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Nova Lei de Falências: um retrocesso

02/04/2021 às 15:00
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A nova Lei de Falências, n. 14.112/20, que altera parcialmente a Lei 11.101/2005, contrariou expectativas e piorou a recuperação das empresas em dificuldades momentâneas.

I Introdução

A Nova lei de falências, Lei nº 14.112, de 24-12-2020, que altera parcialmente a Lei nº 11.101/2005, contrariando as expectativas dos especialistas da matéria, piorou a recuperação das empresas em dificuldades momentâneas. Algumas virtudes introduzidas são superadas por defeitos de maior gravidade.

Enfocaremos neste artigo dois desses aspectos negativos: a exigência de certidão negativa e a possibilidade de a Fazenda requerer a quebra da empresa.


2 Exigência de certidão negativa

Era esperado que essa esdrúxula exigência, contida no art. 57 da Lei nº 11.101/2005, fosse abolida pela nova lei, conforme o Projeto Legislativo de nº 6.229/2005, que estava em tramitação na Câmara dos Deputados.

Em nossa obra, apontamos, com base na doutrina e jurisprudência do STJ, inúmeros argumentos, demonstrando que essa exigência vulnera o objetivo maior da lei de recuperação, que é a preservação da unidade produtiva para continuar gerando riquezas e propiciando emprego aos trabalhadores. [1]

Não faz sentido algum a lei dispensar a certidão negativa de tributos no ato de propositura do pedido de recuperação judicial para, ao depois, no limiar de seu encerramento com a elaboração do plano de recuperação aprovado pela assembleia geral de credores, fazer essa exigência, como condição para a homologação do pedido de recuperação. Em não apresentando essa certidão por falta de condições financeiras, todo o trabalho desenvolvido até então, com a atuação jurisdicional do Estado, da empresa, do administrador e dos credores em geral, irá por terra, frustrando o objetivo maior da lei que, repita-se, é a preservação do agente produtor de riquezas.

O descuidado legislador ordinário desconhece a praxe existente no desenvolvimento da atividade empresarial em nosso País quanto às prioridades na quitação de seus débitos, que obedece à seguinte gradação:

  1. Pagamento da folha, sem o que não é possível manter a empresa em aberto;
  2. pagamento de fornecedores, sem o que não é possívelcontinuar a produção;
  3. Reserva de capital de giro, indispensável à compra de matérias primas;
  4. Pagamento de tributos.

Poder-se-ia objetar que deixou a obrigação tributária como última prioridade, mas essa gradação não está fora da lógica.

Sem o atendimento das três primeiras prioridades, a unidade produtiva perecerá, e nem seria o caso de requerer a recuperação judicial.

Cabe à jurisprudência continuar interpretando aquele art. 57 da Lei nº 11.101/2005 dentro do sistema jurídico global, principalmente com o uso da interpretação teleológica para continuar dispensando a apresentação da certidão negativa com condição para homologar o plano de recuperação.

2 Pedido de quebra pela Fazenda Pública

A Lei nº 14.112/20 introduziu a incompreensível possibilidade de a Fazenda Pública requerer a falência da empresa sob recuperação judicial em duas hipóteses:

I – No caso de descumprimento dos parcelamentos previstos no art. 68 ou da transação referida no art. 10-C da Lei nº 10.522/20;

II – quando houver esvaziamento patrimonial do devedor que implique liquidação substancial da empresa, em prejuízo de credores não sujeitos à recuperação judicial, como no caso da Fazenda.

A autorização legal de quebra por iniciativa do fisco não passa de mais um instrumento normativo truculento para coagir o devedor a satisfazer o crédito tributário, por meio de sanções políticas, a exemplo da inscrição do devedor no CADIN, protesto da CDA, proibição de participar de certames licitatórios, proibição de registrar alterações do contrato social na Junta Comercial etc.

De fato, a Fazenda goza de privilégio especial de seu crédito (art. 83, IV), não se sujeitando aos efeitos da recuperação judicial. A execução fiscal continua o seu curso normal, não se suspendendo com o advento da recuperação judicial (art. 6º).

Finalmente, o art. 187 do CTN, aplicável nacionalmente, prescreve:

‘Art. 187. A cobrança judicial do crédito tributário não é sujeita a concurso de credores ou habilitação em falência, recuperação judicial, concordata, inventário ou arrolamento. (Redação dada pela LP nº 118, de 2005)

Parágrafo único. O concurso de preferência somente se verifica entre pessoas jurídicas de direito público, na seguinte ordem:

I - União;

II - Estados, Distrito Federal e Territórios, conjuntamente e pró rata;

III - Municípios, conjuntamente e pró rata.”

Ora, se a Fazenda goza de privilégio especial de seu crédito, podendo expropriar os bens da empresa em recuperação judicial, por via de execução fiscal, e não se sujeita ao concurso de credores na hipótese de falência, pergunta-se, onde está a legitimidade para requerer a falência da empresa sob recuperação? Por espírito emulativo? Por sadismo? A percepção de seu crédito por meio de execução fiscal alcança o mesmo objetivo de sua percepção por meio de preferência na percepção de seu crédito da massa falida.

Se não há, como de fato não existe uma modificação válida, a Fazenda não tem legitimidade para requerer a quebra.

Essa faculdade de requerer a falência do devedor sempre foi conferida exclusivamente ao credor quirografário, isto é, aqueles que não dispõem de qualquer espécie de privilégio em relação a seu crédito.

Por isso, o STJ pacificou a sua jurisprudência em torno da impossibilidade de a Fazenda requerer a falência do devedor. O novo quadro legal não deve alterar essa jurisprudência.

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Esse dispositivo autorizador do pedido de quebra pela Fazenda é de manifesta inconstitucionalidade, por afronta às normas gerais de direito tributário (art. 187 do CTN), que tem sua matriz constitucional no art. 146, III da Constituição Federal.


3 Conclusão

O legislador pátrio está tomado pela cultura da complexidade, da dubiedade e nebulosidade.

Ele é incapaz de elaborar uma lei simples e objetiva, fácil de operacionalizar, quer em nível constitucional, quer em nível da legislação infraconstitucional.

Complicar uma legislação que tem por objetivo auxiliar empresas em dificuldades financeiras momentâneas, por meio de recuperação judicial, inserindo normas que prejudicam o curso dessa recuperação, era o que faltava! O confuso legislador não sabe se quer ajudar ou se quer prejudicar! Na dúvida, deu uma martelada no casco e outro na ferradura. Só que bateu com mais força no casco!

Resulta disso um sistema jurídico inseguro, que toma tempo dos agentes econômicos e dos tribunais para dirimir conflitos que necessariamente surgem desse cipoal de normas confusas, aumentando o custo no Brasil e impedindo o pleno desenvolvimento econômico do País.


[1] Aspectos tributários da lei de falências. 2ªed.. São Paulo: Rideel, 2019, p. 81-103.

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Sobre o autor
Kiyoshi Harada

Jurista, com 26 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HARADA, Kiyoshi. Nova Lei de Falências: um retrocesso. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6484, 2 abr. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/89514. Acesso em: 2 nov. 2024.

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