O tema central de discussão do presente artigo diz respeito à possibilidade de responsabilização do agente público estatal a título de culpa em casos em que cause danos a terceiros no exercício de suas funções.
Na atualidade, a compreensão é de que o Estado (e as pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos) é responsável pelos atos de seus agentes em casos de danos causados a terceiros, assegurando-se ao Poder Público o manejo de ação regressiva em desfavor de seus prepostos quando agirem com dolo ou culpa.
Dessas premissas iniciais, possível afirmar que a responsabilidade civil do Estado é objetiva (conduta + ato ilícito + dano), ao passo que a dos agentes públicos é subjetiva (conduta + ato ilícito + nexo de causalidade + dano).
Objetivamente e em regra, a responsabilidade estatal independe de dolo ou culpa, devendo o Poder Público arcar com os prejuízos experimentados por terceiros em razão de atos de seus prepostos.
A expressão em regra é proposital: mesmo consagrando o ordenamento jurídico pátrio a responsabilidade objetiva estatal, em casos especialíssimos será ela subjetiva, ou seja, quando a conduta do Poder Público for omissiva, posto ser necessária a comprovação da conduta, do dano, do nexo de causalidade e da negligência estatal (STJ. AGRG NO ARESP 302.747/SE, REL. MINISTRO HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, JULGADO EM 16/04/2013, DJE 25/04/2013; STJ. RESP 1228224/RS, REL. MINISTRO HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, JULGADO EM 03/05/2011, DJE 10/05/2011).
Subjetivamente, somente haverá a responsabilidade do agente estatal se houver dolo ou culpa em sua conduta, ou seja, desde que haja um fim específico, assuma o agente o risco de produzir o resultado ou aja com imprudência, negligência ou imperícia.
A responsabilidade subjetiva dos agentes estatais não alberga qualquer mitigação, somente podendo ser responsabilizados os agentes quando suas condutas estiverem eivadas de dolo ou culpa.
Em confirmação as argumentações anteriores, O §6º do artigo 37 da Constituição Federal de 1988 expressamente declara ser objetiva a responsabilidade do Estado (e de pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos) e subjetiva de seus agentes:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
(...)
§6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. (...). (Grifos e omissões nossos).
Em sede infraconstitucional o entendimento não é divergente.
O Código Civil Brasileiro assinala que as pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis pelos atos de seus agentes no exercício de suas funções, assegurado ao Poder Público o direito de regresso quando seus agentes tiverem agido com dolo ou culpa:
Art. 43. As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo. (Grifos nossos).
A sistemática jurídica brasileira consagra a teoria do risco administrativo estatal.
Ao Estado (e as pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos) é atribuída responsabilidade objetiva em razão de suas atividades e, paralelamente, consagra a responsabilidade subjetiva dos agentes estatais.
A questão não suscita dúvidas nesse particular, tendo o Supremo Tribunal Federal (STF), por seu Tribunal Pleno e julgando o mérito do Tema 940 da repercussão geral (julgamento ocorrido em 14/8/2019), fixado sobre o assunto a seguinte tese:
A teor do disposto no art. 37, §6º, da Constituição Federal, a ação por danos causados por agente público deve ser ajuizada contra o Estado ou a pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviço público, sendo parte ilegítima para a ação o autor do ato, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. (Grifos nossos).
Em conclusão e salvo mitigação em casos de omissão do Poder Público na prestação de serviços públicos, a responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito público (e também das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos) é objetiva, sendo subjetiva em relação a seu agente, causador de dano a terceiro em razão do exercício de suas funções.
Como anotado anteriormente, a abordagem central do presente artigo diz respeito à possibilidade, ou não, de responsabilização do agente público estatal, a título de culpa, em casos em que cause danos a terceiros no exercício de suas funções.
Defende-se, a luz da lei e entendimentos jurisprudenciais, a vedação a titulo de culpa.
Não se defende, longe disso, a irresponsabilidade do agente público.
O que se defende é que a responsabilização de qualquer agente público se dê com fins de inibir práticas ilegais direcionadas ao cometimento de ilícitos e, ao mesmo tempo, alberguem liberdades lícitas de agir dos agentes públicos, ainda que praticadas com equívocos.
A argumentação é plausível, porque não dizer de vanguarda.
Como assentado precedentemente, a Constituição Federal de 1988 (art.37, §6º) assinala que a responsabilidade do agente/servidor público causador de um dano a terceira pessoa é subjetiva, respondendo ele regressivamente quando tiver agido com dolo ou culpa. Essa também a diretriz do Código Civil (art. 43).
A questão parece não suscitar dúvidas.
Contudo, as constantes alterações legislativas permitem dizer que os agentes públicos, no exercício de suas funções, somente podem ser acionados regressivamente quando suas condutas forem dotadas de consciência e voluntariedade (dolo) para a prática do ato danoso contra terceiros, excluindo-se, assim, qualquer responsabilização por ato culposo do agente/servidor público.
A demonstrar a argumentação, preambularmente, arregimente que o legislador constituinte consagrou aos processos administrativos sancionatórios, assim como aos processos judiciais penais, a extensão do due processo of law (art. 5º, LV, CF/88):
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes; (...). (Grifos e omissões nossos).
De anotar, ainda, que o ordenamento jurídico brasileiro inadmite a responsabilização pelo simples resultado, assim reconhecido pelo Superior Tribunal de Justiça, à guisa de exemplo, no EREsp n. 1.318.051:
PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA SUBMETIDOS AO ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 2STJ. EMBARGOS À EXECUÇÃO. AUTO DE INFRAÇÃO LAVRADO EM RAZÃO DE DANO AMBIENTAL. NECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA RESPONSABILIDADE SUBJETIVA. 1. Na origem, foram opostos embargos à execução objetivando a anulação de auto de infração lavrado pelo Município de Guapimirim ora embargado -, por danos ambientais decorrentes do derramamento de óleo diesel pertencente à ora embargante, após descarrilamento de composição férrea da Ferrovia Centro Atlântica (FCA). 2. A sentença de procedência dos embargos à execução foi reformada pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro pelo fundamento de que o risco da atividade desempenhada pela apelada ao causar danos ao meio ambiente consubstancia o nexo causal de sua responsabilidade, não havendo, por conseguinte, que se falar em ilegitimidade da embargante para figurar no polo passivo do auto de infração que lhe fora imposto, entendimento esse mantido no acórdão ora embargado sob o fundamento de que [a] responsabilidade administrativa ambiental é objetiva. 3. Ocorre que, conforme assentado pela Segunda Turma no julgamento do Resp. 1.251.697PR, de minha relatoria, DJe de 1742012), a aplicação de penalidades administrativas não obedece à lógica da responsabilidade objetiva da esfera cível (para reparação dos danos causados), mas deve obedecer à sistemática da teoria da culpabilidade, ou seja, a conduta deve ser cometida pelo alegado transgressor, com demonstração de seu elemento subjetivo, e com demonstração do nexo causal entre a conduta e o dano. 4. No mesmo sentido decidiu a Primeira Turma em caso análogo envolvendo as mesmas partes: A responsabilidade civil ambiental é objetiva; porém, tratando-se de responsabilidade administrativa ambiental, o terceiro, proprietário da carga, por não ser o efetivo causador do dano ambiental, responde subjetivamente pela degradação ambiental causada pelo transportador (AgRg no AREsp 62.584RJ, Rel. p Acórdão Ministra Regina Helena Costa, DJe de 7102015). 5. Embargos de divergência providos. (STJ. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RESP Nº 1.318.051 - RJ (2012/0070152-3). RELATOR: MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES). (Grifos e omissões nossos).
O ordenamento não admite a responsabilização pelo simples resultado, o que é típico do modelo de responsabilização objetiva, afastada pela legislação aplicável e assim reconhecido pelo Superior Tribunal de Justiça, à guisa de exemplo, no EREsp no 1318051:
PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA SUBMETIDOS AO ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 2/STJ. EMBARGOS À EXECUÇÃO. AUTO DE INFRAÇÃO LAVRADO EM RAZÃO DE DANO AMBIENTAL. NECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA RESPONSABILIDADE SUBJETIVA. 1. Na origem, foram opostos embargos à execução objetivando a anulação de auto de infração lavrado pelo Município de Guapimirim - ora embargado -, por danos ambientais decorrentes do derramamento de óleo diesel pertencente à ora embargante, após descarrilamento de composição férrea da Ferrovia Centro Atlântica (FCA). 2. A sentença de procedência dos embargos à execução foi reformada pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro pelo fundamento de que "o risco da atividade desempenhada pela apelada ao causar danos ao meio ambiente consubstancia o nexo causal de sua responsabilidade, não havendo, por conseguinte, que se falar em ilegitimidade da embargante para figurar no polo passivo do auto de infração que lhe fora imposto", entendimento esse mantido no acórdão ora embargado sob o fundamento de que "[a] responsabilidade administrativa ambiental é objetiva". 3. Ocorre que, conforme assentado pela Segunda Turma no julgamento do REsp 1.251.697/PR, de minha relatoria, DJe de 17/4/2012), "a aplicação de penalidades administrativas não obedece à lógica da responsabilidade objetiva da esfera cível (para reparação dos danos causados), mas deve obedecer à sistemática da teoria da culpabilidade, ou seja, a conduta deve ser cometida pelo alegado transgressor, com demonstração de seu elemento subjetivo, e com demonstração do nexo causal entre a conduta e o dano". 4. No mesmo sentido decidiu a Primeira Turma em caso análogo envolvendo as mesmas partes: "A responsabilidade civil ambiental é objetiva; porém, tratando-se de responsabilidade administrativa ambiental, o terceiro, proprietário da carga, por não ser o efetivo causador do dano ambiental, responde subjetivamente pela degradação ambiental causada pelo transportador" (AgRg no AREsp 62.584/RJ, Rel. p/ Acórdão Ministra Regina Helena Costa, DJe de 7/10/2015). 5. Embargos de divergência providos. (STJ. EREsp 1318051 / RJ. Relator Ministro Mauro Campbell Marques. Primeira Seção. Data do julgamento: 8/5/2019. Data da publicação e fonte: Dje 12/6/2019. RSTJ vol 254. P. 168). (Grifos nossos).
O entendimento jurisprudencial inadmite a responsabilização somente pelo resultado.
De modo que, ausente a demonstração de que o acusado tenha atuado de forma dirigida, intencional ou que tenha assumido o risco de produzir o resultado, dentro de um parâmetro normal de previsibilidade, ou que tenha, ainda, faltado com o dever objetivo de cuidado, com consequências igualmente previsíveis (quando a lei prever), não poderá o fato ser considerado típico em sua dimensão subjetiva e, portanto, punível.
Fato é que a culpa, como sucedâneo de punição administrativa, exige a previsibilidade do resultado decorrente da conduta do agente. Portanto, não basta estar comprovada a culpa do agente por determinado resultado de sua ação ou omissão, devendo para a punitividade estatal agregar-se a previsibilidade do resultado decorrente da conduta.
Ultrapassadas as argumentações anteriores, certo que a doutrina e jurisprudência pátrias estabelecem distinção (classificação) entre agentes públicos, merecendo destaque a existente entre agentes políticos e agentes administrativos.
Agentes políticos, em síntese, seriam aqueles (Presidente da República, Membros do Poder Legislativo, membros do Poder Judiciário, membros do Ministério Público, membros dos Tribunais de Contas, diplomatas) que compõem os altos escalões do Poder Público possuindo suas atribuições próprias previstas na Constituição Federal.
Por sua vez, agentes administrativos seriam aqueles (servidores e empregados públicos e temporários) que exercem uma atividade pública de natureza profissional e remunerada, estando sujeito à hierarquia funcional e ao regime jurídico da entidade a que estiver vinculado.
Parece-me, com o devido respeito, que a distinção é intolerável.
Agentes públicos em geral, assim como os agentes políticos, têm suas atuações condicionadas à hierarquia e a regime próprio, exercendo atividade profissional e remunerada.
Daí que, com o devido respeito a entendimentos opostos, parece correto afirmar que quaisquer agentes públicos (políticos ou servidores públicos) devem ser tratados com isonomia, uma vez que exercem atividade profissional e remunerada, sujeitando-se a hierarquia e a regimes próprios das entidades em que se encontram vinculados.
A Lei Fundamental (§6° do art. 37 da CF/88) não faz distinção entre agente públicos, atestando que seus agentes, indistintamente, serão acionados regressivamente sempre que suas condutas causarem prejuízos a terceiros.
A equiparação entre agentes públicos, em quaisquer de suas espécies, também é encontrada na Lei Federal n. 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa - LIA) que equipara o agente político ao servidor público, inibindo quaisquer distinções entre eles para fins de responsabilização pela prática de atos ímprobos:
Art. 2º Para os efeitos desta Lei, consideram-se agente público o agente político, o servidor público e todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades referidas no art. 1º desta Lei. (...). (Grifos e omissões nossos).
A conceituação jurídica de agente público também é encontrada no Decreto-Lei n. 2.848/1940 (Código Penal):
Art. 327 - Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública.
§1º - Equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, e quem trabalha para empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da Administração Pública. (...). (Grifos e omissões nossos).
Juridicamente, portanto, inexiste diferenciação entre agentes públicos.
Agente público, enfim, é todo aquele que exerce cargo, emprego ou função pública segundo o Código Penal (art. 327) e a Lei de Improbidade Administrativa (art. 2º), sendo o conceito uno, ou seja, abrangente a todas as espécies.
Neste sentido, eis o entendimento do Tribunal de Cidadania:
ADMINISTRATIVO. LEI DE IMPROBIDADE. CONCEITO E ABRANGÊNCIA DA EXPRESSÃO "AGENTES PÚBLICOS". HOSPITAL PARTICULAR CONVENIADO AO SUS (SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE). FUNÇÃO DELEGADA. 1. São sujeitos ativos dos atos de improbidade administrativa, não só os servidores públicos, mas todos aqueles que estejam abrangidos no conceito de agente público, insculpido no art. 2, da Lei n.º 8.429/92. 2. Deveras, a Lei Federal nº 8.429/92 dedicou científica atenção na atribuição da sujeição do dever de probidade administrativa ao agente público, que se reflete internamente na relação estabelecida entre ele e a Administração Pública, superando a noção de servidor público, com uma visão mais dilatada do que o conceito do funcionário público contido no Código Penal (art. 327). 3. Hospitais e médicos conveniados ao SUS que além de exercerem função pública delegada, administram verbas públicas, são sujeitos ativos dos atos de improbidade administrativa. 4. Imperioso ressaltar que o âmbito de cognição do STJ, nas hipóteses em que se infirma a qualidade, em tese, de agente público passível de enquadramento na Lei de Improbidade Administrativa, limita-se a aferir a exegese da legislação com o escopo de verificar se houve ofensa ao ordenamento. 5. Ademais, a efetiva ocorrência do periculum in mora e do fumus boni juris são condições de procedência do mérito cautelar, sindicável pela instância de origem também com respaldo na Súmula 07. 6. Em consequência dessa limitação, a comprovação da ocorrência ou não do ato improbo é matéria fática que esbarra na interdição erigida pela Súmula 07, do STJ. 7. Recursos parcialmente providos, apenas, para reconhecer a legitimidade passiva dos
recorridos para se submeteram às sanções da Lei de Improbidade Administrativa, acaso comprovadas as transgressões na instância local. (STJ. Resp. 49593/RS. Relator: Ministro Luiz Fux. 1ª Turma. Data do Julgamento: 16/3/2004. Data/Fonte da publicação: DJ 19/4/2004. P. 155). (Grifos nossos).
Enfim, se inexistente qualquer distinção constitucional de agente público (art. 37, §6º, CF/88) e havendo equiparação entre agentes políticos e servidores públicos (art. 3º, LIA e art. 327, CP), não se pode falar em responsabilidade por culpa de qualquer servidor público, salvo a grave, equiparável ao dolo.
O Código de Processo Civil, alijando qualquer responsabilização por culpa, sacramenta que a ação regressiva somente tem lugar contra membros do Ministério Público quando seus agentes agirem com dolo ou fraude:
Art. 181. O membro do Ministério Público será civil e regressivamente responsável quando agir com dolo ou fraude no exercício de suas funções. (Grifos nossos).
A impossibilidade de responsabilização por culpa também se aplica aos membros da Advocacia Pública (art. 184, CPC): na condição de agente público, o membro da Advocacia Pública tem responsabilidade pessoal civil e regressiva, administrativa e disciplinar, sem exclusão de eventual responsabilidade criminal pelos atos praticados em razão de seu cargo quando agir com dolo ou fraude no exercício de suas funções.
Art. 184. O membro da Advocacia Pública será civil e regressivamente responsável quando agir com dolo ou fraude no exercício de suas funções. (Grifos nossos).
Não diferentemente dos membros do Ministério Público e da Advocacia Pública, os magistrados, conforme regra do artigo 143 do Código de Processo Civil, somente poderão ser responsabilizados regressivamente quando procederem com dolo ou frauda no exercício de suas funções:
Art. 143. O juiz responderá, civil e regressivamente, por perdas e danos quando:
I - no exercício de suas funções, proceder com dolo ou fraude;
II - recusar, omitir ou retardar, sem justo motivo, providência que deva ordenar de ofício ou a requerimento da parte.
Parágrafo único. As hipóteses previstas no inciso II somente serão verificadas depois que a parte requerer ao juiz que determine a providência e o requerimento não for apreciado no prazo de 10 (dez) dias. (Grifos nossos).
Não se pode tolerar, com o devido respeito, que agentes públicos sejam responsabilizados civil e regressivamente em casos de dolo ou culpa (agentes públicos em geral), ao passo que outros (membros do Ministério Público, da Advocacia Pública e da Magistratura, etc.) sejam acionados por seus atos apenas a título de dolo.
A isonomia, para fins de responsabilização civil, se impõe.
Não se está aqui a defender a irresponsabilidade estatal.
O que se defende é que agentes públicos, de quaisquer níveis e qualquer que seja a classificação dada pelos doutrinadores, somente possam ser responsabilizados regressivamente quando suas condutas estiverem eivadas de dolo ou culpa grave, esta equiparável a conduta volitiva dolosa.
Afinal, todos os agentes públicos têm plena liberdade funcional - equiparável à independência de magistrados, membros do Parquet e da Advocacia Pública - e, diante dessa circunstância, somente podem ser responsabilizados regressivamente quando exercerem suas funções com a intenção (dolo direito) ou assunção de produzir (dolo eventual) o dano a terceiro.
Ter compreensão diversa, à notoriedade, é vilipendiar a regra do § 6° do artigo 37 da Constituição da República de 1988 que não faz distinção entre agentes públicos, estabelecendo que todos os agentes públicos podem ser responsabilizados a título de dolo ou culpa.
Insustentável, com o devido respeito, o entendimento de que agentes políticos precisam de ampla liberdade funcional e maior resguardo para o desempenho de suas funções. Qualquer agente público necessita de liberdade funcional para o desempenho de suas funções, pena de terem suas atividades condicionadas a interesses espúrios de agentes políticos.
A corroborar as afirmativas precedentes, traga-se a colação as seguintes ementas jurisprudenciais originárias do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que atestam a inviolabilidade de atos de agentes públicos na prática de seus atos e com fins de garantir o legítimo exercício de suas funções, ainda que seus atos tenham sido praticados com equívocos e sem a presença de erro grosseiro ou má-fé:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. DECISÃO QUE REJEITA A PETIÇÃO INICIAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO CABÍVEL. JURISPRUDÊNCIA PACIFICADA NESTA CORTE. PARECER EQUIVOCADO. AUSÊNCIA DE INDÍCIOS DE ERRO GROSSEIRO OU MÁ-FÉ. INVIOLABILIDADE DOS ATOS E MANIFESTAÇÕES. EXERCÍCIO DA PROFISSÃO. REJEIÇÃO DA PETIÇÃO INICIAL QUE SE IMPÕE. RECURSO ESPECIAL PROVIDO EM PARTE. (...) 2. A existência de indícios de irregularidades no procedimento licitatório não pode, por si só, justificar o recebimento da petição inicial contra o parecerista, mesmo nos casos em que houve a emissão de parecer opinativo equivocado. 3. Ao adotar tese plausível, mesmo minoritária, desde que de forma fundamentada, o parecerista está albergado pela inviolabilidade de seus atos, o que garante o legítimo exercício da função, nos termos do art. 2º, § 3º, da Lei n. 8.906/94. 4. Embora o Tribunal de origem tenha consignado o provável equívoco do parecer técnico, não demonstrou indícios mínimos de que este teria sido redigido com erro grosseiro ou má-fé, razão pela qual o prosseguimento da ação civil por improbidade contra a Procuradora Municipal configura-se temerária. Precedentes do STF: MS 24631, Relator Min. Joaquim Barbosa, Tribunal Pleno, julgado em 09/08/2007, pub. 01-02-2008; MS 24073, Relator: Min. Carlos Velloso, Tribunal Pleno, julgado em 06/11/2002, DJ 31-10-2003. Precedentes desta Corte: Resp. 1183504/DF, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe de 17/06/2010. (...). (STJ. Resp. 1454640/ES, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 15/10/2015, DJe 05/11/2015). (Grifos e omissões nossos).
PENAL E PROCESSO PENAL. REVISÃO CRIMINAL FUNDADA NO ART. 621, I, CPP. ESTELIONATO PREVIDENCIÁRIO (ART. 171, § 3º, CP) PRATICADO POR TERCEIRO NÃO BENEFICIÁRIO DA FRAUDE. CRIME INSTANTÂNEO DE EFEITOS PERMANENTES. ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL DO STF SUPERVENIENTE À CONDENAÇÃO. PRESCRIÇÃO DO IUS PUNIENDI RECONHECIDA. INEXISTÊNCIA DE ERRO JUDICIÁRIO. IMPOSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DE INDENIZAÇÃO (ART. 630, CPP). DEVOLUÇÃO DOS VALORES PAGOS A TÍTULO DE PENA DE MULTA: POSSIBILIDADE.(...) 5 . Não há como se reconhecer a existência de erro judiciário capaz de gerar indenização por injusta condenação (art. 630, CPP) se a sentença condenatória fundou-se em interpretação jurisprudencial controversa à época da condenação e que somente veio a se firmar após a confirmação da sentença pelo Tribunal de segundo grau. (...). (STJ. RvCr 3.900/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 13/12/2017, DJe 15/12/2017). (Grifos e omissões nossos).
Eis que todos os agentes públicos, políticos ou administrativos, exercem funções essenciais para o Estado, devendo suas funções serem desenvolvidas com seriedade, comprometimento e probidade.
De modo que o cometimento de condutas administrativas irregulares ou o descumprimento de deveres funcionais de quaisquer agentes públicos (políticos, administrativos, etc.) dá margem à responsabilidade administrativa quanto aos danos causados à Administração Pública.
Sendo que a responsabilização por danos causados a terceiros por agente público no exercício de suas funções somente poderá se dar quando sua conduta estiver eivada do elemento volitivo doloso ou com culpa grave, equipável ao dolo.
Sobre a vedação de responsabilização de agente público a título de culpa, salvo a grave equiparável ao dolo, eis o seguinte.
Dolo, nos exatos termos do inciso I do artigo 18 do Código Penal, deve ser entendido como a vontade livre e consciente do agente em causar o resultado (dolo direto) ou assumir o risco de produzi-lo (dolo indireto).
Art. 18 - Diz-se o crime:
Crime doloso
I - doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo; (...). (Omissões nossas).
Culpa, conforme regra do inciso II do artigo 18 do Código Penal, denota um agir imprudente (forma precipitada), negligente (descuido ou desatenção) e imperita (sem habilidade ou qualificação técnica) do agente na prática de um resultado.
Art. 18 - Diz-se o crime:
Crime culposo
II - culposo, quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia; (...). (Omissões nossas).
Nessa linha, a responsabilização de qualquer agente público, quando sua conduta (comissiva ou omissiva) for voltada para a prática de um ilícito (dolo) e que cause danos a terceiros, não se discute.
Contudo, a culpa a ensejar a responsabilização do agente público, deve ir além de uma conduta meramente precipitada (imprudente), descuidada (negligente) ou inábil (imperita).
Culpa, com esse intuito, deve ser equiparada a erro grosseiro, ou seja, ao dolo.
A legislação e jurisprudência pátrias corroboram essa afirmativa.
A Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro (Decreto Lei n. 4.657, de 4 de setembro de 1942) estabelece que o agente público, sem qualquer distinção, somente responderá pessoalmente por suas decisões ou opiniões técnicas quando suas condutas forem praticadas por dolo ou erro grosseiro.
Art. 28. O agente público responderá pessoalmente por suas decisões ou opiniões técnicas em caso de dolo ou erro grosseiro. (...). (Grifos nossos).
Da diretriz legal acima transcrita, dúvidas inexistem no sentido de que qualquer agente público deverá ser acionado regressivamente pelo Poder Público sempre que sua conduta (livre e consciente) for direcionada a causar o resultado ou assuma o risco de produzi-lo.
Mas, o que seria erro grosseiro para fins de responsabilização do agente, indaga-se.
O conceito de erro grosseiro é encontrado no §1º do artigo 12 do Decreto n. 9.830 de 10/6/2019 (Regulamenta o disposto nos art. 20 ao art. 30 do Decreto-Lei n. 4.657, de 4 de setembro de 1942, que institui a Lei de Introdução às normas do Direito brasileiro):
Art. 12. O agente público somente poderá ser responsabilizado por suas decisões ou opiniões técnicas se agir ou se omitir com dolo, direto ou eventual, ou cometer erro grosseiro, no desempenho de suas funções.
§1º Considera-se erro grosseiro aquele manifesto, evidente e inescusável praticado com culpa grave, caracterizado por ação ou omissão com elevado grau de negligência, imprudência ou imperícia.
Erro grosseiro, como se extrai da norma legal acima invocada, deve ser entendido como aquele praticado com culpa grave, caracterizada essa por uma ação ou omissão com elevado grau de negligência, imprudência ou imperícia.
Erro grosseiro, portanto, equivale a culpa grave, sendo esta equiparável ao dolo:
(...) Não se tolera, porém, que a conduta culposa dê ensejo à responsabilização do servidor por improbidade administrativa; a negligência, a imprudência ou a imperícia, embora possam ser consideradas condutas irregulares e, portanto, passíveis de sanção, não são suficientes para ensejar a punição por improbidade; ademais, causa lesão à razoabilidade jurídica o sancionar-se com a mesma e idêntica reprimenda demissória a conduta ímproba dolosa e a culposa (art. 10 da Lei 8.429/92), como se fossem igualmente reprováveis, eis que objetivamente não o são. O ato ilegal só adquire os contornos de improbidade quando a conduta antijurídica fere os princípios constitucionais da Administração Pública coadjuvada pela má-intenção do administrador, caracterizando a conduta dolosa; a aplicação das severas sanções previstas na Lei 8.429/92 é aceitável, e mesmo recomendável, para a punição do administrador desonesto (conduta dolosa) e não daquele que apenas foi inábil (conduta culposa). (...). (STJ. Agrg no Aresp. 21.662/SP. Ministro Napoleão Nunes Maia. inadmissibilidade de improbidade na modalidade culposa em razão da alteração havida na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB). (Original sem grifos e sem omissões).
(...) Ora, o ato de improbidade administrativa pela própria articulação das expressões refere-se a condutas não apenas ilegais, pois ao ato ilegal é adicionado um plus que, no caso concreto, pode perfazer ou não um ato de improbidade. Daí que parte da doutrina bate-se pela perquirição do elemento subjetivo capaz de identificar não qualquer culpa praticada pelo agente público, mas necessariamente, um campo de culpa consciente, grave, denotando indícios de conduta dolosa. Não se trata de culpa leve, característica do agente inábil, aquela que conduz o administrador no erro interpretativo em busca do significado mais correto da aplicação da lei. (...). (TJMG, APELAÇÃO CÍVEL 1.0267.05.930497-7/001, RELATOR DESEMBARGADOR BRANDÃO TEIXEIRA, DJE 11/11/2005). (Grifos e omissões nossos).
Partindo das premissas precedentes, tem-se que a culpa grave para fins de penalização do agente público causador de danos a terceiros deve ser equiparada ao dolo, exigindo do agente uma conduta (comissiva ou omissiva) com a consciência da ilicitude.
E se o raciocínio anterior é correto (e é), não se pode dizer que se mostra possível a configuração e punição de qualquer agente público, ainda que regressivamente, por todo e qualquer ato culposo, mas, tão somente, quando existente o elemento volitivo doloso ou erro grosseiro (culpa grave equiparável ao dolo) do agente.
A Medida Provisória n. 966/2020, editada no auge da pandemia causada pela COVID-19, já estabelecia que os agentes públicos somente poderiam ser responsabilizados quando suas condutas (comissiva ou omissiva) fossem praticadas com dolo ou erro grosseiro:
Art. 1º Os agentes públicos somente poderão ser responsabilizados nas esferas civil e administrativa se agirem ou se omitirem com dolo ou erro grosseiro pela prática de atos relacionados, direta ou indiretamente, com as medidas de:
§1º A responsabilização pela opinião técnica não se estenderá de forma automática ao decisor que a houver adotado como fundamento de decidir e somente se configurará:
I se estiverem presentes elementos suficientes para o decisor aferir o dolo ou o erro grosseiro da opinião técnica; ou
II se houver conluio entre os agentes. (Grifos e omissões nossos).
A normatização em evidência já elidia qualquer responsabilização por culpa, salvo a grave, equiparável ao dolo.
A afirmativa se torna mais palpável se observadas às alterações introduzidas na Lei Federal n. 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa LIA) pela Lei Federal n. 14.230/2021.
A Lei de Improbidade Administrativa, como de seu bojo se extrai, é aplicável ao agente público (político ou servidor ou equiparável) e a terceiros que induzam ou concorram dolosamente para a prática do ato ímprobo:
Art. 3º As disposições desta Lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra dolosamente para a prática do ato de improbidade. (...). (Grifos e omissões nossos).
A Lei Federal n. 8.429/1992 (LIA), além de equipar o agente politico ao servidor público (art. 2º) como visto alhures, inibe quaisquer distinções entre eles para fins de responsabilização por atos de improbidade administrativa.
Responsabilização que somente poderá ocorrer com a presença do dolo.
A Lei Federal n. 8.429/1992 (LIA) veda qualquer responsabilidade a título de culpa, restando explicito que somente devem ser consideradas condutas ímprobas aquelas praticadas com a vontade livre e consciente (dolo) de enriquecer ilicitamente, causar dano ao erário público ou vilipendiar princípios administrativos:
Art. 1º O sistema de responsabilização por atos de improbidade administrativa tutelará a probidade na organização do Estado e no exercício de suas funções, como forma de assegurar a integridade do patrimônio público e social, nos termos desta Lei.
§1º Consideram-se atos de improbidade administrativa as condutas dolosas tipificadas nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, ressalvados tipos previstos em leis especiais.
§2º Considera-se dolo a vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, não bastando a voluntariedade do agente.
§3º O mero exercício da função ou desempenho de competências públicas, sem comprovação de ato doloso com fim ilícito, afasta a responsabilidade por ato de improbidade administrativa. (...). (Grifos e omissões nossos).
Art. 17-C. A sentença proferida nos processos a que se refere esta Lei deverá, além de observar o disposto no art. 489 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil):
(...)
§1º A ilegalidade sem a presença de dolo que a qualifique não configura ato de improbidade. (Grifos e omissões nossos).
Um ato improbo deve ser entendido comO ilegalidade qualificada.
E se uma ilegalidade qualificada não pode ser punida a título de culpa, com o devido respeito, não pode subsistir a responsabilidade de qualquer agente/servidor público a título de culpa, salvo a grave, equiparável ao dolo.
Compreensão em contrário, com o devido respeito, não se mostra razoável.
Daí que, com o devido respeito, a responsabilização por danos causados a terceiros por agente público no exercício de suas funções somente poderá se dar quando sua conduta estiver eivada do elemento volitivo doloso.
As argumentações expostas, com base em recentes legislações e atualizada jurisprudência, leva a conclusão de que o agente público somente responderá pessoalmente quando suas condutas forem praticadas por dolo ou erro grosseiro.
Enfim, ainda que subsistente a responsabilização estatal, os agentes públicos, de quaisquer níveis e no exercício de suas funções, somente podem ser responsabilizados regressivamente quando suas condutas causarem danos a terceiros e, sobremodos, estiverem eivadas de dolo.