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Vínculo empregatício dos entregadores de aplicativo

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Resumo:


  • The article analyzes the employment relationship of on-demand delivery personnel through digital platforms.

  • Companies try to avoid labor charges by classifying delivery personnel as self-employed, creating a debate on the employment status.

  • The Public Ministry of Labor/SP has taken legal action against delivery apps to recognize the employment relationship.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Análise do vínculo trabalhista dos entregadores de aplicativo sob demanda, intermediadas pelas plataformas digitais, em especial aquelas prestadoras de serviços de delivery.

Resumo: O presente artigo tem como escopo a análise do vínculo trabalhista dos entregadores de aplicativo sob demanda, intermediadas pelas plataformas digitais, em especial aquelas prestadoras de serviços de delivery. As empresas contratantes procuram afastar os requisitos empregatícios da relação firmada com os entregadores, por meio das plataformas digitais, esquivando-se de quaisquer encargos trabalhistas, qualificando os entregadores como empregados autônomos, como “cooperados”. Assim, diante da ausência de regulamentação específica dessa modalidade de trabalho, a relação de trabalho em questão foi estudada a partir dos requisitos legais constantes na Consolidação das Leis do Trabalho e da análise de jurisprudências acerca do tema, bem como da ação civil pública, proposta pelo Ministério Público do Trabalho/SP, em face dos aplicativos de entrega de mercadorias.

Palavras-chave:  Entregadores. Plataformas Digitais. Vínculo Empregatício.


1 Introdução

O presente trabalho analisa a relação de trabalho entre os entregadores de mercadorias via aplicativos e as respectivas empresas contratantes, visando constatar se existe ou não um vínculo empregatício nos moldes da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT.

Em que pesem alguns entendimentos diversos na doutrina, para se configurar o vínculo trabalhista, a CLT determina os requisitos essenciais constantes nos arts. 2º e 3º, ou seja, a subordinação, a onerosidade, a pessoalidade, a prestação por pessoa física, bem como a não eventualidade.

Na sociedade tecnológica e informacional da atualidade, o serviço de entrega por aplicativos tornou-se algo essencial. O avanço tecnológico possibilitou o surgimento dos aplicativos móveis, mais conhecidos como Apps e, com isto, surgiram as empresas de entrega de vários produtos, em especial, de alimentos.

Tais empresas atuam na prestação de serviços digitais na área de transporte e, por meio de aplicativos gratuitos instalados em celulares, permite-se que usuários encontrem restaurantes e estabelecimentos, onde solicitam suas refeições.

Por outro lado, as entregas são realizadas por entregadores que se cadastram nestas plataformas de entregas. Os entregadores cadastrados nesse aplicativos não cobram a corrida diretamente do usuário consumidor, pois este paga o valor final, cobrado via cartão de crédito. Já o entregador recebe, posteriormente, uma remuneração diretamente da empresa contratante, observando-se, na formação dos preços, uma relação entre as ofertas de entregadores e a demanda dos usuários consumidores, bem como da duração e distância da entrega.

Por certo que o usuário consumidor do aplicativo o faz, além da comodidade, por acreditar que a relação com o entregador será intermediada por uma empresa estruturada, séria, que valida e chancela que determinada pessoa está qualificada para prestar aquele serviço, independente da natureza jurídica da relação entabulada entre empresa e entregador.

Assim, a partir do estudo realizado, percebe-se que não se sustenta a tese de que não há qualquer relação de subordinação entre as empresas dos aplicativos e os entregadores, além da hipossuficiência econômica, jurídica e técnica desses últimos.  Ainda que se tente subtrair da seara trabalhista, como, por exemplo, banir do sistema os entregadores, que não atendam aos critérios estabelecidos previamente para a plataforma, ou a inserção de as cláusulas unilaterais registradas nos “termos e condições” para uso do aplicativo, verifica-se que fazem parte de um contrato meramente adesivo.

É necessário regular essa relação, pois existe um nível de subordinação entre os entregadores e as empresas por aplicativos. Aquele, por exemplo investe na compra de um veículo mais ágil e essa pode desligá-lo sem maiores explicações, restando sem proteção nenhuma quanto aos seus direitos trabalhistas.

Além de formalmente não se reconhecer o vínculo laboral nas relações entre os entregadores e as empresas de aplicativos, o que se observa, na prática, é a instabilidade jurídica e, por vezes, a imposição de óbices infundadas sobre a execução de tais atividades, os quais sobressaltam, inclusive, aos interesses previamente firmados entre as partes.

Assim, apesar de não ter uma legislação específica, já existem decisões que reconhecem o vínculo trabalhista entre as empresas de aplicativos e os entregadores, por preencherem todos os requisitos presentes no art. 3º da CLT.

A grande discussão na Justiça do Trabalho, entretanto, é identificar qual o vínculo entre as duas partes e, para solucionar o impasse, especialistas apontam a necessidade de uma regulamentação própria, sendo urgente que o legislador o faça.


2 Relação de trabalho e vínculo empregatício: conceitos e características

2.1 Da relação de trabalho: natureza jurídica

Em linhas bem gerais, o Direito Público é o conjunto de normas que regula as atividades e as funções entre Estado, particulares e servidores. Já o Direito Privado é o conjunto de normas que disciplinam as relações privadas, estabelecidas entre particulares. Por fim, o Direito Misto é o conjunto de normas jurídicas que possuem natureza pública e privada como, por exemplo, a hipótese da regulamentação das relações dos produtores e consumidores ou dos empregados e empregadores.

Assim, a natureza jurídica da relação de trabalho é dividida em Direito Público, Privado ou Misto. GARCIA (2010, p.129) afirma:

No Direito do Trabalho observam-se diversas normas de caráter cogente, ou seja, com natureza de ordem pública. Isso, no entanto, não significa que o Direito do Trabalho seja considerado Direito Público, pois, não regula, de forma preponderante, a atividade estatal, nem o exercício de seu poder de império. O caráter imperativo de certas normas jurídicas, apenas significa a relevância para a sociedade, na sua observância.

Conforme DELGADO (2010, p.45,46),

Nesse debate teórico, o Direito do Trabalho já foi classificado como componente do Direito Público por autores de distinta especialização jurídica. Prepondera, hoje, entretanto, a classificação do ramo justrabalhista no segmento do Direito Privado. Há autores, contudo, que consideram esse ramo jurídico inassimilável a qualquer dos dois grandes grupos clássicos enquadrando-se em um terceiro grupo de segmentos jurídicos, o Direito Social.

Com efeito, BARROS (2010, p. 92) analisa tal assunto, e conclui que “os conceitos poderão ser reunidos em três categorias, intituladas subjetiva, objetivas ou mistas, conforme o pensamento filosófico, político ou social dos autores e o momento histórico da sua elaboração”.

Apesar de haver uma interferência clara de direito público na relação de trabalho, a melhor doutrina classifica a sua natureza jurídica como sendo de direito privado, pois, não se pode afirmar que a relação de trabalho pertença ao direito público, porque a vontade das partes ainda compõe grande parte das regras da relação de trabalho e o Estado não regula, de maneira predominante essa matéria, mas, tão somente, estabelece parâmetros mínimos que as partes devem seguir.

2.2 Do vínculo empregatício

A relação de trabalho é um gênero e a relação de emprego é uma espécie. Toda relação de emprego é uma relação de trabalho, mas nem toda relação de trabalho é uma relação de emprego. Na relação de emprego, há um vínculo jurídico estabelecido entre as partes, o empregado pessoa física de um lado e, do outro, o empregador, que pode ser uma pessoa física ou jurídica. Para a existência desse vínculo, que une o empregado ao empregador na execução de uma obra ou prestação de serviços, deve haver a presença dos requisitos, que estão constantes na CLT, em seu art. 3º.

O vínculo empregatício é a relação que existe entre o empregador e o empregado, configurada pela existência de alguns requisitos legais. Isso quer dizer que nem sempre que uma pessoa presta serviço à outra há um vínculo empregatício. Portanto, esse trabalhador não terá todos os direitos previstos na CLT. O início dessa relação se dá com a anotação na Carteira de Trabalho e o contrato será regido pela CLT, garantindo-se, assim, ao empregado seus direitos trabalhistas. BALBINOTI (2017, p.21) afirma:

Já a relação de emprego é mais específica e estabelece o vínculo de emprego e empregador; nesse caso, o trabalhador tem, obrigatoriamente, sua carteira de trabalho assinada e seu contrato de trabalho redigido pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). O contrato de trabalho com vínculo de emprego caracteriza o que chamamos contrato individual de trabalho.

É de extrema importância que os requisitos sejam cumpridos, para que o vínculo trabalhista ocorra de fato.

2.2.1 Caracterização do vínculo empregatício e suas formas de contratação

Em que pese alguns entendimentos diversos da doutrina, para se configurar o vínculo trabalhista, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) determinou alguns requisitos essenciais e que estão constantes nos arts. 2º e 3º.

Com a reforma trabalhista, aprovada em 11 de novembro de 2020, além das tradicionais, carteira assinada, trabalho temporário, trabalho parcial, estágio e jovem aprendiz, foram estabelecidas novas novas formas relação de trabalho, tais como:

a) Terceirizados para atividade-fim: o empregador pode contratar equipe e funcionários de empresas terceirizadas para executar qualquer função dentro da empresa. Para PIPEK; DUTRA; MAGNO (2017, p.12), a “terceirização do trabalho é o processo pelo qual uma empresa contrata outra instituição para realizar determinada atividade”.

b) Trabalhadores remotos: São os trabalhadores que atuam fora da empresa e em home office. As regras para esta contratação são estabelecidas em acordo individual entre empresa e profissional, sendo o seu controle realizado por produtividade. Caso necessite o comparecimento do empregado na empresa, isso não descaracterizará o home office, conforme esclarecem FINCATO;STURMER (2019, p.15):

O comparecimento do empregado às dependências do empregador para a realização de atividades específicas que exijam a sua presença não descaracteriza o tele trabalho. Por ser um tipo de trabalho especial, a prestação de serviços na referida modalidade deverá constar expressamente do contrato individual de trabalho, que especificará as atividades a serem realizadas pelo empregado.

c) Trabalhadores intermitentes: O profissional recebe por jornada ou hora de serviço, com direito a férias, FGTS, INSS e 13º proporcionais e registro em carteira. O cálculo do valor exato será baseado no salário compatível com o cargo. PIPEL;DUTRA;MAGNO (2017, p.44) afirmam:

No trabalho intermitente, o empregado é regularmente contratado, com registro em carteira, com todos os direitos garantidos, mas em um sistema mais flexível de trabalho. No trabalho intermitente, as empresas poderão contratar um empregado para trabalhar esporadicamente e pagá-lo apenas pelo período durante o qual prestou seus serviços, ou seja, pelo tempo efetivamente trabalhado.

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d) Trabalhadores Eventuais (freelances): É a prestação de serviços esporádica e de curta duração. A contratação é realizada sem vínculo empregatício, e o pagamento é realizado pelos serviços prestados em comum acordo, nos termos da lição de AMARO (2020):

De modo geral, o contrato eventual é caracterizado como aquele em que o trabalhador presta serviço de maneira esporádica, sem que haja vínculo empregatício entre ele e a empresa, ou seja, sem contrato ou carteira assinada.

e) Trabalhadores autônomos: As empresas podem contratar profissionais liberais, podendo os mesmos prestar o serviço mesmo sem ter empresa aberta. Este trabalhador pode ser considerado um freelance, porém, será contratado como pessoa física e não jurídica. O trabalhador assume os riscos do serviço e não é subordinado a nenhum tomador de serviço. Para PIPEK; DUTRA; MAGNO (2017, p.47), “o trabalhador autônomo é aquele profissional que exerce sua atividade sem vínculo empregatício, por conta própria, de forma eventual e não habitual, e assumindo os riscos de sua atividade econômica”.

Com a reforma trabalhista de 2020, a legislação evoluiu para acompanhar as relações de trabalho e tanto o trabalhador como o empregador, em algumas situações, podem se beneficiar com a flexibilidade nos contratos.

2.2.2 Dos requisitos formadores do vínculo empregatício

Os elementos fáticos-jurídicos necessários à configuração do vínculo empregatício estão positivados na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), sendo eles a prestação por pessoa física ou natural, a pessoalidade, a onerosidade, a subordinação e a continuidade ou não eventualidade.

De acordo com o art. 3º da CLT, tem-se o vínculo empregatício quando presentes esses cinco quesitos do vínculo: “Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário”.

Conforme salienta ALMEIDA (2014, p. 44), “os requisitos da relação de emprego são cumulativos. Sendo assim, a falta de um deles descaracteriza o vínculo empregatício”. Nesse mesmo sentido, PRAZERES (2018, p. 53) ao ensinar que “a relação de trabalho ocorre quando algum dos requisitos do art.3º da CLT não é preenchido, ou seja, basta que um, e apenas um, daqueles critérios não seja suprido para que tenhamos uma relação de trabalho”.

O trabalho por pessoa física ou natural é requisito para que se configure o vínculo empregatício. O elemento da pessoalidade, é analisada a partir das substituições feitas ou não à pessoa do prestador, pois é intransferível a prestação assumida pelo empregado, sendo ele completamente pessoal. ALMEIDA (2019, p.43) afirma:

Por fim, cumpre relembrar que todo empregado será sempre pessoa física e nunca pessoa jurídica, pois uma relação de pessoa jurídica para pessoa jurídica pode se estabelecer na esfera cível ou até mesmo comercial, mas nunca trabalhista.

No elemento da onerosidade, o objetivo é a contraprestação econômica pelo trabalho, sendo que os serviços devem ser remunerados. O direito ao pagamento é indisponível.

De acordo com este requisito, o trabalho voluntário é suficiente para que se retire o caráter empregatício da relação, lembrando que este tipo de combinado deve estar previsto no Contrato de Trabalho e estar totalmente de acordo com as demais regras legais. Para ALMEIDA (2019, p.44) “não existe vínculo de emprego voluntário, ou seja, gratuito. Toda prestação de emprego presume uma contraprestação salarial”. Assim, na onerosidade, há o percebimento de remuneração em troca dos serviços prestados pelo empregador, nos termos da lição de  PRAZERES (2018, p.55):

O salário é, sem dúvida, fator de grande importância no contrato de trabalho, pois o dever do empregado é prestar os serviços, ao passo que do empregador é pagar os salários. É a parte onerosa como resultado da prestação dos serviços, tendo em vista que não existe contrato de trabalho gratuito.

Já no elemento da subordinação, o empregado trabalha sob a dependência do empregador. O empregado assume compromisso de serviço por meio de contrato, ficando subordinado às determinações do empregador, e deverá acatá-las com zelo e qualidade. Existe poder de direção do empregador e a subordinação é técnica, econômica e jurídica. Desse modo, a subordinação consubstancia-se na submissão às diretrizes do empregador, que determina o lugar, a forma, o modo e o tempo da execução da atividade. PRAZERES (2018, p.55) afirma:

A CLT, usa a expressão “dependência”. Entretanto, o que prevalece é a subordinação jurídica do empregado ao empregador, tendo em vista que o empregador tem sempre o poder de aceitar ou não o resultado dos serviços prestados pelo empregado, o qual deverá ser desenvolvido segundo as determinações técnicas do empregador ou seu preposto, pois não cabe ao empregado escolher onde e como vai trabalhar no ambiente de trabalho.

Por fim, na continuidade ou não eventualidade, o serviço é prestado de forma habitual e o Contrato de Trabalho de trato sucessivo. O empregado tem, em sua função, uma rotina de trabalho em qualquer dia da semana.

Na não eventualidade, o contrato gera uma continuidade na prestação de serviço, o que mantém uma regularidade no desenvolvimento da atividade em benefício do empregador, conforme ensina ALMEIDA (2019, p.43):

O presente item não se caracteriza somente pela diariedade do serviço prestado, mas sobretudo pela expectativa que o empregador tem pertinente ao retorno do empregado ao local de labor. Assim, havendo essa expectativa de que seu empregado voltará em determinado dia à empresa, estará caracterizada a habitualidade.

Com isso, para se caracterizar o vínculo trabalhista, faz-se necessário o preenchimento dos requisitos da pessoalidade, pessoa física, onerosidade, subordinação, continuidade ou não-eventualidade, devendo cada caso ser analisado sob a ótica de tais pressupostos para a caracterização do vínculo de emprego.

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