Capa da publicação Auditoria odontológica e a Resolução CFO 235/2021
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Auditoria odontológica e a Resolução CFO nº 235/2021, artigo por artigo

Resumo:


  • A Resolução CFO nº 235/21, emitida pelo Conselho Federal de Odontologia, visa fortalecer a relação entre cirurgiões-dentistas e operadoras de planos odontológicos, estabelecendo a obrigatoriedade de identificação dos auditores odontológicos e a comunicação de mudanças no quadro desses profissionais ao respectivo Conselho Regional de Odontologia.

  • A norma distingue as funções de auditor e perito, embora o uso do termo perito/auditor possa gerar confusão, uma vez que peritos não atuam em operadoras de planos de saúde odontológicos, mas em contextos judiciais ou administrativos.

  • O texto regulamenta a identificação obrigatória de cirurgiões-dentistas responsáveis por glosas técnicas, incluindo o nome e registro no Conselho Regional de Odontologia, apesar de algumas ambiguidades quanto à interpretação e aplicação prática dessas determinações, especialmente em relação à comunicação e fiscalização desses atos.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

A auditoria/perícia odontológica se caracteriza como ato odontológico, só podendo ser realizada por cirurgião-dentista regularmente inscrito no Conselho? O CFO perdeu a oportunidade de definir o que vem a ser glosa técnica.

“Quem escreve sem esforço é, geralmente, lido sem prazer” - Samuel Johnson

Introdução

Merece elogios a iniciativa do CFO (Conselho Federal de Odontologia) em criar legislação a respeito de auditoria na odontologia suplementar, especialmente ao editar Resolução pertinente à profissão do auditor odontológico, tema que vinha estagnado desde 2001 quando foi publicada a Resolução CFO nº 20, de 16 de agosto daquele ano.

A sociedade caminha bem mais rápido que o Direito, portanto cabe ao legislador tomar medidas para mitigar os efeitos desse tempo diferido, afinal a sociedade não pode prescindir do Direito; daí a máxima em latim, “ubi societas, ibi jus” (onde há sociedade, aí há o Direito).

Cabe a nós, membros da sociedade e para quem a legislação emanará seus efeitos, analisá-la sob um aspecto crítico, não obstante construtivo.

O CFO é autarquia federal responsável pela disciplina e fiscalização do exercício da Odontologia em todo o território nacional, conforme reza a Lei nº 4.324/64. Por isso, não se põe em dúvida a competência para editar a Resolução em estudo neste artigo, de nº 235, de 23 de abril de 2021.

Um aspecto extremamente importante, especialmente no que concerne à interpretação jurídica, é a chamada “vontade do legislador”. A lei é uma vontade individual (às vezes coletiva) transformada em palavras. Portanto, a Resolução 235/21 carrega em si a vontade dos legisladores do CFO. E o próprio Conselho, em sua página na Internet anuncia em letras garrafais que o objetivo da novel legislação é de “fortalecer relação entre Cirurgiões-Dentistas e Operadoras” (https://website.cfo.org.br/cfo-publica-normativas-para-fortalecer-relacao-entre-cirurgioes-dentistas-e-operadoras-de-planos-odontologicos/, acesso em 24/04/2021).

Costuma-se dizer que “a lei é mais sábia que o legislador”, por isso em raras vezes o respectivo autor da lei seria o seu melhor intérprete[1]. Isso nos concede, portanto, liberdade para opinar sobre o conteúdo normativo sem julgamentos pessoais, afinal a vontade do legislador já foi posta em prática com a publicação do documento. Cabe a nós analisarmos o conteúdo normativo, independentemente da “mens legislatoris” ou da “mens legis” (pensamento do legislador ou espírito da lei). Nossa análise levará em conta aspectos jurídicos, bem como sua aplicação prática no cotidiano da auditoria odontológica, o que mais nos importa neste momento.

Considerações

O texto legislativo é curto, com somente quatro artigos. Para facilidade de compreensão, abordaremos os dois primeiros artigos, comentando-os, até para facilitar a leitura e análise do principal público interessado, que é composto por Cirurgiões-dentistas Auditores e pelos gestores de operadoras de planos de saúde odontológicos. Os artigos 3º e 4º não causam impactos interpretativos e não serão abordados neste estudo.

Importante frisar que a ementa da lei declara que seus destinatários são operadoras de planos privados de assistência à saúde – odontológicos, muito embora tenha também impacto no empregado ou trabalhador Cirurgião-Dentista Auditor que para elas preste serviços.

Artigo 1º

(O CFO resolve)

Art. 1º. Tornar obrigatório às operadoras de planos privados de assistência à saúde - odontológicos, a indicação dos cirurgiões-dentistas que atuam como peritos/auditores a fim de viabilizar a fiscalização do exercício profissional.

Parágrafo único: a mudança no quadro de profissionais cirurgiões-dentistas peritos/auditores também obriga a imediata comunicação ao respectivo Conselho Regional de Odontologia.

A liberdade para contratar é conferida a qualquer pessoa, física ou jurídica, desde que o faça sob os ditames da legislação civil e trabalhista. Aliás, o contrato de trabalho é um acordo de vontades, como qualquer outro contrato, se bem que regido por determinações especiais. Cabe, portanto, à operadora contar com a colaboração de cirurgiões-dentistas que atuam como auditores no regime de trabalho que melhor lhe aprouver, seja na forma de empregado (celetista), seja no formato de pessoa jurídica, seja como prestador de serviços autônomo, desde que sob estrita legalidade.

O artigo 1º usa a terminologia “cirurgiões-dentistas que atuam como peritos/auditores”, abrangendo, no nosso entender, qualquer regime de contratação havido entre operadora e funcionário. Não se contesta a exigência do Conselho, visto que, como alertado antes neste texto, compete a ele regulamentar e fiscalizar o exercício da Odontologia no país.

A crítica fica por conta da forma como isso deve ser realizado, já que o legislador utilizou que se torna obrigatória a indicação dos cirurgiões-dentistas que atuam como peritos/auditores. Há uma interpretação rudimentar, a mais fraca de todas, porém não desprezível, que é a gramatical. Deve-se lembrar que é insuficiente porque não considera a unidade que constitui o ordenamento jurídico e sua adequação à realidade social, mas que sem dúvidas é o primeiro passo a se dar na interpretação de um texto legal. Assim, vamos seguir a lógica hermenêutica e dar significado ao verbo “indicar”. Um dos significados mais elucidativos para indicar é deixar transparecer algo, revelar.[2]

Presume-se que tal indicação deverá ser realizada para o CFO, mas temos um problema a ser enfrentado de imediato. A lei passou a viger na data de sua publicação, ou seja, 23 de abril de 2021, conforme preceitua seu art. 4º. Não houve o chamado “vacatio legis”, período considerado como necessário para que as partes tomem conhecimento da novel legislação e preparem adaptações para poder cumpri-la. Se a Resolução já está em vigor, qual será o formato utilizado pelas operadoras para fazer essa indicação ao Conselho? Outra indagação é se saber como serão feitas as trocas (exclusões e inclusões) de nomes de auditores no decorrer do tempo. Muito embora o parágrafo único do art. 1º apregoe que “a mudança no quadro de profissionais cirurgiões-dentistas peritos/auditores também obriga a imediata comunicação ao respectivo Conselho Regional de Odontologia”, também não determina como fazê-lo.

Neste ponto, espera-se que haja manifestação do CFO, sob o risco de se tornar impossível o fiel cumprimento de sua determinação normativa.

A redação do caput do artigo traz um complemento que julgamos ser desnecessário, ao aduzir que a indicação tem por finalidade viabilizar a fiscalização do exercício profissional. Oras, todos os profissionais cirurgiões-dentistas inscritos já são devidamente fiscalizados desde o momento em que no órgão se inscreveram. Não é a indicação de seus nomes por parte das operadoras que os submete à fiscalização. Inclusive, o próprio CFO exige o registro dos auditores/peritos no art. 8º da Resolução nº 20/2001, que assim aduz: “O cirurgião-dentista, no exercício de auditoria ou perícia, deverá estar regularmente inscrito no Conselho Regional de Odontologia, comunicando ao CRO, da jurisdição onde ocorrer a prestação do serviço, seu exercício quando eventual”.

Se o legislador quis justificar o motivo da indicação dos nomes dos auditores, não convenceu.

Outro aspecto do texto normativo que merece apreciação é a utilização dos termos auditor e perito. Aliás, o texto parece querer utilizá-los como termos disjuntivos (ou), apondo uma barra entre as palavras (auditor/perito). O que o legislador parece querer dizer é auditor ou perito. Não é tão mal. Pior se quisesse utilizá-los como sinônimos.

Para que não possamos correr risco de ser mal interpretados, vamos então nos socorrer da própria legislação do CFO, em sua Resolução nº 20/2001, que justamente diferencia as duas funções, auditoria e perícia, em seus artigos 2º e 4º. Oras, o art. 2º considera “perito o oprofissional que auxilia a decisão judicial e administrativa, por solicitação da autoridade judiciária ou por designação do conselho”. Nota-se que o exercício dessa função nada tem de relação com o funcionamento e com as atividades de operadoras de planos odontológicos. Aliás, é a Ciência Jurídica que melhor define o que vem a ser perito, e uma boa definição dada é a que se trata de “pessoa a quem se incumbe a realização de exames técnicos de sua especialidade ou competência, para esclarecimento de fatos que são objeto de inquérito policial ou de processo judicial”[3] (grifos nossos).

Claro está que o CFO andou bem ao diferenciar as funções de auditor e perito na referida Resolução nº 20/2001, mas na redação desta Resolução em apreço, não seria necessária a utilização do termo “perito”. Peritos não atuam em operadoras de planos de saúde odontológicos; na pior das hipóteses, são contratados auditores externos que por imprecisão léxica muitos denominam de peritos. Mas não são peritos.

Neste aspecto, corroborando o melhor entendimento nos dias atuais, a própria ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), ao elaborar a RN nº 424/2017, que dispõe sobre critérios para a realização de junta médica ou odontológica formada para dirimir divergência técnico-assistencial sobre procedimento ou evento em saúde a ser coberto pelas operadoras de planos de assistência à saúde, não cita em nenhuma parte do texto o termo “perito”. Prefere denominar os profissionais de profissional assistente, profissional da operadora e desempatador.[4]

O CFO perdeu enorme chance de deixar de utilizar o termo “perito” e utilizar somente “auditor”.

Artigo 2º

(O CFO resolve)

Art. 2º. Tornar obrigatória, quando da realização de glosa técnica de procedimentos, a identificação do cirurgião-dentista perito/auditor, fazendo constar, no mínimo, o nome do profissional responsável pela glosa, bem como o número de seu registro no Conselho Regional de Odontologia ao qual esteja vinculado.

As mesmas considerações que fizemos anteriormente acerca do termo “perito/auditor” são aplicáveis na análise deste artigo, portanto superaremos esse debate.

A LINDB (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro) determina em seu art. 2º que “não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até outra a modifique ou revogue”. A Resolução nº 235/2021 não faz a menor alusão à antiga Resolução nº 20/2001, portanto não a revogou. Estando em vigor as duas Resoluções que tratam do tema sobre auditoria, é necessário fazer-se o cotejo entre este artigo 2º que ora analisamos e o artigo nº 10 da citada Resolução, que assim nos ensina:

Art. 10, Resolução nº 20/2001. Na função de auditor ou perito, o cirurgião-dentista deverá identificar-se, de forma clara, em todos os seus atos, fazendo constar, sempre, o número de seu registro no Conselho Regional de Odontologia.

Ambos os artigos tratam da identificação do auditor em seus atos, cada qual com uma redação e uma abordagem, mas decerto criou-se um impasse. Uma maneira de interpretar é a de que o art. 2º da Resolução nº 235/2021 está contido, ou ainda, especifica o conteúdo do art. 10 da Resolução nº 20/2001. Aquele trata de identificação de uma maneira genérica, ao passo que este trata da identificação no momento da glosa. Importante enfatizar: os dois textos normativos estão vigentes e aflora a dúvida: os auditores devem se identificar em todos os atos por eles praticados ou somente nos atos de glosa?

A arte de auditar é extremamente científica e ladeada por conceitos de lógica, de conhecimentos técnicos, de rigor administrativo, de cuidado com a saúde do paciente, nosso bem maior. A aplicação de glosa é somente um desses atos, em situações minoritárias em que existem fatores que impeçam o pagamento do procedimento. Não é ato aleatório e impensado, como alguns podem pensar.

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Superadas essas explanações muito breves sobre glosas, ainda resta a celeuma. Não está claro para as operadoras quando o auditor deve se identificar.

A discussão não encerra por aqui. Podemos afirmar com bastante convicção que a maioria das operadoras de saúde de planos odontológicos identifica os auditores em seus atos. As empresas possuem sistemas informatizados de tratamentos de auditoria odontológica que exigem que cada usuário seja identificado, até por questões de segurança de informação. É inadmissível um sistema que não deixe uma trilha de logins apta a identificar o autor de atuações no sistema. Quer-se dizer com isso que as operadoras sempre cumpriram as determinações do art. 10 da Resolução nº 20/2001 e consequentemente cumprirão o apregoado no novo texto do art. 2º da Resolução nº 235/2021.

Assim, sob este prisma, na vida prática, nada muda. Os auditores continuarão sendo identificados cada vez que praticarem um ato odontológico dentro da operadora, seja glosa, seja pagamento, seja autorização, seja análise técnica, seja liberação de reembolso ou qualquer outra atividade a ele pertinente.

Às vezes o excesso de zelo do legislador acaba complicando ainda mais a interpretação da norma. Note-se que o artigo em análise se refere a glosa técnica de procedimentos. Efetivamente o legislador resolveu pisar em solos espinhosos. Usamos como exemplo novamente a Resolução Normativa nº 424/2017 da ANS. É um exemplo de acurácia redacional, pois cada vez que utiliza um termo sujeito a contestações, a própria norma cuida de definir esse termo.

Assim, ao redigir a RN, o legislador teve o zelo de, logo nas Disposições Preliminares, definir termos como o que vem a ser autorização prévia, junta médica ou odontológica, profissional assistente etc.

O legislador do Conselho Federal de Odontologia perdeu uma grande oportunidade de definir o que vem a ser glosa técnica. Por sinal, o próprio conceito de glosa vem sendo objeto de discussões. Analisemos as glosas aplicadas corriqueiramente na odontologia suplementar e façamos a distribuição entre cirurgiões-dentistas atuantes no ambiente corporativo; decerto não haverá unanimidade na classificação das glosas, quais seriam técnicas, quais seriam administrativas. Isso sem falar daqueles que utilizam a classificação de glosa financeira. A Agência Nacional de Saúde cuidou bem do tema no seu padrão TISS de representações e conceitos, em cuja tabela 38 aborda e Terminologia de Mensagens, dentre elas glosas, negativas e outras. A seguir os padrões da ANS, cotejando-se com esta resolução ora em estudo, conclui-se,  que os auditores somente devem identificar-se nos atos de glosa, mas não de negativas.

Um exemplo típico de negativa é o motivo 1430 (Procedimento Odontológico Não Autorizado). Caso, hipoteticamente, um auditor deixe de autorizar a confecção de um núcleo metálico fundido visto não haver tratamento endodôntico realizado, o auditor não precisaria se identificar? Conforme esta norma, não, visto não se tratar de glosa, mas de negativa de realização.

Temos aqui uma consideração complementar importante. Os próprios “considerandos” da Resolução nº nº 20/2001 e da Resolução nº 235/2021 deixam claro que “a auditoria/perícia odontológica se caracterizam como atos odontológicos, só podendo ser realizados por cirurgião-dentista regularmente inscrito e identificado”. Sendo atos exclusivamente praticados por cirurgiões-dentistas, não seriam todos eles técnicos?

Faz-se necessário retroceder ao tema pertinente à vontade do legislador. A prática diária nos leva a indagar se a redação dessa nova Resolução não teria vindo na tentativa de coibir eventuais práticas de análise de procedimentos realizadas por profissionais não graduados em Odontologia. Não sabemos se isso ocorre no cotidiano nas operadoras odontológicas, mas somos obrigados a defender a tese de que nem toda glosa deve ser aplicada por profissional cirurgião-dentista. Imaginemos um caso em que o profissional credenciado, por descuido, deixa de enviar uma GTO (Guia de Tratamento Odontológico), documento essencial para a operacionalização da odontologia suplementar. Oras, não há prática de ato odontológico algum o fato de uma pessoa treinada imputar no sistema que não foi recebido documento essencial. Isso é ato meramente administrativo, que licitamente impede que o credenciado seja remunerado, e que pode receber o nome de glosa. É inadmissível que uma operadora tenha que dispor da mão de obra de um profissional graduado em Odontologia para averiguar se um documento foi ou não recebido, no exemplo citado.

Bem, talvez seja por isso que o texto deste artigo em análise use o termo “glosa técnica”. Pois se foi por conta disso, que seja excluída a consideração de que a auditoria/perícia odontológica se caracteriza como ato odontológico, só podendo ser realizada por cirurgião-dentista regularmente inscrito e identificado. A melhor redação aqui seria então: as glosas técnicas se caracterizam como atos odontológicos, só podendo ser realizados por cirurgião-dentista regularmente inscrito e identificado.

Indaga-se o porquê da ênfase na glosa. Teria sido mais prático, então referir-se a análises técnicas e não somente glosas técnicas.

Conclui-se com isto que a novel legislação trouxe componentes complicadores à real operacionalização do processo por parte das operadoras.

Não podemos deixar de citar mais um fato importantíssimo atinente à interpretação deste artigo 2º. Ao exigir a identificação do auditor, o legislador acabou deixando as coisas no estado em que estão, como relatamos acima, porque todas operadoras identificam usuários de seus sistemas, inclusive os auditores. Tudo está identificado. Agora, se o objetivo do novo texto legal é dar publicidade à identificação do auditor, então esse assunto não deve ser tratado pelo CFO.

Sabemos que as comunicações entre operadoras, prestadores, beneficiários e demais stakeholders do sistema são normatizadas e fiscalizadas pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Não há norma atual por parte dessa agência reguladora que preceitue essa divulgação.

A redação do texto normativo deve ser clara e lógica, sob risco de haver interpretações descoladas da realidade, impedindo que a norma atinja os objetivos a que se proponha. Como o parágrafo único do art. 1º determina que a mudança no quadro de profissionais cirurgiões-dentistas peritos/auditores também obriga a imediata comunicação ao respectivo Conselho Regional de Odontologia, é de se supor que o egrégio Conselho também se refira, neste art. 2º, à identificação da glosa técnica aplicada pelos auditores destinada ao CRO. Isso soa praticamente impossível de ocorrer na vida prática, mesmo porque os itens analisados e glosados são pertinentes à saúde suplementar, devendo ser normatizados e fiscalizados pela ANS e não pelo CFO. Talvez por isso, o CFO tenha publicado em sua página da internet que formalizou ciência ao Diretor Presidente da ANS acerca das novas normativas vigentes.[5]

O que causa maior estranheza é o fato de que o CFO anuncia em sua página da grande rede mundial que “cabe à ANS a comunicação a todas as operadoras vinculadas e também a efetiva fiscalização do cumprimento das Resoluções editadas”. As Resoluções foram criadas fruto do poder normativo que o CFO possui, cujos efeitos atingem somente os profissionais inscritos no Conselho. É ilógico uma agência reguladora exercer poder fiscalizatório sobre legislação emanada de uma autarquia coordenadora de uma classe profissional, no caso o CFO.

Ademais, o auditor atua em nome da operadora. Isso é inclusive corroborado pelo Código Civil Brasileiro em seu art. 932, que trata de responsabilidade civil. A responsabilidade da conduta é de cada cidadão, que responde pelos seus atos, mas, em decorrência do contrato de trabalho, o empregador é também responsável pelos atos praticados por seus empregados. O Código determina que são responsáveis pela reparação civil o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele.

Para finalizar, importante ressaltar que muitas decisões de glosas ou de pagamentos (análises em geral) denominados técnicos são tomadas de maneira colegiada, quando vários cirurgiões-dentistas se reúnem para chegar à conclusão de que determinado procedimento poderá ou não ser repassado. O ato odontológico no caso é colegiado, determinado por múltiplos profissionais, não se podendo atribuir de forma individual, como deseja o CFO.

Queremos deixar claro que este texto demonstra uma opinião interpretativa e visa a melhorar cada vez mais a relação entre Conselho de Classe, credenciados, auditores, operadoras de saúde odontológicas e Agência Reguladora, sempre em busca do que é preconizado pelo art. 2º do Código de Ética Odontológica, que sabiamente nos ensina: “a Odontologia é uma profissão que se exerce em benefício da saúde do ser humano, da coletividade e do meio ambiente, sem discriminação de qualquer forma ou pretexto”.


[1] MAXIMILIANO, C. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 19ª Ed. Editora Forense, Rio de Janeiro.

[2] Michaelis Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa, 2015, Editora Melhoramentos.

[3] VANRELL, J.P., BORBOREMA, M.L. Vade Mecum de Medicina Legal e Odontologia Legal. 2ª Ed. JH Mizuno Editora Distribuidora, Leme-SP.

[4] http://www.ans.gov.br/component/legislacao/?view=legislacao&task=TextoLei&format=raw&id=MzQzOQ

[5] https://website.cfo.org.br/cfo-publica-normativas-para-fortalecer-relacao-entre-cirurgioes-dentistas-e-operadoras-de-planos-odontologicos/, acesso em 25/04/2021.

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Sobre o autor
Marco Aurelio Fernandes dos Santos

Graduado em Direito pela Faculdade de Direito da USP (2009). Advogado - OAB/SP. <br>Graduado em Odontologia pela Faculdade de Odontologia da USP - SP (1989). <br>Mestrado em Cirurgia e Traumatologia Buco Maxilo Faciais pela Faculdade de Odontologia da USP - SP (2002). Especialista em Cirurgia e Traumatologia Buco Maxilo Faciais. Cirurgião Buco Maxilo Facial da Prefeitura de São Paulo.<br>Experiência na área administrativa, nos cargos de Auditor, Coordenador de Auditoria Externa e Coordenador de Credenciamento.<br>Experiência em advocacia cível, com ênfase na área da saúde.<br>Ex-Professor no Curso de Especialização em Odontologia Legal, coordenado pelo Prof. Moacyr da Silva - APCD.<br>Professor no Curso de Especialização em Odontologia Legal no SOESP (Sindicato dos Odontologistas do Estado de São Paulo).<br>Professor no Curso de Atualização em Auditoria Odontológica no SOESP (Sindicato dos Odontologistas do Estado de São Paulo).<br>Preceptor de Residência Hospitalar junto ao MEC.<br>Parecerista em Odontologia.<br><br>Especializações: Mestre em Cirurgia <br>Pós-Graduando em Direito Aplicado aos Serviços de Saúde

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Marco Aurelio Fernandes. Auditoria odontológica e a Resolução CFO nº 235/2021, artigo por artigo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6516, 4 mai. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/90218. Acesso em: 22 dez. 2024.

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