5. JUNTADA DA CARTA versus JUNTADA DO MANDADO. LEI GERAL versus LEI ESPECIAL
Volta-se a indagar: na visão da doutrina, de quando passa a correr o prazo para o devedor opor embargos? Da juntada aos autos da carta precatória do mandado devidamente cumprido, ou da juntada aos autos do processo principal, da carta precatória devolvida pelo juízo deprecado, contendo em seu bojo o mandado devidamente cumprido?
Os entendimentos novamente se dividem. Há quem ateste, com simplicidade, que o prazo começa a correr da juntada aos autos da execução, da precatória devolvida com o mandado cumprido, pois somente o juiz deprecante detém a prerrogativa de julgar os embargos.
Por outro lado, argumenta-se que o juízo deprecado também é competente para receber os embargos. Então, pergunta-se: como e quando os embargos poderiam ser opostos perante o juízo deprecado, se a carta precatória necessitasse ser devolvida à origem para ser juntada aos autos e, só a partir daí, começar a correr o prazo para o devedor opô-los?
Conclusão lógica é que, se no juízo deprecado também se pode apresentar os embargos, a despeito de quem tenha competência para julgá-los, o prazo decendial que flui para o executado embargar se conta da juntada do mandado aos autos da carta precatória, pela regra pura e simples do artigo 738, I, em conjunto com o inciso II do artigo 241.
Atentemos para esse aspecto relevante: a doutrina é unânime em reconhecer que determinadas matérias podem ser conhecidas pelo próprio juízo deprecado, sabidamente as que disserem respeito à penhora ou aos demais atos que lhe foram deprecados. O próprio Código cuidou de ratificar esse permissivo.
Ora, se tal exceção é admitida, pode-se concluir que haverá casos em que a carta precatória não será devolvida ao juízo deprecante, operando-se perante o juízo deprecado o cumprimento de todos os atos de constrição e, opostos tempestivamente os embargos, a análise dos pontos controvertidos pelo juiz que, em razão da especificidade da matéria, pode decidir as questões postas sub judice.
Em sendo matéria afeta aos atos ínsitos à deprecata, o próprio juízo deprecado detém competência para decidi-la. Isso é ponto pacífico. Se pode julgar, necessariamente precisa receber os embargos. Se pode recebê-los, pode e deve fazer o juízo de admissibilidade, incluindo-se, aí, a tempestividade.
Para saber se são tempestivos, deverá efetuar a contagem do prazo (10 dias), que correm de um momento que necessariamente deverá estar assinalado pelo Código de Processo Civil, sob pena de estar-se falando de lacuna da lei. O momento está assinalado nos arts. 738, I e 241, II.
Verificando estarem presentes todos os pressupostos e requisitos, e sendo tempestivos, versando sobre matéria que diga respeito unicamente aos atos deprecados (vício ou defeitos da penhora, avaliação e alienação dos bens art. 747), o juízo deprecado receberá os embargos, decidirá a questão e a carta precatória poderá não chegar, sequer, a ser devolvida ao juízo deprecante, antes de ser integralmente cumprida, prosseguindo-se os atos expropriatórios se não houver recurso contra a decisão que julgou os embargos.
Mas se a matéria deduzida versar sobre o mérito, o juiz deprecado poderá receber os embargos, verificando sua tempestividade e, ato contínuo, devolverá a carta precatória ao juízo deprecante para que os julgue e, em sendo o caso, depreque novamente os atos necessários após esgotada a via incidental, ou pendente recurso somente no efeito devolutivo, quando a execução retoma seu curso normal.
Tanto é assim que, de ordinário, quando decorre o prazo para oferecimento dos embargos, o juiz cauteloso e diligente não toma qualquer atitude no processo de execução sem antes oficiar ao juízo deprecado para saber se os embargos, porventura, não tenham sido lá oportunamente opostos. Somente com a resposta negativa, dá prosseguimento ao curso do feito executivo.
Mas, se os embargos são opostos perante o próprio juízo deprecante, oficia o juízo deprecado, onde está a precatória, para saber se os mesmos são tempestivos. Com a resposta do juízo deprecado, assinalando em que data foi juntado aos autos da precatória o mandado cumprido, o juiz exerce o juízo de admissibilidade e recebe ou não os embargos.
E quando recebe os autos de carta precatória, contendo embargos, deverá verificar se foram tempestivos. Como fazê-lo? Efetuando a contagem do prazo decendial a partir da juntada à precatória do mandado de intimação da penhora devidamente cumprido. A regra é sempre a mesma.
Essa conclusão deriva de uma bem construída investigação dos preceitos do Código de Processo Civil e dos princípios inerentes à execução.
Vejamos o magistério de EDSON RIBAS MALACHINI: "Temos que falar, ainda, da hipótese de carta precatória. Entendemos (como veremos melhor no capítulo seguinte) que, quando a penhora se faz por carta (art. 658), os embargos do devedor devem ser oferecidos, regra geral, no juízo deprecante. Por outro lado, dissemos, no número anterior, que, de acordo com o art. 241, IV, quando o ato de intimação se realizar em cumprimento de carta de ordem, de carta precatória ou de carta rogatória, o prazo, de modo geral, começa a correr da data de sua juntada aos autos depois de realizada a diligência. Pergunta-se: E no caso dos embargos do devedor, em que há a regra do art. 738, I, aplica-se aquela norma? A resposta deve ser negativa. Se o art. 241, IV, é, como vimos, lex specialis em relação à lex generalis consignada no art. 240, o art. 738, I, também o é; e, no caso, é mais especial, por dizer respeito a determinada situação específica (o oferecimento de embargos do devedor), ao contrário da regra do art. 241, IV, que tem caráter de generalidade, só se especializando em confronto com a do art. 240. (Mesmo porque há casos em que os embargos devem ser opostos no próprio juízo deprecado)." (13)
A questão fica muito mais simples quando colocada nesses moldes. Com efeito, se a juntada da carta precatória aos autos principais constitui um marco de contagem de prazo geral, a juntada do mandado aos autos (da precatória ou principais, dependendo do caso), constitui regra especial que afasta a idéia do retorno da carta à origem para, só depois, começar a correr o prazo para propositura dos embargos pelo devedor.
Mas vejamos o desfecho do raciocínio desenvolvido pelo autor, que merece ser transcrito para melhor compreensão das nuanças que envolvem o oferecimento dos embargos na execução por carta:
"Assim, o prazo correrá da intimação da penhora(14), que se dá no próprio juízo deprecado. Logo, se forem apresentados embargos no juízo deprecante antes do retorno da carta, este deverá mandar autuá-los em apenso (art. 736) e aguardar aquele retorno antes de proferir a decisão de recebimento ou rejeição liminar dos embargos, para poder verificar se foram tempestivos (art. 739, I). (15)
A lógica dessa proposição é a única aceitável e se coaduna com o entendimento esposado por ARAKEN DE ASSIS, que aborda frontalmente a questão: "A regra do art. 738, I, se desdobra nas seguintes conseqüências: a) na hipótese de se efetivar a intimação através de carta precatória expedida, ante o disposto no artigo 658, ou, simplesmente, porque o devedor não possui domicílio no foro da execução , o prazo contaria da intimação, jamais da juntada da respectiva carta (art. 241, IV). Neste sentido, a 3ª Turma do STJ: O prazo para os embargos flui sempre da intimação da penhora e não da juntada aos autos do mandado cumprido. Irrelevante se aquele ato é realizado em outra circunscrição judiciária por meio de precatória. Por sinal, sobrevindo os embargos, a carta executória permanecerá no juízo deprecado. Se for o caso de o juízo deprecante julgá-los (retro, 428). Nos termos do novel 738, I, agora se conta da juntada;" (16) (grifo nosso).
Forçoso se torna concluir que, ao ser o mandado de intimação da penhora devidamente cumprido juntado "aos autos" de carta precatória começa a fluir o lapso deferido ao executado para que oponha-se à execução por meio dos embargos e demais defesas que lhe são próprias. (17)
Não há, como dissemos, lacuna nem conflito de normas, mas equívoco de interpretação. É que o inciso IV estabelece norma de caráter geral. Para qualquer ato que deva ser praticado por carta precatória (por exemplo, a citação do réu, a intimação da designação de audiência, a oitiva de testemunha, etc.), seja no processo de conhecimento, cautelar ou executivo, bem assim em qualquer de seus procedimentos, a carta precatória tende a retornar à comarca de origem após realizado o ato (que muitas vezes exaure a atividade do juízo deprecado).
Na execução, porém, tal não ocorre. Inicialmente, porque estamos nos referindo à hipótese específica de a intimação da penhora ter-se dado por oficial de justiça.
É nesse caso que prevalecerá, por ser regramento especial, a previsão do artigo 241,II. E, sabidamente, havendo conflito entre lei geral e lei especial, prevalece sempre a segunda. Isto é princípio do Direito, em todas as suas esferas. A contagem do prazo para opor embargos, por sua vez, também conta com regra específica, catalogada no art. 738, I.
A conseqüência dessa ilação é por demais grave: se o devedor postar-se alheio a esse entendimento, correrá o risco de ver obstaculizada sua oportunidade de defesa, uma vez que quando opuser os embargos no juízo deprecante, após o retorno da carta precatória (que poderá nem chegar a ocorrer, prosseguindo-se a execução no juízo deprecado), os mesmos não poderão ser conhecidos, posto que oferecidos a destempo.
Mas, poder-se-á argumentar: o Código não fala em juntada do mandado à carta precatória, mas sim aos autos. Poder-se-ia aduzir que, se o legislador não especificou, nem estendeu, não é lícito ao intérprete fazê-lo.
O argumento é válido, mas aplica-se também a contrario sensu. O Código igualmente não diz que o prazo para embargar começa a correr da juntada "da carta precatória" aos autos, mas da juntada aos autos da prova da intimação da penhora, que só pode ser o mandado cumprido (art. 241, II e 738,I).
A prova da intimação da penhora está ínsita no mandado e não na carta, que constitui extensão do processo para a prática de atos específicos para os quais o juiz deprecante não possui competência territorial, não sendo o caso de aplicar-se a regra geral do artigo 241, IV, que é inconciliável com a unidade de tratamento que se deve dispensar ao ato processual.
6. A JURISPRUDÊNCIA FRENTE AO CONFLITO APARENTE ENTRE
OS ARTIGOS 241, II E IV, E 738, I, ANTES E DEPOIS DA REFORMA.
Anteriormente às Leis 8.710/93 e 8.953/94, a jurisprudência firmou o entendimento, que restou remansoso no STJ:
EXECUÇÃO INTIMAÇÃO DA PENHORA POR CARTA PRECATÓRIA EMBARGOS DO DEVEDOR PRAZO Conta-se o prazo da intimação da penhora (CPC, art. 738, I), e não da juntada da precatória aos autos (CPC, art. 241, IV). Recurso conhecido pela alínea c, mas improvido. (STJ REsp 2.969 3ª T. Rel. Min. Nilson Naves DJU 06.08.1990) (RJ 157/62) CD-ROM Juris Síntese 301941.
PENHORA. INTIMAÇÃO. CARTA PRECATÓRIA. EMBARGOS DO DEVEDOR. PRAZO. Embargos do devedor. Computa-se o decêndio da intimação da penhora (C.P.C., art. 738 I), e não da juntada da carta (C.P.C., art. 241 IV), quando, através desta, efetivado o ato processual. Sentença mantida. Decisão negado provimento. Unânime. (TARS AC 186.049.607 1ª CCiv. Rel. Juiz Alceu Binato de Moraes J. 02.12.1986) CD-ROM Juris Síntese, verbete 1011499.
1. EMBARGOS DO DEVEDOR. PRAZO. CONTAGEM. DIES-A-QUO. 2. CITAÇÃO. PENHORA. CARTA PRECATÓRIA. EMBARGOS DO DEVEDOR. Embargos do devedor o prazo de dez dias que o devedor tem para apresentação de seus embargos, conta-se da intimação da penhora efetuada sobre bens de sua propriedade, em garantia da execução, e não da juntada do mandado aos autos (art. 738, I, do CPC). A previsão expressa contrasta com a norma genérica contida no art. 241, I, do mesmo diploma legal, segundo a qual o prazo conta-se a partir da juntada do mandado aos autos. Norma esta inaplicável na hipótese. Citação e penhora por precatória. Admissibilidade da apresentação dos embargos no juízo deprecado, nos próprios autos da precatória, que será devolvida ao juízo deprecante, ao qual cabe a instrução e julgamento do incidente, desde que apresentados no prazo legal de dez dias também a partir da intimação do devedor, da penhora efetuada sobre seus bens. A data em que a precatória e juntada aos autos da execução é indiferente e irrelevante para a contagem desse prazo. (TARS AC 187.035.803 1ª CCiv. Rel. Juiz Osvaldo Stefanello J. 25.08.1987) CD-ROM Juris Síntese, verbete 1014190.
Acórdão da 4ª Turma do TACivRJ, anotado por ALEXANDRE DE PAULA, assinala: O prazo para interposição de embargos quando a penhora e a respectiva intimação se fazem por precatória começa a correr da data em que o devedor é efetivamente intimado e não da juntada aos autos da precatória. Não se aplica, subsidiariamente, à hipótese o disposto no art. 241, IV, do CPC, vez que ele conflita com o princípio estatuído no art. 738, I, do mesmo Código. (Ac. un. da 4ª Câm. Do TACivRJ, na Ap 14.238/93, rel. Juiz Carlos Ferrari; Adcoas, de 30.05.1994, n. 143.773) (18)
Partindo-se da premissa que o único ponto de alteração sofrido na atual legislação, em relação ao aresto supra, foi a mudança do momento da contagem do prazo, que era da intimação e passou a ser da juntada do mandado de intimação aos autos, a relação conflitual entre o preceituado pelo art. 241, IV e o art. 738, I sobrevive.
Mas foi do Tribunal de Alçada do Rio Grande do Sul que emanou mais esclarecedora jurisprudência, calcada nos moldes acima descritos, com absoluta identidade de entendimento:
PENHORA. INTIMAÇÃO. CARTA PRECATÓRIA. EMBARGOS DO DEVEDOR. Agravo de instrumento. Embargos a execução. Prazo para oferecimento. Inicio. Súmula nº 03 deste tribunal. Alteração do art. 241 do CPC. A alteração do art. 241 do CPC pela Lei nº 8.710 de 24 de setembro de 1993, dispondo o inc. IV do referido artigo sobre o inicio do prazo na hipótese de "quando o ato se realizar em cumprimento de carta de ordem, precatória ou rogatória, da data de sua juntada aos autos, devidamente cumprida", em nada modifica o entendimento sumulado, eis que não se podem aplicar as normas do art. 241 do CPC, próprias do processo de conhecimento, aplicáveis subsidiariamente no de execução. A regra própria do processo de execução e a do art. 738, INC. I, do CPC, que estabelece a contagem da intimação da penhora. Agravo desprovido. (TARS AGI 194.154.738 5ª CCiv. Rel. Juiz Jasson Ayres Torres J. 08.09.1994) CD-ROM Juris Síntese, verbete 1024374. (grifos nossos).
Então, somente a regra do inciso II do artigo 241 seria consentânea com o mencionado artigo 738, I, não havendo como falar-se em aguardo da juntada da carta precatória aos autos principais para fluência do prazo para embargar.
Atente-se para o fato de que anteriormente à Lei 8.953/94, a contagem do prazo se dava da data da intimação do devedor. Obviamente, houve um desnecessário elastecimento do prazo para o devedor, já que a sistemática do CPC anteriormente à reforma em nada merecia alteração.
Porém, tal elastecimento não pode ser levado às raias do absurdo jurídico.
O prazo, atualmente, se conta da juntada aos autos (leia-se à carta precatória) da prova da intimação da penhora, qual seja, do MANDADO cumprido.