Resumo: Com a globalização das relações humanas estas tornaram-se interdependes e interligadas, de forma que as decisões do poder judiciário passaram a sofrer bastante influência do momento político vivido e das decisões dos outros poderes, criando uma politização das decisões do poder judiciário, o que fica evidente nos julgamentos do Supremo Tribunal Federal sobre a execução provisória da pena, que geraram entendimentos divergentes e acabaram violando o princípio da segurança jurídica. O presente trabalho analisa os impactos causados pela influência política nas decisões da Suprema Corte e os impactos dos entendimentos divergentes sobre o princípio da segurança jurídica, direito fundamental protegido pelo ordenamento jurídico brasileiro. Para tanto, a pesquisa bibliográfica versa sobre os pontos em epígrafe, e assim será feita com a utilização da técnica de investigação das bibliografias existentes, bem como a análise da jurisprudência pátria acerca do tema.
Palavras-chave: Princípio da Segurança Jurídica. Influência Política. Ativismo Judicial. Execução Provisória da Pena.
INTRODUÇÃO
A sociedade atual encontra-se extremamente globalizada, de forma que as relações entre as pessoas estão todas interdependentes e interligadas, por isso sofrem influência de outras relações e do momento político vivenciado.
Nesse contexto, o poder judiciário não foge dessa influência, de forma que as decisões do Supremo Tribunal Federal, órgão central do poder judiciário brasileiro, sofrem um domínio das questões políticas existentes ao tempo em que elas foram proferidas, como consequência da politização do judiciário brasileiro.
Tal fato pode ser observado nas decisões da Suprema Corte do Brasil sobre a execução provisória da pena, haja vista que no julgamento do habeas corpus nº 152752/SP, que ocorreu no período anterior às eleições presidenciais de 2018, no qual o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva estava respondendo a diversas ações penais, seis dos ministros do Supremo Tribunal federal votaram que era possível a execução provisória da pena após julgamento transitado em julgado na segunda instância, com a finalidade de atingir o ex-presidente e impedi-lo de ser candidato nas referidas eleições.
Todavia, algum tempo depois que o presidente eleito em 2018 assumiu, o Supremo Tribunal federal julgou a ação direta de constitucionalidade nº 43, 44 e 54, que têm efeito vinculante, e decidiu que a execução provisória da pena é inconstitucional, pois viola o princípio da presunção de inocência, que tem previsão constitucional e legal.
Considerando que as decisões tomadas até 2019 tinham efeito apenas para as partes do processo, os juízes e ministros julgavam pedidos de execução provisória da pena de maneiras diferentes, sem uniformidade de entendimento, fazendo com que um condenado começasse a cumprir provisoriamente sua pena e outro condenado, em igual situação, não, dependendo do responsável pelo julgamento do processo.
Nesse contexto, fica evidente que essas decisões e entendimentos divergentes violam claramente a segurança jurídica, que é um direito fundamental dos cidadãos brasileiros, além de ser base de sustentação do Estado Democrático de Direito.
O presente trabalho tem como objetivo geral analisar se a influência do momento político vivido sobre as decisões do Superior Tribunal Federal mitiga ou viola o Princípio da Segurança Jurídica e possui como objetivos específicos mostrar que as questões políticas influenciam, direta e indiretamente, no julgamento dos ministros da Suprema Corte Brasileira e apontar os impactos causados por essa influência no princípio da segurança jurídica.
Este estudo foi embasado nos pensamentos de vários autores nacionais que escrevem sobre a influência do momento político as decisões do Supremo Tribunal Federal, a Execução Provisória da Pena e o Princípio da Segurança Jurídica, bem como na análise das decisões da Suprema Corte Brasileira, empregando, para isso o método do resumo bibliográfico para a análise do tema, fazendo uso de pesquisas em artigos e monografias, visando a máxima coleta de dados que sejam essenciais para o desenvolvimento do mesmo.
INFLUÊNCIA POLÍTICA NA DECISÕES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
Apesar de a constituição federal de 1988 prever a divisão de poderes, dividindo as principais funções do Estado entre os poderes legislativo, executivo e judiciário, conforme nos ensina teoria da separação dos poderes de Montesquieu, trazida em sua obra o Espírito das Leis, atualmente esses poderes não se encontram devidamente separados como nos ensinamentos do teórico retro mencionado, por causa da globalização das relações humanas e do ativismo judicial, haja vista que os três poderes encontra-se interligados.
Além disso, com o final da Segunda Guerra Mundial, surgiu o Neoconstitucionalismo, através do qual a constituição passou a ser o pilar central do ordenamento jurídico e os princípios adquiriram força normativa, o que deu maior margem de interpretação aos magistrados, os quais passaram a adotar uma postura mais ativa, que ficou conhecida como ativismo judicial, em decorrência do qual os juízes atuam muitas vezes como legislador, frente a inércia do poder legislativo que, em vários casos, se abstém, deixando a responsabilidade para o poder judiciário.
Para o teórico Joseph E. Stiglitz, a globalização é uma “maior integração dos países e das pessoas do mundo, causada pela enorme redução dos custos de transporte e comunicação, e pela derrubada de barreiras artificiais ao fluxo de bens, serviço, capital, conhecimento e – em menor extensão – pessoas através da fronteira” (2002, p. 9) e, tal conceito pode ser aplicado perfeitamente na sociedade atual.
Dessa forma, na sociedade globalizada que temos hoje, as relações entre as pessoas estão bastante interdependentes, interligadas e articuladas entre si, de forma que elas interferem direta e indiretamente umas nas outras mutuamente em diversas situações, e no campo da política e do direito não é diferente, já que estes se influenciam constantemente. Além disso, é comum vermos o ativismo judicial acontecer.
Fica claramente evidenciado tal fato ao se analisar as relações entre os poderes Estatais (Executivo, Legislativo e Judiciário), haja vista que as decisões tomadas por órgãos de um poder são muito influenciadas pelo momento político vivido, bem como pelas decisões tomadas pelos outros poderes.
Nesse contexto, o direito e o político não deveriam se misturar, contudo, atualmente, estão amplamente relacionados, sendo isso possibilitado pela própria Constituição Federal, conforme nos ensina Marcelo Neves (2013, p. 97), por isso é perceptível que interferência política tornou-se característica do poder judiciário brasileiro, principalmente no âmbito dos tribunais, haja vista que parte dos seus membros são escolhidos por políticos.
O Supremo Tribunal Federal, órgão do poder judiciário competente pela guarda da constituição federal e pela análise da constitucionalidade das normas brasileiras, que tem seus membros indicados livremente pelo presidente da república, também sofre a influência das questões políticas vivenciadas no país ao tomar suas decisões, já que os magistrados e os ministros, como seres humanos que são, também sofrem bastante influência do ambiente em que vivem, na formação de seu convencimento, influências essas que podem ser de cunho religioso, político, ideológico, de gênero, raça, experiências pessoais, fatores econômicos, sociais, etc.
Não é certo que essas influências minimizem a compreensão e aplicação das normas constitucionais, entretanto, isso acontece constantemente na sociedade atual, pois, dificilmente se consegue separar o julgador das suas experiências pessoais.
Dessa forma, fica demonstrada uma grande politização dos julgamentos da Suprema Corte Brasileira, ocasionada pelo ativismo judicial. Outrossim, torna-se evidente que o Supremo Tribunal Federal funciona como órgão do governo, interligado com o poder executivo e o poder legislativo, sendo participante da construção da nova ordem política e tendo suas decisões e entendimentos construídos por ela.
Isso fica amplamente retratado, como veremos a seguir, nas decisões sobre a execução provisória da pena, instituto que torna possível ao condenado, por meio de acórdão, iniciar o cumprimento de sua pena após o trânsito em julgado do julgamento da ação penal em segunda instância, ou seja, após o duplo grau de jurisdição, só sendo isso possível depois de exauridos todos os recursos nesta instância ordinária.
DECISÕES SOBRE A EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA
Em decorrência do ativismo judicial e da inércia do legislador brasileiro, a execução provisória da pena passou a ser discutida através do julgamento do habeas corpus nº 84078/2019, no qual o Superior Tribunal Federal, sob a relatoria do ex-ministro Eros Grau, decidiu pela inconstitucionalidade da execução provisória, pois, segundo os ministros, esse instituto viola o princípio da presunção de inocência.
Importante mencionar que o referido princípio é uma cláusula pétrea, porquanto está previsto no artigo 5º, inciso LVII da constituição federal, bem como também no artigo 283, do código de processo penal, que, com clareza, dispõem:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;
(...)
Art. 283. Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de prisão cautelar ou em virtude de condenação criminal transitada em julgado.
No ano de 2016, a execução provisória da pena foi novamente discutida no habeas corpus nº 126292/SP, o qual foi impetrado em favor de Márcio Rodrigues Dantas. No julgamento desse processo, os ministros Marco Aurélio, Celso de Mello, Ricardo Lewandowski e Rosa Weber votaram pela inconstitucionalidade da execução provisória da pena, mas foram vencidos pelos ministros Teori Zavascki, Edson Fachin, Luis Roberto Barroso, Luiz Fux, Dias Toffoli, Carmem Lúcia e Gilmar Mendes, e o Supremo Tribunal Federal mudou seu entendimento, afirmando que a execução provisória da pena é constitucional.
CONSTITUCIONAL. HABEAS CORPUS. PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA (CF, ART. 5º, LVII). SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA CONFIRMADA POR TRIBUNAL DE SEGUNDO GRAU DE JURISDIÇÃO. EXECUÇÃO PROVISÓRIA. POSSIBILIDADE. 1. A execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência afirmado pelo artigo 5º, inciso LVII da Constituição Federal. 2. Habeas corpus denegado. (STF, HC 126.292)
Durante o período que antecedeu as eleições de 2018, durante o qual o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva era réu em diversas ações penais, a ministra Carmem Lúcia Antunes Rocha, que à época era presidente do Supremo Tribunal Federal, decidiu julgar o habeas corpus n° 152752 e não as Ações Diretas de Constitucionalidade, as quais teriam efeitos erga omines, vinculando os órgãos do poder judiciário e do poder executivo.
Na decisão do referido habeas corpus a Corte Suprema decidiu pela constitucionalidade da execução provisória da pena, conforme mostra o julgado colacionado a seguir:
EMENTA: HABEAS CORPUS. MATÉRIA CRIMINAL. EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA. IMPETRAÇÃO EM SUBSTITUIÇÃO A RECURSO ORDINÁRIO CONSTITUCIONAL. COGNOSCIBILIDADE. ATO REPUTADO COATOR COMPATÍVEL COM A JURISPRUDÊNCIA DO STF. ILEGALIDADE OU ABUSO DE PODER. INOCORRÊNCIA. ALEGADO CARÁTER NÃO VINCULANTE DOS PRECEDENTES DESTA CORTE. IRRELEVÂNCIA. DEFLAGRAÇÃO DA ETAPA EXECUTIVA. FUNDAMENTAÇÃO ESPECÍFICA. DESNECESSIDADE. PEDIDO EXPRESSO DA ACUSAÇÃO. DISPENSABILIDADE. PLAUSIBILIDADE DE TESES VEICULADAS EM FUTURO RECURSO EXCEPCIONAL. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. ORDEM DENEGADA. 1. Por maioria de votos, o Tribunal Pleno assentou que é admissível, no âmbito desta Suprema Corte, impetração originária substitutiva de recurso ordinário constitucional. 2. O habeas corpus destina-se, por expressa injunção constitucional (art. 5°, LXVIII), à tutela da liberdade de locomoção, desde que objeto de ameaça concreta, ou efetiva coação, fruto de ilegalidade ou abuso de poder. 3. Não se qualifica como ilegal ou abusivo o ato cujo conteúdo é compatível com a compreensão do Supremo Tribunal Federal, sobretudo quando se trata de jurisprudência dominante ao tempo em que proferida a decisão impugnada. 4. Independentemente do caráter vinculante ou não dos precedentes, emanados desta Suprema Corte, que admitem a execução provisória da pena, não configura constrangimento ilegal a decisão que se alinha a esse posicionamento, forte no necessário comprometimento do Estado-Juiz, decorrente de um sistema de precedentes, voltado a conferir cognoscibilidade, estabilidade e uniformidade à jurisprudência. 5. O implemento da execução provisória da pena atua como desdobramento natural da perfectibilização da condenação sedimentada na seara das instâncias ordinárias e do cabimento, em tese, tão somente de recursos despidos de automática eficácia suspensiva, sendo que, assim como ocorre na deflagração da execução definitiva, não se exige motivação particularizada ou de índole cautelar. 6. A execução penal é regida por critérios de oficialidade (art. 195, Lei n. 7.210/84), de modo que sua inauguração não desafia pedido expresso da acusação. 7. Não configura reforma prejudicial a determinação de início do cumprimento da pena, mesmo se existente comando sentencial anterior que assegure ao acusado, genericamente, o direito de recorrer em liberdade. 8. Descabe ao Supremo Tribunal Federal, para fins de excepcional suspensão dos efeitos de condenação assentada em segundo grau, avaliar, antes do exame pelos órgãos jurisdicionais antecedentes, a plausibilidade das teses arguidas em sede de recursos excepcionais. 9. Ordem denegada. (STF, HC 152.752)
Dessa forma, as decisões sobre a execução provisória da pena, tomadas pela Suprema Corte tinham efeito apenas inter partes, isto é, para as partes dos processos, haja vista que foram tomadas no caso concreto. Muito embora o Partido Ecológico Nacional, atualmente conhecido como Patriota; o Conselho Federal da OAB e o Partido Comunista do Brasil, tenham ingressado com as Ações Diretas de Constitucionalidade n° 43, 44 e 54, com a finalidade de aferir a constitucionalidade do artigo 283 do Código de Processo Penal, que prevê o princípio da presunção de inocência.
Apenas em 2019, depois da posse do presidente eleito em 2018, o Supremo Tribunal Federal, sob a relatoria do ministro Marco Aurélio, julgou as Ações Diretas de Constitucionalidade sobre execução provisória da pena, que tramitavam no referido órgão do poder judiciário, e entendeu que o instituto já mencionado é inconstitucional por violar o princípio da presunção da inocência que está previsto na Constituição Federal de 1988 e no Código de Processo Penal.
Tal decisão da Suprema Corte Brasileira beneficiou o ex-presidente Lula e diversos outros condenados que cumpriam provisoriamente sua pena e foram soltos em razão desta decisão que tem efeitos para todos os brasileiros.
VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA
Considerando que as decisões tomadas pelo Supremo Tribunal Federal ao julgar os Habeas Corpus não vinculam os órgãos do poder judiciário, os juízes e os ministros, utilizando-se do ativismo judicial, passaram a decidir sobre a possibilidade da execução provisória da pena de acordo com a sua convicção, o que deu causa a vários entendimentos diferentes sobre a constitucionalidade da execução provisória da pena.
Essa divergência de entendimentos fez com que alguns condenados começassem a cumprir sua pena provisoriamente, logo após o trânsito em julgado da condenação em segunda instância e outros não, a depender do magistrado responsável por prolatar a decisão. Por isso, a segurança jurídica, princípio que garante a estabilidade das relações jurídicas, foi claramente abalada e violada em decorrência das decisões judiciais divergentes.
Referido princípio, cuja finalidade é proteger os cidadãos brasileiros, é de grande importância para o ordenamento jurídico brasileiro, haja vista que ele é um direito fundamental e uma cláusula pétrea, por estar previsto no inciso XXXVI do artigo 5º, que assim dispõe:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;
(...)
Dessa forma, esse princípio encontra-se intrinsecamente ligado ao Estado Democrático de Direito, sendo uma de suas bases de sustentação, já que depende de várias garantias previstas na constituição federal para ser efetivado. Portanto, ao violar a segurança jurídica, estaríamos violando também o Estado Democrático de Direito.
Insta salientar, ainda, que, por tratar-se de uma cláusula pétrea, o referido princípio não deve ser violado, tendo em vista sua grande importância para as relações jurídicas dos brasileiros e para o respaldo do ordenamento jurídico brasileiro, pois ninguém confiará em um sistema que não é seguro.