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Acordo realizado perante o Procon: validade como título executivo ou meio de prova

24/03/2022 às 10:10

Resumo:


  • Acordos realizados no PROCON podem ser levados à justiça em caso de descumprimento, onde o consumidor lesado deve buscar o Juizado Especial Cível ou a Justiça Comum para prosseguir com a reclamação.

  • O acordo do PROCON não tem força de título executivo, sendo necessário um processo judicial para validar o acordo e permitir a execução em caso de não cumprimento.

  • Existe um projeto de lei (PLS 68/2013) que busca dar natureza de título executivo extrajudicial aos acordos feitos no PROCON, com o objetivo de agilizar a resolução de litígios e desafogar o judiciário.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Em caso de descumprimento de acordo realizado junto ao PROCON, o consumidor deverá procurar o Judiciário. Surge a questão: a ata do acordo pode ser executada?

Inicialmente vamos fazer uma breve observação a respeito dos acordos formalizados em audiência junto ao PROCON.

Uma vez que o consumidor seja lesado, este poderá estar acionando o PROCON e dar entrada a uma reclamação. A etapa seguinte levará o consumidor e o fornecedor a uma audiência de conciliação intermediada por uma terceira pessoa neutra, o conciliador, oportunidade em que o problema poderá ser resolvido através de um acordo.

Quando este acordo é descumprido, poderá acarretar multa em desfavor do fornecedor, posto que o processo passa a ser encaminhado ao setor responsável dentro do órgão para análise e aferição desta multa.

Aqui estamos falando de uma multa administrativa, a qual, quando recebida, passa a integrar um fundo nacional ou municipal. Significa que a multa proferida pelo PROCON não é direcionada ao consumidor lesado, mas sim a um fundo que visa favorecer a toda sociedade consumidora.

Para o seu conhecimento, os recursos obtidos através das multas podem ser pleiteados por vários setores ou órgãos públicos do Estado para serem revertidos, após todo o procedimento legal, em investimentos direcionados aos consumidores em sua coletividade.

Dito isso, surge o questionamento: Como fica o consumidor lesado que não recebeu a multa administrativa?

Em caso de descumprimento do acordo realizado junto ao PROCON, o consumidor deverá procurar o poder judiciário para dar continuidade a sua reclamação e aqui o Juizado Especial Cível é a justiça escolhida devido a facilidade de acesso e isenção de custas.

Até 20 salários mínimos a representação por advogado é opcional e o consumidor poderá ajuizar a demanda tão somente com o auxílio da secretaria do Juizado ou do setor responsável por este atendimento, conforme organização de cada Fórum. Salienta-se também que a ação poderá ser ajuizada na Justiça Comum, posto que a propositura da ação nos Juizados é facultativa.

Agora vamos além e pensemos sobre a dúvida de muitos. Todo este procedimento e o tempo já despendidos junto ao PROCON têm validade? A ata de acordo pode ser executada?

Primeiramente observe que a ata do PROCON, embora registre o acordo formalizado e assinado pelas partes, não tem força de título executivo. Isso porque não houve a validação deste acordo mediante a homologação de um juiz.

O Código de Processo Cível não dispõe expressamente sobre o enquadramento da ata de acordo confeccionada no PROCON como título executivo. Significa que para constituir título se faz necessária nova demanda no judiciário. É o entendimento aplicado até então que eu chamo de regra geral.

Na prática, o profissional ou consumidor diante de um acordo descumprido ajuíza a ação correspondente no Juizado, utilizando a ata do PROCON como possível prova, posto que na ata poderá constar a confissão do fornecedor ou outra informação relevante. Também, muito utilizada para fins de indicar e comprovar uma tentativa prévia de conciliação sem êxito através da via administrativa.

Cada caso é um caso e deve ser analisado com atenção. Veja que diante do judiciário é possível também requerer uma condenação a título de indenização por danos morais e materiais, porém já com a prova de que anteriormente o consumidor tentou resolver extrajudicialmente a situação. Aqui muitas vezes o transtorno suportado pelo consumidor fica saliente.

Ademais, com a propositura da ação na via judicial toda a matéria será analisada e discutida, nova audiência será designada e novo acordo poderá ser entabulado pelas partes, porém com a correspondente homologação do juízo, adquirindo então a natureza de título executivo judicial.

Nesse caso, não podemos deixar de avaliar que o novo caminho seguido pode gerar morosidade em desfavor do consumidor e tumultuar o judiciário, embora seja mais vantajoso em sua análise completa. Nessa extensão, soluções vêm sendo buscadas pelos órgãos mediante cooperação.

Há comarcas nas quais o PROCON formalizou parceria (chamada também de cooperação técnica) com o CEJUSC para fins de obtenção da homologação da ata através do judiciário de uma forma facilitada e direta pelo PJE. A exemplo cito a comarca e Cáceres (MT) que no ano de 2022 registrou a parceria.

Há também comarcas que através da parceria firmada com o judiciário organizaram uma unidade nos Juizados para recebimento dos termos e lavratura dos mesmos, os quais são devolvidos posteriormente ao PROCON e passam a ter força de título executivo judicial. A exemplo cito a comarca de São Carlos (São Paulo) que em 2020 registrou a cooperação.

Para o seu conhecimento e nessa linha de solução, há um projeto de Lei que visa atribuir natureza de título executivo de forma a conferir celeridade na solução de litígios e desafogar o Poder Judiciário. É o Projeto de Lei do Senado nº 68, de 2013, o qual foi aprovado no dia 11/09/2019 na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e aguarda nova diligência.

Veja a ementa:

Altera o Código de Defesa do Consumidor para atribuir a natureza de título executivo extrajudicial ao acordo celebrado perante órgãos de defesa do consumidor.

Explicação da Ementa:

Altera a Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 ( Código de Defesa do Consumidor), para dispor que o acordo celebrado por fornecedor e consumidor perante entidade ou órgão da Administração Pública destinado à defesa dos interesses e direitos protegidos pelo Código de Defesa do Consumidor consistirá em título executivo, nos termos do Código de Processo Civil.

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Agora vamos mais além. Será que há comarcas que aceitam o termo de acordo realizado no PROCON como título executivo extrajudicial?

Aqui há uma grande discussão que merece ser debatida. A resposta é sim. Há entendimento de que a ata pode se enquadrar como título executivo com base no art. 784, inciso II do CPC que assim dispõe: São títulos executivos extrajudiciais: II - a escritura pública ou outro documento público assinado pelo devedor.

Observem aqui o termo outro documento público assinado pelo devedor. É este o baseamento legal de quem busca executar o termo de acordo.

Vamos então analisar os detalhes. A ata e acordo no PROCON é um documento escrito, possui o registro da audiência, assinatura do devedor, é emitida por um órgão público (PROCON) e assinada por um funcionário público. Significa que a princípio adquire a natureza de documento público.

Então, muitos operadores do direito entendem que pode ser enquadrada como título executivo extrajudicial. A fundamentação é plausível e aceita por alguns magistrados. Porém, não é a regra geral e cuidado aqui: todo título deve estar amparado da certeza, liquidez e exigibilidade.

Atribuir a natureza executiva a toda e qualquer registro em ata de acordo seria alargar o rol de títulos executivos e gerar insegurança jurídica, na medida em que se corre o risco de conferir executividade a créditos que não possuem as características necessárias indicadas no art. 783 do CPC.

O que se pode observar na prática é a ação de execução com a tentativa de satisfação da multa imposta em ata em caso de descumprimento do acordo, comumente atribuída como porcentagem a incidir sobre o valor principal (não confundam com a multa administrativa).

Neste caso, muitos fatores devem ser observados, não só a característica do título, mas também o pedido da parte na ação de execução, o qual de forma intrínseca poderá demandar a análise probatória e consequentemente uma ação de conhecimento, como nos casos em que se discute suposto inadimplemento contratual que daria causa a incidência da multa.

A ata de audiência, suposto título, adquire então um caráter precário, incompleto e poderá refletir em prejuízo ao consumidor.

Vejamos o entendimento do Desembargador Fernando Caldeira Brant a respeito:

Não se pode reconhecer exequível o crédito unicamente por atendimento a requisito formal do documento onde está registrado, mas a própria substância da obrigação deve observar às aludidas características da certeza, liquidez e exigibilidade. Noutras palavras, não basta a forma adequada, mas o conteúdo deve refletir os elementos indispensáveis para se configurar a natureza executiva.(...) Abrir mão do prévio processo de conhecimento somente deve ser permitido àqueles títulos aonde não paire qualquer dúvida quanto aos seus requisitos.

Diante do exposto, entendo que a segurança jurídica está na ação de conhecimento, quando então é possível discutir o mérito, colher provas e complementar os pedidos, os quais até então eram restritos ao CDC quando na reclamação junto ao PROCON.

No mais, com o suporte do judiciário e o êxito na demanda, o consumidor terá em mãos um título executivo judicial certo, líquido e exigível. Ainda, em caso de eventual descumprimento do acordo formalizado ou da sentença prolatada, o pedido de cumprimento (execução) ocorrerá no mesmo processo.

Temos então a garantia do amparo jurídico e a possibilidade da satisfação do crédito em favor do consumidor, muito embora a ação de conhecimento demande maior tempo investido.

Redes sociais e cursos da Professora: https://linktr.ee/profvanessakaniak


Referências:

BRASIL. LEI Nº 8.078, DE 11 DE SETEMBRO DE 1990. DISPÕE SOBRE O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS. DISPONÍVEL EM: PLANALTO.GOV.BR. ACESSO EM 01 DE MARÇO DE 2022.

BRASIL. LEI Nº 13.105, DE 16 DE MARÇO DE 2015. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. DISPONÍVEL EM: PLANALTO.GOV.BR. ACESSO EM 01 DE MARÇO DE 2022.

MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E SEGURANÇA PÚBLICA. FUNDO DEFESA DE DIREITOS DIFUSOS. DISPONÍVEL EM: (WWW.GOV.BR). ACESSO EM 01 DE MARÇO DE 2022.

PREFEITURA DE SÃO CARLOS. SÃO PAULO. CONVÊNIO ENTRE JUDICIÁRIO E PROCON PERMITIRÁ HOMOLOGAÇÃO JUDICIAL DE ACORDOS. DISPONÍVEL EM: WWW. SAOCARLOS.SP.GOV.BR. ACESSO EM 01 DE MARÇO DE 2022.

PODER JUDICIÁRIO DO MATO GROSSO. JUDICIÁRIO E PROCON DE CÁCERES CELEBRAM COOPERAÇÃO TÉCNICA PARA GERAR MAIS EFETIVIDADE AOS ACORDOS , MATO GROSSO, FEV DE 2022. DISPONÍVEL EM: TJMT.JUS.BR. ACESSO EM 01 DE MARÇO DE 2022.

SENADO FEDERAL. BRASÍLIA. PLS 68/2013. DISPONÍVEL EM:WWW25.SENADO.LEG.BR/WEB/ATIVIDADE/MATERIAS/-/MATERIA/111364. ACESSO EM 01 DE MARÇO DE 2022.

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MINAS GERAIS. EMBARGOS À EXECUÇÃO. AC: 10000200471951001 MG, RELATOR: FERNANDO LINS, DATA DE JULGAMENTO: 04/11/2020, CÂMARAS CÍVEIS / 20ª CÂMARA CÍVEL, DATA DE PUBLICAÇÃO: 05/11/2020.

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Sobre a autora
Vanessa Kaniak

Professora de Direito e Advogada. Mestre pela Universidade Estadual de Ponta Grossa - Linha de Pesquisa: Estado, Direito e Políticas Públicas.Possui título de Pós-Graduação Lato Sensu em nível de Especialização em Direito Aplicado pela Escola da Magistratura do Paraná, título de Pós-graduação Lato Sensu em nível de Especialização em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Anhanguera -Uniderp/MS e título de Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná - PUC/PR.Possui curso de aperfeiçoamento em Revisão Judicial de Contratos Bancários, curso de capacitação em conciliação/mediação e curso de extensão em Direito e Sociedade pela Universidade Federal de Buenos Aires, UBA. É autora de diversos artigos e capítulo de livro publicados.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

KANIAK, Vanessa. Acordo realizado perante o Procon: validade como título executivo ou meio de prova. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 6840, 24 mar. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/96751. Acesso em: 18 dez. 2024.

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