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Crime militar de tortura: Inconstitucionalidade da decretação automática da perda do posto e patente de oficial ou da graduação da praça por juiz de primeiro grau da Justiça Militar

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25/05/2021 às 13:50
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5 CONCLUSÃO

Como demonstrado, crimes de tortura caracterizam violência abjeta que não pode ser admitida em um Estado Democrático de Direito em que existem garantias fundamentais de salvaguarda do cidadão. A violência da tortura é um ato de incivilidade que afeta direitos inderrogáveis da pessoa, além de caracterizar violação grave dos direitos humanos.

A racionalidade do “Século das Luzes” negou veementemente a tortura e exteriorizou a barbárie institucionalizada nas leis do Estado que admitiam a prática de sevícias a fim de alcançar confissões.

A evolução das sociedades e o reconhecimento de que a tortura, ainda que rechaçada como conduta nefasta, se fazia presente no corpo social, fez surgir Convenções e Pactos de Direito Internacional para proibi-la e concitar os Estados a formularem leis mais rigorosas e efetivas.

A Constituição Federal recebeu esses influxos e proibiu expressamente a tortura, fixando, ainda, mandado de criminalização que culminou com o advento da Lei 9.455/1997. A Lei de Tortura, em sua origem, tipificou condutas que a doutrina e a jurisprudência pátria caracterizaram como crimes comuns.

Dessa forma, independentemente da qualidade do agente dos graves crimes de tortura, militar ou civil, a competência para o processo e julgamento era da Justiça comum. Cabendo ainda a decretação automática da perda do cargo, função ou emprego público.

As alterações produzidas pela Lei 13.491/2017, no Código Penal Militar, fez surgir situações jurídicas novas e bipartiu a natureza jurídica do crime de tortura. Agora, a depender da incidência das hipóteses legais, pode-se se ter:

I) crime comum de tortura ou

II) crime militar de tortura.

Cabe anotar que a gravidade dos crimes de tortura reclama medidas efetivas e céleres. A inoperância estatal em nada contribui para a extirpação desse câncer da nossa sociedade. Ocorre que celeridade não é sinônimo de atropelo e efetividade não é lastro para ilegalidades. Assim, o processamento e julgamento dos crimes de tortura, sejam eles comuns ou militares, devem estar balizados na Constituição e nas leis. Sobre o pretexto de condenar autores de condutas graves e reprováveis como a tortura, não pode o julgador ignorar as próprias regras e garantias fundamentais, sob pena de se transformar em um verdadeiro verdugo.

Diante disso, a prática de crime de militar de tortura enseja uma análise para além da lei. A Constituição Federal é o ponto de partida e o limite do julgador. Assim, a decretação automática da perda do posto e patente de oficial ou da graduação da praça por juiz de primeiro grau da Justiça Militar é inconstitucional, salvo na hipótese de ser o autor praça das Forças Armadas.


REFERÊNCIAS

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Sobre o autor
Joaquim Manoel Alves Cardoso

Advogado. Oficial da reserva da PMMG

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARDOSO, Joaquim Manoel Alves. Crime militar de tortura: Inconstitucionalidade da decretação automática da perda do posto e patente de oficial ou da graduação da praça por juiz de primeiro grau da Justiça Militar. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6537, 25 mai. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/90761. Acesso em: 28 mar. 2024.

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