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Do direito à internação em estado de urgência e emergência ainda no período de carência do plano de saúde

17/07/2022 às 14:45
Leia nesta página:

É preciso entender qual procedimento deve ser utilizado nas situações em que o plano de saúde negar o direito à internação.

I. DA ANÁLISE

I.1. DA NATUREZA JURÍDICA DO CONTRATO DE PLANOS DE SAÚDE

Quanto à natureza jurídica dos contratos de plano de saúde, é sabido que se trata de contrato de prestação de serviços. Isso implica na sua consequente tutela pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei n° 8.078/90). Dito isso, vejamos os arts. 2° e 3° dessa Lei:

Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.

Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.

Dessa forma, tendo em vista que no caso em tela o litígio envolve uma pessoa física que utiliza serviços prestados e uma pessoa jurídica que presta serviços, resta estabelecida a natureza jurídica de consumo desse contrato, que então deverá ser observado dentro dos ditames legais do Código de Defesa do Consumidor CDC.

I.2. DA VULNERABILIDADE DO CONSUMIDOR

No tocante à vulnerabilidade do consumidor, entende-se que nas relações de consumo, o consumidor é a parte mais frágil, vulnerável, principalmente em contratos de adesão como é o caso dos contratos de plano de saúde.A título de exemplo, em toda e qualquer cláusula dúbia, que permita adotar mais de uma interpretação possível, deverá ser adotada a qual seja mais benéfica ao consumidor, uma vez que configura o polo mais vulnerável da relação contratual. Senão, vejamos o art. 4° do CDC:

Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, SAÚDE e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:(Redação dada pela Lei nº 9.008, de 21.3.1995)

I - reconhecimento da vulnerabilidadedo consumidor no mercado de consumo;

Ademais, a doutrina pátria se vê consolidada no sentido do reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor, principalmente nas relações envolvendo planos de saúde, conforme abaixo explica a Dra. Marcia Barros, Juíza de Direito da 20ª Vara Cível do Rio de Janeiro:

Cumpre examinar as normas gerais dos contratos, para depois confrontá-las com as especificidades dos contratos de plano de saúde. Para iniciar o estudo, nada melhor do que definir essa figura tão complexa e tão importante na atualidade. Contrato de plano de saúde é aquele por meio do qual uma das partes, a operadora, se obriga frente à outra, o consumidor, a promover a cobertura dos riscos de assistência a sua saúde, mediante a prestação de serviços médicos hospitalares e/ou odontológicos em rede própria, bem como reembolso das despesas efetuadas, ou pagamento direto ao prestador dos serviços em questão.O contrato de plano de saúde vem se destacando nas últimas décadas, ascendendo diante da decadência do sistema de saúde pública e do alto custo dos serviços de assistência médica e odontológica privados. O diploma que disciplina os contratos de plano de saúde é a Lei nº 9.656, de 03 de junho de 1998. No tocante a sua natureza jurídica, trata-se de contrato de prestação de serviço intimamente ligado ao estatuto consumerista (Lei 8.078, de 11/9/1990). O contrato de plano de saúde, mais do que qualquer outro, deve cumprir sua função social, concretizando princípios constitucionais de grande envergadura, tais como a dignidade da pessoa humana (inciso III, art.1º); da solidariedade (inciso I do art.3º) e da justiça social (art.170 caput). A isso se soma a diretriz contida no Código Civil de 2002, em seu art. 421 (A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato). (BARROS, Marcia C. C. (Juíza de Direito 20ª Vara Cível do Rio de Janeiro)Contratos de Planos de Saúde: Princípios Básicos da Atividade. Disponível em: https://www.emerj.tjrj.jus.br/serieaperfeicoamentodemagistrados/paginas/series/6/judicializacaodasaude_290.pdf. Acesso em: 01/07/2022)

Sendo assim, constatada sólida a idéia da vulnerabilidade/hipossuficiência do consumidor em relação ao fornecedor, bem como a obrigatoriedade dos planos de saúde para/como cumprimento dos princípios constitucionais e contratuais, quais sejam, a função social, a dignidade da pessoa humana, a solidariedade, a boa-fé objetiva, dentre outros tão fundamentais quanto.

II. DO MÉRITO

II.1. DA LEGISLAÇÃO

No tocante à legislação, destaca-se a Lei n° 9.656/98 que, além de outras disposições, regulariza os Planos de Saúde no âmbito nacional, dispondo regras e condições a serem seguidas. Nesse sentido, vejamos:

Art. 12. São facultadas a oferta, a contratação e a vigência dos produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei, nas segmentações previstas nos incisos I a IV deste artigo, respeitadas as respectivas amplitudes de cobertura definidas no plano-referência de que trata o art. 10, segundo as seguintes exigências mínimas:

(...)

II - quando incluir internação hospitalar:

(...)

V - quando fixar períodos de carência:

c) prazo máximo de vinte e quatro horas para a cobertura dos casos de urgência e emergência;

Art. 35-C. É obrigatória a cobertura do atendimento nos casos:

I - de emergência, como tal definidos os que implicarem risco imediato de vida ou de lesões irreparáveis para o paciente, caracterizado em declaração do médico assistente;

II - de urgência, assim entendidos os resultantes de acidentes pessoais ou de complicações no processo gestacional;

III - de planejamento familiar.

Dessa forma, entende-se que:

I. O período máximo de carência estipulado pelo plano nas situações de urgência e emergência não pode ser superior a 24h;

II. Os planos de saúde são obrigados a cobrir atendimentos nos casos de urgência e emergência.

Nesse sentido, é a jurisprudência pátria pacífica, inclusive já sumulada pelo Superior Tribunal de Justiça, na Súmula abaixo transcrita:

Súmula 597 do STJ. A cláusula contratual de plano de saúde que prevê carência para utilização dos serviços de assistência médica nas situações de emergência ou de urgência é considerada abusiva se ultrapassado o prazo máximo de 24 horas contado da data da contratação.

Não obstante, a Resolução CONSU n° 13 de 3 de novembro de 1998, de modo a destrinchar a Lei supracitada, dispõe que os casos de urgência e emergência que evoluírem para internação devem ser cobertos pelo plano, desde a admissão do paciente até sua total recuperação. Vejamos abaixo, in verbis:

Art. 3° Os contratos de plano hospitalar devem oferecer cobertura aos atendimentos de urgência e emergência que evoluírem para internação, desde a admissão do paciente até a sua alta ou que sejam necessários à preservação da vida, órgãos e funções.

Dessa forma, tendo em mente a natureza hipossuficiente do consumidor no mercado de consumo e a pluralidade de ditames legais que tutelam sobre essa relação, em específico, evidente é o direito do consumidor sobre a cobertura de internação advinda de quadros de urgência e emergência, podendo, caso negado, ser reivindicado perante o Poder Judiciário.

II.2. DA JURISPRUDÊNCIA

Ao verificar-se a jurisprudência pátria, nota-se um entendimento pacificado quanto à vulnerabilidade do consumidor e da obrigatoriedade do plano de saúde de prover todos os meios necessários para tutelar a vida e a saúde dos contratantes de planos de saúde. Abaixo serão colacionadas, in verbis, algumas das ementas que compartilham desse entendimento uníssono:

APELAÇÃO CÍVEL. PLANO DE SAÚDE. OBRIGAÇÃO DE FAZER. SITUAÇÃO DE EMERGÊNCIA. CARÊNCIA DE 24 HORAS. COBERTURA OBRIGATÓRIA. RECUSA DA AUTORIZAÇÃO. ABUSIVIDADE. DANO MORAL CONFIGURADO. VALOR ARBITRADO RAZOÁVEL. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO HOSPITALAR. COBRANÇA. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. EMBARGOS PROTELATÓRIOS. NÃO OCORRÊNCIA. MULTA AFASTADA. 1. De acordo com o corolário protetivo insculpido no art. 35-C da Lei n. 9.656/98 e da incidência do Código de Defesa do Consumidor, afigura-se abusiva a cláusula contratual que estabelece o prazo de carência superior a vinte e quatro horas para a cobertura do atendimento nos casos de urgência e emergência, pois limita os direitos assegurados por lei e atenta contra o objeto do contrato e o equilíbrio contratual, colocando o consumidor em desvantagem exagerada. Súmula 597 do STJ. 2. Afastada a cláusula contratual abusiva quanto ao prazo de carência para situações de urgência e emergência, bem como cumprido o período legal de carência de vinte e quatro horas, A OPERADORA DO PLANO DEVE OFERECER COBERTURA INTEGRAL AO ATENDIMENTO DE EMERGÊNCIA QUE EVOLUIU PARA INTERNAÇÃO DESDE A ADMISSÃO DO PACIENTE ATÉ A SUA ALTA.3.A injusta recusa da operadora do plano de saúde de cobertura da internação e procedimento cirúrgico, conforme prescrição médica, ultrapassa o simples descumprimento contratual e enseja a obrigação de reparar o dano moral, pois o fato agrava a aflição daquele que já se encontra fragilizado. Observadas as finalidades da condenação e as circunstâncias da causa, mantém-se o valor arbitrado pelo Juízo de origem. 4. Tendo o hospital prestador de serviços informado à beneficiária do plano de saúde acerca da responsabilidade subsidiaria ao pagamento das despesas hospitalares não cobertas pelo plano de saúde, verificam-se ausentes os elementos da responsabilidade civil do nosocômio por ter efetuado cobrança antes da presente demanda judicial. 5. Não se caracterizam como protelatórios os embargos de declaração interpostos no exercício do direito de defesa daquele que se utiliza dos instrumentos processuais que a lei lhe assegura, sobretudo se ausente dolo processual da parte ou a manifesta intenção de atrapalhar o andamento do processo. 6. Apelação da ré conhecida e não provida. Apelação da autora conhecida e provida em parte.

(TJ-DF 07137377520198070007 DF 0713737-75.2019.8.07.0007, Relator: FÁBIO EDUARDO MARQUES, Data de Julgamento: 21/07/2021, 7ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE : 25/08/2021 . Pág.: Sem Página Cadastrada.)

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AGRAVO DE INSTRUMENTO. Plano de Saúde. Ação de obrigação de fazer. Queda da autora com traumatismo craniano, quadro clínico que evoluiu com hipoxemia e taquiarritmia. Tutela provisória deferida para custear a internação e demais tratamentos até a alta médica. Situação de urgência/emergência. Inconformismo da operadora de saúde. Não acolhimento. Presença dos requisitos legais para concessão e manutenção da medida. Alegação de carência contratual. Limitações da cobertura contratual que devem ser discutidas nos autos originários, com exercício do contraditório. Súmula 103 do TJSP. Artigo 12, V, c da Lei dos Planos de Saúde. Período de carência que, em análise preliminar, não subsiste diante da urgência e gravidade do quadro de saúde da autora/agravada. Decisão de concessão de tutela provisória de urgência que deve ser mantida. RECURSO NÃO PROVIDO.

(TJ-SP - AI: 21219519220218260000 SP 2121951-92.2021.8.26.0000, Relator: Ana Maria Baldy, Data de Julgamento: 02/06/2021, 6ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 02/06/2021)

Dessa forma, resta incontroverso o entendimento dos tribunais quanto à concessão do direito à internação aos consumidores em casos que se assemelham ao presente, cabendo até mesmo o pedido de indenização por danos morais causados pela operadora do plano de saúde.

III. DO PROCESSO

Em vista do acima descrito, sabendo que o direito material assiste os consumidores que estejam necessitados, resta entender qual procedimento deve ser utilizado nas situações em que o plano de saúde negar esse direito.

Nesse sentido, o instrumento jurídico que mais tem sido utilizado para tratar dessa problemática é a Ação de Obrigação de Fazer, que deve ser ajuizada em face do plano de saúde, em que se pede a concessão da Tutela de Urgência, na qual o pedido é avaliado preliminarmente, de modo rápido, a fim de sanar uma situação altamente prejudicial à parte como denota-se o caso concreto. Esse instrumento processual vem sendo bastante utilizado e em grande parte das vezes é concedida pelos tribunais.

Ratifica-se que o instrumento processual a ser utilizado pode variar de um caso para outro, cabendo ao especialista avaliar o melhor a ser utilizado, analisando o quadro em tela.

IV. DA CONCLUSÃO

Ante o exposto, conclui-se que:

I. Resta incontroverso que o direito em debate é plenamente assegurado aos consumidores de planos de saúde, uma vez que previsto em mais de 2 instrumentos legais e inclusive já tendo sido até pauta de Súmula no STJ;

II. A jurisprudência pátria é majoritariamente a favor da concessão desse direito, como pudemos extrair dos julgados acima colacionados. Sendo assim, o ajuizamento de ação requerendo esse direito é indicada nos casos em que o plano de saúde nega sua garantia;

III. Nos casos em que há firme resistência do plano em conceder o direito ao contratante, negando a internação ou outros benefícios, cabe eventual reparação civil por danos morais em face dos constrangimentos sofridos.

Belém, 1 de julho de 2022.

LUIZ GUILHERME F. CRUZ

OAB/PA 8.710

RENATO NEVES S. ALBUQUERQUE

Acadêmico de Direito

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Sobre o autor
Luiz Guilherme Fontes e Cruz

Advogado em Belém-Pa, com mais de 20 anos de experiência, atuante em diversas áreas do Direito Público e Privado, tais como, Direto de Cível, Penal, Trabalhista, Consumidor, Administrativo, Eleitoral, Sucessório, Família. Além de sócio titular do escritório Fontes Cruz Advocacia, também, é consultor jurídico da Secretaria Estadual de Turismo - SETUR/PA. Já atuou como advogado de várias empresas, atuando tanto na área contenciosa, quanto preventiva.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FONTES E CRUZ, Luiz Guilherme. Do direito à internação em estado de urgência e emergência ainda no período de carência do plano de saúde. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 6955, 17 jul. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/98967. Acesso em: 21 nov. 2024.

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