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Violência doméstica:

possibilidade jurídica da nova hipótese de prisão preventiva à luz do princípio constitucional da proporcionalidade

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21/12/2006 às 00:00
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(I) Noutro giro, não há equivalência material entre as situações de quem opte por lesar o patrimônio mediante violência ou grave ameaça superiores ao necessário à incidência da norma penal incriminadora, ou em relação àquele já imerso no mundo dos crimes graves, e o homem que, abusando da relação de amor, hospitalidade ou afetividade, enfim, da intimidade com a mulher vítima, lesione sua personalidade nos mais diversos aspectos, tal como disciplinado na Lei Maria da Penha.

Apesar disso e ainda assim, há diferenciado juízo de reprovação da conduta que, cada exemplo a seu modo e consoante as possibilidades legais, importa em elevada desaprovação da conduta e de seu resultado.

Em sede de criminalização primária já foi prevista pena maior para a lesão corporal leve praticada em situação de violência doméstica, de modo que, no mais das vezes, não se poderá bradar a periculosidade do agente como móvel da prisão preventiva.

Mas a lei, atenta, talvez, a isso e à disciplina da proteção dos direitos humanos, elegeu paradigma diferente para a aferição da necessidade da prisão cautelar: a efetividade das medidas de proteção.


(J) A ponderação entre a sanção eleita para a conduta optada e os rigores da medida cautelar – por obra do princípio da proporcionalidade ou, na visão de PAULO RANGEL, também do princípio da homogeneidade – deve ser mitigada à vista da ponderação entre a dignidade da mulher (e seus filhos [36]) – expressamente referida na Lei 11.340/06, na Constituição Federal e em diversos diplomas de Direito Internacional ratificados pelo Brasil –, a dignidade do agressor eventualmente levado à prisão e o efetivo acesso à Jurisdição.

Pois bem, a "nova lei fundamenta-se em normas diretivas consagradas na Constituição Federal (art. 226, § 8º), na Convenção da ONU sobre Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher e na Convenção Interamericana para Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Preâmbulo e art. 1º). Seu fundamento político-jurídico, portanto, é admirável e difícil de ser contestado" [37].

Fato que avulta em pertinência e relevância quando se observa que é direito fundamental até então implícito [38] a integridade físico-psíquica da mulher. Tal integridade, elemento do fundamento da República positivado no inciso III do art. 1º da Constituição Federal, é direito fundamental no aspecto formal e material também, conforme lição de INGO WOLFGANG SARLET [39].

Consoante esse entendimento é a lição de LUIZ VICENTE CERNICCHIARO:

A Constituição de 1988, a exemplo das anteriores, relacionou direitos e garantias. A atual faz questão de arrolar direitos individuais e sociais. Em seguida, acrescentou que a especificação não excluía outros direitos e garantias decorrentes do regime e dos princípios adotados. A doutrina classifica-os, respectivamente, direitos ou poderes explícitos e direitos ou poderes implícitos. Melhor chamar os últimos de ‘inonimados’.

Pontes de Miranda noticia que a inspiração foi a Emenda IX à Constituição dos Estados Unidos da América, fonte também do art. 33 da Constituição da República Argentina e, através da Constituição brasileira de 1891, da Constituição de Portugal. O que se diz é que – os termos são os da Constituição americana – a enumeração de alguns direitos na Constituição não pode ser interpretada no sentido de excluir ou enfraquecer outros direitos que tem o povo.

A Constituição garante o direito à vida (art. 5º). Não menciona, expressamente, o direito à integridade corporal [e moral, pois o que se assegura, para além da vida, e uma vida digna]. Todavia, o resguardo é o mesmo. A vida é preservada em atenção ao homem. Não se pode pensar o homem sem integridade anatômica e funcionamento fisiológico [40].

Assim é que, ao consagrar a tutela dos direitos humanos da mulher em situação de violência doméstica e ao prever a prisão cautelar do agressor como medida apta a possibilitar a efetividade das medidas de proteção, a Lei 11.340/06 positivou ação afirmativa absolutamente necessária ante a insuficiência dos instrumentos disponibilizados pelos demais ramos do Direito.

A experiência nazista revelou a insuficiência da previsão de direitos, evidenciando, a um só tempo, a necessidade de garantias e a conveniência, necessidade mesmo, de uma liga de nações e de um instrumental internacional apto a por termo às pretensões totalitárias dos Estados Nacionais e aos desrespeitos à vida humana, única, por isso, digna.

Mas de nada vale as amarras postas ao Poder Legislativo e a percepção da transcendência do princípio da razoabilidade, se o julgador, o intérprete de uma forma geral, pautar sua atuação, nas palavras de MOREIRA ALVES, por uma percepção e interpretação fantasmagórica do Direito, pela qual:

Põe-se ênfase nas semelhanças, corre-se um véu sobre as diferenças e conclui-se que, à luz daquelas, e a despeito destas, a disciplina da matéria, afinal de contas, mudou pouco, se é que na verdade mudou. É um tipo de interpretação (...) em que o olhar do intérprete dirige-se antes ao passado que ao presente, e a imagem que ele capta é menos a representação da realidade que uma sombra fantasmagórica [41].

É de se considerar, portanto, existir "garantia sempre em face de um interesse que demanda proteção e de um perigo que se deve conjurar", como leciona PAULO BONAVIDES.

A garantia não se confunde com o direito subjetivo, pois, em relação ao sujeito, consiste em "estabelecer uma proteção direta e imediata aos direitos fundamentais, por meio de remédios jurisdicionais próprios e eficazes" [42].

Disso entendemos possível concluir não haver óbice lógico-jurídico em assegurar direito subjetivo a um determinado grupo de indivíduos garantido pela restrição de direito correlato, atribuído a outro grupamento de sujeitos.

Pois bem, a prisão cautelar do agressor é, sem dúvida, garantia do direito fundamental da mulher vitimada em sua integridade – implícita ao direito fundamental à vida.

E não há reprovação que se possa fazer por se estar a comprimir o direito a liberdade do agente. A opção do Legislador é voz legítima do interesse público e do povo, de que emana o Poder, e, portanto, deve preponderar.

Nesse sentido é a abalizada lição de DANIEL SARMENTO [43], que nos indica que ao Poder Judiciário – deficitário em legitimidade, como sabemos – somente é permitido ponderar valores caso perceba eventual inconstitucionalidade ou vazio legislativo:

O uso do método de ponderação pressupõe a inexistência de regra legislativa específica, resolvendo o conflito entre princípios constitucionais. A presença de norma infraconstitucional deste teor inibe o juiz de efetuar a ponderação, uma vez que ele terá de acatar aquela realizada de antemão pelo legislador, a não se quer a considere inconstitucional [44].

No caso, não há vazio legal, a norma está ai clamando, assim como a realidade, as vítimas da violência e suas famílias, por aplicação.

E não há inconstitucionalidade. Caso assim fosse, incidiria o art. 481 do CPC a determinar a análise da questão, no caso desse E. TJDFT, pelo Órgão Especial, pois não há precedente a informar ser inconstitucional a nova possibilidade de prisão preventiva:

PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO NÃO EMBARGADA. HONORÁRIOS. ART. 1º-D DA LEI 9.994/97. MP Nº 2.180-35. INCONSTITUCIONALIDADE. QUESTÃO NÃO SUBMETIDA À APRECIAÇÃO DO ÓRGÃO ESPECIAL. NULIDADE DO ACÓRDÃO.

1. Os Tribunais, no exercício do controle difuso de constitucionalidade, devem observar a norma dos arts. 97 da Constituição e 480-482 do CPC, que determinam a remessa da questão constitucional à apreciação do Órgão Especial, salvo se a respeito dela já houver pronunciamento deste órgão ou do Supremo Tribunal Federal.

2. (...)

3. Recurso especial a que se dá provimento.

(REsp 676.725/RS, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, julgado em 19.09.2006, DJ 28.09.2006 p. 198).


(L) De outra parte, a Emenda Constitucional 45, concessa venia, afastou a relevância da lição de FLÁVIA PIOVESAN [45] a respeito de que a Constituição Federal teria adotado sistema misto de integração dos Tratados Internacionais ao ordenamento interno: em se tratando de tratados sobre direitos humanos teríamos adotado teoria monista, segundo a qual a internalização seria automática; quanto às demais avenças internacionais ter-se-ia adotado a teoria dualista.

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Fez-se opção por essa última construção teórica, pois mesmo os tratados que versem sobre direitos humanos não têm aplicabilidade imediata, como entendia aquela autora ser decorrência dos §§ 1º e 2º do art. 5º da Constituição Federal, haja vista tratar-se de direitos fundamentais, pois devem submeter-se a procedimento legislativo próprio das emendas constitucionais para, após isso, adquirirem tal status.

Entretanto, o tema não perdeu sua relevância, haja vista julgamento ainda em andamento perante o Supremo Tribunal Federal da possibilidade jurídica – que, juntamente com o STJ, não admitimos – de prisão civil do depositário infiel [46], em que o Ministro Gilmar Mendes, não meramente à guisa de obter dictum, mas como ratio decidendi, salientou não se equiparar à legislação ordinária aquela proveniente de tratados e convenções internacionais, tais como os compromissos assumidos pelo Brasil perante a ordem internacional:

Em seguida, o Min. Gilmar Mendes acompanhou o voto do relator, acrescentando aos seus fundamentos que os tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil possuem status normativo supralegal, o que torna inaplicável a legislação infraconstitucional com eles conflitantes, seja ela anterior ou posterior ao ato de ratificação e que, desde a ratificação, pelo Brasil, sem qualquer reserva, do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (art. 11) e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos - Pacto de San José da Costa Rica (art. 7º, 7), não há mais base legal para a prisão civil do depositário infiel. Aduziu, ainda, que a prisão civil do devedor-fiduciante viola o princípio da proporcionalidade, porque o ordenamento jurídico prevê outros meios processuais-executórios postos à disposição do credor-fiduciário para a garantia do crédito, bem como em razão de o DL 911/69, na linha do que já considerado pelo relator, ter instituído uma ficção jurídica ao equiparar o devedor-fiduciante ao depositário, em ofensa ao princípio da reserva legal proporcional. Após os votos dos Ministros Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa, Carlos Britto e Marco Aurélio, que também acompanhavam o voto do relator, pediu vista dos autos o Min. Celso de Mello. RE 466343/SP, rel. Min. Cezar Peluso, 22.11.2006. (RE-466343).

Disso emana a extrema relevância, no âmbito do sistema global de proteção dos direitos humanos, da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, a assegurar a dignidade de todos, inclusive da mulher.

Na seara do sistema especial de proteção – a partir do qual se debruça sobre as particularidades e vicissitudes de grupos especialmente afligidos –, da Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, aprovada pelas Nações Unidas em 1979.

Destaca-se, ainda, a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher ("Convenção de Belém do Pará").

Todos esses instrumentos foram ratificados pelo Brasil e denotam a necessidade de um olhar atualizado acerca da violência contra a mulher, bem como das medidas cautelares previstas para assegurar sua integridade e efetividade das medidas positivas de proteção.

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Sobre o autor
Rodrigo da Silva Perez Araujo

Juiz Substituto do Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins, atualmente auxiliando na 2ª Vara Criminal da Comarca de Palmas-TO e respondendo pela Comarca de Novo Acordo (TO). Especializando em Direito Civil e Processo Civil pela UNIASSELVI.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ARAUJO, Rodrigo Silva Perez. Violência doméstica:: possibilidade jurídica da nova hipótese de prisão preventiva à luz do princípio constitucional da proporcionalidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1268, 21 dez. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9304. Acesso em: 24 nov. 2024.

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