Artigo Destaque dos editores

Análise do julgamento no Recurso Especial 1.111.566/DF: o etilômetro e a interpretação das normas

Exibindo página 1 de 2
Leia nesta página:

Reflexões sobre o Recurso Especial nº 1.111.566/DF, que criou polêmica ao exigir que, para a aplicação do tipo penal previsto no artigo 306 do CTB, é necessária a realização de mensuração de grau alcoólico do condutor veicular por meio do etilômetro ou de exame de sangue.

RESUMO: O Recurso Especial 1111566 criou polêmica ao exigir que para a aplicação do tipo penal previsto no artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro é necessária a realização de mensuração de grau alcoólico do condutor veicular por meio do etilômetro ou de exame de sangue, de modo que se possam aferir as condições constantes da lei, que exigem o máximo de seis decilitros de álcool por litro de sangue, não sendo admitidos, portanto, nenhum outro tipo de prova. Como também foi invocado o princípio constitucional de que ninguém é obrigado a produzir prova contra si, a lei que prevê punição ao motorista embriagado ficou esvaziada. A filosofia pode responder aos anseios da sociedade e também servir de parâmetro para que os magistrados possam rever tal posicionamento passando a aplicar efetivamente a lei, considerando, para tanto, a finalidade para a qual a mesma foi criada, qual seja, aumentar a segurança e a paz social, punindo exemplarmente aqueles que desrespeitam a lei e colocam em risco vidas de pessoas inocentes. Os magistrados possuem todas as ferramentas apropriadas para a correta interpretação das normas vigentes, não sendo necessário e tampouco lógico se fixarem em princípios que visem proteger aqueles que justamente desrespeitaram o ordenamento jurídico. Os grandes pensadores e jusfilósofos já imaginavam que tais situações poderiam ocorrer e, procuraram, pela lógica e pela razão, encontrar a solução apropriada de forma que a sociedade fosse respeitada por sua vontade e seus desejos, obtendo do Poder Judiciário a tão almejada prestação jurisdicional e conseguindo a paz social.

PALAVRAS-CHAVE: código de trânsito brasileiro; embriaguez; interpretação das normas; Recurso Especial 1111566.


INTRODUÇÃO

A sociedade clama cada vez mais por justiça, pois se sente abandonada pelos principais Poderes da República, que não conseguem responder aos anseios de seus cidadãos já cansados de verem injustiças serem cometidas e os culpados e responsáveis não serem condenados, o que sem dúvida colabora para que o sentimento de impunidade reine entre todos aqueles que se interessam pelo bem estar social e esperam que o Estado lhes dê a contrapartida pela qual ofereceram sua cota de direitos em prol da proteção estatal desejada.

O que se vê atualmente no Brasil é o extremismo exacerbado de direitos que garantem a impunidade das pessoas que cometem crimes, mas não é possível detectar nenhum movimento por parte dos responsáveis pela criação e aplicação das leis no sentido de proteger a sociedade como um todo. Para se aplicar a Lei Penal é verificado cada pormenor que a situação fática dispõe, de modo que seja possível encontrar qualquer obstáculo, mínimo que seja, para que os responsáveis não tenham que responder à Justiça pelos seus atos.

Em nome de princípios fornecidos pelo Direito, os magistrados criam verdadeiras argumentações cuja extensão lógica não se sustenta, apenas para garantir a impunidade. No caso em tela, o Recurso Especial 1111566, utilizou-se o argumento no sentido de que, devido à estrita legalidade das leis penais, não é possível admitir qualquer tipo de prova sobre a embriaguez que não a realizada pelo etilômetro ou exame de sangue, conforme previsto em lei. Ocorre que, em virtude do princípio constitucional de que ninguém é obrigado a produzir prova contra si, também é admitido que qualquer condutor que seja fiscalizado se recuse a realizar quaisquer dos dois exames, ou seja, está se autorizando que o condutor possa dirigir embriagado. Não há outra ilação a que se possa chegar.

Será que atualmente não passa o Direito brasileiro por uma exacerbação de alguns princípios, como o da estrita legalidade e de não fazer prova contra si, sem realizar o devido sopesamento com os demais princípios legais? É certo que o Direito deve atuar no sentido de proteger a minoria, haja vista que a vontade da maioria nem sempre é a correta, mas, será que, no caso em tela, não se está justamente protegendo a conduta ilícita em detrimento do clamor da sociedade? O que deve ter maior peso, a impunidade do motorista embriagado ou a devida proteção estatal aos demais cidadãos que respeitam a lei?

O presente artigo pretende fazer uma crítica à decisão exarada no Recurso Especial 1111566, buscando, por meio do método indutivo-dedutivo, chegar à conclusão de que o disposto no artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro é suficientemente claro para punir os condutores que forem flagrados dirigindo em estado de embriaguez. O objetivo é realizar um estudo filosófico sobre as motivações das decisões judiciais, como são realizadas as interpretações das normas jurídicas e como esse processo deveria ser feito de modo que a sociedade também pudesse ser beneficiada, não apenas um indivíduo que busca possíveis brechas na lei para que possa sair impune de seus delitos. Assim, o magistrado deve levar em consideração a finalidade com a qual a norma foi criada, fornecendo uma resposta aos anseios da sociedade, que espera a efetivação da Justiça e a devida punição dos culpados.

O RECURSO ESPECIAL 1111566: O CASO CONCRETO

Para melhor compreensão do tema, imprescindível se conhecer o teor do Recurso Especial em tela. No referido recurso, que foi interposto no Superior Tribunal de Justiça, o Ministério Público do Distrito Federal se opôs à decisão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, que beneficiou motorista que não se submeteu ao teste do etilômetro (vulgo bafômetro), porque na ocasião o exame não foi ofertado pelos policiais presentes na autuação. O motorista em questão se envolveu em acidente de trânsito em março de 2008, quando a Lei 11.705/08 (conhecida popularmente como Lei Seca) ainda não estava em vigor, sendo que então foi encaminhado ao Instituto Médico Legal, onde um teste clínico confirmou o estado de embriaguez.

O motorista foi então denunciado pelo Ministério Público com base no artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro, sendo que conseguiu o trancamento da ação penal, por meio de habeas corpus, cujo teor principal foi a alegação de que não restou comprovada a concentração de álcool exigida pela nova redação da norma trazida pela Lei 11.705/08. O tribunal do Distrito Federal entendeu que a lei nova seria mais benéfica para o réu, já que impõe critério mais rígido para a verificação da embriaguez, devendo então ser aplicada a fatos anteriores à sua vigência.

O Ministério Público interpôs recurso especial com a intenção de modificar o entendimento exarado pelo Tribunal do Distrito Federal, com a argumentação de que a modificação realizada no artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro, de critérios objetivando a concentração de seis decigramas de álcool por litro de sangue não significa em nenhuma hipótese que houve abrandamento da norma penal. Tratar-se-ia de mera dificuldade adicional para a comprovação da denúncia. Alegou que é perfeitamente possível estabelecer a comprovação do estado de embriaguez por outros meios que também são considerados idôneos. Sendo, inclusive, no caso em tela, que o exame clínico realizado por perito médico é totalmente hábil para a devida comprovação, haja vista estarem presentes métodos cientificamente comprovados para atestar a concentração de álcool no sangue superior ao exigido pela legislação em questão.

Em julgamento apertado, que foi desempatado pelo voto de minerva da ministra Maria Thereza de Assis Moura, presidente da Terceira Seção, o Superior Tribunal de Justiça definiu que apenas o teste do etilômetro ou o exame de sangue podem atestar e comprovar o grau de embriaguez do motorista para desencadear uma ação penal, conforme previsto em lei.

A maioria dos ministros decidiu que a Lei 11.705/08 trouxe critério objetivo para a caracterização do crime de embriaguez, que está tipificado no artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro. Assim, necessário se faz a comprovação de que o motorista esteja dirigindo sob influência de ao menos seis decigramas de álcool por litro de sangue, conforme prevê a lei. Tal quantitativo nominal só poderia ser atestado pelo exame de sangue ou pelo teste do etilômetro, segundo dispõe o Decreto 6.488/08, que disciplinou a margem de tolerância de álcool no sangue e a equivalência que pode ser aplicada entre os dois testes.

Segundo a ministra Maria Thereza de Assis Moura, o tipo penal em debate é fechado, exigindo determinada quantidade de álcool no sangue explicitamente. Portanto, a menos que a lei seja modificada, não há como um juiz firmar a sua convicção sendo contrário ao que diz a própria lei, ou seja, nenhum outro método seria capaz de cumprir com as exigências legais.

Há de se fazer uma análise se a decisão tomada pelo Superior Tribunal de Justiça foi a mais acertada, não só diante do caso concreto sob análise, mas também diante de um contexto social no qual se clama por mais efetividade das leis por nossos tribunais superiores.

A CRISE NA INTERPRETAÇÃO DAS LEIS

Por óbvio que os códigos e leis do mundo jurídico não estão aptos a prever e, portanto, suprir, tudo o que a sociedade demanda, até porque é impossível ao Direito acompanhar ao mesmo passo a evolução social e seus desmembramentos.

Conforme leciona Miguel Reale, a partir do momento em que houve a ruptura entre a lei e o fato social, como resultado evidente do crescimento populacional e também do impacto de forças externas ao Direito, como por exemplo, técnicas e econômicas, tornou-se imperativo encontrar outras soluções para a devida interpretação das normas, assim, conforme também já outrora anunciado por Rudolf von Jhering, há que se dar atenção ao problema do fim[1].

Nesse ínterim, restou evidente que os métodos tradicionais de interpretação, como o gramatical, o histórico-dogmático e o lógico-sistemático já não eram suficientes. Tais métodos se mostravam insuficientes para dar a resposta adequada às exigências sociais por meio da legislação vigente. O magistrado, é claro, não tem como esperar a atuação do Poder Legislativo sobre determinado assunto para então pronunciar sua sentença. De fato, deve este se atentar aos fatos apresentados e aplicar a lei de forma que atenda a todos os requisitos com os quais foi criada e também respeitando seus objetivos.

A interpretação do Direito, portanto, deve respeitar a norma positivada, vigente, mas não pode em hipótese alguma desrespeitar o ser humano. A criação de uma sociedade justa perpassa a adequação correta da subsunção legal, não podendo haver a aplicação de penas mais severas do que o previsto, mas também não se admite que seja usado o rigor interpretativo para abrandar a aplicação da norma. Desta forma, o uso da hermenêutica se mostra devidamente acertado, pois demonstra a preocupação efetiva com a sociedade e revela que a efetivação do Direito vai além da norma posta.

Hans Kelsen pondera ao analisar criticamente tal tema:

Se com validade se quer dizer dever-ser, então a lei, i.e, a norma primária, é diretamente válida apenas para o órgão que deve executar a sanção. Apenas quando se faz uso de normas secundárias na noção de lei é que o sujeito deve evitar o delito e executar o dever jurídico, e, desse modo, indiretamente a lei adquire validade também para o sujeito. Apenas o órgão pode, estritamente falando, obedecer ou desobedecer a norma jurídica, ao executar ou deixar de executar a sanção estipulada, tal como ordinariamente usadas, porém, as expressões obedecer à norma e desobedecer à norma referem-se à conduta do sujeito. O sujeito pode obedecer ou desobedecer apenas a norma secundária. Se sustentamos o modo comum da expressão, segundo o sujeito obedece ou desobedece à lei, é (recomendável) dizer que órgão aplica ou não aplica a lei. Apenas adotando alguma distinção terminológica de tal tipo seremos capazes de perceber com clareza a diferença entre a relação da lei com o sujeito, o delinquente potencial, e sua relação com o órgão. Na medida em que compreendemos por lei a norma jurídica primária genuína, a lei é eficaz se for aplicada pelo órgão se o órgão executar a sanção. E o órgão tem de aplicar a lei precisamente no caso em que o sujeito desobedece à lei: esse é o caso para qual foi estipulado à sanção. Existe, contudo, certa conexão entre obediência efetiva e aplicação efetiva do Direito[2].

Margarida Maria Lacombe Camargo, aprofundando as teorias de Kelsen, estabelece que o Direito basta por si só e independe de outras ciências para ter efetividade e controlar a sociedade:

Kelsen isola do Direito qualquer indagação do tipo quem fez a norma, por que a fez, quais os interesses ou valores que encerra etc., pois, segundo ele, tais questões pertencem ao campo de considerações próprio da ciência política, da psicologia, da ética ou da sociologia. O fundamento de validade do Direito não está, para Kelsen, na origem ou na fundamentação social do ato, mas na própria norma (superior) que o autoriza, ou melhor, na norma que o prescreve. Assim, para efeitos metodológicos, o direito, como norma ou ordenamento jurídico encerra-se em si, prevendo e controlando a sua própria existência, bastando a si mesmo[3].

O positivismo, assim, entra em crise, pois não permite a abertura devida para a discussão do caso concreto, limitando-se ao conteúdo escrito. Por sua vez, o juiz não pode deixar de exarar a sentença se encontrar uma lacuna ou mesmo uma obscuridade na lei. No entanto, esta determinação na qual o magistrado obrigado está a sentenciar não o autoriza a usar de artifícios ou mesmo de preceitos para realizar sua sentença.

A Escola da Exegese, já superada no Direito atual, prevê que a norma deva ser aplicada estritamente conforme disposta em sua escrita, pois se amolda perfeitamente ao caso concreto. O problema foi resolvido justamente com a superação de tal tese, levando em consideração a intenção do legislador, que conforme coloca Miguel Reale, abandona-se à colocação puramente lógico-analítica do problema, para se recorrer a um elemento empírico, metanormativo, ou metalegal [4]. Devido à dificuldade intrínseca de se colocar em prática a reconstituição das intenções de um legislador de outra época, lançou-se uma nova técnica interpretativa, conforme ensina Reale:

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Daí o progresso que logo depois se operou na técnica interpretativa, no sentido de ser a lei interpretada, não segundo a intenção inicial presumida do legislador, mas sim, de conformidade com aquela intenção que o legislador teria se estivesse vivendo em nosso tempo: - o ficcionalismo pragmático integrava-se, desse modo, nas raízes da problemática interpretativa.

Note-se como o problema se tornava cada vez mais complexo. Não mais a lei, na sua pura força lógica, como a Escola da Exegese pretendera de início, mas a lei acomodada ao fato, através de um trabalho de enriquecimento de seu conteúdo. Para preencher as necessidades não previstas, facultava-se ao intérprete completar o conteúdo da regra com um trabalho que se chamou de interpretação histórico-evolutiva.

O Direito não pode ser indiferente aos valores, ao bem comum, à justiça, pois isso é um erro fatal que será cometido com aqueles que mais necessitam do ordenamento jurídico. Assim, o juiz, para conceber uma boa decisão judicial deve levar em consideração e reconhecer o sentido histórico e o valor da liberdade da justiça, colocando-se então na devida sintonia com o que a sociedade quer como destino para si mesma.

Clovis Beviláqua corrobora sobre o tema: A aplicação da lei seguirá a marcha dos fenômenos sociais, receberá continuamente, vida e inspiração do meio ambiente e poderá produzir a maior soma possível de energia jurídica [5].

O Direito não é um fenômeno apartado da vida social, da sociedade. Nada mais natural então que uma vez que os fatos ou a situação na qual o Direito exerce sua disciplina mudem, também seja modificada a interpretação da norma. Desta feita, é possível afirmar que a lei vive da forma, já o Direito vive da matéria, de seu movimento constante, dinâmico e perpétuo. A ilação a que se chega, portanto, é revelada por Franco Montoro: ordem jurídica é conceito formal, Direito é conceito material [6]. O Direito deve ser encarado como o pensamento, a essência, a ética de tudo aquilo que efetivamente compõe a ordem jurídica. Mesmo que o Direito varie de acordo com o tempo e o espaço, a forma permanecerá invariável. Ora, lei nada mais é do que o produto de uma atividade legislativa, enquanto que o Direito é produto da função jurisdicional. O Direito, portanto, está longe de ser estático, na verdade é revelado como um contínuo vir a ser [7].

A interpretação das normas não é uma exclusividade dos magistrados, não se tratando em hipótese alguma de um monopólio detido por estes, pois elas também são interpretadas pela realidade e pela sociedade, conforme ensina Peter Härbele:

[...] a vinculação judicial à lei e a independência pessoal e funcional dos juízes não podem escamotear o fato de que o juiz interpreta a Constituição na esfera pública e na realidade. Seria errôneo reconhecer as influências, as expectativas, as obrigações sociais a que estão submetidos os juízes apenas sob o aspecto de uma ameaça a sua independência. Essas influências contêm também uma parte de legitimação e evitam o livre arbítrio da interpretação judicial. A garantia da independência dos juízes somente é tolerável porque outras funções estatais e a esfera pública pluralista fornecem material para a lei[8].

É patente que a realidade atua decisivamente sobre a normatividade, deste modo, o intérprete deve amoldar o aparato normativo acolhendo as demandas da vida, assim, permitindo que exerçam sua saudável influência na lei, por outra via, estará ao mesmo tempo imprimindo na realidade o que há de intransigível na normatividade.

O magistrado deve então estar impregnado de autocrítica, perfazendo a reflexão filosófica que visa resgatar o sentido do mundo, portanto, não pode ser meramente técnico vez que o desenvolvimento da técnica é a razão instrumental, mas a desejada é a razão vital, permeada de racionalidade ético-política, permitindo que o homem tenha uma compreensão crítica do mundo no qual vive, conforme as palavras de Dworkin:

Juízes diferentes pertencem a tradições políticas diferentes e antagônicas, e a lâmina das interpretações de diferentes juízes está afiada por diferentes ideologias. Tampouco isso é deplorável. Ao contrário, o direito ganha em poder quando se mostra sensível às fricções e tensões de suas fontes intelectuais[9].

Toda e qualquer decisão tomada pelos magistrados sempre será difícil. Assim, antes de exarar a sentença, deve o magistrado pensar contra si mesmo, pois por meio desta reflexão poderá medir a paz interior que esta lhe trará. A liberdade de ação do magistrado não consiste em uma forma desenfreada de sua discricionariedade, tampouco também pode a lei ser opressiva. O que resta, dessa forma, é que apenas as decisões que tenham incorporadas em si o objetivo real do mundo jurídico, ou seja, ao bem comum, corresponderão de fato à essência moral da normatividade que garantirão sua estabilidade.

O direito não é algo realizado apenas pelo Poder Legislativo, mas também pelo próprio Poder Judiciário, conforme as lições de Amílcar de Castro:

Ainda é enigmática a razão pela qual todas essas lições irrecusáveis vêm passando despercebidas no mundo jurídico, e tanto se haja arraigado a convicção errônea de que só legislador faz o direito, e não o juiz, pois este vem há séculos fazendo direito sem saber, como se vê desta brilhantíssima página de Renard: nossos magistrados (e o digo com a respeitosa simpatia inspirada pela minha participação na vida forense) têm o temperamento desses velhos criados de famílias aristocráticas, aos quais nenhuma Declaração de Direitos do Homem jamais conseguirá convencer do princípio da igualdade civil. A Lei e o Parlamento se lhes afiguram em plano tão elevado que não entra em seus cálculos competir com eles: basta-lhes desentranhar religiosamente os mistérios de suas intenções. O juiz, criando o direito, fazendo-o, cometeria crime de lesa-majestade. A lei é a lei, e o Parlamento o seu profeta! A lei é a fonte de todo o direito, e todo o direito está na lei, não há direito, a não ser na lei. O Parlamento é onipotente e a sua vontade é a regra de toda Justiça, e a Justiça não é senão a execução da vontade do parlamentar. Não há direito que não seja o direito legislativo, e esta expressão é uma tautologia; não há, nem pode haver direito judicial, e esta expressão seria contraditória. Esta é a mentalidade sempre reinante, e o erro que combato constantemente e que, pode dizer-se, encontro em todas as curvas do meu caminho. Trata-se de erro, não só filosófico, como constitucional, uma falsa concepção da separação dos poderes[10].

Miguel Reale também corrobora com tal entendimento, dizendo que é necessária a devida interpretação da norma ao ser aplicada, criando uma harmonia na integração entre a letra e o sentido, assim a letra pode ganhar a tão almejada elasticidade e plasticidade sem que com isso haja prejuízo no sentido:

Não há norma sem que haja interpretação. Resulta deste fato que, ao procurar compreender a norma jurídica, ou seja, ao querer determinar o alcance da prescritividade valorada inerente à fórmula legal objetivada, o intérprete refaz, de certa forma, o caminho do legislador, vai da norma ao fato, mas tendo presente os fatos e valores que condicionaram o aparecimento desta, bem como fatos e valores supervenientes[11].

O raciocínio jurídico se desenvolve e cresce por meio da teoria da argumentação e da demonstração. A teoria da demonstração se dá por meio de raciocínios lógico-formais enquanto que a teoria da argumentação se dá por raciocínios persuasivos, ou seja, de racionalidade crítica de modo que suscite a adesão de inteligências para as teses que estão em discussão, fazendo florescer e crescer o papel da dialética e da razão prática.

O magistrado, ao proferir seu julgamento, o faz em dois momentos distintos: no primeiro, há um prejulgamento de forma que seja possível antever as condições que permitirão fundamentar racionalmente a decisão; no segundo momento, há a argumentação que permite demonstrar a decisão em si. Isso não quer dizer que o julgamento aconteça em dois momentos distintos, estes momentos acontecem apenas no plano psicológico e lógico, com uma junção entre estes, desta interação há a dialética, já que a racionalidade do juiz não é um produto da lógica formal, dessa forma o magistrado evita a materialização de decisões injustas, sendo que também constrói o seu discurso de modo que possa enfrentar e dissuadir quaisquer argumentos que sejam contrários aos seus[12].

Cada magistrado reúne uma experiência única de vida, assim como cada indivíduo, cada ser humano. Dessa feita, cada qual tem um sentido de liberdade e justiça próprios, porém, não pode levar em consideração tão somente a própria convicção, descartando completamente a opinião da própria sociedade, haja vista que esta espera a justiça ser realizada pelas mãos do juiz, revelando, em total plenitude, o alcance das normas jurídicas vigentes, prestando um serviço ao qual se espera deste, não podendo levar a literalidade da lei ao extremo, de forma que não seja possível atender aos anseios da população. A estrita legalidade deve ser analisada com extrema cautela, portanto, e ser usada apenas em casos nos quais seja razoável esperar que a sociedade anseie por um posicionamento dos tribunais justamente no sentido de que seja necessário a sua aplicação e não o contrário.

INTERPRETAÇÃO DAS NORMAS E A ESTRITA LEGALIDADE

O Direito Penal, dentre todos os ramos do direito, é sem dúvida, o mais contundente e incisivo de controle social, haja vista que a sanção penal atinge um dos valores fundamentais do homem: a liberdade. Desse modo fica clara a preocupação dos doutrinadores penalistas quanto à temerária amplitude do Direito Penal, ao mesmo tempo em que também predomina uma certeza de que tal amplitude deve ser mínima e restringir-se à estrita legalidade.

No REsp em análise no presente artigo, foi ressaltada a constitucionalidade da atitude do motorista que se recusa a se submeter ao teste alcoolemia, seja por meio do etilômetro ou por meio do exame de sangue, em virtude do princípio da não autoincriminação, vez que ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo.

Levando em consideração a objetividade do tipo penal constante do artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro, foi considerada inadmissível a utilização de quaisquer outros meios de prova uma vez que o condutor do veículo tenha se recusado a realizar o teste de alcoolemia pelo etilômetro ou exame de sangue.

O limite de seis decigramas de álcool por litro de sangue mencionado na lei foi considerado um elemento objetivo do tipo penal e, portanto, não é cabível a sua relativização. A argumentação continuou no sentido de que não se pode adequar a lei a fins diversos, e que não se podem ferir quaisquer direitos do cidadão, o que de fato o transformaria em réu por uma conduta não prevista na lei.

A legalidade pode ser entendida como estado jurídico, pois ilustra a necessidade de o Estado Democrático de Direito ser orientado pelas normas em sentido estrito, que, por meio destas, manifesta a vontade popular, positivada e materializada em um molde prescritivo claro, límpido e analítico, após serem votadas e aprovadas por seus representantes devidamente eleitos. Da conceituação de lei e de sua necessária observância, legalidade, deriva a noção de existência de um pilar mestre, uma verdadeira sustentação do sistema jurídico, que tem como determinação ser imprescindível a observância de tais moldes prescritivos, para que seja possível a manutenção da ordem pública e também do bem estar social.

Assim, a noção que se extrai de Estado Democrático de Direito está intimamente associada com a noção do princípio da legalidade, em sua concepção de necessidade estatal de positivação e observância, não só pelo povo, mas também pelo próprio Estado.

A lei, sob o escudo de esta instituição principiológica idealizada como legalidade, apresenta a imprescindível função de estabelecer o ilícito, em outras palavras, descreve a conduta humana que não é desejada pela sociedade e, com efeito, faz aparecer a tipificação legal, que no direito penal podem ser concebidos como os tipos incriminadores e no direito administrativo como os tipos proibitivos.

Como argumentado, com um viés no princípio da segurança jurídica pode-se concluir que a necessidade de ser o ilícito descrito em lei cria o conceito de tipo legal e, com efeito, uma noção típica de princípio a ele vinculado, qual seja, o princípio da tipicidade. O princípio da tipicidade preceitua que a descrição realizada pela lei deva ser taxativa, analítica, materializando a noção de proibição afirmada pelo Estado. Portanto, a lei, o princípio da legalidade e também o princípio da taxatividade, ao lado de outras normas de garantias fundamentais do indivíduo, são pilares orientadores do direito de punir estatal.

Não resta dúvida, portanto, a importância de se inferir a necessidade de uma tipificação taxativa, que descreva totalmente a conduta ilícita, que faça isso analiticamente, de forma inteligível, completa, sem nenhuma omissão, obscuridade ou mesmo vaguidades de termos léxicos e gramaticais. Assim, apresenta-se o princípio da taxatividade.

Desta forma, a criação de uma conduta proibida, que deveria ser assinalada na taxatividade, por vezes é comprometida pela descrição precária, até mesmo de difícil compreensão, do tipo proibitivo, o que permite a existência de infrações que tenham redações imprecisas, abertas, vagas, incompletas ou obscuras: que ficam conhecidas como os tipos indeterminados, que não podem ser confundidas com os tipos com elementos normativos e os tipos proibitivos em branco. Estes dois últimos não têm nenhum comprometimento em sua taxatividade. Assim, deve o intérprete, e também o aplicador do direito, se valer da interpretação sistemática, levando em consideração, inobstante, a complementação taxativa do tipo, existente em outras normas que estejam a ele relacionadas.

Nesse ínterim, temos que o uso do Direito tem como objetivo possibilitar a boa convivência entre os seres humanos. Desta forma, não pode ser permitida uma formulação do direito de maneira arbitrária, o que estabeleceria um positivismo jurídico estrito ou mesmo um decisionismo político. O uso do Direito está arraigado a princípios supra-positivos que servem justamente para servir de base e sustentar sua legitimidade.

Ora, os princípios do Direito exigem uma adequação externa do direito do sujeito com todas as condições que possibilitam sua coexistência universal com seus demais pares. Nos momentos que tal orientação não é observada, ou seja, quando não for possível fazer uso da liberdade respeitando-se o alheio, então a injustiça terá imperado sobre o direito do sujeito. É uma simples questão de conformidade à lei que importa.

Assim, se afigura que o procedimento seguido por Kant na Doutrina do Direito é característico de toda a sua filosofia prática, recorrendo ultimamente ao imperativo categórico da razão e às suas consequências práticas e teóricas, no caso da doutrina do direito, ao postulado jurídico da razão prática pura [13]. Para Kant, jamais a legalidade será resumida a uma moralidade crua, assim também pensa Heck:

Deveres de direito constituem offici debiti, isto é, são obrigações oriundas de um direito alheio. O objeto de todo dever de direito é uma ação à qual alguém pode ser obrigado por algum outro com vistas ao direito subjetivo que cabe ao último com base na lei geral do direito[14].

A filosofia do direito proferida por Kant não é meramente uma crítica prática da razão, embora conjeturasse objetivamente seus conhecimentos. Esta filosofia desenvolve um conceito racional de direito, que tem desta forma, para a legislação positiva, o significado de um supremo padrão de medida crítico-normativo. O conceito de direito, assim, é puro, no entanto, pressuposto na práxis. Assim, o filósofo não tem como projetar nenhum sistema de direito que seja completo.

O direito sem dúvida alguma integra o sistema moral. Ambas as legislações de liberdade, a ética e o direito, são informadas, respectivamente, pelo imperativo categórico e também pela lei jurídica. Contudo, ambas estão reprimidas ao princípio moral. Nesse sentido, a obrigatoriedade dos deveres nas duas legislações surge na razão prática e se manifesta por meio de tais imperativos de ação. Só que a esfera da legalidade pode e deve fazer uso da coerção para manter a liberdade universal, restando, desse modo, à esfera moral, a autocoação como condição necessária e imprescindível para a ética.

Por se tratar de um formalismo, pode parecer que não há distinção material entre direito e ética. A possível distinção à primeira vista entre os dois tipos de lei moral é formal. A distinção se apresenta quando ao móbil da ação.

A mera concordância ou discrepância de uma ação com a lei, sem ter em conta os móbeis da mesma, se chama de legalidade (conformidade com a lei), mas àquela em que a ideia de dever segundo a lei é, por sua vez, o móbil da ação, se chama de moralidade (eticidade) da mesma[15].

A legislação do direito só é possível para leis morais que se referem ao arbítrio exterior das pessoas e, por outro lado, só é moralmente possível se tiver leis universais da liberdade. Em Kant cada obrigação jurídica corresponde a um dever da legislação ética. É o agir movido pelo simples dever sempre que não existir uma motivação externa eficaz.

No plano ético, a ação não é realizada tão somente conforme o dever, mas por dever, em outras palavras, o móbil é incluído na lei, de modo que a ação executada é transcorrida por uma vontade imanente que estimula tal ato. No plano do direito, admite-se um móbil diferente da ideia do dever, sem interessar-se pela concordância ou não da ação à lei, ou seja, não se levando em conta o móbil.

A partir do momento no qual a razão, com sua capacidade de regramento, é tomada como objeto de uma legalidade que abrange todo o âmbito prático, a assim chamada liberdade interna não tem mais condições para idealizar negativamente a legalidade em face da moralidade. Assim, deveres éticos tornam-se direitos por baixo do pano.

A legalidade estrita não pode ser usada como critério interpretativo para superar as questões de moralidade e ética e também suplantar o desejo do legislador e da sociedade na criação da norma. No caso em tela, uma simples leitura do artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro já é suficiente para a perfeita compreensão de que é crime dirigir embriagado.

A estrita legalidade, por exemplo, é deixada de lado nos casos tratados como crimes de bagatela ou princípio da insignificância, nos quais o acusado é absolvido pela insignificância do ato em si, deixando de se aplicar a letra da lei. A simples aplicação deste princípio exige uma extrapolação do que está antevisto em lei, justamente em sentido contrário ao almejado pelo legislador, que não fez qualquer previsão de situações com as quais haveria essa exceção para o cometimento de crimes.

No entanto, a positivação da aferição alcoólica por meio do etilômetro ou do exame de sangue, não deve ser entendida como a única solução possível para a devida verificação do estado de embriaguez do condutor. A norma deve ser interpretada utilizando da razão, de critérios morais e éticos, preservando também sua finalidade, o desejo do legislador e também da sociedade, impondo assim o caráter de justiça que é esperado da norma positiva.

Ademais, seguindo a lógica da interpretação da estrita legalidade, não se poderia nem mesmo aceitar o Decreto 6.488/08, que faz a equiparação do exame de sangue à aferição obtida por meio do etilômetro, já que apenas a lei em sentido estrito dispõe de legitimação constitucional para realizar a tipificação e delimitação de infrações máximas. No mínimo, então, está-se a conviver com um paradoxo interpretativo.

A segurança jurídica somente é alcançada quando o homem conhece de antemão a reação do Estado para uma sua determinada conduta. Só há liberdade se, além da consciência interna, houver o conhecimento da norma. Aquele que ignora como há de se conduzir e de se comportar, não pode conduzir-se livremente. Não há liberdade sem ciência prévia da ilicitude. No entanto, essas afirmações devem ser aplicadas não somente a um único indivíduo, mas também a toda a sociedade, já que esta, conhecedora de determinada norma, espera assegurar sua liberdade em contraposição à de um indivíduo, justamente por saber que a lei será cumprida, com a devida interpretação que venha a satisfazer o anseio social de ética e moralidade.

CONCLUSÕES

A interpretação das normas penais não pode estar adstrita à motivação exacerbada da estrita legalidade, mas devem sim ser utilizados critérios práticos, inclusive de regras de experiência, de modo que o magistrado possa exarar sua decisão, permitindo que a legislação encontre sua aplicação e assim complete seu principal objetivo. A moralidade e a ética também devem estar presentes quando da interpretação, e também a finalidade com a qual o legislador criou a norma e o que a sociedade espera com o seu devido cumprimento.

Não há que se falar em critérios temporais para justificar a não utilização dos critérios de finalidade para a interpretação da lei penal, haja vista que o objetivo principal de tais normas é a proteção da sociedade e não de um indivíduo. A relação da norma para com uma única pessoa é justamente o critério de punição, que será aplicado quando do amoldamento da norma ao fato do caso concreto.

No caso do Recurso Especial 1111566, inclusive, a estrita legalidade impõe até mesmo um paradoxo interpretativo, vez que o Decreto que fez a equiparação do exame de sangue ao uso do etilômetro não obedece aos preceitos constitucionais, caracterizando assim, no mínimo, uma tensão explícita dentro da lógica pela qual foi utilizada como método interpretativo para a não aplicação do Código Brasileiro de Trânsito.

O positivismo não pode e não deve ser levado ao extremo de modo que o julgamento do caso concreto só seja possível por meio da estrita aplicação da lei escrita, até mesmo porque, diante de tal possibilidade, que remonta ao tempo do Código de Napoleão, estará abrindo-se a janela para uma efetiva ruptura social, disseminando-se não a esperada paz social, mas injustiças que atingirão não só o indivíduo, mas também toda a sociedade.

Para atender o desejo da sociedade, a norma deve ser interpretada de modo que seja possível a responsabilização do agente criminoso. Desta feita, na questão do artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro, a disposição de seis decigramas de teor alcoólico por litro de sangue e a estipulação da utilização do etilômetro e do exame de sangue para tal comprovação, devem ser encaradas como um requisito máximo permitido de álcool para a admissibilidade para a aplicação do tipo penal e não o contrário. É perfeitamente possível que outros métodos sejam utilizados para a detecção da embriaguez do condutor veicular. Ademais, não é lógico nem razoável admitir, por exemplo, que uma pessoa ao ser abordada em fiscalização policial, que não consegue nem mesmo andar corretamente devido ao seu grau etílico, consiga sua absolvição na justiça apenas porque se recusou a fazer o teste com o etilômetro ou o exame de sangue, invocando o princípio constitucional de não produzir provas contra si. Ora, o depoimento dos policiais, testemunhas ou mesmo exame clínico realizado por perito médico é meio hábil para a produção de provas necessárias para comprovar o desrespeito para com a norma.

A decisão, portanto, constante do Recurso Especial aqui comentado, diverge da realidade, contraria o espírito pelo qual foi concebida a Lei 11.705/08, conhecida como Lei Seca, que procurou endurecer a punibilidade de infratores que não se preocupam com o bem maior protegido pelo ordenamento jurídico, qual seja, sua própria vida e também de seus pares.

A lógica utilizada pelos doutos julgadores carece de razão, afronta os princípios morais e éticos pelos quais a sociedade espera que a Justiça seja guiada, confiando que sua vontade seja respeitada justamente por aqueles de quem se espera esteja a serviço do bem comum, objetivando claramente a paz social.

A aplicação do princípio da estrita legalidade e da não produção de provas contra si, sem a possibilidade de sopesamento diante de inúmeros outros princípios orientadores do ordenamento jurídico, tampouco é razoável. A lógica e a razão urgem que seja estabelecido o devido equilíbrio entre estes, de modo que não exista apenas proteção às pessoas que cometem crimes e buscam brechas na lei para que permaneçam impunes.

A sociedade, cumpridora de seus deveres, que respeita as leis, deve ter uma proteção ainda maior do ordenamento jurídico, gozando assim de privilégios que devem ser levados em conta quando da aplicação da norma ao caso concreto, superando o interesse de um indivíduo que quer apenas se ver livre de uma punição, justamente pelo descumprimento da lei, mas que devido a uma possível má técnica legislativa para a criação do texto escrito possibilita assim um verdadeiro escapismo ao Direito Penal. É justamente nessa questão que se vislumbra que a legalidade estrita, quando exacerbada, é nociva à sociedade, pois livra o infrator de sua punição, mas, conjuntamente, pune todos os demais cidadãos.

Em que pesem os argumentos apresentados, a solução que se vislumbra, ao menos momentaneamente, é a criação de nova norma que modifique novamente o Código de Trânsito Brasileiro, determinando inequivocamente que o motorista flagrado com qualquer teor alcoólico seja exemplarmente punido, bastando, para a comprovação, qualquer meio de prova admitido em direito. Assim, não se permitirá que o magistrado exerça qualquer forma de interpretação que seja favorável aos criminosos.

O sentimento que predomina hoje no país é justamente o de que impera a impunidade, algo inaceitável em qualquer sociedade que se diz guiada pelo Estado Democrático de Direito. A razão, a ética e a moral devem estar acima de qualquer princípio que possa ser utilizado como meio de defesa para criminosos que não se importam com o bem estar social. Os princípios protetores da sociedade em geral, ao serem sopesados, devem estar um degrau acima dos demais previstos no ordenamento jurídico pátrio.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Celso Jefferson Messias Paganelli

Doutor em Direito pela ITE - Instituição Toledo de Ensino. Mestre em Direito pelo Centro Universitário Eurípedes de Marília - UNIVEM. Pós-graduado em Direito Constitucional pela Universidade Anhanguera-UNIDERP, Pós-graduado em Direito da Tecnologia da Informação pela Universidade Cândido Mendes. Graduado em Direito pela Associação Educacional do Vale do Jurumirim (2009). Professor de Direito para graduação e pós-graduação. Tem experiência na área de Direito e Informática, com ênfase em Direito Digital e Direito Constitucional, atuando principalmente como advogado e docente. Tem vasta experiência com informática, possuindo mais de 30 certificações da Microsoft e diversos títulos, entre eles MCSE, MCSD, MCPD, MCTS, MCSA: Messaging, MCDBA e MCAD. Articulista e colunista de diversas revistas e jornais.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PAGANELLI, Celso Jefferson Messias. Análise do julgamento no Recurso Especial 1.111.566/DF: o etilômetro e a interpretação das normas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 6802, 14 fev. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/96391. Acesso em: 21 dez. 2024.

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos