíveis crimes assim não definidos, o Egrégio Superior Tribunal de Justiça formulou uma proposta para equacionar o problema, firmando a orientação segundo a qual o período de suspensão do prazo prescricional seria regulado pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime, nos termos do art. 109 do Código Penal. Decorrido esse prazo, a despeito de o processo permanecer suspenso, o prazo prescricional voltaria a correr.
A propósito, colhe-se precedentes do STJ:
PENAL. RECURSO ESPECIAL. ART. 47 DA LEI DE CONTRAVENÇÕES PENAIS.CITAÇÃO POR EDITAL. ART. 366 DO CPP. PERÍODO MÁXIMO DE DURAÇÃO DA SUSPENSÃO DA FLUÊNCIA DO PRAZO PRESCRICIONAL. OCORRÊNCIA DA PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA.
I - O período máximo de suspensão da fluência do prazo prescricional, na hipótese do art. 366 do CPP, corresponde ao que está fixado no art. 109 do CP, observada a pena máxima cominada para a infração penal (Precedentes).
II - Na espécie, tendo-se em conta a pena máxima do delito previsto no art. 47 da Lei de Contravenções Penais, o prazo da suspensão do processo e da prescrição deve ser de 02 (dois) anos, ex vi do art. 109, inciso VI, do Estatuto Repressivo.
III - In casu, a denúncia foi recebida em 12/12/2003 e a suspensão do processo e do prazo prescricional foi determinada em 13/04/2004. Em 13/04/2006, com o encerramento da suspensão do feito, retomou-se a contagem da prescrição, a qual se operou - considerando, também, os quatro meses decorridos entre o recebimento da denúncia e data de suspensão do processo - em 13/12/2007. Desta forma, decorridos mais de 2 (dois) anos desde a retomada do lapso prescricional, sem ocorrência de qualquer causa de interrupção, imperiosa a decretação da extinção da punibilidade do recorrente pela prescrição da pretensão punitiva, nos termos dos arts. 107, inciso IV e 109, inciso VI, ambos do CP.
Recurso especial provido, para declarar extinta a punibilidade do recorrente pela prescrição da pretensão punitiva.
(REsp 1103084/MG, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 23/06/2009, DJe 17/08/2009)
"O prazo de suspensão da prescrição, nos termos do art. 366 do CPP, será regulado pelo máximo da pena cominada, conforme Enunciado n. 415 da Súmula do STJ, com observância do artigo 109 e seguintes do Código Penal, voltando a fluir o prazo da prescrição da pretensão punitiva após escoado o período" (HC n. 321.528/PR, Rel. Min. NEFI CORDEIRO, DJe de 8/9/2015).
Por sua vez, a terceira corrente defende que o prazo de suspensão seria o limite máximo de prescrição previsto no Código Penal (art. 109, I), isto é, de 20 anos para todas as infrações penais. A crítica que se faz a esse posicionamento é a de que a suspensão seria igual para crimes graves e outros menos, de baixo potencial ofensivo, o que seria injusto e desarrazoado.
De mais a mais, a quarta corrente sustenta que o prazo de suspensão deveria ser o tempo máximo de cumprimento de pena privativa de liberdade, qual seja, de 40 anos para todas as infrações penais (CP, art. 75, com redação dada pela Lei nº 13.964/2019), o que novamente atrai a crítica da violação ao princípio da proporcionalidade, por estabelecer um período fixo para crimes de lesividade diferentes.
Por fim, a quinta, embora sustente como a segunda corrente, no sentido de que o prazo de suspensão da prescrição seria regulado pelo máximo da pena cominada ao crime (súmula nº 415 do STJ), sustenta que, decorrido o prazo da suspensão, o processo voltaria a correr, mesmo sem a citação do réu.
Portanto, no STF, até o novo julgamento finalizado e comentado a seguir, a suspensão do processo e da prescrição, com fundamento no art. 366 do CPP, poderia ser por tempo indeterminado, enquanto que o STJ defendia a aplicação do prazo previsto no art. 109 do Código Penal de acordo com a pena máxima cominada para cada crime.
Todavia, dentro do próprio STJ, havia precedentes divergentes sobre o prosseguimento ou não do processo à revelia do réu, no momento posterior a suspensão do processo. Para a primeira corrente, após o período de suspensão do ar. 366 do CPP, a prescrição voltaria a correr, mas não haveria prosseguimento do feito até a efetiva citação do réu. Por sua vez, nasceu outro entendimento, que prevalece, recentemente, segundo o qual, depois de esgotado o prazo máximo de suspensão do processo e da prescrição, o processo deve prosseguir, mesmo que não haja a citação do réu, devendo o feito prosseguir com a nomeação de Defensor(a) dativo para o réu, não havendo que se falar em violação ao contraditório. Este último entendimento é criticável por vilipendiar o contraditório e a ampla defesa da mesma forma que a redação originária do art. 366 do CPP estabelecia. Nesse sentido, adotando este último posicionamento, colhe-se julgado do STJ de fevereiro/2021, mesmo após o precedente vinculante da Suprema Corte.:
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM HABEAS CORPUS. MOEDA FALSA. ART. 366 DO CPP. SUSPENSÃO DO PROCESSO E DO PRAZO PRESCRICIONAL. ESGOTAMENTO DO PRAZO MÁXIMO. RETOMADA DO CURSO PROCESSUAL SEM A CITAÇÃO PESSOAL DOS RÉUS. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES.
(...)
2. Aplicou-se à hipótese a pacífica jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, firmada no sentido de que, esgotado o prazo máximo de suspensão processual, nos termos do art. 366 do CPP, regulado pelas mesmas regras contidas no art. 109 do Código Penal - in casu, 12 anos -, e citado o réu por edital, haja vista a sua não localização, deve o feito ter o seu regular prosseguimento, mesmo com a ausência daquele à lide, mediante a constituição de defesa técnica (RHC n. 112.703/RS, Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, DJe de 22/11/2019).
3. Agravo regimental improvido.
(AgRg no RHC 135.970/RS, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 23/02/2021, DJe 26/02/2021) – destaque nosso
PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CRIMES PREVISTOS NO ESTATUTO DO ESTRANGEIRO. CITAÇÃO POR EDITAL. SUSPENSÃO DO CURSO DO PROCESSO E DO PRAZO PRESCRICIONAL. TRANSCURSO DO PRAZO.RETOMADA DO PROCESSO. NULIDADE. AUSÊNCIA DE CITAÇÃO PESSOAL. INOCORRÊNCIA. MOTIVO QUE LEVOU À APLICAÇÃO DO ART. 366, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. RECURSO ORDINÁRIO DESPROVIDO.
I - O prazo máximo de suspensão do curso do processo e do prazo prescricional regular-se-á pela pena máxima em abstrato cominada, observados os prazos de prescrição previstos no art. 109, do Código Penal, nos termos do Enunciado n. 415, da Súmula do STJ.
II - Descabe falar-se em necessária citação pessoal do recorrente quando da retomada do processo, visto que o fato de não ter sido encontrado, quando da instauração da ação penal, deu ensejo à citação por edital e, por conseguinte, à suspensão do curso do processo e do prazo prescricional, de modo que, passados mais de 14 (quatorze) anos do fato em si, operou-se, sobre essa fase do processo, a preclusão, devendo o feito ter o seu regular prosseguimento.
Recurso ordinário desprovido.
(RHC 66.377/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 07/04/2016, DJe 15/04/2016) destaque nosso
O Supremo Tribunal Federal pacificou a questão nos autos do Recurso Extraordinário nº 600.851, em sessão de julgamento de 07/12/2020. A tese de repercussão geral aprovada foi a seguinte: ‘’Em caso de inatividade processual decorrente de citação por edital, ressalvados os crimes previstos na Constituição Federal como imprescritíveis, é constitucional limitar o período de suspensão do prazo prescricional ao tempo de prescrição da pena máxima em abstrato cominada ao crime, a despeito de o processo permanecer suspenso.’’
Ademais, o voto condutor do acórdão de lavra do Eminente Ministro Edson Fachin fixou balizas interpretativas relevantes nas razões de decidir para garantir a segurança jurídica em relação ao art. 366 do CPP:
(i) diante da lacuna legislativa, afigura-se constitucional limitar o período de suspensão do processo e do prazo prescricional ao tempo de prescrição da pena máxima em abstrato cominada ao crime (CP, art. 109), nos termos da súmula nº 415/STJ, bem como se adota tal parâmetro por guardar proporcionalidade entre a pena cominada ao crime e sua gravidade e o respectivo período de suspensão;
(ii) revendo seus precedentes, alterou a jurisprudência da corte, para fixar o entendimento de que somente a Constituição Federal pode prever casos de imprescritibilidade de crimes, não sendo possível ao legislador ordinário estabelecer novos casos de imprescritibilidade;
(iii) para fixar a orientação segundo a qual, após a suspensão do processo pelo tempo previsto no art. 109 do Código Penal, de acordo com a pena máxima de cada infração penal, não haverá prosseguimento do processo sem a citação efetiva do réu, sob pena de violação aos princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa previstos na Constituição Federal (art. 5º, LIV e LV) e ao direito subjetivo à comunicação prévia e pormenorizada da acusação formulada contra si, assim como a autodefesa e à constituição de defensor, previstos na Convenção Americana de Direitos Humanos, também conhecida como Pacto de São José da Costa Rica (art. 8º, item 2, alíneas ‘’b’’ e ‘’d’’)[2], e no Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (art. 14, item 3, alíneas ‘’a’’ e ‘’d’’)[3].
Confira-se a ementa:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PENAL. PROCESSO PENAL. REPERCUSSÃO GERAL. TEMA DE REPERCUSSÃO GERAL 438: LIMITAÇÃO DE PRAZO DE PRESCRIÇÃO E SUSPENSÃO DO PROCESSO EM CASO DE INATIVIDADE PROCESSUAL DECORRENTE DE CITAÇÃO POR EDITAL. ART. 366 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. ART. 109 DO CÓDIGO PENAL. SÚMULA 415 DO STJ. ART. 5º, INCISOS XLII e XLIV, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. VEDAÇÃO DE PENAS DE CARÁTER PERPÉTUO (ART. 5º, INCISO XLVII, ALÍNEA B). DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO (ART. 5º, LXXVIII, CF). DEVIDO PROCESSO LEGAL SUBSTANCIAL (ART. 5 º, INCISO LIV, CF). AMPLA DEFESA E CONTRADITÓRIO (ART. 5º, LV, CF). DIREITO DE AUTODEFESA. CONVENÇÃO AMERICANA SOBRE DIREITOS HUMANOS – PACTO DE SÃO JOSÉ DA COSTA RICA. PACTO DE DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS. PRECEDENTE DO STF. RECURSO EXTRAORDINÁRIO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1. Ressalvados os crimes de racismo e as ações de grupos armados contra a ordem constitucional e o Estado Democrático listados no art. 5º, incisos XLII e XVIV, da Constituição Federal, a regra geral no ordenamento jurídico brasileiro é de que as pretensões penais devem ser exercidas dentro de marco temporal limitado. Histórico da prescrição no Direito pátrio. Precedente do Supremo Tribunal Federal. 2. A vedação de penas de caráter perpétuo, a celeridade processual e o devido processo legal substantivo (art. 5º, incisos XLVII, b; LXXVIII; LIV) obstam que o Estado submeta o indivíduo ao sistema de persecução penal sem prazo previamente definido.
3. Com exceção das situações expressamente previstas pelo Constituinte, o legislador ordinário não está autorizado a criar outros casos de imprescritibilidade penal.
4. O art. 366 do Código de Processo Penal, ao não limitar o prazo de suspensão da prescrição no caso de inatividade processual oriunda de citação por edital, introduz hipótese de imprescritibilidade incompatível com a Constituição Federal.
5. Mostra-se em conformidade com a Constituição da República limitar o tempo de suspensão prescricional ao tempo máximo de prescrição da pena em abstrato prevista no art. 109 do Código Penal para o delito imputado. Enunciado sumular n. 415 do Superior Tribunal de Justiça.
6. Afronta as garantias do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório (art. 5º, incisos LIV e LV, da Constituição Federal) o prosseguimento do processo penal em caso de inatividade processual decorrente de citação ficta. Direito subjetivo à comunicação prévia e pormenorizada da acusação formulada contra si, assim como à autodefesa e à constituição de defensor. Previsões da Convenção Americana Sobre Direitos Humanos (art. 8º, item 2, alíneas “b” e “d”) e do Pacto de Direitos Civis e Políticos (art. 14, item 3, alíneas “a” e “d”). 7. Recurso extraordinário a que se nega provimento, com a fixação da seguinte tese: Em caso de inatividade processual decorrente de citação por edital, ressalvados os crimes previstos na Constituição Federal como imprescritíveis, é constitucional limitar o período de suspensão do prazo prescricional ao tempo de prescrição da pena máxima em abstrato cominada ao crime, a despeito de o processo permanecer suspenso. (RE 600.851/DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Edson Fachin, votação unânime, julgamento finalizado na sessão de 07/12/2020, tema 438 da repercussão geral)
Em resumo, à luz dos fundamentos doutrinários e jurisprudenciais acima, a forma de cálculo da suspensão do processo e da prescrição decretada com fundamento no art. 366 do CPP pode ser descrita nas palavras do professor Aury Lopes Junior:
‘’Adotando-se esse entendimento, não comparecendo o réu, após a citação editalícia, deverá ser suspenso o processo e a prescrição, sendo essa última suspensa pelo período de tempo correspondente ao da prescrição pela pena em abstrato (para tanto, deve-se verificar a pena máxima do tipo penal e buscar, no art. 109 do CP, o respectivo lapso prescricional). Após esse período, a prescrição voltaria a correr de novo. Ou seja, suspende primeiro por um período de tempo e, depois, permanece suspenso o processo, mas volta a fluir a prescrição. Por exemplo: diante de um processo por crime de furto, cuja pena máxima é de 4 anos, a prescrição opera em 8 anos (art. 109, IV, do CP). Significa que se o réu não for encontrado, o prazo prescricional (e o processo) ficará suspenso por 8 anos, voltando a correr normalmente a partir do implemento desse prazo. Portanto, a efetiva extinção da punibilidade somente ocorrerá após 16 anos. É quase o mesmo que estabelecer uma prescrição em dobro.
(…)
(…) Com a decisão que aplica o art. 366, opera-se uma suspensão da prescrição, de modo que, quando o prazo prescricional voltar a fluir (após os primeiros 8 anos, no exemplo acima), devemos retomar a contagem considerando aqueles meses de tramitação inicial do processo. Isso porque, quando se suspende o prazo, ele volta a correr pelo tempo restante, ou seja, considera-se o período entre o recebimento da denúncia e a decisão que determinou a suspensão.’’ (LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal. 17 ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020, p. 602/603)
Analisemos um exemplo fictício do crime de estelionato (CP, art. 171), cujo crime foi cometido em 10/02/2005. A denúncia foi recebida em 10/02/2007 e a decisão que determinou a suspensão do processo e da prescrição, com fundamento no art. 366 do CPP, foi publicada em 10/02/2008. No caso em comento, o processo ficará suspenso por 12 anos (CP, art. 109, III), já que a pena máxima do estelionato é de 5 anos, tendo como termo inicial a data de 10/02/2008 e, como termo final, 10/02/2020. Quando terminar o período da suspensão, se o réu não tiver sido citado, o processo continuará suspenso até sua efetiva citação, porém, a prescrição da pretensão punitiva voltará a correr pelo período remanescente de 12 anos, descontado o período transcorrido (1 ano) entre o recebimento da denúncia, que interrompe a prescrição (CP, art. 117, I), e a decisão que suspendeu o processo e a prescrição, ou seja, a prescrição ocorrerá em 11 anos, contado do novo termo inicial 10/02/2020, sendo extinta, aproximadamente, em 09/02/2031 (CP, art. 10), quando o juízo deverá declarar extinta a punibilidade do réu.