RESUMO. O presente texto tem por finalidade precípua apresentar estudos perfunctórios sobre a ruralização do crime organizado no Brasil e suas nefastas consequências para o agronegócio. Visa ainda apresentar estudos avançados da vulnerabilidade das divisas abertas em Minas Gerais em relação a outros estados da Federação, fator que dificulta o combate à criminalidade organizada na zona de fronteiras, o que se faz necessário o fortalecimento das ações nas divisas a fim de combater eficazmente o crime organizado em todas as suas vertentes, tráfico de drogas, de armas de fogo e criminalidade rural.
Palavras-Chave. Crime; organizado; migração; ruralização; agronegócio; consequências.
SUMARIO. Notas introdutórias. 1. A migração do Crime organizado para a zona rural. 2. A Declaração de Copenhagen na defesa da indústria pesqueira. 3. O ranking nacional do crime de abigeato e seu enfrentamento do ilícito. 4. O objeto material do crimes. 5. A interestadualizacão do crime e as vulnerabilidade das fronteiras abertas. Reflexões finais. Referências.
NOTAS INTRODUTÓRIAS
O crime é um fenômeno social que provoca sérias consequências sociais em diversos aspectos, a começar pelo extremado abalo psicológico provocado na sociedade em face da ruptura das normas criadas pelo próprio ente estatal, em sua atividade de produção legislativa, sempre agindo em nome do povo para disciplina nas relações intersubjetivas, cujo fim colimado é a harmonização das expectativas sociais.
Assim, o primeiro abalo provocado pelo crime é a sensação de inoperância coletiva em razão da ausência de credibilidade dos órgãos responsáveis pela produção normativa e também dos órgãos incumbidos de manterem a rigidez normativo no Brasil. Outro aspecto que o crime provoca é quebra da paz social, inquietude vivida pelos familiares do autor e da vítima do crime, trazendo sentimento de perdas e desarmonia no seio da sociedade.
Sem sombras de dúvidas, além desses abalos deletérios, o crime provoca nefastos efeitos econômicos na sociedade, onerando sobremaneira a saúde pública em razão do tratamento das vítimas, notadamente, em seu aspecto psicológico, terapêutico, necessário para ajudar as vítimas a superarem os horrores oriundos do delito.
Depois dos prejuízos com a saúde pública, suportados por toda sociedade, advém por via de consequência os gastos com o aparelhamento dos órgãos de persecução criminal, aparato policial, Ministério Público, Defensoria Pública, Poder Judiciário, Conselho Tutelar e sistema penitenciário e socioeducativo, além de outros fatores socioeconômicos.
Não se desconsidere os gastos astronômicos suportados pela sociedade em razão da necessidade permanente de aprimorar e capacitar os agentes públicos para o enfrentamento eficaz ao crime organizado que cada vez mais oferece risco iminente e potencial para a sociedade, facções criminosas que inovam todos os dias em seu modus operandi, reinventando métodos e ações cada vez mais agressivos, a exigir do Poder Público permanente vigilância quanto aos novos mecanismos de agressão aos bens jurídicos, desde as ações com uso de armamentos mais sofisticados até o uso da tecnologia para ataques e violações aos interesses sociais, a ponto do ex-ministro Celso de Melo afirmar que o Brasil vive um momento extremamente grave pela atuação sinistra de delinquentes que vivem na atmosfera sombria e covarde do submundo digital, em perseguição ao estranho e perigoso projeto de poder, cuja implementação certamente comprometerá a integridade dos princípios sob quais se estruturam esta República democrática e laica.
Destarte, pretende-se oferecer reflexões sutis, mas jamais exaurientes, acerca da migração do crime organizado do meio urbano para o meio rural, preocupação de organismos internacionais que se reúnem para proteger seu modelo econômico e atacar a sanha criminosa, a exemplo da Declaração de Copenhagen, em que autoridades de países se reúnem para defesa da indústria pesqueira.
E ainda, tem-se por fim analisar o avanço do crime de abigeato e outros insumos agrícolas no Brasil e os mecanismos normativos instituídos na tentativa de agravar a resposta estatal aos delinquentes, que insistem em agredir agora os moradores da zona rural, subtraindo gados, defensivos agrícolas, fertilizantes, material de irrigação, material genético, maquinários agrícolas, além de outros bens materiais, suprimindo a tranquilidade do homem do campo e daqueles que buscam na zona rural a paz tão desejada, numa tentativa de fugir da caótica vida nas grandes cidades.
1. A migração do Crime organizado para a zona rural
Nos primórdios os criminosos agiam isoladamente, matando, furtando, roubando, estuprando, comercializando drogas, provocando lesões corporais, fazendo apontamentos de jogo do bicho, além de outras práticas nocivas para o tecido social. No máximo agiam em concurso de pessoas, artigo 29 do Código Penal. Depois de algum tempo, os indivíduos passaram a agir em grupos, com planejamento criminosa, ajustes sofisticados, oferecendo maior risco de periculosidade para a sociedade.
Agindo em grupo, com traços piramidais de comando e chefia, atos preparatórios capazes de oferecer riscos potenciais, coube ao legislador criar normas de punição mais severas, punindo, inclusive, os ajustes ilícitos, a exemplo da antiga previsão do crime de quadrilha ou bando, previsto no artigo 288 do Código Penal, hoje rotulado de associação criminosa, com nova redação e roupagem determinada pela Lei nº 12.850, de 2013, consistente em associarem-se 3 (três) ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes, prevendo pena de reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, sendo a pena aumenta-se até a metade se a associação é armada ou se houver a participação de criança ou adolescente.
Assim, a partir de alguns ajustes de acordo de vontade, surgem as facções criminosas, agora com previsão de hierarquia entre seus membros, divisão de tarefas e funções bem definidas, modelo empresarial de atuação, arrecadação de honorários de seus filiados, criação de código de ética, julgamento sumário de associados que violam as regras de boa convivência da organização, execução direta de suas decisões, investimentos na formação de advogados para o patrocínio de suas causas e defesa de seus associados, prestação de assistência material, médica, odontológica e social aos familiares dos partícipes, além de outros suportes logísticos.
O crime organizado possui facetas dinâmicas e acompanha a evolução dos tempos. Assim, é possível afirmar que o crime se organiza a partir de alguns traços sociais capazes de mudar a rotina de vida das pessoas. Começa praticamente com o cometimento de algumas condutas contravencionais de jogo do bicho e jogo de azar, no Rio de Janeiro, passando pela pirataria, tráfico ilícito de drogas, extorsão mediante sequestro, sequestro relâmpago, quadrilha ou bando, tráfico de pessoas, novo cangaço e nos dias atuais as facções criminosas atuam na chamada criminalidade rural.
Quanto à conduta contravencional, a Lei das Contravenções Penais, na verdade o Decreto-Lei nº 3688, de 03 de outubro de 1941, prevê as condutas ilícitas de jogo de azar e jogo do bicho, respectivamente no artigo 50 e 58, definindo a conduta humana em estabelecer ou explorar jogo de azar em lugar público ou acessível ao público, mediante o pagamento de entrada ou sem ele, conceituando a prática de azar, o jogo em que o ganho e a perda dependem exclusiva ou principalmente da sorte, as apostas sobre corrida de cavalos fora de hipódromo ou de local onde sejam autorizadas e as apostas sobre qualquer outra competição esportiva.
Por sua vez, o jogo do bicho é rotulado como explorar ou realizar a loteria denominada jogo do bicho, ou praticar qualquer ato relativo à sua realização ou exploração, pena de prisão simples, de quatro meses a um ano, previsto no CAPÍTULO VII, das contravenções relativas à polícia de costumes.
Essas práticas contravenções passaram a envolver outros fatores determinantes para o seu crescimento econômico e assim, migraram para o tráfico ilícito de drogas em especial nos aglomerados do Rio de Janeiro, e do tráfico de drogas, surgiram as grandes organizações criminosas no Brasil, notadamente no eixo Rio/São Paulo.
Diante desse quadro de migração, o legislador também se movimentou, modificando a legislação antidrogas, a começar pelo revogação da Lei nº 6368/76, que esteve em vigor no Brasil por 30 anos, tendo sido derrogada em princípio pela Lei Nº 10.409, de 2002, e depois revogada pela Lei nº 11.343/2006.
A principal modificação foi na quantidade de pena para o crime de tráfico de drogas. O artigo 12 da Lei nº 6368, de 76 previa pena de reclusão de 03 a 15 anos, e pagamento de 50 a 360 dias-multa. Com a entrada em vigor da Lei nº 11.343, de 2006, agora o tráfico de drogas é previsto precipuamente no artigo 33, pena e reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.
Outro crime de grande repercussão social é a pirataria, conduta prevista no artigo 184 do Código Penal, traduzido em violar direitos de autor e os que lhe são conexos, pena de detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa. Se a violação consistir em reprodução total ou parcial, com intuito de lucro direto ou indireto, por qualquer meio ou processo, de obra intelectual, interpretação, execução ou fonograma, sem autorização expressa do autor, do artista intérprete ou executante, do produtor, conforme o caso, ou de quem os represente, a pena será de reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa, ao passo que se a violação consistir no oferecimento ao público, mediante cabo, fibra ótica, satélite, ondas ou qualquer outro sistema que permita ao usuário realizar a seleção da obra ou produção para recebê-la em um tempo e lugar previamente determinados por quem formula a demanda, com intuito de lucro, direto ou indireto, sem autorização expressa, conforme o caso, do autor, do artista intérprete ou executante, do produtor de fonograma, ou de quem os represente, a pena será de reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.
As organizações criminosas avançam para uma nova prática, assustando a sociedade brasileira. Agora as quadrilhas passam a cometer sequestros de empresários e artistas nos anos 90, fazendo mister a modificação do artigo 159 do CP, que define o crime de extorsão mediante sequestro, consistente em sequestrar pessoa com o fim de obter, para si ou para outrem, qualquer vantagem, como condição ou preço do resgate, com pena de reclusão, de oito a quinze anos. Se o sequestro dura mais de 24 (vinte e quatro) horas, se o sequestrado é menor de 18 (dezoito) ou maior de 60 (sessenta) anos, ou se o crime é cometido por bando ou quadrilha, prevendo a maior mínima no ordenamento jurídico, se deste crime resultar a morte da vítima, no § 3º, pena de reclusão, de vinte e quatro a trinta anos. O § 4º do referido dispositivo legal, prevê o único caso de delação premiada no Código penal, assim, se o crime é cometido em concurso, o concorrente que o denunciar à autoridade, facilitando a libertação do sequestrado, terá sua pena reduzida de um a dois terços. E assim, nasce a Lei dos Crimes Hediondos, a formosa Lei nº 8072, de 1990.
Um tempo depois aparecem os casos de sequestro relâmpago no Brasil, também chamados de saidinha de banco ou crime do sapatinho. Mais uma vez, o legislador passa a modificar o Código Penal, agora modificando o § 3º do artigo 158 do CP, com nova redação determinada pela Lei nº 11.923, de 2000. Assim, se o crime é cometido mediante a restrição da liberdade da vítima, e essa condição é necessária para a obtenção da vantagem econômica, a pena é de reclusão, de 6 (seis) a 12 (doze) anos, além da multa; se resulta lesão corporal grave ou morte, aplicam-se as penas previstas no art. 159, §§ 2o e 3o, respectivamente.
Os criminosos, desafiando todas as expectativas dos especialistas em Segurança Pública e estudiosos no assunto, agora passam a invadir e sitiar cidades de todo o país, com introdução de modernas táticas de guerrilhas urbanas, explodindo caixas eletrônicos, com a implantando de uma verdadeira indústria do medo, usando indumentárias paramilitares, trajando uniformes, coturnos, luvas, balaclava, portando armamentos de grosso calibre, de uso privativo das Forças Armadas, atirando contra instalações policiais e militares, interrompendo instalações elétricas, suprimindo pontos de internet, colocando obstáculos nas vias públicas, incendiando carros da polícia, trocando tiros com as forças de segurança, utilizando-se de vítimas como escudo humano em cima de veículos na rota de fuga, deixando rastros de um filme de terror, introduzindo no país aquilo que se passou a chamar-se de novo cangaço.
Para enfrentamento processual, o legislador teve que modificar as normas de aplicação, em especial, no tocante aos crimes de furto e roubo. Nesse sentido, a Lei nº 13.654, de 2018, introduziu o § 4º-A, no artigo 155 do Código Penal, prevendo pena de reclusão de 4 (quatro) a 10 (dez) anos e multa, se houver emprego de explosivo ou de artefato análogo que cause perigo comum.
Por sua vez, o mesmo dispositivo legal introduziu o § 2º-A, do artigo 157, do CP, agora com pena aumentada de 2/3 (dois terços), se há destruição ou rompimento de obstáculo mediante o emprego de explosivo ou de artefato análogo que cause perigo comum.
Quando tudo parecia que os criminosos ficariam nas audaciosas práticas do novo cangaço, deixando um rastro de destruição por onde passam, com consequências deletérias para a sociedade, eis que agora as quadrilhas, altamente sofisticadas e especializadas migram para a zona rural, com toda estrutura delituosa, agredindo moradores do campo, aviltando, humilhando, ultrajando, aproveitando-se da fragilidade dos moradores, das esburacadas e bifurcadas estradas vicinais, da ausência da Polícia, das dificuldades para contato com os órgãos de segurança na cidade, ações profissionais que desafiam novamente as autoridades policiais, exigindo planejamento de ações estratégicas para debelar a ruralização do crime organizado no Brasil.
2. A Declaração de Copenhagen na defesa da indústria pesqueira
Recentemente, a comunidade mundial aprovou a título de colaboração internacional a Declaração de Copenhagen, denominada La Declaración Internacional sobre la delincuencia organizada transnacional en la industria pesquera mundial com nítida demonstração da preocupação com o crime organizado na indústria pesqueira que tem causado impacto sério na economia, distorcendo os mercados, prejudicando o meio ambiente e agredindo os direitos humanos.
Trata-se de iniciativa do governo da Noruega e do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. São 34 países destinatários da Declaração de Copenhagen, de 2018, como Benín, Chile, Costa Rica, Escocia, Islas Feroe, Fiji, Filipinas, Ghana, Groenlandia, Indonesia, Islandia, Kiribati, Liberia, Maldivas, Islas Marshall, Mexico, Mozambique, Myanmar, Namibia, Nauru, Noruega, Palaos, Islas Salomón, São Tomè y Principe, Seychelles, Sri Lanka, Sudáfrica y Timor Oriental. O Brasil celebrou o acordo em 22 de abril de 2021. Sabe-se que o crime organizado na indústria pesqueira inclui atividades como a pesca ilegal, corrupção, fraude fiscal e a lavagem de dinheiro, entre outros. Vale ressaltar que o Brasil tem o maior litoral do Oceano Atlântico Sul, com um total de 8,5 mil quilômetros de extensão.