Capa da publicação Terras indígenas e marco temporal: o que a Constituição diz?
Capa: Oscar Pereira da Silva / Museu Histórico Nacional

Demarcação das terras indígenas e o marco temporal.

O que a Constituição diz ?

Leia nesta página:

O STF está prestes a julgar uma importante questão, que está a causar extenso debate no seio social, o marco temporal das demarcações das terras indígenas. O presente artigo tenta destrinchar esse fato, trazendo a luz da Constituição.

O STF está prestes a julgar o marco temporal da demarcação das terras indígenas, por meio do Recurso Extraordinário 1.017.365. Esse é um tema que aflora diversas discussões, muitas das quais com um bom sentido, mesmo que conflitantes, o que por si, já demonstra a importância desse fato e a necessidade de um debate profundo a respeito do que pode acontecer, seja com uma decisão favorável ao marco temporal ou contra.

O artigo tenta analisar esse fato e pretende esclarecer as dúvidas mais pertinentes a respeito do tema, traçando um norte para o que pode vir a ocorrer à luz do contexto e da Constituição.

Os conflitos que perfazem essa questão traz de um lado os indígenas, que exigem o direito à demarcação de suas terras e do outro os ruralistas, o agronegócio e pequenos agricultores, que estão presentes nessas terras e que caso a demarcação seja chancelada pelo poder judiciário, terão que ser retirados.

Algumas perguntas devem ser respondidas para melhor elucidar o tema.


1. O que é marco temporal ?

É a interpretação jurídica que afirma que as terras indígenas só poderiam ser reivindicadas pelos índios se eles estivessem presentes nelas na data de 5 de Outubro de 1988, a data da promulgação da atual Constituição ou em processo de litígio judicial na mesma data, dando assim o direito de demarcação às terras já ocupadas até o referido tempo.


2. Qual o contexto fático ? E por que tanta polêmica ?

Historicamente todo o território brasileiro era indígena, isso é um fato, o que hoje são as grandes metrópoles brasileiras, eram, num passado remoto, grandes posses indígenas, e se a tese do marco temporal for rejeitada pelo Supremo, havendo provas concretas de que uma determinada tribo requerente ocupava determinada região do país, as terras terão que ser obrigatoriamente demarcadas, com o despejo dos atuais moradores.

Hoje os que são a favor do marco temporal afirmam que tal decisão trará uma grande insegurança jurídica e prejudicará não só os grandes empresários do agronegócio, mas também muitos pequenos produtores, que terão de deixar suas pequenas terras, o que traria um prejuízo inimaginável para essas pessoas.

Outro fato importante é que atualmente 14% do território brasileiro é demarcado como terra indígena, quase o dobro da área destinada ao agronegócio, que querendo ou não, é um setor importantíssimo para o país, que gera emprego e alimenta milhões de pessoas, não só no Brasil mas em diversos países do mundo. Com a derrubada do marco temporal, muitas dessas terras destinadas à plantação, terão que ser reintegradas ao patrimônio indígena.

Por outro lado, e isso é notório, os povos indígenas sofreram um massacre e uma avalanche de arbitrariedades, que os retirou de seus territórios de maneira violenta, principalmente no período anterior à promulgação da Constituição Federal de 1988. Seria justo, observando esse fato, definir um marco temporal ?

Mas, apesar do contexto fático ser importante para entendermos um pouco dessa situação, a resposta final será dada pela Constituição, interpretada por seus guardiães, no caso o STF.


3. Mas o que diz a Constituição e qual será a decisão final do Supremo ?

Não estou aqui tentando prever nenhum futuro, mas levando em conta a decisão do relator, ministro Edson Fachin, que votou contra o marco temporal, além do contexto social a favor da causa indígena, em sua grande maioria; dificilmente o plenário decidirá diferente, além de que, em nossa humilde opinião, a Carta Magna de 1988, em seu Artigo 231 § 4º , define que de fato não há a possibilidade de se definir um marco temporal, vejamos :

Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.

§ 4º As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis.

Ora, se os direitos sobre as terras indígenas são imprescritíveis, por que se falar numa data limite ? Se há provas concretas que uma determinada terra foi de uma determina tribo indígena, não pode haver definição de tempo para se garantir o direito à demarcação, seja hoje, no dia 5 de Outubro de 1988 ou daqui a 10 anos, esse direito é imprescritível, for força de nossa Constituição e isso está extremamente claro.

Vale salientar que é uma decisão que trará alguns problemas, que deverão ser resolvidos pelo próprio judiciário em momento oportuno, quando provocado, a exemplo das indenizações, que deverão ser pagas a quem de boa-fé adquiriu as terras que virão a ser demarcadas. Ninguém pode sair prejudicado, principalmente os pequenos produtores, que necessitam do trabalho para sobreviver, esses não podem ficar à míngua, devendo haver uma resposta justa para essa pessoas.

Concluímos assim que a Constituição Federal em seu Artigo 231 § 4º, define que não há a possibilidade de um marco temporal, e que a decisão do Supremo deverá ser a de julgar procedente o Recurso Extraordinário 1.017.365, interposto pela FUNAI.

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Sobre o autor
Bruno Vinicius Barbosa Silva Leite

Assessoria e consultoria para pessoas físicas e jurídicas, em Direito Trabalhista, Cível e Criminal

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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