Em 11 de março de 2020, a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou situação de pandemia em razão do novo Coronavírus (2019-nCoV, COVID-19 ou ainda SARS-coV-2). Antes disso, no Brasil, em 03 de fevereiro de 2020, o Ministério da Saúde (MS) declarou Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (ESPIN) em decorrência da Infecção Humana pelo COVID-19 por meio da Portaria nº 188/2020.
A partir da declaração da ESPIN surgiu um verdadeiro regime jurídico excepcional de emergência sanitária, que, desde então, vem sendo complementado, definido, mas não necessariamente aperfeiçoado por inúmeras normas legais e infralegais, sejam de alcance nacional (editadas pelo Congresso Nacional ou pelo Poder Executivo Federal), seja de alcance local (editadas pelas Assembleias Legislativas e Câmaras de Vereadores ou por Governadores e Prefeitos).
Em 6 de fevereiro de 2020, foi sancionada a Lei Federal nº 13.979, que dispôs sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do novo coronavírus.
Norma-fundamental do regime jurídico excepcional de emergência sanitária, a Lei nº 13.979/2020 trouxe uma flexibilização nas regras para as contratações de serviços e produtos por parte da Administração Pública e condicionou sua vigência, conforme dicção de seu artigo 8º, vigoraria enquanto estivesse vigente o Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020.
Nos termos do art. 4-H da Lei nº 13.979/2020, os contratos regidos por ela regidos teriam prazo de duração de até 6 meses e poderiam ser prorrogados por períodos sucessivos, enquanto vigorasse o Decreto Legislativo nº 6/2020.
Entretanto, o Decreto Legislativo nº 6/2020 que reconhecia, para os fins do art. 65 da Lei de Responsabilidade Fiscal, a ocorrência de estado de calamidade pública, vigorou apenas até 31/12/2020, conforme estabeleceu seu art. 1º.
Desta feita, a rigor, em 01/01/2021, deixou de ser possível realizar compras e contratações públicas com base nas regras do regime jurídico excepcional de emergência sanitária.
Perceba-se que na ADI 6.625 o Plenário do Supremo Tribunal Federal referendou liminar concedida pelo ministro Ricardo Lewandowski para manter a vigência de dispositivos da Lei nº 13.979/2020, que tinham validade até 31/12/2020, mas os dispositivos prorrogados envolviam apenas medidas de combate à COVID-19 como isolamento social, quarentena, uso de máscara e vacinação.
Ou seja, não houve prorrogação das regras do regime jurídico excepcional de emergência sanitária relacionadas a licitações e contratos.
Ora, como durante todo o ano de 2021 e no começo de 2022 ainda estávamos claramente num estado de emergência em saúde pública, a vigência da ESPIN, servia de elemento hermenêutico para, de forma arriscada, reconheça-se, defender a aplicação da ratio decidendi da ADI 6.625 às contratações da Administração Pública relacionadas à pandemia de coronavírus.
Entretanto, tal extensão do que restou decidido pelo STF ADI 6.625 inequivocamente só faz sentido se as regras excepcionais contidas na Lei nº 13.979/2020 tenham como pano de fundo um cenário de emergência em saúde pública.
Com a publicação em 22/04/2022 da Portaria nº 913/2022, na qual o Ministério da Saúde declarou o encerramento da Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (ESPIN) em decorrência da infecção humana pelo novo coronavírus (2019-nCoV) e revogou expressamente a Portaria nº 188/2020, o emprego das regras de licitações e contratos previstas na Lei nº 13.979/2020 torna-se extremamente temerário, haja vista que, somada à literal falta de vigência da norma, agora há uma extinção do cenário que eventualmente poderia justificar a utilização do regime jurídico excepcional de emergência sanitária.
Todavia, tal situação relacionada às compras públicas fundamentadas na Lei nº 13.979/2020 não deve servir de premissa para avaliar situações locais, pois alguns entes subnacionais editaram Leis sobre contratações públicas relacionadas às medidas de enfrentamento ao COVID-19.
Em Pernambuco, por exemplo, a Lei Complementar nº 425/2020 até limitou sua vigência enquanto perdurar a situação de emergência decorrente do coronavírus mas, como o STF tem preservado a atribuição de cada esfera de governo, nos termos do inciso I do art. 198 da Constituição (v.g. ADI 6.341), é possível que a validade das contratações realizadas sob pálio dessas legislações locais tenha de ser confrontada ante a situação específica de cada ente subnacional.
De toda sorte, com a mitigação das medidas sanitárias (v.g. obrigatoriedade do uso de máscaras) e a diminuição do número de casos de COVID-19 é prudente, tão logo quanto possível, o abandono destas regras excepcionais de licitações e contratos, devendo o seu emprego ser devidamente justificado em pareceres de procuradorias que tenham características de orientações gerais nos termos do art. 24 da LINDB, sem prejuízo inclusive de consultas a Tribunais de Contas.