É cediço que a Lei nº 13.834/2019 alterou a Lei nº 4.737/1965 (Código Eleitoral) para tipificar o crime de denunciação caluniosa quando cometido com finalidade eleitoral. Todavia, até a presente data, não existe no ordenamento jurídico penal brasileiro nenhum tipo penal que descreva o que é fake news, ou seja, não há no Brasil crime denominado fake news, embora haja vários tipos penais que, há muitos anos, coíbem condutas relacionadas à divulgação de notícias falsas no Código Penal.
Por exemplo, tem-se os crimes contra a honra — calúnia, difamação e injúria — previstos no Código Penal, mas não há um crime específico de fake news, a saber:
Art. 138. - Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime:
Pena - detenção, de seis meses a dois anos, e multa.
§ 1º - Na mesma pena incorre quem, sabendo falsa a imputação, a propala ou divulga.
§ 2º - É punível a calúnia contra os mortos. (...)
Art. 139. - Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação:
Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.
Art. 140. - Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:
Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.(...)
§ 2º - Se a injúria consiste em violência ou vias de fato, que, por sua natureza ou pelo meio empregado, se considerem aviltantes:
Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa, além da pena correspondente à violência.
§ 3º Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência:
Pena - reclusão de um a três anos e multa.
Art. 141. - As penas cominadas neste Capítulo aumentam-se de um terço, se qualquer dos crimes é cometido:
I - contra o Presidente da República, ou contra chefe de governo estrangeiro;
II - contra funcionário público, em razão de suas funções, ou contra os Presidentes do Senado Federal, da Câmara dos Deputados ou do Supremo Tribunal Federal;
III - na presença de várias pessoas, ou por meio que facilite a divulgação da calúnia, da difamação ou da injúria.
IV - contra criança, adolescente, pessoa maior de 60 (sessenta) anos ou pessoa com deficiência, exceto na hipótese prevista no § 3º do art. 140. deste Código.
§ 1º - Se o crime é cometido mediante paga ou promessa de recompensa, aplica-se a pena em dobro.
§ 2º Se o crime é cometido ou divulgado em quaisquer modalidades das REDES SOCIAIS da rede mundial de computadores, aplica-se em triplo a pena. (grifo nosso)
Diversos outros crimes estão previstos no Código Eleitoral, a saber:
Art. 323. Divulgar, na propaganda, fatos inverídicos, em relação a partidos ou candidatos, e capazes de exercerem influência perante o eleitorado.
Pena: detenção de dois meses a um ano, ou pagamento de 120 a 150 dias-multa. A pena é agravada se o crime for cometido pela imprensa, rádio ou televisão.
Art. 324. Caluniar alguém, na propaganda eleitoral, ou visando a fins de propaganda, imputando-lhe falsamente fato definido como crime.
Pena: detenção de seis meses a dois anos, e pagamento de 10 a 40 dias-multa.
Art. 325. Difamar alguém, na propaganda eleitoral, ou visando a fins de propaganda, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação.
Pena: detenção de três meses a um ano, e pagamento de 5 a 30 dias-multa.
Art. 326. Injuriar alguém, na propaganda eleitoral, ou visando a fins de propaganda, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro.
Pena: detenção de até seis meses, ou pagamento de 30 a 60 dias-multa.
Ademais, vale frisar que o Código Penal também prevê os delitos de comunicação falsa de crime e denunciação caluniosa (arts. 340 e 339 do CP). Ambos envolvem a divulgação de notícia falsa sobre um crime que se sabe ser inexistente ou quando o denunciante dá causa a uma investigação contra alguém que sabe ser inocente.
Uma das consequências eleitorais para o candidato pode ser a perda do mandato, se eleito, caso seja comprovado que ele divulgou fake news durante a campanha. Frise-se que não importa se a informação é verdadeira, pois, se ofender a honra de alguém, a pessoa que a divulgou ou compartilhou poderá responder por algum dos crimes mencionados acima.
Há de se reconhecer que não basta apenas criar novos crimes ou majorar penas para atender aos anseios da sociedade ou à repercussão da mídia nacional. Isso porque, se o legislador agir dessa forma, estará criando o chamado direito penal simbólico, o que não representa a melhor estratégia para combater notícias falsas. Esse fenômeno exige uma resposta rápida do Congresso Nacional na elaboração de leis, muitas vezes sem o tempo necessário para discussão e aprofundamento na matéria e sem a devida participação popular. Como consequência, pode-se acabar editando ou alterando leis que posteriormente se tornam ineficazes e até mesmo podem ser declaradas inconstitucionais.
Sabe-se, ainda, que o Tribunal Superior Eleitoral possui parceria com plataformas digitais para evitar a propagação de fake news durante o período eleitoral. Convém esclarecer que outro problema surge quando a falsa notícia não atinge uma pessoa determinada. Nesse caso, não há previsão de crime na legislação brasileira, uma vez que não há um indivíduo específico sendo prejudicado pela informação inverídica.
No Congresso Nacional, tramitam projetos que visam melhorar essa problemática das fake news no Brasil. No entanto, toda e qualquer legislação que pretenda mitigar a liberdade de expressão representa um sério risco à democracia.
Ante o exposto, uma medida eficaz seria a realização de campanhas educativas para evitar que pessoas repostem informações nas redes sociais sem antes verificar a veracidade do conteúdo. Contudo, aqui surge outro problema: quais sites da internet podem ser considerados confiáveis? A mídia tradicional? Sites de busca como o Google e similares? Rádio, jornais, revistas e televisão? Especialistas técnicos na área relacionada à notícia pesquisada? Ainda que a informação seja verdadeira, é necessário avaliar se seu compartilhamento pode atingir a honra de alguém. Entretanto, até a presente data, não há um crime específico de fake news no ordenamento jurídico pátrio.