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A escolha do relator da CPI da covid

02/05/2021 às 11:35
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Avaliam-se possíveis impedimentos jurídicos para a nomeação do senador Renan Calheiros como relator da CPI da covid-19.

Nos últimos dias, o noticiário nacional ficou movimentado após ser ventilada a indicação do Senador Renan Calheiros (MDB-AL) para relatoria da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid-19, que visa a apurar omissões do governo federal no enfrentamento à pandemia, bem como atos de governadores e prefeitos na gestão dos recursos federais a ela relacionados.

O alvoroço se deu porque o Senador Omar Aziz, candidato favorito para presidir a CPI, afirmou que caso fosse eleito iria nomear o Senador Renan Calheiros como relator [1].

Diante de tal especulação, em 26 de abril de 2020, antes mesmo da sessão de instalação da CPI da Covid-19 no Senado Federal, para a eleição do seu presidente e vice-presidente, a Deputada Carla Zambelli (PSL-SP) ajuizou Ação Popular para solicitar o impedimento do Senador em assumir a função[2].

No seu pedido, a Deputada afirmou que a possível nomeação de Calheiros para relatoria da CPI "afrontará a moralidade administrativa, tendo em conta que o senador Renan Calheiros responde a apurações e processos determinados pelo Supremo Tribunal Federal, envolvendo fatos relativos a improbidade administrativa, corrupção passiva e lavagem de dinheiro, o que compromete a esperada imparcialidade que se pretende de um relator"[3].

Em vista desse pedido da Deputada, o juiz Charles Renaud Frazão de Morais, da 2ª Vara Federal Cível da Seção Judiciária do Distrito Federal, determinou que Renan fosse impedido de assumir a função, apesar de não identificar elementos argumentativos mais densos para avançar na análise. Segundo o Magistrado, diante da proximidade do ato que se quer obstar e da iminência do esvaziamento da utilidade do processo ou, no mínimo, o indesejável tumulto dos trabalhos da CPI da Covid-19, é prudente determinar que o nome do senhor senador Renan Calheiros não seja submetido à votação para compor a CPI em tela[4].

Acontece que, em 27 de abril, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) cassou a liminar que proibia a indicação do senador Renan Calheiros para relatoria da CPI da Covid, sob o argumento de que há risco de "grave lesão à ordem pública" na manutenção da decisão do juiz, por violação do princípio da separação funcional dos poderes, prevista no artigo 2º da Constituição, ao interferir "na autonomia e no exercício das funções inerentes ao Poder Legislativo"[5].

Segundo o Desembargador Francisco de Assis Betti, o Regimento Interno do Senado determina que cabe ao presidente da CPI designar os relatores, portanto, é um ato que não se submete à ingerência do Judiciário[6].

Por fim, o Desembargador afirma que "ainda sequer foi realizada a sessão de instalação da CPI da Covid 19 no Senado Federal, para a eleição do seu presidente e vice-presidente, resumindo-se toda a alegação trazida na ação principal à suposta violação, em tese, ao princípio da moralidade pública. Tais circunstâncias, todavia, se o caso, deverão ser avaliadas a posteriori no âmbito da respectiva Casa Legislativa e diante de conjunturas fáticas concretas eventualmente apuradas durante o exercício da atividade parlamentar[7].

Pois bem, ainda no dia 27 de abril, o Senador Omar Aziz foi confirmado como presidente eleito da CPI e Randolfe Rodrigues como vice[8], ambos que afirmaram de pronto a indicação de Renan Calheiros como relator da CPI da Covid-19[9].

Alguns aspectos deste imbróglio precisam ser observados.

Note-se que, conforme art. 89, III, do Regimento Interno do Senado Federal, o relator não é eleito, e sim indicado pelo Presidente da Comissão. Sendo assim, é um ato interna corporis, que não se submete à ingerência do Judiciário.

Sendo assim, parece-nos ser matéria imune a crítica judiciária e, portanto, foge do âmbito do controle jurisdicional[10], sob pena de violação do princípio da separação dos poderes, prevista no artigo 2º da Constituição Federal.

Entretanto, um outro aspecto deve ser atentado: a possível violação do princípio da imparcialidade, pois, em verdade, parece-nos que o anseio pelo impedimento do Senador para a relatoria da Comissão se dá pelo princípio da suspeição, por Renan ser pai do governador de Alagoas, Renan Filho (MDB), que pode ser um dos alvos da investigação[11].

Infere-se tal assertiva pelo fato de que o relator da CPI é o responsável por oferecer o relatório da investigação ao Presidente da Comissão para que seja votado e em seguida suas conclusões sejam encaminhadas ao Ministério Público, na forma do que prescreve o art. 58, § 3º, parte final, da Constituição Federal. Ou seja, é uma função primordial para a conclusão da investigação.

Apesar de não constituir função jurisdicional, a relatoria de uma CPI tem poderes de investigação próprios das autoridades judiciais (art. 58, § 3º, parte inicial, da Constituição Federal), assim, é de se esperar que os parlamentares, em uma tão extraordinária missão investigativa, possam comportar-se com desejável isenção e imparcialidade exigida no art. 37 da Constituição.

Como o Senador Renan Calheiros é genitor do Governador do Estado de Alagoas, possível alvo da CPI, temo que não seria moralmente cabível a sua manutenção na condição de relator, assim como não seria o caso da nomeação do Senador Jader Barbalho (MDB-PA) pai do governador do Pará, Helder Barbalho (MDB). Posto que, por mais que eles se declarem suspeitos nos atos em que envolvam a investigação dos seus filhos, até mesmo em uma cognição sumária, a investigação seria gravemente prejudicada pela natural falta de isenção e imparcialidade.

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Sendo assim, diante do risco na lisura da investigação com a devida isenção e parcialidade que a Constituição nos exige, sugere-se que não seria viável a manutenção do Senador Renan Calheiros como relator da CPI, porém esse afastamento deve se dar pela via política e não pela via judicial, tendo em vista que pode ser criado um temível ambiente de insegurança institucional causado pela violação da separação dos poderes.


[1] Ex-ministro do Turismo pede suspeição de Renan na relatoria da CPI da Covid (cnnbrasil.com.br)

[2] ConJur - Juiz decide que Renan não tem moral para relatoria da CPI da Covid

[3] PROCESSO: 1022047-33.2021.4.01.3400 - AÇÃO POPULAR (conjur.com.br)

[4] PROCESSO: 1022047-33.2021.4.01.3400 - AÇÃO POPULAR (conjur.com.br)

[5] PROCESSO: 1013977-42.2021.4.01.0000 - SUSPENSÃO DE LIMINAR E DE SENTENÇA (conjur.com.br)

[6] PROCESSO: 1013977-42.2021.4.01.0000 - SUSPENSÃO DE LIMINAR E DE SENTENÇA (conjur.com.br)

[7] PROCESSO: 1013977-42.2021.4.01.0000 - SUSPENSÃO DE LIMINAR E DE SENTENÇA (conjur.com.br)

[8] CPI da Covid: Omar Aziz é confirmado como presidente e Randolfe vice (cnnbrasil.com.br)

[9] Renan Calheiros é indicado como relator da CPI da Covid-19 (cnnbrasil.com.br)

[10] MS 20.471/DF, Rel. Min. Francisco Rezek

[11] Ex-ministro do Turismo pede suspeição de Renan na relatoria da CPI da Covid (cnnbrasil.com.br)

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Sobre o autor
Jamil Pereira de Santana

Mestre em Direito, Governança e Políticas Públicas pela UNIFACS - Universidade Salvador | Laureate International Universities. Pós-graduado em Direito Público: Constitucional, Administrativo e Tributário pelo Centro Universitário Estácio. Pós-graduado em Licitações e Contratos Administrativos pela Universidade Pitágoras Unopar Anhanguera. Atualmente, pós-graduando em Direito Societário e Governança Corporativa pela Legale Educacional. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Estácio da Bahia. 1º Tenente R2 do Exército Brasileiro. Membro da Comissão Nacional de Direito Militar da Associação Brasileira de Advogados (ABA). Membro da Comissão Especial de Apoio aos Professores da OAB/BA. Professor Orientador do Grupo de Pesquisa em Direito Militar da ASPRA/BA. Membro do Conselho Editorial da Revista Direitos Humanos Fundamentais e da Editora Mente Aberta. Advogado contratado das Obras Sociais Irmã Dulce, com atuação em Direito Administrativo e Militar.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTANA, Jamil Pereira. A escolha do relator da CPI da covid. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6514, 2 mai. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/90238. Acesso em: 21 nov. 2024.

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