7. A FINALIDADE DA EXECUÇÃO E A BUSCA DA CELERIDADE
O processo executivo, posto que não encerra atividade cognoscente, não prima pelo contraditório, embora este se faça presente, quando o devedor se vê possibilitado de intervir no processo em diversas ocasiões, para opor-se a atos que possam arruinar seu patrimônio. É instrumento destinado a conferir eficácia e efetividade às decisões emanadas do Judiciário, no caso de títulos executivos judiciais, ou aos instrumentos com força executiva extrajudicial previstos em lei.
E para que se possa visualizar a necessidade dessa atividade do Estado no processo executivo, observemos o conceito dado por PONTES DE MIRANDA: "A execução é o atendimento ao enunciado que se contém na sentença, e esse enunciado não é, em si mesmo, bastante." (19)
Pela execução, o autor volta-se contra o Estado para este compelir o devedor a saldar sua obrigação, valendo-se de meios coercitivos próprios, capazes de constritar o patrimônio do devedor e submetê-lo a alienação forçada.
JOSÉ FREDERICO MARQUES expõe que "A execução forçada é instrumento de que se serve o Estado, no exercício da jurisdição, para compor uma lide. Caracterizada ela se acha, portanto, como processo, visto constituir meio e modo para atuação da tutela jurisdicional. Uma vez que sua causa finalis consiste na realização prática do direito, para que seja cumprida coativamente determinada prestação, os atos processuais da execução se compõem e se coordenam, dentro do respectivo procedimento, tendo em vista o fim a ser alcançado, e com estruturação a isso adequada." (20)
Mas, então, perguntaríamos: qual o fim a ser alcançado? Eternizar o processo com expedientes protelatórios? Conferir ampla defesa e todas as prerrogativas do processo de conhecimento em prol do devedor executado? Óbvio que não! O escopo da execução não é o de repetir a cognição ampla do processo que originou o título executivo judicial ou da relação jurídica que desencadeou a emissão do título executivo extrajudicial.
MARIA HELENA DINIZ, aprofundando o estudo acerca da ciência jurídica, afirma que o jurista científico não se identifica com qualquer juízo de valor acerca da norma, dizendo que "o que pode despertar o interesse do jurista enquanto tal são interrogações como esta: compõe este artigo com todo o corpo da legislação civil um conjunto coerente?" (21)
É justamente esta pergunta que deve ser feita em relação aos incisos II e IV do artigo 241, cotejados com os artigos 738, I e 747.
É necessário observar, entretanto, que a execução se dê pelo modo menos gravoso para o devedor. Logo, se for possível saldar a obrigação com um bem de menor valor, preservar-se-á o bem de maior valor; se a arrematação se der por preço aviltante, por ser muito inferior à avaliação, pode ser desfeita, etc.
Não obstante, a execução é prerrogativa do credor (excetuada a hipótese do art. 570 do CPC), e visa a satisfação de um crédito, representado pelo título executivo. O legislador, ao eliminar do processo executivo a fase de cognição, intentou dar ao processo uma tramitação rápida, célere.
FRANCESCO CARNELUTTI vê no processo contencioso um instrumento destinado à composição da lide e o distingue nos aspectos cognitivo e executivo, diferenciados pela qualidade da lide, que pode ser de "pretensão discutida" ou de "pretensão insatisfeita" e pondera que o processo de execução se perfaz unicamente para compor a lide de pretensão insatisfeita, acrescentando: "Colocada a resistência na lide do segundo tipo como lesão da pretensão, que deve ser eliminada contra ou pelo menos sem a vontade do resistente, o conceito de execução forçada resulta claríssimo." (22)
JOSÉ FREDERICO MARQUES acrescenta: "O título executivo dá ao credor o direito de propor a ação de igual nome, para assim procurar obter, pelas vias coativas do processo de execução forçada, a realização prática da prestação executiva. Trata-se de direito processual subjetivo, conforme já se expôs (n.º 260), do credor contra o Estado, cujo fim é a prestação da tutela jurisdicional executória." [23]
PONTES DE MIRANDA, idealizando a teoria das forças, quando trata da eficácia executiva das sentenças condenatórias e dos títulos extrajudiciais e da força executiva das sentenças, assinala: "A pretensão a executar é que está à base. Pretensão que é, hoje, com o monopólio executivo do Estado, pretensão a obter a execução." (24)
ARRUDA ALVIM observa que há dois princípios informativos do processo que refletem profundamente no tempo e nos prazos, que são o princípio da paridade de tratamento e o da economia processual. Comentando o segundo, aduz: "Deve o processo que se constitui, sob certo aspecto num mal ser suprimido do cenário jurídico o mais rapidamente possível. Tal princípio, apesar de inspirado em razões diferentes e visando a fins diversos, coincide, em sua aplicação prática, com outro princípio informativo do processo que influi nos prazos, que é o da economia processual. Este último princípio faz com que não deva haver desperdício de atividade jurisdicional. Assim, podendo esta ser prestada em menor tempo (e com menor número de atos), tal deverá ocorrer". (25)
Logo, a execução é processo que prima pela celeridade, pelo caminho mais curto, pela abreviação e aproveitamento de atos, pelo prazo estreito e pela repulsa aos atos procrastinatórios.
Dá-se em favor do titular de um crédito líquido, certo e exigível (credor), em detrimento de quem descumpriu a prestação devida (devedor). Não comporta contestação, daí não ser correto afirmar que possui contraditório que lhe seja inerente.
Não obstante, ao devedor, após cumprida a formalidade principal que é a garantia do juízo, são conferidos os embargos, processo autônomo de conhecimento, que se opõem incidentalmente à execução, onde se faz lícito deduzir toda a matéria de defesa.
Não se pode, portanto, conceber a idéia de que o preceito ditado pelo Código, no sentido de operar-se a execução pelo modo menos gravoso ao devedor, alcance a sistemática dos prazos, que foram idealizados para conferir um ritmo célere ao processo.
Ao contrário, o que se impõe ao devedor é um ônus, além da obrigação que lhe é exigida.
É de ARRUDA ALVIM o argumento que sustenta a afirmação supra: "A idéia de ônus, consiste em que a parte deve, no processo, praticar determinados atos em seu próprio benefício; conseqüentemente, se ficar inerte, possivelmente esse comportamento acarretará conseqüência danosa para ela. A figura do ônus, aliada à da preclusão, faz com que a parte saia de sua inércia e atue utilmente no processo, resultando disto, se for o caso, uma colaboração forçada da parte com a própria autoridade judiciária." (26)
Pode-se concluir, portanto, que as dilações de prazo são contrárias aos princípios que norteiam o processo executivo. Já adiantamos que a reforma trouxe uma indevida e injustificável dilação de prazo para o devedor, elastecendo o já por demais alongado processo executivo.
Se antes o entendimento majoritário era pela contagem do prazo para opor embargos do ato da intimação da penhora, deveria o legislador ter fixado essa regra quando reformulou o artigo 738, I.
O que fez, ao contrário, foi estender o dies a quo desse prazo para o momento da juntada aos autos, do mandado cumprido. Sabendo-se que alguns oficiais de justiça nem sempre fazem juntar o mandado aos autos imediatamente após seu cumprimento, necessitando a parte, por vezes, peticionar ao juiz da causa para compelir aquele serventuário a fazê-lo, sob ameaça de penalidades, fica claro que o legislador andou na contramão dos princípios informadores do processo executivo.
E tudo o que o credor almeja do Judiciário, que tomou para si o dever/poder de dizer o direito, retirando do particular a possibilidade de exercer a jurisdição em benefício das próprias razões, é obter uma prestação jurisdicional justa e rápida.
Se for rápida, permitirá que mais cedo se alcance a justiça, mesmo que a princípio não seja justa, pois o acesso ao Judiciário faculta o duplo grau de jurisdição, que propicia a revisão das decisões mal lançadas.
É por tal razão que LUIZ GUILHERME MARINONI assevera que "muitas vezes a pendência do processo pode ser mais incômoda do que uma sentença desfavorável, pois o estado de ansiedade que a falta de definição provoca pode ser mais difícil de ser administrado, para algumas pessoas, do que os efeitos de uma decisão contrária. (...) outro escopo social da jurisdição é o da educação para o exercício dos direitos. Como dissemos no capítulo que precedeu, muitas pessoas deixam de exercer seus direitos por não acreditarem na Justiça." (27)
Os embargos apresentados pelo devedor, em vista do analisado, serão intempestivos, caso não opostos no decêndio que passa a correr da juntada do mandado de intimação da penhora aos autos da carta precatória, pois, se protelar sua interposição para momento posterior à juntada da carta precatória ao processo principal, será penalizado com o ônus da preclusão.
8. CONCLUSÃO.
A reforma do Código de Processo Civil brasileiro, que se vem operando por intermédio das diversas leis vindas a lume, sobretudo e com mais profundidade a partir de 1993, tem operado correções importantes em diversos institutos dúbios ou que comportavam divergências.
Em relação à execução por carta precatória, de que trata o artigo 747 do CPC, a reforma solucionou o impasse existente acerca do local em que poderiam ser opostos e julgados os embargos, conferindo ao devedor a prerrogativa de oferecer embargos em ambos os juízos (deprecante e deprecado) e atribuindo competência parcial ao juízo deprecado para julgar matérias concernentes aos atos que lhe são afetos, quando são as únicas alegadas, restando todas as demais matérias afetas ao julgamento pelo juízo deprecante.
No pertinente à contagem do prazo de dez dias para oferecimento dos embargos, pacificou-se que esta se inicia, quando o ato é praticado por oficial de justiça, após a juntada aos autos do mandado cumprido, devendo entender-se por prova da intimação da penhora, neste caso, o mandado juntado (art. 738, I).
Se a intimação da penhora se faz por oficial de justiça no juízo deprecado, deve-se entender como correndo o prazo para embargar após a juntada do mandado cumprido aos autos da carta precatória.
Esta orientação conjuga coerentemente os princípios do processo executivo e harmoniza as disposições do artigo 738, I e do artigo 747 com o inciso II do artigo 241, inaplicando-se à hipótese, por absoluta incompatibilidade, o disposto no inciso IV do mesmo artigo 241 (pelo qual os prazos se contam da juntada da carta precatória ao processo principal), quando, na execução por carta, a intimação da penhora se dá através de oficial de justiça.
O processo executivo é ação que deve ser conduzida com celeridade, em prol dos interesses do credor. Por depender do Estado para dar cumprimento efetivo à pretensão insatisfeita de ver saldado seu crédito, o credor anela pela celeridade do feito executivo, que, a rigor, por sua natureza, deveria ser o mais célere possível e obstar toda e qualquer procrastinação, para que a Justiça se fizesse com presteza e eficácia. Nossa realidade ainda se apresenta distante deste ideal.
9. NOTAS
- MALACHINI, Edson Ribas. Questões sobre a execução e os embargos do devedor. São Paulo : Ed. Revista dos Tribunais, 1980, p. 108.
- Cf. op. cit., p. 111.
- O Simpósio de Curitiba, realizado no Paraná em outubro de 1975, firmou entendimento que o prazo contar-se-ia a partir da juntada do mandado aos autos, após a intimação da penhora. Não obstante, toda a jurisprudência orientava-se em sentido contrário, afirmando que o prazo deveria contar-se a partir da intimação da penhora, posição esta adotada pelo STF ( RE 85.546-RJ (DJU 22.10.76, p. 9.230, 1ª col., ementa).
- DINAMARCO, Cândido Rangel. A reforma do código de processo civil. São Paulo : Malheiros, 1995, p. 258.
- SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. Vol. I, São Paulo: Forense, 1961, p. 195.
- NEGRÃO, Theotonio : com a colaboração de José Roberto Ferreira Gouveia. Código de processo civil e legislação processual em vigor. 30ª ed. , São Paulo : Saraiva, 1999, p. 732.
- Apud LAURINO, Salvador Franco de Lima. A emenda n. 20/98 e os limites à aplicação do parágrafo 3º do art. 114 da constituição da república: a conformidade com o devido processo legal. In Suplemento Trabalhista LTr, 025/00, São Paulo, 2000, p. 123.
- COELHO. Luís Fernando. Lógica jurídica e interpretação das leis. Rio de Janeiro : Forense, 1979, p. 180.
- DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 4ª ed., São Paulo : Malheiros, 1994, p. 42.
- Cf. A.. L. MACHADO NETO "Garantindo certeza e segurança, o direito permite a vida, dando base à existência e permitindo que as pessoas saibam a que ater-se embora esse algo possa ser vivenciado por elas como talvez injusto." (Teoria do direito e sociologia do conhecimento. Rio de Janeiro : Ed. Tempo Brasileiro, 1965, p. 221.
- DAL COL, Helder Martinez. A cláusula mandato, o ato cooperativo e a Súmula 60 do Superior Tribunal de Justiça. São Paulo : RT 761, 1999, p. 138.
- MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Revista de Direito Público, 15/284.
- Cf. MALACHINI, Edson Ribas, op. cit., p. 113.
- Observa-se que, com a nova redação dada ao artigo 738, I do CPC, em confronto com os artigos 241, II, tal entendimento foi parcialmente alterado: o prazo não mais se conta do ato da intimação, mas da prova de sua feitura, que é a juntada do mandado nos autos de carta precatória, perfectibilizando a intimação.
- Cf. MALACHINI, Edson Ribas, op. cit., p. 113.
- ASSIS, Araken de. Manual do processo de execução. 2ª ed., São Paulo : Revista dos Tribunais, 1995, p. 963.
- Para LUÍS FERNANDO COELHO, "Se atentarmos a que cada premissa é por sua vez a conclusão de outro silogismo, verificaremos que os raciocínios do advogado e do juiz compõem-se de um sistema de silogismos encadeados que tem por finalidade a descoberta do sentido da regra jurídica consubstanciada na premissa maior e o esclarecimento da verdade factual contida na premissa menor, cujo sentido jurídico será então fornecido pela conclusão" Cf. op. cit., p. 178.
- PAULA, Alexandre de. Código de processo civil anotado. 7ª ed., vol. 3, São Paulo : Revista dos Tribunais, 1998, p. 3141.
- MIRANDA, Pontes de. Tratado das Ações, atualizado por Vilson Rodrigues Alves, Tomo 7. 1ª ed., Campinas-SP : Ed. Bookseller, 1999, p. 38
- MARQUES, José Frederico. Instituições de direito processual civil. Vol. V, Campinas : Millennium, 1999, p. 93.
- DINIZ, Maria Helena. A ciência jurídica. São Paulo : Saraiva, 1995 , p. 19
- CARNELUTTI, Francesco. Instituições do processo civil. Vol. I, Campinas : Servanda, 1999, p. 126.
- MIRANDA, Pontes de. Cf. op. cit., p. 114.
- Cf. MIRANDA, Pontes de, op. cit., p. 31.
- ALVIM, Arruda . Manual de direito processual civil. 5a ed. Vol. 1, São Paulo : Revista dos Tribunais, 1996 , p. 411.
- Cf. ALVIM, Arruda, op. cit.., p. 429.
- MARINONI, Luiz Guilherme. Novas linhas do processo civil. 2ª ed., São Paulo : Malheiros, 1996, 99.
10. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALVIM, Arruda. Manual de direito processual civil. 5ed. V.1. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996.
ASSIS, Araken de. Manual do processo de execução. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995.
CARNELUTTI, Francesco. Instituições do processo civil. V. I, Campinas: Servanda, 1999.
COELHO. Luís Fernando. Lógica jurídica e interpretação das leis. Rio de Janeiro: Forense, 1979.
DAL COL, Helder Martinez. A cláusula mandato, o ato cooperativo e a Súmula 60 do Superior Tribunal de Justiça. São Paulo: RT 761/135 mar/1999.
DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 1994.
______. A reforma do código de processo civil. São Paulo: Malheiros, 1995.
DINIZ, Maria Helena. A ciência jurídica. São Paulo: Saraiva, 1995.
LAURINO, Salvador Franco de Lima. A emenda n. 20/98 e os limites à aplicação do parágrafo 3º do art. 114 da constituição da república: a conformidade com o devido processo legal. In Suplemento Trabalhista LTr, 025/00, São Paulo : LTr, 2000.
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CD ROM JURIS SÍNTESE, n. 21, versão jan/fev/2000.
RT 761/135.