Capa da publicação Assistência religiosa e controle social no sistema prisional do Espírito Santo
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Artigo Destaque dos editores

Religião e prevenção criminal.

O papel do Ginter na prestação de assistência religiosa e de controle social no sistema prisional do Espírito Santo

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16/01/2022 às 16:45
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Estuda-se o papel do Grupo de Trabalho Interconfessional da Secretaria de Justiça do Espírito Santo para controle social, ressocialização dos presos e prevenção de reincidência.

Resumo: O presente trabalho teve como objetivo discutir como a assistência religiosa pode servir na ressocialização dos presos e na prevenção de reincidência criminal, além de controle social, tendo como foco de investigação, o trabalho do GINTER (Grupo de Trabalho Interconfessional da Secretaria de Justiça do Espírito Santo). O sistema prisional visa tirar do convívio social àqueles que cometeram delitos, ou seja, infringiram a regras de convívio na sociedade. Entretanto sabe-se que por diversos motivos, os sistemas prisionais não têm conseguido realizar o papel de ressocializar esses indivíduos, o que faz com que esses, ao cumprirem suas penas, muitas vezes voltem a cometer delitos que os conduzem novamente aos presídios. A superlotação e condições de vida, nos presídios, muitas vezes provocam revoltas manifestadas em forma de rebeliões e cenas de violência e o processo de ressocialização fica cada dia mais distante. Perante esse cenário aparece a assistência religiosa, amparada pelas legislações vigentes, como forma de criação de vínculo entre esses indivíduos apenados e a sociedade, num espírito de solidário de humanidade. Sabe-se que a religião é um importante meio de controle social e quando o Estado não consegue alcançar determinadas funções, no caso a ressocialização carcerária, a assistência religiosa aparece e dentro das ideologias religiosas, procura fazer esse papel. Como forma de sistematização, o trabalho foi dividido em três capítulos, no primeiro foi apresentada a visão jurídica da prestação de assistência religiosa nos presídios com as normas jurídicas atinentes à prestação de assistência religiosa, a finalidade da pena e seus instintos de política criminal, além dos aspectos legais e sociológicos da capelania carcerária. No segundo capítulo foi discutido o entrelaçamento da sociologia e da religião dentro do Direito na busca da construção da paz social, observando a questão da religião como forma de coesão e controle social, tendo como bases teóricas Émile Durkheim e Michel Foucault, apesar das polêmicas existentes na questão de o controle social ser positivo ou negativo. O terceiro capítulo foi dedicado ao estudo do GINTER, seu papel e função na ressocialização do condenado. Como metodologia de trabalho será utilizada uma vasta pesquisa teórica sobre o assunto, incluindo teóricos como Emile Durkheim, que apresenta a perspectiva social da assistência religiosa e Foucault que apresenta a mesma como controle social. Apesar de serem perspectivas diferentes, não são antagônicas, uma vez que, o controle é uma das modalidades para a coesão da sociedade. Além da revisão bibliográfica foi feita uma pesquisa, através de um Estudo de Caso, com membros do GINTER, com a finalidade de analisar como funciona a prática da assistência religiosa nos presídios. Percebeu-se no presente trabalho que a assistência religiosa contribui no processo de ressocialização do condenado, melhorando os aspectos humanos e dando ao condenado uma perspectiva melhor de inserção ao convívio social, após o cumprimento de sua pena, mas cumpre muito mais uma função de preenchimento das lacunas deixadas pelo Estado na perspectiva das condições nas prisões que o sentido da religiosidade.

Palavras-chave: Assistência religiosa. Ressocialização. Condenados. Presídios.


A prisão não são as grades, e a liberdade não é a rua; existem homens presos na rua e livres na prisão. É uma questão de consciência.

(Mahatma Gandhi)


INTRODUÇÃO

O Grupo de Trabalho Interconfessional da Secretaria de Justiça do Espírito Santo (GINTER), atua na prestação de assistência religiosa e de controle social no sistema prisional do Espírito Santo como facilitador do diálogo entre os voluntários e os funcionários do sistema, otimizando a interlocução também com líderes de diversas religiões, além de gerenciar a atividade em todo o sistema prisional do Estado do Espírito Santo.

As atividades do GINTER vão desde o planejamento, reuniões e palestras, calendários, acompanhamentos e relatórios, além de capacitação de voluntários e acompanhamento de suas performances, junto com suas lideranças. Ainda, cabe ao GINTER aprovar os projetos e cadastros das instituições religiosas que atuam no sistema, com a utilização da religião como ponto central de enfoque para mudança do contexto social de pessoas encarceradas. Estas dependem de políticas públicas e sociais para a ressocialização e mitigação dos efeitos da pena corporal.

Para demonstrar ser correto o referencial teórico para uma visão garantista de processo penal, tendo como consequência o controle social no sistema prisional do Espírito Santo pela utilização da assistência religiosa aplicada pelo GINTER, logo no primeiro capítulo, será discutido sobre conhecimentos atinentes à liberdade religiosa no campo dos Direitos Humanos, vinculadas aos aspectos legais que englobam abordagem meticulosa sobre a prestação de assistência religiosa no cerne dos Tratados e Convenções Internacionais e do direito interno.

Dessa forma, em uma visão global sobre a liberdade religiosa e, dentro dela, a prestação de assistência religiosa nos presídios, será apresentada uma incursão desde a Declaração Universal dos Diretos Humanos de 1948 até a Convenção Interamericana de Direitos Humanos, documentos dos quais o Brasil é signatário, tendo compromisso inarredável no seu fiel cumprimento, e foco destinado ao enfrentamento de todo arcabouço jurídico a respeito do tema.

No campo do Direito Constitucional (direito interno), serão analisados com detida atenção os direitos e garantias fundamentais, máxime o insculpido na moldura do artigo 5º, que garante à inviolabilidade da liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias e a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva.[1]

Será destinada atenção especial, ainda no primeiro capítulo, à legislação especial, notadamente, a Lei de Execução Penal, que assegura a assistência religiosa ao preso e ao internado, como dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade. Serão analisados em tópicos específicos do primeiro capítulo aspectos gerais da pena, como a sua origem, o penalismo e a conformidade com o movimento iluminista, que lançou luzes sobre visões atrofiadas e retrógradas do encarceramento.

Além disso, busca-se apresentar estudos sobre a finalidade teológica da pena nos dias atuais e a questão das constantes rebeliões registradas nos presídios brasileiros, que causam enormes prejuízos de ordem material, econômica e sentimental. Ainda neste compasso, pretende-se empreender palmilhadas investigações sobre as políticas públicas preventivas para resolução ou mitigação dos problemas de motins e graves violações de direitos humanos.

É certo que a recuperação e reintegração social do preso são metas buscadas pelo Estado durante a execução da sentença penal condenatória. Como se verá, as leis brasileiras garantem a assistência religiosa no interior dos presídios, não havendo imposição no tocante a uma determinada religião, pela estrutura laica do Estado, que se apoia na neutralidade e imparcialidade, havendo nítida separação entre Estado e Religião. Esse modelo defende a liberdade religiosa a todos os seus cidadãos e não permite a interferência de correntes religiosas em matérias sociopolíticas e culturais, tudo isso visa garantir os preceitos maiores do império da lei.

A religião é tida neste trabalho como premente instrumento de recuperação do preso, como imprescindível na coesão de grupos e na obediência à ordem social, e, por isso, é dada abordagem a vários projetos de entidades que trabalham com assistência aos presos, com o GINTER, que encoraja pela assistência religiosa ao arrependimento dos encarcerados de seus crimes para prosseguirem para um novo caminho, com uma nova vida.

Assim o primeiro capítulo demonstrará a questão do direito a religião no âmbito dos Direitos Humanos e outras legislações concernentes ao Direito Internacional e Direito Interno, incluindo a Constituição Federal Brasileira e a Lei de Execução Penal, demonstrando ser a religião em vários aspectos constitutiva da identidade de muitos indivíduos, daí a importância na assistência religiosa nos presídios como parte do processo de ressocialização.

Num segundo momento, será desenvolvido importante capítulo sobre Sociologia e Religião, pois a sociologia permite uma visão peculiar sobre o encarceramento a influenciar o Direito, por meio de um sistema de coerção social e de formas de solidariedade – mecânica e orgânica, a primeira se baseia na consciência coletiva das sociedades primitivas, onde os indivíduos sentem fazer parte dela como um todo, como se fosse um ato robótico, mecanizado e a segunda se baseia na complexidade da vida moderna, por meio da divisão social do trabalho, onde a presença da vontade individual tem tendência de se forma o todo.

No trabalho, adere-se à filosofia do francês Durkheim, em razão da identidade de seu pensamento sociológico com o tema desta pesquisa, e assim, numa perspectiva ampla serão vistas questões sobre a religião e a coesão social na visão do sociólogo, o desenvolvimento de traços marcantes sobre a Teoria da Anomia, importantes estudos acerca do conceito de Crime na visão de Durkheim. As temáticas da religião e do sistema de controle social não passaram despercebidas pelo sociólogo, com destaque para a assistência religiosa no Sistema Prisional, como a praticada pelo GINTER, objetivo desta pesquisa.

Esta pesquisa é uma grande oportunidade de discorrer sobre alguns instrumentos de política criminal utilizadas pelo Estado do Espírito Santo, como se abordará o valioso instituto da capelania, e sua perfeita adequação como medida de políticas criminais, em seus aspectos legais e sociológicos.

No último capítulo, serão analisados, por meio de entrevistas realizadas com coordenador do GINTER e um dos membros, os dados obtidos acerca da prestação de assistência religiosa nos presídios do Estado do Espírito Santo, por meio deste Grupo de Trabalho Interconfessional da Secretaria de Justiça do Espírito Santo, visando alcançar ao desiderato que compõe o cerne principal da pesquisa, qual seja, a eficácia da prestação de assistência religiosa na ressocialização e prevenção de crimes.

O referencial teórico que ora e vale é extraído da sociologia correspondente a ideia de suas grandes ciências sociais a serviço da promoção da harmonia da humanidade, Sociologia e Religião, na constante busca pela promoção e construção da paz na sociedade, vinculando, destarte, o referencial teórico à ciência aplicada no Direito Penitenciário com vista a prevenir condutas ilícitas de um lado e reintegrando, socialmente, a quem tenha trilhado pelo submundo do crime.

Como profissional que atua na área da justiça, por diversos anos, os constantes motins e rebeliões que subvertem a ordem púbica, com nefastas consequências sociais, obrigam-me a perceber a premente necessidade de implementação de políticas públicas para contenção do problema. Assim o panorama de prestação religiosa como poderoso instrumento de política criminal a permitir o enfrentamento da questão, conduzem-me a acreditar na necessidade de maiores pesquisas sobre o assunto e discussão da necessidade de implementação desse instrumento num número maior de penitenciárias e presídios pelo país.


1 VISÃO JURIDICA DA PRESTAÇÃO DE ASSISTÊNCIA RELIGIOSA NOS PRESÍDIOS

A prestação religiosa nos estabelecimentos penais do Brasil é considerada direito fundamental, com previsão em Tratados e Convenções Internacionais e nos diversos instrumentos legais que compõem o ordenamento jurídico pátrio. Nesse sentido, faz-se necessário abordar neste capítulo acerca das diversas previsões legais sobre a prestação religiosa no interior dos presídios brasileiros.

Assim, nessa parte do trabalho serão apresentados alguns Tratados Internacionais que garantem a assistência religiosa nos presídios, sendo essa assistência uma garantia dos Direitos Humanos no que tange a liberdade de ter e manifestar uma religião.

Na perspectiva de discutir sobre a pena e suas finalidades será feita uma breve abordagem histórica de apresentação do conceito e as várias percepções sobre a finalidade da pena, incluindo a prorrogativa ressocializadora que teve seu início com a nova visão sobre o homem, trazida pelo Iluminismo.

Finalizando o capítulo serão analisados o campo religioso das prisões, em seus aspectos legais e as características que fazem desse campo singular, ou seja, quais as características próprias desse espaço.

Para iniciar o capítulo serão apresentadas normas jurídicas que garantem a liberdade religiosa, incluindo em situações coercitivas, esse início tem como principal objetivo demonstrar como a religião está associada a vida do ser humano, nas mais diversas situações.

1.1 As normas jurídicas atinentes à prestação da assistência religiosa nos presídios.

A religião está presente em vários aspectos da vida humana, sendo, inclusive, criadas leis que garantam ao ser humano esse direito. Nessa perspectiva foram criadas legislações que permitam ao indivíduo vivenciar essa religião em variados espaços, por isso a importância de se discutir Tratados e Convenções que assegurem esse direito a assistência religiosa, inclusive nos presídios, pois:

A religião, com efeito, não é somente um sistema de ideias, é antes de tudo um sistema de forças. O homem que vive religiosamente não é somente o homem que se representa o mundo de tal ou tal maneira, que sabe o que os outros ignoram; é antes de tudo um homem que experimenta um poder que não se conhece na vida comum, que não se sente em si mesmo quando não se encontra em estado religioso.[2]

Para essa efetivação de direito um importante documento é a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, que assegura no seu bojo a liberdade religiosa, notadamente, no artigo 18, dispondo que toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, isolada ou coletivamente, em público ou em particular.[3]

O conceito de direitos humanos é, pela tradição no Ocidente, tratado principalmente pelo marco do direito constitucional e do direito internacional, cujo propósito é construir instrumentos institucionais, à defesa dos direitos dos seres humanos contra os abusos do poder cometidos pelos órgãos, ao mesmo tempo em que busca a promoção de condições dignas de vida humana e de seu desenvolvimento.[4]

Essa visão apresentada no excerto acima sobre Direitos humanos nos faz retomar que na história da humanidade, nem sempre foi assim, em vários períodos a concepção sobre direito foi alterada, demonstrando estarem as leis de acordo com o contexto e necessidade humana.

Período Antigo: Os povos não possuíam laços sociais e tinham uma legislação que se inspirava na barbárie das primeiras idades. A legislação de Moisés, o Código de Hamurabi, as práticas egípcias e os Livros Santos proclamavam a pena do Talião, ou seja, olho por olho, dente por dente.

Período Romano: Os imperadores julgavam muitas coisas relativas ao estado civil e aos problemas de ordem moral. Eles utilizavam principalmente o bom senso no tratamento das questões que exigiam o concurso de alguém melhor orientado.

Período Canônico: (1200 a 1600 D.C.) O período Canônico é assinalado pela promulgação do Código Criminal Carolino (de Carlos V).[5]

Percebe-se ainda uma evolução no conceito das relações sociais, na qual se sai de uma linha onde a legislação promovia o olho por olho, dente por dente, passando pelo bom senso, até alcançar o Código Criminal e chegar à compreensão de Direitos Humanos da atualidade.

Por direitos humanos, ou direitos do homem são, modernamente, entendidos aqueles direitos fundamentais que o homem possui pelo fato de ser homem, por sua própria natureza humana, pela dignidade que a ela é inerente. São direitos que não resultam de uma concessão da sociedade política. Pelo contrário, são direitos que a sociedade política tem o dever de consagrar e garantir.[6]

Considerando a necessidade de uma regulamentação que garanta aos indivíduos seus direitos a Lei de Execução Penal (LEP) brasileira de prevê que aos presos deve ser assegurado:

Art. 41 - Constituem direitos do preso:

I - alimentação suficiente e vestuário;

II - atribuição de trabalho e sua remuneração;

III - Previdência Social;

IV - constituição de pecúlio;

V - proporcionalidade na distribuição do tempo para o trabalho, o descanso e a recreação;

VI - exercício das atividades profissionais, intelectuais, artísticas e desportivas anteriores, desde que compatíveis com a execução da pena;

VII - assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa;

VIII - proteção contra qualquer forma de sensacionalismo;

IX - entrevista pessoal e reservada com o advogado;

X - visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em dias determinados;

XI - chamamento nominal;

XII - igualdade de tratamento salvo quanto às exigências da individualização da pena;

XIII - audiência especial com o diretor do estabelecimento;

XIV - representação e petição a qualquer autoridade, em defesa de direito;

XV - contato com o mundo exterior por meio de correspondência escrita, da leitura e de outros meios de informação que não comprometam a moral e os bons costumes.

XVI – atestado de pena a cumprir, emitido anualmente, sob pena da responsabilidade da autoridade judiciária competente.[7]

Na linha de inúmeros direitos assegurados está o direito a assistência religiosa, expressa no parágrafo sétimo.

Nessa mesma perspectiva, coincidentemente, o artigo 18 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos de 1966[8], do qual o Brasil é signatário por meio do decreto nº592/92 afirmando que toda pessoa terá direito a liberdade de pensamento, de consciência e de religião.[9]

Esse direito implicará a liberdade de ter ou adotar uma religião ou uma crença de sua escolha e a liberdade de professar sua religião ou crença, individual ou coletivamente, tanto pública como privadamente, por meio do culto, da celebração de ritos, de práticas e do ensino. Nesse mesmo diapasão, o referido Pacto assevera que ninguém poderá ser submetido a medidas coercitivas que possam restringir sua liberdade de ter ou de adotar uma religião ou crença de sua escolha. Novamente, tem-se acentuada a relevância da liberdade religiosa em plano internacional.[10]

A liberdade de manifestar a própria religião ou crença estará sujeita apenas às limitações previstas em lei e que se façam necessárias para proteger a segurança, a ordem, a saúde ou a moral pública ou os direitos e as liberdades das demais pessoas.[11]

No final deste documento transnacional, existe norma cogente dando conta de que os Estados Partes, do presente Pacto, se comprometem a respeitar a liberdade dos países e, quando for o caso, dos tutores legais de assegurar a educação religiosa e moral dos filhos que esteja de acordo com suas próprias convicções.[12]

Outro documento importante para o Brasil em sua relação com a ordem internacional é o Pacto de São José da Costa Rica, mormente, em seu artigo 12, I, II e III[13], ratificado pelo Brasil por meio do Decreto nº 678/92.[14]

Os dispositivos em epígrafe anunciam que com força de Emenda Constitucional, porque tratam de normas de direitos humanos, que toda pessoa tem direito à liberdade de consciência e de religião. Esse direito implica a liberdade de conservar sua religião ou suas crenças, ou de mudar de religião ou de crenças, bem como a liberdade de professar e divulgar sua religião ou suas crenças, individual ou coletivamente, tanto em público como em privado.[15]

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Por sua vez, assegura que ninguém pode ser objeto de medidas restritivas que possam limitar sua liberdade de conservar sua religião ou suas crenças, ou de mudar de religião ou de crenças e ainda prevê que a liberdade de manifestar a própria religião e as próprias crenças está sujeita unicamente às limitações prescritas pela lei e que sejam necessárias para proteger a segurança, a ordem, a saúde ou a moral pública ou os direitos ou liberdades das demais pessoas.[16]

Percebe-se que ao impor internacionalmente que ninguém pode ser objeto de medidas restritivas que limitem sua liberdade de conservar sua religião ou suas crenças, tendo limitações unicamente sujeitas à reserva legal, crava-se também de forma transnacional a assistência religiosa para aqueles que estão sob medidas restritivas de liberdade, tendo o preso liberdade de conservar sua religião ou crença.[17]

Urge ressaltar neste mesmo direcionamento, as Regras de Mandela que estabelecem as regras mínimas das Nações Unidas para tratamento de presos, tendo por intuito ampliar o respeito à dignidade dos presos, garantir o acesso à saúde e o direito de defesa, regulando punições disciplinares, tais como o isolamento solitário e a redução de alimentação, ou seja, garantir a dignidade humana, transformando o paradigma de encarceramento praticado pela justiça brasileira.[18]

Consoante aos Tratados Internacionais, o Brasil possui uma legislação que garante os direitos religiosos de seus cidadãos. Nos dias hodiernos, importante frisar que a Constituição da República de 1988, em seu comando normativo, artigo 19, consignou a vedação da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes, relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público.[19]

No campo dos direitos fundamentais, a Constituição da República de 1988, em seu artigo 5º, estatui que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes.[20]

Acerca da liberdade religiosa, o artigo 5º elenca tão somente a expressão liberdade, que adjetivada pode ganhar contexto polissêmico. Assim, a liberdade pode ser jurídica, de locomoção, de imprensa, de comunicação, de pensamento, de expressão e liberdade religiosa. Especificamente, sobre o assunto em testilha, importante salientar os seguintes incisos.

IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;

V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;

VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;

VII - é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva;

VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei.[21]

Os incisos apresentados demonstram a questão da liberdade de pensamento, com liberdade de crença com a liberdade de culto, incluindo a assistência religiosa. A perspectiva da liberdade permeia todo o artigo, garantindo aos indivíduos a vivência da religião.[22]

No tocante a previsão de assistência religiosa nos estabelecimentos penais, a Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984, que institui a Lei de Execução Penal (LEP) prevê diversas modalidades de religião. Consoante o artigo 10, a assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade, sendo que essa se estende ao egresso.[23] Logo em seguida, no art. 11 da LEP, institui que a assistência será material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa.[24]

Por sua vez, o comando normativo do artigo 24 da LEP, deflui que a assistência religiosa, com liberdade de culto, será prestada aos presos e aos internados, permitindo-se lhes a participação nos serviços organizados no estabelecimento penal, bem como a posse de livros de instrução religiosa. No estabelecimento haverá local apropriado para os cultos religiosos. Nenhum preso ou internado poderá ser obrigado a participar de atividade religiosa.[25]

Para sacramentar a assistência religiosa nos presídios, o artigo 41 da Lei nº 7.210/84 elenca um rol de direitos dos presos, sendo enfático em inciso VII, o direito à assistência religiosa, não podendo sofrer restrição ou limitações por parte da direção dos estabelecimentos penais.[26]

Transita no Congresso Nacional o Projeto de Lei do Senado nº 513/2013, contendo questões importantes sobre a liberdade religiosa, a saber:

Art. 3º Ao preso provisório e ao condenado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei. Parágrafo único. Não haverá discriminação em razão de natureza política, racial, socioeconômica ou religiosa, de identidade de gênero, de orientação sexual ou de nacionalidade, observada a legislação pertinente.

“Art. 24. A assistência religiosa, com liberdade de culto, será prestada aos presos, permitindo-se lhes a participação nos serviços organizados no estabelecimento penal e a posse de livros de instrução religiosa.

§ 1º Nos estabelecimentos penais, haverá local apropriado para as práticas religiosas, respeitando-se suas especificidades.

§ 2º Nenhum preso poderá ser obrigado a participar de atividade religiosa.

§ 3º A utilização de instrumentos musicais para a prática religiosa será permitida.[27]

Assim, a seguridade da liberdade religiosa fica assegurada aos presos, sendo de direito um local apropriado para as práticas religiosas. Com a finalidade de efetivar esse direito o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), editou a Resolução nº14, de 11 de novembro de 1994, em face da decisão unânime, em 17 de outubro de 1994, com o propósito de estabelecer regras mínimas para o tratamento de presos no Brasil, e ainda considerando a recomendação, nesse sentido, aprovada na sessão de 26 de abril a 06 de maio de 1994, pelo Comitê Permanente de Prevenção ao Crime e Justiça Penal das Nações Unidas, do qual o Brasil é Membro e por fim considerando ainda o disposto na Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal), resolveu fixar as Regras Mínimas para o Tratamento do Preso no Brasil, resolução em epígrafe[28].

A resolução preceitua no seu artigo 2º o respeito às crenças religiosas, aos cultos e aos preceitos morais do preso; em seu capítulo XIII, artigo 43 impõe respeito à liberdade religiosa dos presos, conforme se depreende abaixo:

DA ASSISTÊNCIA RELIGIOSA E MORAL

Art. 43. A Assistência religiosa, com liberdade de culto, será permitida ao preso bem como a participação nos serviços organizado no estabelecimento prisional.

Parágrafo Único – Deverá ser facilitada, nos estabelecimentos prisionais, a presença de representante religioso, com autorização para organizar serviços litúrgicos e fazer visita pastoral a adeptos de sua religião.

Art. 1o É instituído o Dia Nacional da Marcha para Jesus, a ser comemorado, anualmente, no primeiro sábado subsequente aos 60 (sessenta) dias após o Domingo de Páscoa.[29]

No presente capítulo, torna-se imperioso ressaltar que o artigo 5º, inciso VII, da Constituição da República preceitua que “é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva. Entretanto, a norma constitucional não tinha eficácia plena, quer dizer de “aplicabilidade direta, imediata e integral sobre os interesses objeto de sua regulamentação jurídica”[30], mas de aplicabilidade indireta, mediata e reduzida, porque somente incidem totalmente sobre esses interesses após uma normatividade ulterior que lhes desenvolva a eficácia”[31], e assim coube ao legislador ordinário impulsionar a eficácia deste direito fundamental.

Por seu turno, a Lei nº 9.982, de 14 de julho de 2000, dispôs sobre a prestação de assistência religiosa nas entidades públicas e privadas, bem como nos estabelecimentos prisionais civis e militares.[32] Assim, a referida lei preconiza que aos religiosos de todas as confissões assegura-se o acesso aos hospitais da rede pública ou privada, bem como aos estabelecimentos prisionais, civis e militares, para dar atendimento religioso aos internados, desde que em comum acordo com estes, ou com seus familiares no caso de dentes que já não mais estejam no gozo de suas faculdades mentais.[33]

Os religiosos chamados a prestar assistência nas entidades enumeradas em epígrafe, deverão, em suas atividades, acatar as determinações legais e normas internas de cada instituição hospitalar ou penal, a fim de não pôr em risco as condições do paciente ou a segurança no ambiente hospitalar ou prisional.[34]

Por meio da Resolução nº 08, de 09 de novembro de 2011, o presidente do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), obedecendo aos ditames da Declaração Universal dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas prevê, em seu artigo XVII, que toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião, e que esse direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença, de manifestar sua crença pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, isolada ou coletivamente, em público ou em particular e outras comandos normativos estabeleceu diretrizes para a assistência religiosa nos estabelecimentos prisionais.[35]

Assim, será garantido o direito de manifestação de todas as religiões, e o de consciência aos agnósticos e adeptos de filosofias não religiosas, sendo assegurada a atuação de diferentes confissões religiosas em igualdades de condições, majoritárias ou minoritárias, vedado o proselitismo religioso e qualquer forma de discriminação ou estigmatização.[36]

A Resolução nº 08, de 09 de novembro de 2011 afirma ainda que a assistência religiosa não será instrumentalizada para fins de disciplina, correcionais ou para estabelecer qualquer tipo de regalia, benefício ou privilégio, e será garantida mesmo à pessoa presa submetida a sanção disciplina, à pessoa presa será assegurado o direito à expressão de sua consciência, filosofia ou prática de sua religião de forma individual ou coletiva, devendo ser respeitada a sua vontade de participação, ou de abster-se de participar de atividades de cunho religioso, será garantido à pessoa presa o direito de mudar de religião, consciência ou filosofia, a qualquer tempo, sem prejuízo da sua situação prisional.[37]

A administração penitenciária deverá oferecer informação e formação aos profissionais do sistema prisional sobre as necessidades específicas relacionadas às religiões, consciência e filosofia, bem como suas respectivas práticas, incluindo rituais, objetos, datas sagradas e comemorativas, períodos de oração, higiene e alimentação.[38]

Esses aspectos legais seguem-se ao fato de ser a religião uma instituição social, um mecanismo social que programa o comportamento humano de forma especializada, pois a função dessa instituição é fundamentalmente prática, pois programa o comportamento por meio da persuasão e reforço das crenças, e conduz o indivíduo a reproduzir comportamentos segundo as regras da instituição, identificando-a com a própria verdade.[39]

Observados os aspectos legais que garantem a assistência religiosa nos presídios, será apresentado no próximo tópico sobre como a pena e como foi é vista pela humanidade no decorrer do tempo e qual sua relação com a religião.

Serão destacadas as finalidades da pena, ponderando que a pena não pode ser cumprida sem sentido, pois, dentro de Estado de Direito, respeitador de uma visão garantista de execução penal, deve ser a pena dotada de sentido, dentre eles o da ressocialização. A religião, conforme adiante ressaltado, tem papel fundamental para cumprimento dessa política criminal.

1.2 Da finalidade da pena e seus institutos de política criminal.

Neste tópico, analisa-se a finalidade da pena e os instrumentos de política criminal aptos a cumprir o desiderato constitucional da dignidade da pessoa humana, segundo previsão do art. 1º, I, da Constituição Federal de 1988[40]. A dignidade humana é paradigma filosófico com conteúdo de justiça, amplamente destacado nos documentos internacionais e nas constituições dos países, como, por exemplo, a atual constituição Federal Alemã, que assevera “A dignidade humana é intangível.” [41]

Assim, a partir da Constituição Federal de 1988, a pena passa a ser vista não mais como sanção, mas deve, sobretudo, evidenciar o sistema punitivo do Estado arrimado na dignidade humana e nos valores transcendentais da constituição em relação à pessoa, como, por exemplo, dentre outras, a norma destacada no art. 5º, XLIX, da Constituição Federal brasileira, que exalta ser assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral. A partir de 1988, houve uma reaproximação do direito com a moral e a filosofia, de maneira que, diferentemente do positivismo, esse contato traz ao direito, argumentos de legitimidade e validade.[42]

Nesse viés, tem-se a pena, de análise imprescindível para esta dissertação, pois toca na atuação do GINTER, enquanto grupo social ligado à ressocialização de pessoas apenadas. Pretende-se apresentar a origem da pena, o seu enfrentamento no Movimento Iluminista e apontamentos acerca das teorias na atualidade.

Nesse rumo, o sistema punitivo do Estado constitui o mais rigoroso instrumento de controle social, nas lições de Fragoso[43]. Ou seja, a conduta delituosa é a mais grave forma de transgressão de normas. Vale conferir:

[...] a incriminação de certos comportamentos destina-se a proteger determinados bens e interesses, considerados de grande valor para a vida social. Pretende-se, através da incriminação, da imposição da sanção e de sua efetiva execução evitar que esses comportamentos se realizem. O sistema punitivo do Estado destina-se, portanto, à defesa social na forma em que essa defesa é entendida pelos que têm o poder de fazer as leis. Esse sistema opera através da mais grave sanção jurídica, que é a pena, juntamente com a medida de segurança, em casos especiais [...][44]

Fragoso afirma que o sistema punitivo do Estado constitui o mais rigoroso instrumento de controle social. A conduta é a mais grave forma de transgressão de normas. A incriminação de certos comportamentos destina-se a proteger determinados bens e interesses, considerados de grande valor para a vida social.[45]

Pretende-se, através da incriminação, da imposição da sanção e de sua efetiva execução evitar que esses comportamentos se realizem. Assim, o sistema punitivo do Estado destina-se, portanto, à defesa social na forma em que essa defesa é entendida pelos que têm o poder de fazer as leis. Esse sistema opera através da mais grave sanção jurídica, que é a pena, juntamente com a medida de segurança, em casos especiais.[46]

No entanto perante o cenário penitenciário brasileiro, vê-se uma situação que fere aos direitos legais. Ao adentrar para cumprimento da pena, o cenário, muitas vezes encontrado são celas superlotadas, sujeira, doenças.

As garantias legais previstas durante a execução da pena, assim como os direitos humanos do preso, estão previstos em diversos estatutos legais. Em nível mundial existem várias convenções, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem e a proteção das garantias do homem preso. Existem ainda em legislação específica – a Lei de Execução Penal – os incisos de I a XV do art. 41, que dispõem sobre os direitos infraconstitucionais garantidos ao sentenciado no decorrer da execução penal. No campo legislativo, nosso estatuto executivo-penal é tido como um dos mais avançados e democráticos existentes. Ele se baseia na idéia de que a execução da pena privativa de liberdade deve ter por base o princípio da humanidade, e qualquer modalidade de punição desnecessária, cruel ou degradante será de natureza desumana e contrária ao princípio da legalidade.[47]

Portanto a pena privativa de liberdade, por si, constitui a pena, sendo necessárias condições que possibilitem a ressocialização desse indivíduo. Para isso questões concernentes a educação e saúde desse indivíduo devem ser asseguradas.

No entanto, ocorre na prática a constante violação de direitos e a total inobservância das garantias legais previstas na execução das penas privativas de liberdade. A partir do momento em que o preso passa à tutela do Estado, ele não perde apenas o seu direito de liberdade, mas também todos os outros direitos fundamentais que não foram atingidos pela sentença, passando a ter um trata-mento execrável e a sofrer os mais variados tipos de castigos, que acarretam a degradação de sua personalidade e a perda de sua dignidade, num processo que não oferece quaisquer condições de preparar o seu retorno útil à sociedade.[48]

É necessário que as garantias legais sejam dadas a todos os presidiários para que o indivíduo não perca sua dignidade, sua humanidade, seus direitos essenciais de ser tratado como ser humano, e ao retornar ao convívio social possa não reincidir ao delito.

Cabe ressaltar que o que se pretende com a efetivação e a aplicação das garantias legais e constitucionais na execução da pena, assim como o respeito aos direitos do preso, é que seja respeitado e cumprido o princípio da legalidade, corolário do Estado democrático de Direito, tendo como objetivo maior o de instrumentalizar a função ressocializadora da pena privativa de liberdade, no intuito de reintegrar o recluso ao meio social, visando assim obter a pacificação social, premissa maior do Direito Penal.[49]

Bruno Moraes Costa chama a atenção para que, em muitos casos a população carcerária é composta por camadas sociais que já tinham direitos suprimidos, indivíduos provenientes de parte da população que já encontrava dificuldades em sobreviver por não terem condições mínimas de sobrevivência que deveriam ser oferecidas pelo Estado.[50]

Essa situação desfavorecida é que, em algumas situações levou o indivíduo a provocar o delito, e ao ser recolhida ao sistema penitenciário para pagamento da pena, encontra um quadro ainda pior.

Se em liberdade seus direitos já eram violados pela má sorte do destino, encarcerados torna-se muito mais difícil ressarcir esses direitos, os quais eles nem conhecem. Daí se depreende a imprecisão do termo ressocialização do preso, já que não fora ainda socializado na vida pregressa. O acompanhamento é primordial para a permanência do egresso no vínculo religioso, em qualquer credo que presta assistência religiosa a esse elenco.[51]

Através da observância do cenário penitenciário brasileiro é importante considerar a necessidade de condições mais dignas nos sistemas penitenciários, possibilitando um cenário que favoreça a ressocialização dos indivíduos, proporcionando a esses meios para refletirem sobre o delito cometido e ao mesmo tempo, oportunizando a esses, condições para que possam atuar na coletividade, de maneira honesta. Portanto:

Quando se defende que os presos usufruam as garantias previstas em lei durante o cumprimento de sua pena privativa de liberdade, a intenção não é tornar a prisão um ambiente agradável e cômodo ao seu convívio, tirando dessa forma até mesmo o caráter retributivo da pena de prisão. No entanto, enquanto o Estado e a própria sociedade continuarem negligenciando a situação do preso e tratando as prisões como um depósito de lixo humano e de seres inservíveis para o convívio em sociedade, não apenas a situação carcerária, mas o problema da segurança pública e da criminalidade como um todo tende apenas a agravar-se.[52]

Conforme explicitado é preciso compreender que a ressocialização precisa ser defendida como uma medida capaz de integrar o indivíduo aos demais cidadãos, a sua família, numa visão de inserção social, ou seja, o indivíduo precisa ter uma preparação, se necessária, para o trabalho e outras formações necessárias para ter uma vida digna após sair da pena.

E, também, se o propósito primordial constitui-se na ressocialização do preso; e, ainda, se a possibilidade de mudança e o desenvolvimento de valores se dão em decorrência da experiência, “seria de se esperar que as prisões fossem ambientes que proporcionassem ao condenado uma gama de experiências educativas que lhe permitissem desenvolver valores benéficos à sociedade”. Mas, não é bem assim a realidade, ainda que haja garantias legais fundamentadas na Constituição brasileira de 1988 para isso e para também preservar os direitos fundamentais da pessoa humana.[53]

Adquirir experiências educativas que permitam ao condenado desenvolvimento de valores é a maior finalidade da pena, principalmente num país no qual não existe, dentro da legislação pena de morte ou prisão perpétua, mas observado o cenário penitenciário brasileiro pode-se concluir que:

A ressocialização não pode ser conseguida numa instituição como a prisão. Os centros de execução penal, as penitenciárias, tendem a converter-se num microcosmos, no qual se reproduzem e se agravam as graves contradições que existem no sistema social exterior. (...) A pena privativa de liberdade não ressocializa, ao contrário, estigmatiza o recluso, impedindo sua plena reincorporação ao meio social. A prisão não cumpre uma função ressocializadora. Serve como instrumento para a manutenção da estrutura social de dominação.[54]

Se o Estado por si, não está conseguindo organizar o sistema penitenciário, de forma a auxiliar na ressocialização dos presidiários, busca-se auxílio dentro da legalidade e o direito a assistência religiosa passa a ocupar um espaço dentro das prisões.

Em face da insuficiência de orientação de sociabilidade dos presos nos presídios, a religião tem ocupado esse espaço ainda que de modo alienador controlando os participantes das práticas religiosas para que tenham certos comportamentos e atitudes, lançando mão da noção de que há um Deus salvador libertador dos arrependidos. Sendo assim, concebendo-se que o sistema prisional, em tese, é uma seção dos expedientes que controlam a sociedade cuja função é punir o transgressor da lei e, enquanto isso, trabalhar com ele para devolvê-lo ao convívio social como uma pessoa recuperada das infrações cometidas, constata-se que há um longo e difícil caminho para se chegar a esse patamar.[55]

Necessário compreender que essa inserção da assistência religiosa como forma de ressocialização não acontece fora de um discurso de controvérsias e contraditórios. Primeira questão refere-se à legalidade da ação e como já foi apresentado no presente trabalho, a assistência religiosa possui amparo tanto no Direito Internacional, quanto no Direito Interno.

Outra questão é sobre a necessidade da religião precisar agir para cumprir um espaço que seria do Estado, devendo algumas vezes, a questão da inserção nos presídios ultrapassar a assistência religiosa, atendendo a outros aspectos sociais, uma vez que o Estado não preenche essa lacuna. A situação é que:

Há sempre polêmica quando se relaciona religião e prisão. Enquanto estas foram criadas para punir objetivando a recuperação do delinquente, aquela perdoa, recebendo o pecador com acolhimento visando à salvação de sua alma138, atenuando-lhe o tormento, conduzindo-o a trilhar outro caminho distinto da delinquência. Mas nenhuma das atividades religiosas no sistema carcerário – nada disso – desobriga o poder público de suas funções fundamentais. O envolvimento da religião nesse meio tem o fim específico de colaborar para a promoção da paz e do melhor ordenamento do ambiente precário das prisões, tornando mais humanas as relações ali estabelecidas e preparando os espectros humanos para a sua futura (re)integração social. Entretanto, apesar de todas as dificuldades que encontram os religiosos que dão assistência nas penitenciárias, “cresce o número de grupos e instituições religiosas que solicitam credenciamento para o exercício de atividades de assistência espiritual nos presídios. Mas nem sempre foi assim.[56]

Apesar das polêmicas, a presença de grupos religiosos dentro das prisões é uma realidade, aparecendo como uma alternativa para minimizar a situação dos presos, além de garantir um direito legal, mas dentro do aspecto da pena que nesse tópico foi apresentado, importante destacar que a forma como o sistema penitenciário brasileiro está organizado impossibilita que a pena de privação de liberdade cumpra a função ressocializadora dos indivíduos encarcerados, não preparando esses para o convívio social.

A questão da presença da igreja dentro dos presídios torna-se assim uma necessidade que vai além das questões religiosas e espirituais, entretanto, importa destacar que a finalidade do trabalho é discutir a questão da assistência religiosa e para isso, será apresentado, na sequência do trabalho, a questão da capelania e assistência religiosa.

1.3 A Capelania carcerária e a assistência religiosa: aspectos legais e sociológicos

O uso do termo capelania, na acepção atual, apresenta algumas versões, sendo uma delas a história de Martinho de Tours, soldado romano que viveu no século IV d.C., contemporâneo de Constantino.[57]

Conta-se que era uma noite muito fria, “frio de rachar”, no inverno de 338, Martinho cavalgava para sua casa quando avistou um mendigo. Motivado de compaixão, rasgou sua capa em duas partes e deu a metade para aquele homem que parecia não suportar mais a baixa temperatura. Naquela mesma noite, teve um sonho. No sonho, Jesus Cristo aparecia com a metade da capa que dera ao mendigo. Quando contou o sonho para outras pessoas, ele chamou à metade daquela capa de capa pequena ou “capela”. Essa capa foi preservada, e no sétimo século foi guardada em um oratório que, por isso, passou a chamar-se “cappella”. Com o passar do tempo esse termo passou a designar qualquer oratório e o encarregado por estes passou a ser chamado cappellanus–capelão. Em torno do século XIV a palavra cappella, passou a designar generalizadamente qualquer pequeno templo destinado a acolher o Cristo no acolhimento dos irmãos mais necessitados. [58]

Djoni Schallenberger, afirma que a capelania é uma “experiência sem igual de servir as pessoas em seus momentos de crises, dores, sofrimentos e dificuldades, e também na alegria das vitórias de superação, curas, e livramentos”.[59] Sendo seu maior interesse ajudar as pessoas a passar por suas dificuldades com altruísmo e esperança. O foco não está na propagação de uma religião ou denominação religiosa. Pode-se definir então capelania como: “um serviço de apoio e assistência espiritual comprometida com a visão da integralidade do ser humano (corpo, emoções, intelecto, espírito)” [60]

A capelania como ajuda espiritual àqueles que necessitam sai do âmbito militar e chega a inúmeros espaços da sociedade, incluindo os presídios, pois:

As condições de carceragem e o distanciamento da família contribuem para o desalento daqueles que estão pagando legalmente pelos seus erros. Lembrá-los que DEUS os ama, são razões humanas e cristãs para o exercício da Capelania Prisional. [61]

A Lei de Execução Penal assegura o assistencialismo, dispondo de todas as determinações legais para a execução de penas em território nacional, determinando em seu Artigo 3º que “ao condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei”, e em seu parágrafo único que “não haverá qualquer distinção de natureza racial, social, religiosa ou política”. Essa ressocialização objetiva prevenir o crime e orientar o retorno à convivência na sociedade, devendo ser estendida aos egressos.[62]

Essa ajuda espiritual também está respaldada pela Constituição Federal Brasileira de 1988 que em seu artigo 5º garante que todos são iguais perante a lei, e em seu inciso V determina como inviolável a liberdade de consciência e de crença, assegurando, ainda a proteção aos locais de culto e suas liturgias.[63]

Além da Constituição Federal, a Lei nº 9.982 de 14 de julho de 2000, dispõe sobre a prestação de assistência religiosa nas entidades hospitalares públicas e privadas, bem como nos estabelecimentos prisionais civis e militares, afirmando que:

Art. 1º. Aos religiosos de todas as confissões assegura-se o acesso aos hospitais da rede pública ou privada, bem como aos estabelecimentos prisionais civis ou militares, para dar atendimento religioso aos internados, desde que em comum acordo com estes, ou com seus familiares no caso de doentes que já não mais estejam no gozo de suas faculdades mentais.[64]

Pereira afirma que as prisões brasileiras não têm logrado êxito no que tange a recuperação de seus internos, uma vez que todos carecem de cuidados espirituais e emocionais, assim a Capelania tem como finalidade compartilhar o amor de Deus aos que estão nas prisões.[65]

O cárcere ou presídio nunca foi lugar prazeroso ou almejado. Lugar de dores que preserva atrás de suas fortalezas os mais tórridos e destrutivos tipos de pensamentos e maquinações. Desejos de vingança, ressentimentos, desamparo, injustiças, enganos e traições, vergonha, fracasso e muitas outras concepções são geradas nas prisões do mundo todo. As condições de carceragem, as desigualdades com outros detentos, a cessação da vida cotidiana, e o distanciamento da família e da sociedade contribuem para o desalento daqueles que estão pagando legalmente pelos seus erros. Levar consolo, amizade e principalmente lembrá-los que DEUS os ama incondicionalmente, são razões humanas e cristãs para o exercício da Capelania Prisional.[66]

A capelania parte do princípio de que todo detento e recuperável e a punição deve ser dada ao pecado e não ao pecador. Portanto, através desse serviço pretende-se preparar o indivíduo para sua reintegração na sociedade, lembrando-o da presença do perdão.

Augusto Ancelmo da Silva e Raimundo Rosa Ferreira afirmam que o capelão tem a atribuição de assistencialismo espiritual aos sujeitos das instituições que estão afastados do convívio social, comunitário e familiar, não contribuindo para o desenvolvimento da sociedade, não sendo um ser participativo e ativo dentro do mercado de trabalho.[67]

Ainda de acordo com os autores a Capelania carcerária é essencial para a compreensão da assistencial espiritual aos confinados dentro dos presídios, pois encarcerado que cometeu infrações, é aprisionado devido às faltas cometidas perante à lei dos homens, precisa de um aconselhamento apaziguador para seu espírito aflito, tendo o Capelão, tem a missão de levar a este indivíduo uma palavra de conforto, um aconselhamento para que o mesmo alcance a paz espiritual para sobreviver no confinamento.[68]

Importa apresentar algumas indagações feitas se assistência religiosa e capelania são sinônimos, pois para alguns autores são atividades distintas, conforme excerto abaixo:

não se pode confundir, do ponto de vista do direito, capelania e assistência religiosa. No primeiro caso, o serviço religioso não se configura como um recurso assistencial, sendo oferecido a todos os membros da corporação (no caso dos militares) ou a todas as pessoas que acessam a instituição (no caso hospitalar). Na assistência religiosa, o serviço religioso é um direito do indivíduo, deve ser prestado segundo a crença e vontade do mesmo. Como recurso assistencial, o serviço religioso deve ser prestado quando o indivíduo sente a necessidade de ser assistido religiosamente. Importante ressaltar que, nesse caso, a assistência só é prevista legalmente caso o indivíduo (adulto ou adolescente) não tenha meios próprios de acessá-lo. Por isso, a previsão restringe a assistência religiosa àqueles que estão internados em hospitais, aquartelados ou aprisionados.[69]

Assim, para Simões a assistência religiosa, é um direito individual, devendo ser prestado de acordo com as crenças do indivíduo, enquanto a capelania não seria um serviço assistencial individual, mas coletivo. Apesar de não ser essa discussão objetivo do trabalho vale ressaltar que essa existe.[70]

Silva Junior discorda de Simões, considerando assistência religiosa e capelania como sinônimos, pois para o referido autor embora a Lei nº 6.923/1981 trate de capelania, designando os agentes religiosos como Capelães Militares, a referida trata, a todo momento, do serviço de Assistência Religiosa nas Forças Armadas.[71]

Outro argumento utilizado pelo autor para refutar as observações de Simões é que a Lei de 1981, mesmo não tendo sido revogada, está sobreposta pela Constituição de 1988, portanto, o artigo 5º da Constituição Federal, abrange toda a lei de 1981.[72]

Silva Júnior argumenta ainda que a Constituição de 1988 trata ambas as prestações sob a rubrica da assistência religiosa, apresentando ainda que a idêntica dificuldade de acesso às suas religiões entre os que cumprem pena privativa de liberdade, o fato de assistência ser oferecida a todos os aquartelados ou aprisionados não desvirtua sua natureza, respeitando-se, por óbvio, as demais regras constitucionais.[73]

Além da Constituição de 1988, a Lei nº 9.982/2000, em seu art. 1º, garante, na “prestação de assistência religiosa”, tanto a universalidade de confissões quanto o respeito à vontade dos internados ou de “seus familiares no caso de doentes que já não mais estejam no gozo de suas faculdades mentais”.[74]

Finalizando a argumentação, Silva Júnior apresenta que no Direito vigora, entre outros, o critério cronológico, segundo o qual a norma posterior afasta a incidência da anterior, ou seja, diante do quadro constitucional vigente, os termos capelania e assistência religiosa podem tomados como sinônimos, posto que reguladores de fenômenos idênticos.[75]

Em termos de legislação pertinente a presente pesquisa essa distinção não é relevante, mas vale acrescentar que dentro da perspectiva de manifestação religiosa nos presídios, o pluralismo nem sempre é respeitado.

A Lei nº 9.982/2000, que dispõe sobre a prestação de assistência religiosa nas entidades hospitalares públicas e privadas, bem como nos estabelecimentos prisionais civis e militares, assegura que a assistência seja realizada por agentes religiosos de diversas crenças e religiões. Cabendo ainda ao detento ou enfermo aceitar ou não essa visita, tendo esse, liberdade para filiar-se ou não a uma religião.[76]

Segundo a lei os religiosos devem, obrigatoriamente, respeitar “as determinações legais e normas internas de cada instituição hospitalar ou penal, a fim de não pôr em risco as condições do paciente ou a segurança do ambiente hospitalar ou prisional” (art. 2º).[77]

Sendo interpretativa, a oportunidade das instituições de colocarem normas internas para essa assistência religiosa, por vezes produzem entraves no processo, sendo que alguns autores consideram que algumas instituições penais dificultam o processo, mais por finalidades políticas.

Na verdade, tal barreira se explica mais em termos políticos do que propriamente religiosos ou de segurança. É a resistência ao controle externo das penitenciárias, por meio de fiscalização e denúncias, que parece ser o ponto central da restrição à assistência religiosa. A transparência sobre a situação carcerária (superlotação, corrupção, controle do crime organizado, falência do Estado) poderia constituir um capital político negativo para os governantes perante o eleitorado e a opinião pública.[78]

O Estatuto da Criança e do Adolescente também apresenta que as instituições de internação devem propiciar assistência religiosa àqueles que desejarem, de acordo com suas crenças, sendo direito do adolescente receber assistência religiosa, segundo a sua crença, e desde que assim o deseje. (art. 124).[79]

Observados os dispositivos legais é essencial discutir como a religião é percebida dentro do espaço do Estado brasileiro, considerando as afirmações de Ranquetat Júnior:

Há por parte do arcabouço legal e constitucional brasileiro uma valoração positiva do religioso, particularmente em sua expressão católica e/ou cristã, que possibilita até mesmo parcerias que objetivem o bem comum entre instâncias estatais e organizações religiosas. Há por aqui um reconhecimento da dimensão pública do religioso sem que exista um Estado confessional, jurídica e formalmente vinculado a uma religião em particular.[80]

Essa influência da religião sobre o Estado implica uma transferência de responsabilidades e uma inclinação a perceber que a igreja pode adentrar por espaços nos quais o Estado não alcança, observando Maduro que afirma que A religião existe e opera não na sociedade no abstrato “mas numa sociedade concreta e particular, localizada no espaço e no tempo, com uma população e recursos limitados e estruturados de uma maneira peculiar” [81]. Assim “todas as religiões estão enraizadas numa dada sociedade”.[82]

Portanto a religião ultrapassa o espiritual e atua dentro das práticas sociais, incluindo em um espaço denominado campo religioso, configurado a partir da produção e circulação dos bens simbólico-religiosos, por meio dos quais os agentes estabelecem suas relações que atendam às demandas religiosas, fornecendo sentido social para os grupos ali presentes.

se imaginarmos o meio religioso –ou seja, as diversas religiões, os seus produtores, reprodutores, consumidores, as suas instituições, organizações, regras, leis, protagonistas etc. –funcionando como se fosse uma espécie de campo de forças similar ao que ocorre na Física, passaremos a compreendê-lo então como um composto de vários pontos (que seriam as instituições, os agentes etc.) que se relacionam e interagem de acordo com um sistema de coordenadas.[83]

Esse campo religioso atua em diversas partes da sociedade, e ao mesmo tempo em que constitui esse campo é constituído pelo mesmo, dando a esse, características próprias, de acordo com o contexto, no qual esse se encontra inserido, uma vez que:

A religião é sociologicamente interessante não porque, como o positivismo vulgar o colocaria, ela descreve a ordem social (e se o faz é de forma não só muito oblíqua, mas também muito incompleta), mas porque ela –a religião –a modela, tal como o fazem o ambiente, o poder político, a riqueza, a obrigação jurídica, a afeição pessoal e um sentido de beleza.[84]

Silva Júnior apresenta dentro do contexto da pesquisa algumas características do campo religioso brasileiro que tem no cristianismo a sua base de formação histórica onde a diversidade religiosa e a laicidade são processos associados historicamente, já que a não adoção de uma religião oficial pelo Estado teria permitido a eclosão de numerosas matrizes e ainda com o fim da hegemonia, ou quase monopólio, do catolicismo e o aumento no número dos sem religião.[85]

Diante desse campo religioso brasileiro que apresenta características que se diferenciam e modificam no decorrer dos tempos, temos um campo religioso específico, discutido, nesse trabalho que é o campo religioso das prisões.

É notório que o sistema prisional é um espaço no qual vigoram normas e valores específicos, com regras próprias[86][87], denominados por alguns autores como microssociedade[88], ou uma sociedade dentro da sociedade mais ampla.[89]

Silva Júnior apresenta que o campo religioso brasileiro prisional apresenta uma situação invertida em relação à predominância de religião, enquanto a maioria dos brasileiros se declara católica, dentro dos presídios temos a predominância evangélica.[90]

Os evangélicos estão em 31 das 33 Unidades pesquisadas (94%); em 12 delas (37,5%), os Evangélicos desenvolvem trabalhos sem a presença de nenhuma outra tradição religiosa. Nas demais 19 Unidades, os Evangélicos estão nas Unidades somente com Católicos (13 Unidades, ou 41%); somente com Espíritas Kardecistas (3 Unidades, ou 9%); e com Católicos e Espíritas Kardecistas (3 Unidades, ou 9%). Somente em uma única Unidade, Católicos e Espíritas desenvolvem suas atividades religiosas sem a presença dos Evangélicos. Esses resultados identificam, tão somente, a existência majoritária de Evangélicos, seguidos dos Católicos e dos Espíritas nas Unidades. A presença das religiões de raiz africana não é identificada em nenhuma unidade (...). [91]

Silva Júnior apresenta assim, a partir de pesquisas de outros autores que as igrejas evangélicas são as mais presentes no contexto prisional, seguidas por grupos católicos e por espíritas, embora em contextos específicos essa configuração possa ser alterada. Mesmo assim, há detentos conversos nos cárceres que conclamam os evangélicos para uma maior atuação[92]:

O que mais falta na prisão são pessoas, são cristãos, que acompanhem e animem o preso a encarar o que ele fez, a arrepender-se, o que significa mudar a vida de rumo. Falta ao preso uma nova perspectiva de vida a partir do Evangelho, da justiça e de uma vida digna. Falta Deus encarnado em pessoas na prisão! Faltam os “Joãos Batistas” que pregam o arrependimento e o amor incondicional de Deus. Geralmente o preso que ali está já cresceu na rua ou num lar infeliz e sem amor, em situações subumanas dentro de uma sociedade pervertida.[93]

Assim na perspectiva institucional, a presença dos evangélicos é predominante com poucas ocorrências de outras matrizes religiosas, apesar de essas aparecerem como práticas individuais de alguns presos.

Considerando o proselitismo apresentando nas legislações diversas é importante observar porque essa predominância ocorre numa inversão ao campo religioso brasileiro.

A partir do que foi apresentado nesse capítulo, vemos que no que concerne ao aspecto legislativo do Direito Internacional e do Direito Interno a assistência religiosa está amparada, mas na perspectiva do que se percebe da situação dos presídios no Brasil, muito ainda precisa ser feito para que a assistência religiosa ocorra na forma necessária, ou seja, na perspectiva da religiosidade e da espiritualidade.

Dentro do que foi demonstrado, muitas vezes, as igrejas adentram nos presídios, mas ocupam-se de aspectos que são lacunas deixadas pelo Estado e por isso no capítulo seguinte vamos discutir alguns aspectos sociológicos da religião e religiosidade que poderão responder a essa questão, incluindo o papel coesivo e também coercitivo que a religião pode desempenhar no contexto social e assim também dentro dos presídios.

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Sobre o autor
Jeferson Botelho Pereira

Jeferson Botelho Pereira. Ex-Secretário Adjunto de Justiça e Segurança Pública de MG, de 03/02/2021 a 23/11/2022. É Delegado Geral de Polícia Civil em Minas Gerais, aposentado. Ex-Superintendente de Investigações e Polícia Judiciária de Minas Gerais, no período de 19 de setembro de 2011 a 10 de fevereiro de 2015. Ex-Chefe do 2º Departamento de Polícia Civil de Minas Gerais, Ex-Delegado Regional de Governador Valadares, Ex-Delegado da Divisão de Tóxicos e Entorpecentes e Repressão a Homicídios em Teófilo Otoni/MG, Graduado em Direito pela Fundação Educacional Nordeste Mineiro - FENORD - Teófilo Otoni/MG, em 1991995. Professor de Direito Penal, Processo Penal, Teoria Geral do Processo, Instituições de Direito Público e Privado, Legislação Especial, Direito Penal Avançado, Professor da Academia de Polícia Civil de Minas Gerais, Professor do Curso de Pós-Graduação de Direito Penal e Processo Penal da Faculdade Estácio de Sá, Pós-Graduado em Direito Penal e Processo Penal pela FADIVALE em Governador Valadares/MG, Prof. do Curso de Pós-Graduação em Ciências Criminais e Segurança Pública, Faculdades Unificadas Doctum, Campus Teófilo Otoni, Professor do curso de Pós-Graduação da FADIVALE/MG, Professor da Universidade Presidente Antônio Carlos - UNIPAC-Teófilo Otoni. Especialização em Combate à corrupção, crime organizado e Antiterrorismo pela Vniversidad DSalamanca, Espanha, 40ª curso de Especialização em Direito. Mestrando em Ciências das Religiões pela Faculdade Unida de Vitória/ES. Participação no 1º Estado Social, neoliberalismo e desenvolvimento social e econômico, Vniversidad DSalamanca, 19/01/2017, Espanha, 2017. Participação no 2º Taller Desenvolvimento social numa sociedade de Risco e as novas Ameaças aos Direitos Fundamentais, 24/01/2017, Vniversidad DSalamanca, Espanha, 2017. Participação no 3º Taller A solução de conflitos no âmbito do Direito Privado, 26/01/2017, Vniversidad DSalamanca, Espanha, 2017. Jornada Internacional Comjib-VSAL EL espaço jurídico ibero-americano: Oportunidades e Desafios Compartidos. Participação no Seminário A relação entre União Europeia e América Latina, em 23 de janeiro de 2017. Apresentação em Taller Avanco Social numa Sociedade de Risco e a proteção dos direitos fundamentais, celebrado em 24 de janeiro de 2017. Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad Del Museo Social Argentino, Buenos Aires – Argentina, autor do Livro Tráfico e Uso Ilícitos de Drogas: Atividade sindical complexa e ameaça transnacional, Editora JHMIZUNO, Participação no Livro: Lei nº 12.403/2011 na Prática - Alterações da Novel legislação e os Delegados de Polícia, Participação no Livro Comentários ao Projeto do Novo Código Penal PLS nº 236/2012, Editora Impetus, Participação no Livro Atividade Policial, 6ª Edição, Autor Rogério Greco, Coautor do Livro Manual de Processo Penal, 2015, 1ª Edição Editora D´Plácido, Autor do Livro Elementos do Direito Penal, 1ª edição, Editora D´Plácido, Belo Horizonte, 2016. Coautor do Livro RELEITURA DE CASOS CÉLEBRES. Julgamento complexo no Brasil. Editora Conhecimento - Belo Horizonte. Ano 2020. Autor do Livro VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. 2022. Editora Mizuno, São Paulo. articulista em Revistas Jurídicas, Professor em Cursos preparatórios para Concurso Público, palestrante em Seminários e Congressos. É advogado criminalista em Minas Gerais. OAB/MG. Condecorações: Medalha da Inconfidência Mineira em Ouro Preto em 2013, Conferida pelo Governo do Estado, Medalha de Mérito Legislativo da Assembléia Legislativa de Minas Gerais, 2013, Medalha Santos Drumont, Conferida pelo Governo do Estado de Minas Gerais, em 2013, Medalha Circuito das Águas, em 2014, Conferida Conselho da Medalha de São Lourenço/MG. Medalha Garimpeiro do ano de 2013, em Teófilo Otoni, Medalha Sesquicentenária em Teófilo Otoni. Medalha Imperador Dom Pedro II, do Corpo de Bombeiros, 29/08/2014, Medalha Gilberto Porto, Grau Ouro, pela Academia de Polícia Civil em Belo Horizonte - 2015, Medalha do Mérito Estudantil da UETO - União Estudantil de Teófilo Otoni, junho/2016, Título de Cidadão Honorário de Governador Valadares/MG, em 2012, Contagem/MG em 2013 e Belo Horizonte/MG, em 2013.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEREIRA, Jeferson Botelho. Religião e prevenção criminal.: O papel do Ginter na prestação de assistência religiosa e de controle social no sistema prisional do Espírito Santo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 6773, 16 jan. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/95961. Acesso em: 25 abr. 2024.

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