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Prova técnica na apuração de crimes:

evolução legislativa, relevância e dificuldades estruturais

01/02/2022 às 14:00
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O legislador atribui à prova técnica primazia absoluta em constatações probatórias de fatos delituosos que deixam vestígios materiais, não podendo supri-la nem mesmo a confissão do acusado.

A investigação criminal tem o propósito básico de apurar o crime e elucidar sua correspondente autoria, com todos os elementos probatórios para se chegar à verdade real.

Durante muito tempo, a atividade investigatória se resumiu primordialmente na colheita da chamada prova oral, com a oitiva de testemunhas e obtenção de confissões de possíveis envolvidos no crime.

A prova puramente oral, guardada sua relevância, se mostra algumas vezes deficiente, pois fruto da percepção humana, não raras vezes contaminada de imprecisões, preconceitos e até humores, o que pode causar incertezas sobre suas conclusões.

Uma investigação pautada apenas e exclusivamente em provas testemunhais se torna frágil, urgindo se reforçar o arcabouço probante com elementos mais objetivos e seguros.

Objetividade, racionalidade e segurança são adjetivações inerentes à prova técnica (exames e perícias), predicamentos importantes para se alcançar um juízo de valor acerca do fato criminoso e sua autoria, com a correspondente boa aplicação da justiça.

A perícia é realizada por um profissional técnico chamado de perito, que desenvolve atividades de grande complexidade e de natureza especializada, tendo por objeto executar com exclusividade os exames de corpo de delito e todas as perícias criminais necessárias à instrução processual penal, nos termos das normas constitucionais e legais em vigor, exercendo suas atribuições nos setores periciais de: Acidentes de Trânsito, Auditoria Forense, Balística Forense, Documentoscopia, Engenharia Legal, Perícias Especiais, Fonética Forense, Identificação Veicular, Informática, Local de Crime Contra a Pessoa, Local de Crime Contra o Patrimônio, Meio Ambiente, Multimídia, dentre outros.

O perito criminal busca a verdade material com base exclusivamente na técnica. Não cabe a ele acusar ou julgar, mas apenas examinar os fatos e elucidá-los. Desvendar todos os aspectos inerentes aos elementos investigados, do ponto de vista unicamente técnico.

Diante de infrações penais que deixam vestígios, exsurge a imperatividade dos exames e perícias.

O Código de Processo Penal, em sua redação original de 1941, mantida até hoje, precisamente no artigo 156, assim estabelece:

Quando a infração penal deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado.

Note-se que o legislador atribui à prova técnica primazia absoluta em constatações probatórias de fatos delituosos que deixam vestígios materiais, não podendo supri-la nem mesmo a confissão do acusado.

Apenas em situações excepcionais, com a impossibilidade de exame direto do corpo de delito (conjunto de vestígios), é possível sua constatação por meios indiretos, inclusive por utilização de depoimentos de testemunhas.

A respeito, Antônio Sérgio Cordeiro Piedade e Ana Carolina Dal Ponte ainda pontuam:

Por outro lado, em caso de total desaparecimento dos vestígios, a prova testemunhal poderá suprir-lhe a falta (ex. avião que cai em alto-mar, não sendo o corpo da vítima encontrado). No entanto, observe-se: cuida-se de exceção, sendo que o dispositivo apenas possui eficácia em virtude da impossibilidade completa de realização do exame de corpo de delito direto[1].

Outrossim, a jurisprudência é pacífica em tornar imprescindível a prova técnica para a comprovação material de crimes que deixam vestígio:

AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIME DE INCÊNDIO CIRCUNSTANCIADO. PLEITO DE ABSOLVIÇÃO. AUSÊNCIA DE LAUDO PERICIAL. ARTS. 158 E 173 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. AUSÊNCIA DE JUSTIFICATIVA IDÔNEA PARA A NÃO REALIZAÇÃO DA PERÍCIA. NÃO COMPROVAÇÃO DA MATERIALIDADE DELITIVA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. ABSOLVIÇÃO. ART. 386, INCISO II, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. RECURSO DESPROVIDO. (AgRg no HC 617.878/RS, Rel. Ministra LAURITA VAZ, SEXTA TURMA, julgado em 06/04/2021, DJe 15/04/2021)

Durante uma investigação criminal, a elucidação do ilícito no mais das vezes se dá pela realização de perícias em locais de crime, medicina legal, odontologia forense, informática, química forense[2], engenharia, danos ao meio ambiente, genética forense, documentoscopia, audiovisual e eletrônicos e em veículos e outros objetos.

Nesse contexto, os instrumentos e processos técnicos de realização de exames na área criminal tem avançado substancialmente, já existindo, por exemplo, softwares[3] que permitem auxiliar o perito na reconstituição do próprio episódio sob apuração com exatidão e riqueza de detalhes. Note-se, ainda, a força probante dos exames genéticos[4] e de impressão digital de materiais colhidos na cena do crime, extrações e análises de dados informáticos e de natureza financeira e contábil, apenas para ficar em algumas possibilidades técnicas.

O prestígio que a autoridade judiciária empresta a um laudo técnico bem elaborado e conclusivo é determinante para o desfecho da lide penal, diante de sua força de argumentação técnica e sua imparcialidade[5]. Ele dá segurança ao julgador e aos demais atores do processo penal de que se alcançou uma verdade real dos fatos ou, pelo menos, se chegou bem próximo, condenando-se um culpado ou absolvendo-se um inocente.

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Ressaltada a importância da prova técnica, o legislador procurou disciplinar, com ênfase e detalhe, várias possibilidades de exames e práticas técnicas que serão usadas na atividade persecutória penal.

O Código de Processo Penal, também em sua redação original de 1941, já tratava e continua a disciplinar, em capítulo específico, os exames e perícias em geral, que sofreu, com o passar das décadas, aperfeiçoamentos significativos, em especial nos últimos dez anos (Capítulo II do Título VII do Decreto-Lei nº 3.689/41), atendendo justamente a necessidade de estabelecer parâmetros seguros para a produção das provas técnicas, além de prever e atualizar as mais modernas inovações no campo da ciência forense.

Neste diapasão, uma das mais relevantes atualizações adveio da Lei nº 13.964/2019, que, ao tratar do exame de corpo de delito e das perícias em geral, instituiu a chamada cadeia de custódia, que nada mais é que um conjunto de atos (procedimento) que disciplina a documentação das etapas de tratamento do vestígio para exame, desde o seu reconhecimento, isolamento, fixação, coleta, acondicionamento, transporte, recebimento, processamento, armazenamento e descarte, com a finalidade de garantir a higidez das conclusões técnicas daí advindas (artigos 158-A a 158-F, do Código de Processo Penal).

Vê-se que o fato de se disciplinar minudentemente, inclusive utilizando conceituações e prescrições cogentes para cada etapa do trabalho pericial, demonstra o relevo que adquiriu a prova técnica no deslinde das causas criminais, assegurando a correta aplicação da lei e os primados constitucionais.

Além da normatização revolucionária da cadeia de custódia, a perícia técnica foi contemplada com o transcorrer do tempo com a Lei nº 12.037/2009, que disciplina a identificação criminal; a Lei nº 12.654/2012, que instituiu os bancos de dados de perfis genéticos, gerenciados por unidade oficial de perícia criminal e a criação do Banco Nacional Multibiométrico e de Impressões Digitais (Lei nº 13.964/2019), além de outros diplomas legais igualmente importantes.

Para realçar a relevância legislativa da perícia técnica, resta citar o importante texto legal que indicou a necessidade de concurso público para a admissão de perito oficial, assegurando a ele, no exercício de atividade pericial criminal, autonomia técnica, científica e funcional (Lei nº 12.030/2009)[6].

Portanto, em termos normativos, a perícia técnica está, em geral, convenientemente tratada, existindo arcabouço jurídico condizente com sua importância na seara das apurações penais.

Contudo, saindo do campo estritamente legal e adentrando na vida prática, a realidade estrutural de nossas unidades de perícia técnica ainda é muito deficiente.

Faltam aos órgãos de perícia técnica verba, estrutura e quantitativo suficiente de profissionais para dar vazão ao número cada vez maior de requisições de laudos e estudos técnicos[7].

São prédios desestruturados, falta de equipamentos e materiais[8] para testes e exames[9], além de uma injustificável vinculação com as polícias, que ocasiona uma ingerência na gestão financeira e administrativa, causando sérios prejuízos a uma política de investimento e estruturação dos órgãos e institutos oficiais de perícia técnica[10].

É uma realidade generalizada no país, causando profunda dificuldade na elucidação dos crimes e, consequentemente, impunidade.

O que se observa é que a legislação, com inteira razão, exige cada vez mais uma perícia criminal eficiente e cumpridora de condições e prescrições em defesa de uma prova lídima e escoimada de erros. Porém, não há contrapartida governamental correspondente em investimentos nos órgãos periciais para o cumprimento adequado de suas obrigações legais, malgrado as capacidades comprovadas e os esforços hercúleos de seus profissionais.

Exemplo disso é a determinação do cumprimento da cadeia de custódia acima mencionada. As prescrições legais ali contidas não demandam apenas boa vontade dos órgãos periciais. É necessário investir em contratações de novos técnicos e servidores e melhor estruturação material das unidades, sob pena das conclusões inseridas nos laudos serem objeto de questionamentos e pedidos de nulidade.

Assim, conclui-se que é fundamental reforçar estruturalmente os órgãos de perícia oficial dotando-os de condições materiais e humanas para realizar um trabalho pericial ágil, eficiente e competente, com o propósito de garantir uma investigação criminal rápida e correta, assegurando os primados da lei e do estado democrático de direito.


  1. PIEDADE, Antônio Sérgio Cordeiro; AIDAR, Ana Carolina Dal Ponte, Resumo de direito processual penal Leme, SP: JH Mizuno, 2020, p. 176.
  2. GONZAGA, Wellington Alves. Química forense; a química que soluciona crimes para a polícia judiciária. Jus Navigandi, Teresina/PI, publicado em abril de 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/55192/quimica-forense-a-quimica-que-soluciona-crimes-para-a-policia-judiciaria.
  3. CARNEIRO, Luiza. Software é opção para reconstituição virtual de incêndio na boate Kiss. G1 RS, Porto Alegre/RS, 27 de novembro de 2013. Disponível em: http://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2013/11/software-e-opcao-para-reconstituicao-virtual-de-incendio-na-boate-kiss.html. Acesso: 15 de janeiro de 2021.
  4. Exames de DNA garantem a inocência de suspeitos de estupros no Estado. Agência Alagoas, Maceió/AL, 16 de fevereiro de 2018. Disponível em: https://www.agenciaalagoas.al.gov.br/noticia/item/23529-exames-de-dna-garantem-a-inocencia-de-suspeitos-de-estupros-no-estado. Acesso: 15 de janeiro de 2022.
  5. GUEDES, Leonardo. Polícia técnica com foco em investigação criminal. DNA forense: aplicações e limitações. Jus Navigandi. Teresina/PI, publicado em setembro de 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/52322/policia-tecnica-com-foco-em-investigacao-criminal. Acesso: 15 de janeiro de 2022.
  6. Perito Criminal: profissional tem papel fundamental na elucidação dos crimes. Dourados Agora, Dourados/MS, 12 de dezembro de 2021. Disponível em: https://www.douradosagora.com.br/2021/12/12/perito-criminal-profissional-tem-papel-fundamental-para-elucidacao-de-crimes. Acesso: 15 de janeiro de 2021.
  7. MOÇO, Bia. Perícia criminal sente a falta de profissionais. Diário do Grande ABC, São Bernardo do Campo/SP, 06 de agosto de 2018. Disponível em: https://www.dgabc.com.br/Noticia/2916346/pericia-criminal-sente-a-falta-de-profissionais. Acesso: 15 de janeiro de 2022.
  8. DIAS, Artur. MP-GO investiga falta de reagentes para detecção de drogas pela Polícia Civil, em Sanclerlândia. Mais Goiás, Goiânia/GO, 11 de fevereiro de 2021. Disponível em: https://www.maisgoias.com.br/mp-go-investiga-falta-de-reagentes-para-deteccao-de-drogas-pela-policia-civil-em-sanclerlandia.Acesso: 15 de janeiro de 2022.
  9. Perícia Criminal é prejudicada pela falta de tecnologia. Agência SINPCRESP, São Paulo/SP, 05 de julho de 2018. Disponível em: https://www.sinpcresp.org.br/posts/pericia-criminal-e-prejudicada-pela-falta-de-tecnologia. Acesso: 15 de janeiro de 2022.
  10. COTRIM, Maria José. Em protesto, peritos e legistas entregam cargos ao Governo e alegam falta de estrutura e até reagentes vencidos para perícia. Conexão Tocantins, Palmas/TO, 09 de abril de 2014. Disponível em: https://conexaoto.com.br/2014/04/09/em-protesto-peritos-e-legistas-entregam-cargos-ao-governo-e-alegam-falta-de-estrutura-e-ate-reagentes-vencidos-para-pericia. Acesso: 15 de janeiro de 2022.
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Sobre o autor
Jorge Romcy Auad Filho

Promotor de Justiça do Estado de Rondônia. Especialista em Ciências Criminais pela Universidade da Amazônia - UNAMA e em Direito Constitucional pela Universidade do Sul de Santa Catarina - UNISUL.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AUAD FILHO, Jorge Romcy. Prova técnica na apuração de crimes:: evolução legislativa, relevância e dificuldades estruturais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 6789, 1 fev. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/96001. Acesso em: 21 nov. 2024.

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