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Graça ou indulto?

Qual perdão foi concedido a Daniel Lúcio da Silveira?

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CONCLUSÃO

Virgílio Afonso da Silva já nos ensinou de que a classificação das normas constitucionais quanto à eficácia (em plena, limitada – programática e institucional -, e contida) é equivocada porque todos os direitos fundamentais são ponderáveis.24 Desse modo, invocar o art. 5º, inc. IX, da Constituição Federal para propor o direito irrestrito aos ataques à democracia, ao crime organizado tendente ao retorno do totalitarismo militar e do Ato Institucional n. 5. (AI-5), o que possibilitou a destituição de três Ministros do STF, dentre eles o saudoso Evandro Lins e Silva, será um absurdo.

Diversamente do que o sentenciado divulga, a liberdade de expressão não pode obstar a tipicidade do crime de ameaça, do de calúnia, do de injúria e, pior, do crime contra a segurança nacional (Lei n. 7.170, de 14.12.1983, art. 18). O Capitão da reserva não remunerada editou a Lei n. 14.197, de 1.9.2021, o que levou Daniel Lúcio Silveira a pedir a abolitio criminis, o que não era o caso porque o que houve foi o deslocamento do tipo para o art. 359-L do Código Penal, com pena ainda mais severa. Daí o STF ter indeferido o pedido formulado pelo parlamentar para que fosse declarada extinta a punibilidade, em face da suposta abolitio criminis. Consequentemente, fez incidir a pena mais branda aplicável ao caso.

Kant defendia que o soberano só poderia perdoar no caso de crime de lesa majestade (contra ele mesmo), o que não poderia ocorrer se a impunidade pudesse ser perigosa para a segurança pública.25 Nesse contexto, sem trânsito em julgado da condenação, será estranho o perdão ao juridicamente inocente, até porque o seu comportamento demonstra uma ameaça à necessária tripartição de poderes.

Nos governos anteriores, era comum o indulto natalino e, normalmente, era prevista a comutação da pena (indulto parcial) ao inocente sentenciado que exclusivamente tivesse recorrido (eis, que a pena não poderia ser majorada). Bolsonaro aboliu o indulto coletivo e concedeu graça ao Deputado Daniel Silveira, em evidente contradictio in terminis. A graça, desde o início da vigência da última Constituição Federal, não a conhecemos. Porém, quem é contra o perdão, de forma atabalhoada, o concedeu.

Espero que o STF cumpra o seu papel e declare a nulidade do decreto em comento, eis que apresenta vício de forma, desvio de finalidade e, essencialmente, motivação nula.


Notas

2 IMPRENSA OFICIAL. Disponível em: <https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/decreto-de-21-de-abril-de-2022-394545395>. Acesso em: 27.4.2022, às 17h43.

3 SOUZA, Renata. Temer Sugere que Bolsonaro revogue perdão a Silveira e aguarde a conclusão do julgamento: ex-Presidente afirmou que decreto anterior ao trânsito em julgado pode levar à crise institucional. São Paulo: CNN, 22.4.2022, às 17h53. Disponível em: <https://www.cnnbrasil.com.br/politica/temer-sugere-que-bolsonaro-revogue-perdao-a-silveira-e-aguarde-conclusao-do-julgamento/>. Acesso em 26.4.2022, às 17h53.

4 SOARES, Ingrid. “Não”, responde Bolsonaro a conselho de Temer para revogar perdão a Silveira. 22.4.2022, às, 19h04. Disponível em: <https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2022/04/5002553-nao-responde-bolsonaro-a-conselho-de-temer-para-revogar-perdao-a-silveira.html>. Acesso em: 26.4.2022, às 21h.

5 Isso já aconteceu uma vez. Na Extradição n. 1085, o STF decidiu que caberia ao Presidente da República decidir sobre a extradição de Cesare Battisti. O então AGU referendou o Parecer AGU/AG-17/2010, de 28.12.2010 (Disponível em: <https://direito.folha.uol.com.br/uploads/2/9/6/2/2962839/parecer_da_agu.pdf>. Acesso em: 30.4.2022, às 15h), acolhido pelo então Presidente da República, isso no último dia do mandato da sua reeleição, 31.12.2010. O parecer aprovado pelo Presidente da República vincula toda administração pública federal. Battisti foi liberado pelo STF, uma vez que o italiano enviou missiva ao STF pedindo a liberação e a Itália propôs a Reclamação 11243-DF. (inteiro teor do acórdão disponível em: <https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=1495257>. Acesso em: 30.4.2022, às 14h40). Segundo consta dos bastidores da história, quem trouxe Battisti ao Brasil, prestes a ser extraditado para a Itália pela França, foi uma filha do então Ministro de Justiça, um Advogado que veio a ser Ministro do STF – que julgou o caso – e outro famoso Advogado brasileiro, notório simpatizante do MST e que pediu o impedimento do então Presidente Fernando Collor.

Em 14.11.2017, Cesare Battisti impetrou Habeas Corpus n. 148.408-DF, preventivo, contra potencial ato de extradição, cuja liminar foi deferida em 13.10.2017. Em 31.10.2017, o relator acolheu pedido de conversão do HC em reclamação. Em 15.1.2018, o relator decretou a prisão cautelar, o que resultou no Despacho n. 156. do então Presidente da República, publicado no DOU, Seção 1, de 14.12.2018, n. 240-A, p. 24, que determinou a extradição de Cesare Battisti, sendo ele preso na Bolívia no dia 12.1.20219, o que resultou no pedido de desistência, de 15.1.2019, homologado em 4.2.2019. (Todos os dados estão disponíveis em: <https://sistemas.stf.jus.br/peticionamento/dashboard>. Acesso em: 1.5.2022, às 9h).

6 De todo modo, é marcante a ideologia determinante da motivação dos dois atos presidenciais, atacáveis por violarem o princípio da impessoalidade.

7 O decreto não apresentar o número foge à regra da edição das leis, regulada pela Lei Complementar n. 95, de 26.2.1998, e é incomum. Mas, isso não o invalida. Ocorre que, a postura eleitoreira, marcantemente ideológica, e açodada do Presidente da República acabou resultando nisso, um decreto sem número.

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8 HIRABAHASI, Gabriel. Justiça do RJ intima União para se manifestar sobre o perdão a Daniel Silveira: Presidente Jair Bolsonaro assinou, na última quinta-feira 21 decreto concedendo o perdão da pena ao deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ). Brasília: CNN, 25.4.2022, às 18h50. Disponível em: <https://www.cnnbrasil.com.br/politica/justica-do-rj-intima-uniao-para-se-manifestar-sobre-perdao-a-daniel-silveira/>. Acesso em 27.4.2022, às 16h08.

9 STF. Tribunal Pleno. AP 1044-DF. Min. Alexandre de Moraes, decisão monocrática, de 26.4.2022. Disponível em: <https://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=15350845185&ext=.pdf>. Acesso em: 27.4.2022, às 16h51.

10 STF. ADPF n. 967-DF. Min. Rosa Weber, decisão monocrática de 25.4.2022. Disponível em: <https://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=15350841225&ext=.pdf>. Acesso em: 28.4.2022, às 1h12.

11 STF. IP 4828-DF. Min. Alexandre de Moraes, decisão de 1.7.2021. Disponível em: <https://sistemas.stf.jus.br/peticionamento/api/peca/recuperarpdf/15346945140>. Acesso em: 30.4.2022, às 16h02.

12 REDAÇÃO. Funeral de Olavo de Carvalho nos EUA reúne ex-chanceler e blogueiro foragido, 26.1.2022, às 19h29. Disponível em: <https://oantagonista.uol.com.br/brasil/funeral-de-olavo-nos-eua-reune-ex-chanceler-e-blogueiro-foragido/>. Acesso em: 1.5.2022, às 7h36.

13 O senso comum empresta sentido depreciativo à palavra famigerado , quando, no vernáculo, significa famoso, notável etc.

14 Não mencionarei o seu nome porque os maus exemplos merecem o esquecimento e a citação a eles, inversamente, os prestigiará.

15 A maioria desses profissionais passa pelo concurso público. Nesse campo, vejo – assim como Lênio Streck -, a teoria da graxa sobre rodas (há corrupção boa, pois ajuda o sistema a funcionar), a teoria da bola de neve (corrupção sempre atrai corrupção, virando bola de neve), a teoria do Estado vampiro (Estado cleptoclático, em que os governantes manipulam para roubar), teoria dos testículos esmagados ou despedaçados (aquele que pratica pequenos delitos e é perseguido pela polícia acabará abandonado o lugar indo para outro) etc. nada mais produz do que concurseiros opacos, que não gostam de pensar (STRECK, Lenio Luiz. A concursocracia, a teoria da graxa e os testículos despedaçados. Consultor Jurídico, 6.4.2017, às 8h. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2017-abr-06/senso-incomum-concursocracia-teoria-graxa-testiculos-despedacados>. Acesso em: 28.4.2022, às 2h16.

16 BITENCOURT, Cezar Roberto. Prefácio. In BUSATO, Paulo César; HUAPAYA, Sandro Montes. Introdução ao direito penal: fundamentos para um sistema penal democrático. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. XVIII:

Vivemos em nosso País, um verdadeiro déficit intelectual em matéria penal, com decisões de extrema relevância sendo tomadas a partir, somente, dos anseios de uma sociedade sedenta mais por punição do que propriamente, pela diminuição da violência.

17 Cite-se como exemplo: NORONHA, Edgard Magalhães. Direito penal. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1967. v. 1, p. 462.

18 MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Prescrição penal. São Paulo: Atlas, 1997. p. 49.

19 MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Manual de execução penal. São Paulo: Atlas, 1999. p. 291.

20 NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Comentários à lei de execução penal. São Paulo: Saraiva, 1990. p. 224.

21 MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Execução criminal: teoria e prática. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 245.

22 MARCÃO, Renato. Curso de execução penal. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 343.

23 JARDIM, Afrânio Silva. Breves notas sobre o instituto da graça. Empório do Direito, 26.4.2022. Disponível em: <https://emporiododireito.com.br/leitura/breves-notas-sobre-o-instituto-da-graca>. Acesso em: 1.5.2022, às 15h37.

24 SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos fundamentais: conteúdo essencial, restrições e eficácia. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 254.

25 KANT, Imannuel. Doutrina do direito. 2. ed. São Paulo: Ícone, 1993. p. 184.

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Sobre o autor
Sidio Rosa de Mesquita Júnior

Procurador Federal e Professor Universitário. Graduado em Segurança Pública (1989) e em Direito (1994). Especialista Direito Penal e Criminologia (1996) e Metodologia do Ensino Superior (1999). Mestre em Direito (2002). Doutorando em Direito. Autor dos livros "Prescrição Penal"; "Execução Criminal: Teoria e Prática"; e "Comentários à Lei Antidrogas: Lei n. 11.343, de 23.8.2006" (todos da Editora Atlas).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa. Graça ou indulto?: Qual perdão foi concedido a Daniel Lúcio da Silveira?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 6916, 8 jun. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/98375. Acesso em: 30 abr. 2025.

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