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Inadimplência na rede privada de ensino e responsabilidade civil do Estado

Inadimplência na rede privada de ensino e responsabilidade civil do Estado

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Parecer defende que o Estado deve indenizar as escolas privadas que foram obrigadas, por lei, a manter contratos com alunos inadimplentes. Alega-se que o Estado impõe danos financeiros a tais empresas, ao exigir que assumam os encargos de educação gratuita.

ESTUDO: PARECER JURÍDICO

OBJETO: RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO

ORIGEM: INADIMPLÊNCIA NAS ESCOLAS PRIVADAS

DATA: 03/2009

CLIENTE: COLÉGIO SALOMÉ BASTOS E OUTROS

EMENTA: Relatório. Descrição e Delimitação do Objeto de Estudo. Inadimplência Escolar. Rede Privada de Ensino. Impossibilidade de Retenção de Documentos. Impossibilidade de Restrição ao Acesso às Aulas e às Avaliações. Impossibilidade de Constrangimento do Aluno. Lei n° 9.870/99. Parecer. Fundamentos Constitucionais da Educação e da Prestação de Serviços Educacionais. A Relação de Consumo e as Regras de Direito Privado. Os Princípios Contratuais e a Exceção de Contrato não Cumprido. A Função Social do Contrato de Educação. O Nexo Causal e a Responsabilidade Civil do Estado pelo Inadimplemento das Obrigações Escolares da Rede Privada. Responsabilidade Civil do Estado nas atividades Legislativa e Executiva de Ensino. A LDB e o entendimento dos tribunais superiores. Conclusão. Parâmetros Técnicos para o manejo das Ações de Reparação Civil contra o Estado.


RELATÓRIO

Trata-se de consulta jurídica formulada por um grupo de instituições privadas de ensino do estado do Ceará, liderada e encartada pelo Colégio Salomé Bastos[1], sobre possível Responsabilidade Civil Objetiva do Estado pela inadimplência financeira na prestação de serviços de ensino, na rede privada de educação, com assento nas seguintes proposições:

1ª) O Estado pode ser responsabilizado pela inadimplência causada por alunos à rede privada de ensino, em face da restrição de medidas administrativas impostas pelo artigo 6°, da Lei n° 9.870/99?

2ª) As normas legislativas e as resoluções executivas de ensino violam os fundamentos da livre iniciativa e da não intervenção do Estado na iniciativa privada?

3ª) A obrigação de prestar serviço educacional gratuito pode ser extensiva à rede privada?

4ª) Há colisão de Direitos Fundamentais entre o acesso à educação e os princípios gerais da atividade econômica?

O desafio proposto pelos solicitantes é grandioso, ensejando discussão aprofundada que projeta o parecer jurídico no contexto social, político e econômico, antes de ser meramente jurídico.

A consulta se origina em razão dos crescentes índices de inadimplência financeira que atingem as escolas privadas, sobretudo depois de 1999, data que coincide com a edição da Lei Federal nº 9.870/99[2] que, de certo modo, contribuiu para que o índice de mal pagadores aumentasse assustadoramente, provocando o encerramento das atividades de mais de quatrocentos colégios e estabelecimentos educacionais privados no estado do Ceará, na última década, segundo dados divulgados pela Associação Cearense de Pequenas e Médias Escolas (ACEPEME) e pela Associação das Escolas de Fortaleza (AEF).[3] Mas este é um fenômeno que não se restringe ao nosso estado.[4]

Referida lei chancelou, de forma irrecorrível, a obrigatoriedade das instituições privadas manterem em seus quadros, durante todo o ano letivo, os alunos que estejam com pendências para com suas obrigações financeiras, sem que, contra eles, possa adotar qualquer medida de caráter administrativo ou pedagógico, tais como: retenção de documentos e suspensão das aulas, para ficarmos nesses dois exemplos.

Disciplina a lei, in verbis:

“Art. 6º São proibidas a suspensão de provas escolares, a retenção de documentos escolares ou a aplicação de quaisquer outras penalidades pedagógicas por motivo de inadimplemento, sujeitando-se o contratante, no que couber, às sanções legais e administrativas, compatíveis com o Código de Defesa do Consumidor, e com os arts. 177 e 1.092 do Código Civil Brasileiro, caso a inadimplência perdure por mais de noventa dias.

§ 1º O desligamento do aluno por inadimplência somente poderá ocorrer ao final do ano letivo ou, no ensino superior, ao final do semestre letivo quando a instituição adotar o regime didático semestral.

§ 2º Os estabelecimentos de ensino fundamental, médio e superior deverão expedir, a qualquer tempo, os documentos de transferência de seus alunos, independentemente de sua adimplência ou da adoção de procedimentos legais de cobranças judiciais.”

A justificativa é a de que o dever social da escola é formar os caracteres educacionais do estudante, independentemente da contraprestação financeira assumida, muitas vezes, por seus pais. Defendem os especialistas do Governo em políticas educacionais, que, em se tratando dos discentes de ensino fundamental e médio, os contratos são estabelecidos entre seus responsáveis e a escola, portanto, não poderiam constranger os alunos a arcarem com obrigações que não são de sua responsabilidade, além do fato de haver mecanismos alternativos de cobrança, previstos na legislação.[5]

Sem poder adotar qualquer medida restritiva ao alunado, sob pena de levá-lo ao prejuízo pedagógico, as escolas privadas se viram de mãos atadas, obrigadas a dar continuidade à relação contratual assumida, em detrimento de seus custos operacionais. Pior, à medida que se espalhou a notícia da aplicação da referida lei, os (ir)responsáveis financeiros, mesmo os que costumavam honrar seus compromissos, começaram a inadimplir despreocupadamente com os pagamentos, amparados que estavam pela lei.

Somente nos últimos dois anos, o estado do Ceará assistiu assombrado o fechamento de três instituições seculares de ensino, todas pelos elevados índices de inadimplência: o Colégio Marista Cearense, o Colégio Stella Maris e o Colégio Dorotéias, bancos escolares pelos quais passaram vários governadores do estado e inúmeras lideranças políticas e intelectuais. Seus fechamentos foram silenciosos, sem qualquer intervenção do Estado, ou sem qualquer ensaio de resistência pública.

Para não ficarmos apenas nos números alencarinos, segundo dados do Semesp (Sindicato das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de Ensino Superior no Estado de São Paulo), publicados no Boletim Informativo n° 41, da I2Credit, o percentual de inadimplência no ensino superior atingiu 34,5% (trinta e quatro, cinco por cento), um aumento de 23% (vinte e três por cento) em relação ao ano de 2007. Este registro implica dizer que a crise não é limitada à região mais pobre do país, ela é nacional.

É em meio a este cenário caótico que desenvolvemos nosso estudo, que culminou no presente parecer e serve de alento aos solicitantes, pelo menos do ponto de vista de solução jurídica, com a sugestão do ajuizamento de ação de responsabilidade civil.


PARECER

I – FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS DA EDUCAÇÃO

Os fundamentos básicos da educação no Brasil estão, obviamente, amparados na Constituição Federal de 1988, que em seu artigo 6º a enquadra como um Direito Social, o que equivale ao Direito Fundamental de 2ª geração, nas lições do jurista tcheco KAREL VASAK[6], mais tarde estruturada por NOBERTO BOBBIO[7]. Disciplina assim o referido artigo, verbis:

“Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.”

E por ser um Direito Social, a Carta Política quis distribuir a responsabilidade pela missão educacional às escolas, à sociedade e à família, como apregoado no artigo 205, in verbis:

“Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.”

Numa análise mais empírica, parece residir na redação do artigo uma mens legislativa voltada para a co-responsabilização na formação educacional no país. Portanto, uma responsabilidade solidária, ao invés de uma responsabilidade derivada. Porém, essa não pode ser a leitura correta.

É possível até, que em razão disso, se tenha estabelecido a ideia que culminou na elaboração do artigo 6º, da já mencionada Lei Federal nº 9.870/99, delegando à iniciativa privada o ônus de suportar os custos educacionais, exercendo a tal “responsabilidade solidária”.

A sentença “(...) com a colaboração da sociedade (...)”, empregada no artigo 205, não quer supor que será ela responsável conjuntamente com o Estado pela educação do povo brasileiro, apenas quer supor que criará ou facilitará a criação de mecanismos de suportes que permitam que a educação seja fonte primária de interesse no desenvolvimento humano do país. Uma dessas fontes sociais advém da iniciativa privada, através das escolas e instituições de ensino, criadas, sobretudo, para o amparo à rede pública que, como se sabe, é incapaz de sozinha atender a demanda.

Desta forma, não é admissível que se transfira à iniciativa privada o ônus de “sustentar” a educação como se houvesse uma responsabilidade solidária com o Estado. O ensino gratuito só é admissível na rede de ensino oficial, obrigação, aliás, exclusivamente conferida ao poder público, consoante definem os seguintes artigos da constituição, ipsis litteris:

“Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:

(...)

IV - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;”

“Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:

I - ensino fundamental, obrigatório e gratuito, assegurada, inclusive, sua oferta gratuita para todos os que a ele não tiveram acesso na idade própria.”

Este dever que o Estado tem de ofertar ensino gratuito na rede pública é um direito público subjetivo, com forte vínculo no exercício da cidadania, que se não for estruturado pela administração pública, poderá gerar sanções de ordens administrativa, cível e, até mesmo, criminal. Rezam os parágrafos 1º e 2º, do artigo 208, da Carta Política, verbis:

“§ 1º - O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo.

§ 2º - O não-oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta irregular, importa responsabilidade da autoridade competente.”

Percebe-se de pronto que o dirigismo constitucional delegou ao poder público, em caráter de exclusividade, a obrigação de ofertar e manter o ensino gratuito no país. Portanto, não incide sobre a iniciativa privada a obrigação de manter alunos estudando gratuitamente.

A prestação do serviço educacional, nesses termos, é dicotômica e compreendida entre o serviço público e o privado, ou seja, o público estruturado nas bases dos mencionados artigos 206 e 208 da CF/88 e o privado com bases no artigo 209 da CF/88. Neste ponto assevera a Lei Federal nº 9.394/96, que instituiu as Diretrizes e Bases da Educação – LDB que, verbis:

“Art. 3º O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:

(...)

V - coexistência de instituições públicas e privadas de ensino;”

No que se reporta ao custeio, o ensino público sobrevive do repasse da receita arrecadada com impostos, consoante definem o artigo constitucional 212 e seus parágrafos, litteris:

“Art. 212. A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino.

(...)

§ 3º - A distribuição dos recursos públicos assegurará prioridade ao atendimento das necessidades do ensino obrigatório, nos termos do plano nacional de educação.

§ 4º - Os programas suplementares de alimentação e assistência à saúde previstos no art. 208, VII, serão financiados com recursos provenientes de contribuições sociais e outros recursos orçamentários.

§ 5º A educação básica pública terá como fonte adicional de financiamento a contribuição social do salário-educação recolhida pelas empresas na forma da lei.

§ 6º As cotas estaduais e municipais da arrecadação da contribuição social do salário-educação serão distribuídas proporcionalmente ao número de alunos matriculados na educação básica nas respectivas redes públicas de ensino.

E o privado, com recursos próprios, conforme define a LDB, in verbis:

“7º O ensino é livre à iniciativa privada, atendidas as seguintes condições:

(...)

III - capacidade de autofinanciamento, ressalvado o previsto no art. 213 da Constituição Federal.”

Desta feita, é a livre iniciativa de mercado que regulará o serviço de ensino privado, com bases na lei da oferta da procura, impulsionada, com recursos próprios, ou oriundos da iniciativa privada, ou ainda, mediante programas de financiamento estudantil, como no caso do FIES. Toda essa estrutura de aporte financeiro tem assento nos princípios da valorização do trabalho, da livre iniciativa e da livre concorrência, como definem os seguintes artigos da CF/88, in verbis:

“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

(...)

IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;”

“Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

(...)

II - propriedade privada;

III - função social da propriedade;

IV - livre concorrência;”

“Art. 209. O ensino é livre à iniciativa privada, atendidas as seguintes condições:

I - cumprimento das normas gerais da educação nacional;

II - autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público.”

Sendo assim, é imperativa a dissolução de obrigações entre as duas redes de ensino, que são idênticas apenas no plano da natureza jurídica da atividade, mas que diferem totalmente em seus regimes jurídicos. As duas coexistem para o fim único de formação educacional.

As escolas privadas são empresas como outras quaisquer, estruturadas em contratos sociais específicos, com compromissos tributários e trabalhistas, com o fardo adicional da fiscalização dos entes administrativos do Estado, responsáveis pela educação, tais como o Ministério da Educação e as Secretarias de Educação, além dos Conselhos de Educação e os Tutelares, para não mencionar as entidades sindicais. Por fim, ainda estabelecem relações comerciais paralelas aos serviços que prestam, e que do sucesso financeiro deles dependem.

Assim, impingir às escolas privadas a obrigação de suportar a inadimplência sem que administre sanções em contrário, compromete a capacidade de autofinanciamento da rede, violando frontalmente os princípios gerais da atividade econômica e da livre iniciativa, pois as tornam ingerenciáveis do ponto de vista financeiro, ocasionando a perda de postos de trabalho e, nos casos mais graves, o fechamento dos estabelecimentos.

Ademais, as autoridades públicas não podem olvidar a importância da rede privada de ensino para a economia nacional. Segundo dados da Fundação Getúlio Vargas – FGV, publicados em 2005[8], somente entre os anos de 2004 e 2005, a educação privada movimentou cerca de R$ 35, 1 bilhões de reais no país, o equivalente a 1,3% (um, três por cento) do Produto Interno Bruto – PIB, além de ter gerado mais de 600 mil novos empregos diretos e mais de 1 milhão de novos empregos indiretos.

Somente no Ceará, segundo dados da Secretaria de Educação - SEDUC[9], as escolas particulares representam 21,32% do Ensino Infantil, 13,37% do Ensino Fundamental e 32,41% do Ensino Médio; números expressivos que representam parcela considerável das vagas existentes.

Ignorar esses números é desdenhar da importância econômica que a escola privada tem na própria história do ensino no Brasil, para além de ignorar a iminente crise social que bate à porta do sistema educacional.


II – A INTERPRETAÇÃO DO JUDICIÁRIO

A discussão em torno do assunto ganhou contornos draconianos, quando o egrégio Supremo Tribunal Federal, nos autos das ADin’s nº 1.117, 1.176, 1.236 e 1.350, todas movidas pela Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino – CONFENEN, entendeu serem constitucionais redações de dispositivos semelhantes ao artigo 6º, da Lei Federal nº 9.870/99, inseridas nas Medidas Provisórias de nº 524, 575 e 612, todas de 1994.

Mutatis Mutandis, entendeu a suprema instância que a ressalva de não levar o alunado ao constrangimento moral da cobrança, reveste-se de caráter constitucional que preserva a dignidade da pessoa humana. Porém, registre-se o dissenso no voto de alguns ministros, aqui destacado o do então Ministro Relator da Adin nº 1.117-1/DF, Paulo Brossard:

“É preocupante o cenário educacional brasileiro, sobretudo, no que se refere ao exercício da atividade por entes privados (...) Neste particular, a Medida Provisória nº 524 em apreço, deve ser fulminada no texto onde proíbe as escolas, por motivo de inadimplência dos alunos, de indeferir a renovação de matrícula. É uma coisa espantosa e atenta contra o cerne da educação, porque consagra, na escola, o calote, a desonestidade, a ilicitude. Fiquei de cabelos eriçados quando defrontei esse dispositivo. Como se pode consagrar isso em um ato de força de lei?”

Entretanto, em que pese o laborioso entendimento esboçado, está consagrado naquela casa superior, que redações como a contida no artigo 6º da referida lei, possuem interpretação conforme o texto constitucional.

O máximo que se admite, no entendimento do pretório excelso, é a não renovação da matrícula, consoante se abstrai do julgado abaixo, oriundo da 1ª Turma do Egrégio Superior Tribunal de Justiça – STJ, nos autos do REsp n° 951206, publicado no D.J.U. em 03/03/2008, tendo como relator o excelentíssimo Ministro José Delgado:

“PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL. FALTA DE PREQUESTIONAMENTO. OMISSÃO NA CORTE A QUO NÃO SANADA POR EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. ADUÇÃO DE OFENSA A NORMAS LEGAIS AUSENTES NA DECISÃO ATACADA. SÚMULA Nº 211/STJ. INSTITUIÇÃO PARTICULAR DE ENSINO SUPERIOR. INADIMPLÊNCIA. REMATRÍCULA. PRECEDENTES. ANÁLISE DE OFENSA A DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS. IMPOSSIBILIDADE (...) 2. O acórdão a quo indeferiu matrícula em razão de inadimplência da recorrente (...) 4. A jurisprudência do STJ envereda no sentido de que: “a Constituição Federal, no art. 209, I, dispõe à iniciativa privada o ensino, desde que cumpridas as normas gerais da educação nacional. A Lei 9.870/99, que dispõe sobre o valor das mensalidades escolares, trata do direito à renovação da matrícula nos arts. 5° e 6°, que devem ser interpretados conjuntamente. A regra geral do art. 1.092 do CC/16 aplica-se com temperamento, à espécie, por disposição expressa da Lei 9.870/99. O aluno, ao matricular-se em instituição de ensino privado, firma contrato oneroso, pelo qual se obriga ao pagamento das mensalidades como contraprestação ao serviço recebido. O atraso no pagamento não autoriza aplicar-se ao aluno sanções que se consubstanciem em descumprimento do contrato por parte da entidade de ensino (art. 5° da Lei 9.870/99), mas está a entidade autorizada a não renovar a matrícula, se o atraso é superior a noventa dias, mesmo que seja de uma mensalidade apenas (...) a regra dos arts. 5° e 6° da lei 9.870/99 é a de que o inadimplemento do pagamento das prestações escolares pelos alunos não pode gerar a aplicação de penalidades pedagógicas, assim como a suspensão de provas escolares ou retenção de documentos escolares, inclusive para efeitos de transferência a outra instituição de ensino. Entretanto, no afã de coibir abusos e de preservar a viabilidade financeira das instituições particulares de ensino, a lei excluiu do direito à renovação da matrícula (rematrícula), os alunos inadimplentes. 'A negativa da instituição de ensino superior em renovar a matrícula de aluno inadimplente, ao final do período letivo, é expressamente autorizada pelos arts. 5° e 6°, § 1°, da Lei 9.870/99' (...) 6. Agravo regimental não-provido.”

E, diga-se de passagem, à guisa do entendimento expendido no julgado acima, em causa está a “inadimplência” e não a simples “mora”. É que como observou aquela Colenda Turma, o artigo 6º, da Lei nº 9.870/99, condiciona a não rematrícula somente: “(...) caso a inadimplência perdure por mais de noventa dias.”

Ou seja, menos que esse prazo de atraso, não será considerado inadimplemento absoluto, mas sim, relativo. Neste ponto, é imperativo distinguir os dois institutos observando as lições de NELSON ROSENVALD[10]:

“Enquanto o inadimplemento absoluto resulta da completa impossibilidade de cumprimento da obrigação, a mora é a impossibilidade transitória de satisfazer a obrigação (...) a fonte imediata da mora é o atraso (...) o inadimplemento absoluto (...) equipara-se ao descumprimento definitivo (...) Em síntese, não basta uma diminuição no interesse do credor pela prestação em face da infração ao combinado; fundamental é a completa perda da necessidade e utilidade da coisa em face do descumprimento.”

O resultado prático desse raciocínio é que, se ao final do ano letivo (no caso das escolas), ou do semestre letivo (no caso das IES), o aluno estiver em situação de mora, portanto, transitoriamente tiver deixado de honrar o cumprimento de uma ou duas mensalidades, ou mesmo uma mensalidade, por até 90 (noventa) dias, o estabelecimento de ensino ainda será obrigado a rematriculá-lo. É como entende outra Egrégia Turma do STJ, a 2ª Turma, no julgado do REsp de nº 660.439/RS, da lavra da excelentíssima Ministra Relatora Eliana Calmon, publicado no DJU em 27/06/2005:

“ENSINO PRIVADO. FALTA DE PAGAMENTO DE 2 MENSALIDADES E RENOVAÇÃO DE MATRÍCULA. INTELIGÊNCIA DO ART. 6º DA LEI 9.870⁄99. Trata-se de recurso especial interposto pela UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS – UNISINOS, com fulcro na alínea "a" do permissivo constitucional, contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. O impedimento à renovação de matrícula só pode ser realizado se o aluno estiver com pelo menos 3 prestações em atraso. A resolução depende de intervenção judicial, não podendo ser efetivada de mão própria. Recurso provido”

O que impressiona em toda essa discussão, é que o Estado parece ignorar o fato de que não há mecanismos efetivos para recuperação desse prejuízo financeiro, uma vez que o judiciário míngua a cada dia pela falta de estrutura. O processo de execução, por seu turno, mesmo depois das reformas introduzidas pela Lei n° 11.382/06 possui ferramentas falidas de cogência ao devedor.

Além do mais, a legislação infra-constitucional não admite repercussão pessoal na esfera jurídica do devedor, somente a patrimonial.[11] Noutras palavras, o devedor só pode arcar com o pagamento se possuir recursos ou patrimônio para tal, caso contrário, arquiva-se o processo.

Não bastasse isso, os técnicos dos órgãos de Defesa e Proteção ao Consumidor (DECONS e PROCONS) de todo o país estão firmando entendimento de que, por se tratar de uma prestação de serviço atípica, os nomes dos pais e/ou dos alunos devedores não podem ser incluídos nos cadastros de inadimplência do Serviço de Proteção ao Crédito - SPC. Ou seja, o nome fica imaculado para que possam assumir novos compromissos na praça. Com tudo isso, o setor não tem dúvidas de que tais amarras legais fadarão à falência em massa das escolas privadas, num verdadeiro incentivo ao calote.


III – COLISÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS

Como já mencionado, a norma em questão põe em conflito dois fundamentos constitucionais de um Estado Democrático de Direito: o “acesso à educação” e a “livre iniciativa”. Ao optar por declarar a constitucionalidade de qualquer mecanismo legal que proteja o primeiro em detrimento do segundo, o STF aplicou a regra da ponderação, também definida como regra da proporcionalidade, desenvolvida na teoria estrutural de ROBERT ALEXY[12].

Pela teoria de ALEXY, o direito positivo se estrutura em direito-princípio, direito-fundamento, direito-garantia e direito-regra, havendo entre eles um grau de relevância que deve ser observado quando de sua aplicação. Neste sentido, entenderam os ministros do Supremo Tribunal Federal que o “acesso à educação” é um direito-fundamento e, a “livre iniciativa”, um direito-princípio.

De sorte que, na dimensão objetiva dos direitos fundamentais, os efeitos irradiantes do primeiro seriam mais significativos do que o segundo. Ou seja, o fundamento seria o alicerce que estrutura o ordenamento, que não poderia ser rompido, senão por uma reforma constitucional (as chamadas cláusulas pétreas). Já os princípios seriam dimensões empíricas do texto constitucional, que obrigam que algo seja realizado na maior medida possível, de acordo com as condições fáticas e jurídicas; portanto, podem ser relativizados.

Resumindo, entendeu o STF que, entre desalojar o aluno da escola preservando a sua autonomia financeira, e manter o aluno na escola, em prejuízo financeiro desta, haveria muito mais preceito constitucional a proteger na última hipótese do que na primeira.

Concessa vênia, registramos brevemente nossa posição em contrário, o que decorre de simples análise do texto constitucional. A “livre iniciativa” é tão direito-fundamento quanto o “acesso à educação”. Aduzem assim os artigos da Carta Magna, verbis:

“Art. 1º A República Federativa do Brasil, (...) tem como fundamentos:

(...)

IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;”

“Art. 6º São direitos sociais a educação, (...), na forma desta Constituição.”

Bem se vê que a “livre iniciativa” tem respaldo nos preceitos fundamentais do Estado Democrático de Direito, enquanto ao “acesso à educação” estatuiu-se o caráter de garantia fundamental, portanto, ambos são direito-fundamento e mereceriam tratamento igualitário.

Data vênia, a egrégia Corte superior deveria ter analisado a questão no plano da repercussão geral, já que seu alcance abrange instituições privadas em todo território nacional e o prejuízo decorrente do inadimplemento escolar irradia efeitos sobre vários outros setores, muitas vezes maior do que o prejuízo suportado pelo discente moroso. Quando a rede privada fecha as portas, gera milhares de desempregos, eleva os prejuízos de arrecadação tributária do Estado e compromete o adimplemento contratual dessas escolas com seus fornecedores. Por outro lado, os inadimplentes das escolas sofreriam, apenas, (justamente, diga-se de passagem) a retenção de seus documentos administrativos até ulterior solução do problema.

Mas, segregada a discussão, resta inferir que estão subvertidos os princípios e fundamentos que esteiam a Teoria Geral dos Contratos, restando apelar para regra da responsabilidade objetiva (extracontratual), consoante passamos a abordar.


IV – OS PARÃMETROS DA RELAÇÃO CONTRATUAL EDUCACIONAL

Do ponto de vista contratual, a prestação de serviços educacionais pode perfeitamente se enquadrar nos artigos 593 e seguintes do Código Civil, que disciplinam os contratos de prestação de serviço em geral, excluídos os tratados pela CLT e por demais leis especiais. Como não vige qualquer regra específica sob o contrato de ensino, a atividade subsume-se às regras da lei civil, com observância das normas supletivas do CDC e da LDB.

A teoria geral dos contratos tem, como postulados, os princípios que orientam e norteiam as relações jurídicas; são eles: a função social, a boa-fé, o força obrigatória, a autonomia da vontade privada e o equilíbrio na relação material. Cabe aqui uma análise mais detida de quatro dos cinco princípios.

A função social dos contratos de prestação de serviços educacionais possui um fim em si mesmo, que é o de contribuir para formação cultural e a consciência cidadã do estudante, facilitando seu ingresso no mercado de trabalho.

A entrega do serviço é caracterizada pela existência de um plano curricular de ensino, um projeto pedagógico para cada fase educacional, a utilização de recursos educativos, a interação psico-social com os demais alunos, incentivos a projetos de pesquisa e investigação e, principalmente, através das aulas ministradas por professores formados e capacitados.

Neste prisma, as instituições privadas de ensino auxiliam o Estado na construção de uma sociedade livre, justa e solidária, sublimando seu grau de importância sócio-econômica, de modo que, a precariedade de seus serviços compromete toda a estrutura de ensino do país.

Ao não honrar os compromissos financeiros assumidos, os responsáveis pelo adimplemento da obrigação atentam contra a função social do contrato ao qual eles mesmos aderiram, e do qual esperam receber a prestação integral do serviço, além de se aproveitarem das vantagens econômicas que ele oferece sem a necessária contrapartida.

Sobre a função social dos contratos, inevitável ressaltar as lições do mestre MIGUEL REALE[13] a respeito:

“O ato de contratar corresponde ao valor da livre iniciativa, erigida pela Constituição de 1988 a um dos fundamentos do Estado Democrático do Direito, logo no Inciso IV do Art. 1º, de caráter manifestamente preambular. Assim sendo, é natural que se atribua ao contrato uma função social, a fim de que ele seja concluído em benefício dos contratantes sem conflito com o interesse público. Como uma das formas de constitucionalização do Direito Privado, temos o § 4º do Art. 173 da Constituição, que não admite negócio jurídico que implique abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros. Esse é um caso extremo de limitação do poder negocial, não sendo possível excluir outras hipóteses de seu exercício abusivo, tão fértil é a imaginação em conceber situações de inadmissível privilégio para os que contratam, ou, então, para um só deles. É em todos os casos em que ilicitamente se extrapola do normal objetivo das avenças que é dado ao juiz ir além da mera apreciação dos alegados direitos dos contratantes, para verificar se não está em jogo algum valor social que deva ser preservado. Como se vê, a atribuição de função social ao contrato não vem impedir que as pessoas naturais ou jurídicas livremente o concluam, tendo em vista a realização dos mais diversos valores. O que se exige é apenas que o acordo de vontades não se verifique em detrimento da coletividade, mas represente um dos seus meios primordiais de afirmação e desenvolvimento.”

No mesmo sentido segue o princípio da boa-fé. Os pais, responsáveis pelo pagamento, ou os próprios alunos que contratam os serviços educacionais da rede privada, devem ter em mente que assumirão obrigações financeiras compatíveis com os serviços prestados, com as quais se vinculam até o término do contrato.

Não se imagina que o contratante, dessa posição, vislumbre lesar ao credor legalmente estabelecido (prestador do serviço), sob o pretexto de que a malsinada Lei Federal nº 9.870/99 tutela o seu direito de dar continuidade ao serviço, independentemente da continuidade de sua contraprestação. Aduz o artigo 422 do Código Civil, in verbis: “Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.”

Consagrou o legislador de 2002 o instituto da boa-fé como parâmetro de confiança mútua na relação contratual. Como prenuncia Ernesto Wayar[14]: "Cada pessoa deve ajustar a sua própria conduta a esse arquétipo, obrando como obraria um homem reto: com honestidade, lealdade, probidade".

Desta forma, a inadimplência desmotivada dos contratantes para com os prestadores do serviço educacional, laboram contra a boa-fé, pois frustram as expectativas do contratado em relação à concreção do negócio firmado.

Por sua vez, o princípio da força obrigatória dos contratos é priorado da autonomia da vontade privada e assim se estabelece como núcleo central das relações contratuais, já que ninguém é obrigado a contratar (Art. 5º, II, CF/88), mas uma vez contratado, deve respeitar as regras estabelecidas, em nome da segurança jurídica das relações sociais.

Nessa perspectiva, considerando que os contratos são, via de regra, acordos bilaterais de vontade, nos quais as partes convergem suas vontades para a obtenção de um fim patrimonial específico – que pode se concretizar na criação, modificação ou extinção de direitos e obrigações, desde que haja efetiva possibilidade de apreciação econômica dos mesmos –, uma vez convencionados os limites do contrato ficam as partes vinculadas às vontades que as uniu.

Quando os pais, responsáveis ou os próprios alunos contratam os serviços da rede privada de ensino, espera-se o cumprimento integral da relação assumida, resguardando-se a essência da autonomia da vontade de negociar, existente no ato da assinatura do contrato. A regra de ouro é, portanto, o adimplemento das obrigações avençadas.

Disciplinar o cumprimento das obrigações foi papel designado, primordialmente ao Código Civil, que no capítulo destinado aos Direitos das Obrigações, urde diversos mecanismos legais para forçar o inadimplente a honrar o compromisso, verbis:

“Art. 247. Incorre na obrigação de indenizar perdas e danos o devedor que recusar a prestação a ele só imposta, ou só por ele exeqüível.”

“Art. 389. Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.”

“Art. 394. Considera-se em mora o devedor que não efetuar o pagamento e o credor que não quiser recebê-lo no tempo, lugar e forma que a lei ou a convenção estabelecer.”

“Art. 395. Responde o devedor pelos prejuízos a que sua mora der causa, mais juros, atualização dos valores monetários segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.”

Mas ao Código de Processo Civil também foi dada a responsabilidade de tutelar, processualmente, a responsabilidade pelo cumprimento da obrigação, e no seu artigo 461 assim estatuiu, in litteris:

“Art. 461. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.”

Todos esses dispositivos legais refletem o interesse do legislador em preservar o dever de cumprimento das obrigações firmadas em contrato. É, como foi dito, um mecanismo de efetivação da segurança jurídica. Se a todas as relações contratuais fossem dado o direito de descumprir voluntariamente a obrigação, sérios riscos correriam os fundamentos da responsabilidade contratual e o livre comércio.

A propósito da força obrigatória, o legislador também fez prever que, em casos extremos, nas relações bilaterais comutativas, como na espécie contratual em estudo, o prejudicado pode exercer seu direito de retenção e/ou retaliação ao cumprimento da sua obrigação, condicionando-a, ao cumprimento da parte adversa, é a chamada exceção de contrato não cumprido, ex vi dos seguintes artigos do NCC, in verbis:

“Art. 476. Nos contratos bilaterais, nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro.”

“Art. 477. Se, depois de concluído o contrato, sobrevier a uma das partes contratantes diminuição em seu patrimônio capaz de comprometer ou tornar duvidosa a prestação pela qual se obrigou, pode a outra recusar-se à prestação que lhe incumbe, até que aquela satisfaça a que lhe compete ou dê garantia bastante de satisfazê-la.”

Por esse raciocínio é possível concluir, que os responsáveis pela obrigação financeira do contrato de ensino, estariam sujeitos à aplicação da regra de exceção, permitindo-se que o prestador do serviço, no mínimo, retivesse documentos administrativos do aluno inadimplente. Como em outras situações semelhantes, em contratos de prestação de serviços, verbi gratia, o de hospedagem, em que o hoteleiro pode reter a bagagem do hóspede para obrigá-lo ao pagamento. O NCC é rico em outros exemplos, in verbis:

“Art. 571. (...)

Parágrafo único. O locatário gozará do direito de retenção, enquanto não for ressarcido.”

“Art. 644. O depositário poderá reter o depósito até que se lhe pague a retribuição devida, o líquido valor das despesas, ou dos prejuízos a que se refere o artigo anterior (...).”

“Art. 1.423. O credor anticrético tem direito a reter em seu poder o bem, enquanto a dívida não for paga; (...).”

Mas, lamentavelmente, o STF, ao declarar a constitucionalidade do artigo 6º, da indigitada “lei do calote”, que afasta a possibilidade de retenção dos documentos do aluno inadimplente, deixou também desprestigiada a norma de exceção de contrato não cumprido, rechaçando a aplicação do Código Civil nesses casos, especificamente. Donde se conclui pelo ferimento ao princípio da força obrigatória que, nos contratos educacionais terá deixado de existir.

Admitir tal situação subverte a classificação jurídica dos contratos de prestação de serviços educacionais, migrando da categoria de “comutativo” para “aleatório”, pois um dos lados (o prestador do serviço) passará a assumir os riscos do negócio.

Por fim, quanto ao princípio do equilíbrio contratual, entende-se como um dever genérico e um elemento natural das relações contratuais, pois em tempos em que se consagram a isonomia e igualdade, nada mais derivado desta percepção do que estabelecer contratos que privilegiem o equilíbrio, não só do ponto de vista financeiro, mas também, obrigacional.

Nos contratos escolares, as partes aquiescem ao seu conteúdo econômico e assumem o ônus do serviço, que varia conforme a exigência da demanda, por ensino de qualidade. Quanto mais qualidade de ensino o ofertante dispuser, mais oneroso será o contrato, em razão dos custos para manter o padrão exigido pelo contratante. Essa é mais uma vantagem estatuída pela livre concorrência.

Destarte, não havendo desequilíbrio de forças nas relações obrigacionais contratadas, não há nada que justifique a inadimplência voluntária, que autorize a aplicação da Lei Federal nº 9.870/99, sendo, pois, uma verdadeira afronta ao próprio princípio, uma vez que a relação de forças será comprometida, com a obrigação da escola em prestar o serviço gratuitamente.

De certo que o direito civil contemporâneo consagrou a figura da Teoria da Imprevisão, para redimensionar a aplicação do equilíbrio contratual. Mas essa teoria se experimenta com regras definidas em um rol taxativo, descritas especificamente em dois artigos, in verbis:

“Art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação.

Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.

Percebe-se que, na redação do artigo 317, o legislador reservou ao Poder Judiciário, como resultado da função social do contrato, a possibilidade de rever o conteúdo econômico pactuado, de modo a adequá-lo a uma realidade que se instaurou a posteriori da assinatura. Noutras palavras, em caso de situação superveniente ao termo firmado, o juiz, verificando o desajuste financeiro buscará a aplicação do equilíbrio desejável pelo sistema.

E mesmo quando menciona a possibilidade de resolução por onerosidade excessiva, não condiciona a que uma das partes fique obrigada ao cumprimento de qualquer modo. Ora, por esse raciocínio, evidencia-se a possibilidade de responsabilização objetiva do Estado a qual passamos discorrer.


VI – DA RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO PELA INADIMPLÊNCIA NAS ESCOLAS PRIVADAS

 Diante do presente cenário estruturam-se as seguintes premissas:

 Considerando a declaração de constitucionalidade do artigo 6º, da referida Lei nº 9.870/99, exarada pelo STF, que inadmite a adoção de medidas administrativas ou pedagógicas contra o estudante, para constrangê-lo ao pagamento do serviço, tornando inviável qualquer discussão jurídica em sentido contrário;

a)            Considerando que para efeitos da lei em referência, os estabelecimentos de ensino privado são obrigados a permanecer com o aluno inadimplente durante todo o semestre ou ano letivo, sem nada poder adotar como medida administrativa;

b)            Considerando mais, que os dados estatísticos, erigidos pelos sindicatos das escolas privadas e órgãos especializados do próprio governo, comprovam o aumento da inadimplência após o advento da lei;

c)            Considerando por último, a inoperância do sistema executório e a “falência” das ferramentas de efetividade do Poder Judiciário, para que o empresário do ensino privado consiga reaver seu prejuízo só com a aplicação da legislação vigente;

 Surge viável, ao menos no plano teórico, a ilação da responsabilização objetiva do Estado, para se substituir na obrigação de reparar os danos oriundos da inadimplência.

 É que como salienta Augusto do Amaral Dergint[15]:

 "A responsabilidade estatal supõe pelo menos três elementos: 1) que um particular tenha sofrido um dano; 2) que o ato lesivo seja imputável ao Estado; 3) que haja relação de causa e efeito entre o dano sofrido e o ato lesivo."[16]

 O “particular” em questão pode ser compreendido como a escola privada, na qualidade de ente jurídico, ou o empresário da educação, titular da escola. O “ato lesivo” decorre da elaboração normativa proibitiva da aplicação de medidas administrativas e pedagógicas contra o aluno inadimplente, in casu, a malferida Lei n° 9.870/99. E a “relação de causa e efeito” está representada pelos dados estatísticos que comprovam o aumento de inadimplência nas mensalidades escolares e o fechamento de inúmeras escolas privadas, após a edição da lei.

 Talvez o cerne da questão - alguém haverá de indagar - seja o argumento contrário de que o Estado não terá provocado qualquer ato lesivo, porquanto não terá firmado qualquer contrato ou convênio de bolsa com o estabelecimento de ensino, que tenha deixado de honrar para resultar na inadimplência.

 É evidente que a relação contratual se estabelece entre o particular e a escola, numa prestação de serviços de natureza bilateral e comutativa, afastando, a priori, qualquer participação do Estado, a não ser como ente regulador da atividade. Nisso estariam corretos os críticos.

 No entanto, a dimensão de responsabilidade que se quer estabelecer entre o Estado e a iniciativa privada do ensino não reside na responsabilidade contratual, mas sim, na extracontratual, de natureza objetiva.

 Nesse contexto, quando a Constituição Federal definiu em seu artigo 209 que: “O ensino é livre à iniciativa privada, atendidas as seguintes condições: I - cumprimento das normas gerais da educação nacional; II - autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público” acabou por vincular as ações educacionais privadas aos atos administrativos, regulamentados por legislação específica, como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação - LDB.

 Com isso, mesmo não participando do contrato primário entre o estudante e a escola, o Estado acaba por se integrar na relação comercial munido do poder genérico inerente à administração pública, conhecido como “poder de polícia”, em razão de ser ele o ente responsável por autorizar o funcionamento da escola, fiscalizá-la e puni-la, quando necessário.[17]

 À evidência disso, ressalta-se a redação do § 1°, do artigo 6°, da lei em debate:

“O desligamento do aluno por inadimplência somente poderá ocorrer ao final do ano letivo ou, no ensino superior, ao final do semestre letivo quando a instituição adotar o regime didático semestral.

 - grifamos -

 Percebe-se que a norma cogente do Estado obriga a que as escolas privadas permaneçam com o aluno inadimplente durante todo o ano escolar, ou seja, os doze meses de prazo gerados entre uma matrícula e outra, ou os seis meses, no caso das instituições de ensino superior. Com isso, o Estado interfere na relação contratual, impedindo que o contrato seja resolvido pelo inadimplemento absoluto, consoante já abordamos alhures.

 Nesta sentada, é forçoso reconhecer o ato lesivo provocado por agentes do Estado que, na espécie, vem representado por edições do legislativo e decisões do judiciário. A propósito, Sylvia Zanella di Pietro[18] aduz com propriedade que: “(...) quando se fala em responsabilidade do Estado está se cogitando os três tipos de funções pelas quais se reparte o poder estatal: a administrativa; a jurisdicional e a legislativa.

 É o mesmo raciocínio de MARISA HELENA D’ARBO[19] que defende:

“A responsabilidade do Estado legislador surge como obrigação de responder pelo dano causado pela atividade legislativa, própria do Poder Legislativo, quando ilícita ou inconstitucional, quando particulariza seus efeitos ou quando é antijurídica (...) Sendo uno o poder soberano do Estado, deve ele responder pelos atos legislativos da mesma forma que res­ponde pelos atos administrativos e pelos jurisdicionais. Qualquer que seja a forma ou conteúdo dos atos do Estado, são eles frutos do mesmo poder e o tratamento dado a eles deve ser uniforme.”

 De certo que, no caso em debate, não há que se ventilar “ilicitude ou antijuridiciade” da Lei nº 9.870/99, pois não regula objeto ilícito ou antijurídico, vez que, a educação, como já amplamente abordado, é pedra angular do desenvolvimento social e fundamento do Estado Democrático de Direito. Também não há mais que se questionar sua “inconstitucionalidade”, pois como já versado, o STF a declarou constitucional. Resta, então, interpretar a atividade legislativa dessa norma como ato legislativo que particulariza, segrega, e não dá tratamento isonômico à atividade educacional privada.

 Se um dos caracteres da norma é ser abstrata, não pode ela particularizar seus efeitos, ou seja, não pode ela se direcionar a uma pessoa ou a um grupo específico de pessoas, impondo-lhes sacrifícios, porque se desnatura de seu propósito legislativo e passa a figurar como ato administrativo concreto. É como entende JOSÉ CRETELA JUNIOR[20]:

“Se a lei constitucional causar danos a seus destinatários, in genere, o Estado é irresponsável, porque o prejuízo reparte-se por todos. Se, entretanto, o dano for a um só, ou a restritís­simo número, deixa a lei constitucional de ser "lei em tese" para erigir-se em ato administrativo, e, nesse caso, o atin­gido pode recorrer aos tribunais, mediante os adequados re­médios jurídicos.”

 É a mesma linha de argumentação de J.J. GOMES CANOTILHO[21]

“Embora se costume argumentar a favor da irresponsabilidade do Estado por facto das leis com a ideia de a disciplina da lei ser geral e abstrata, deve ponderar-se que: (...) algumas leis, gerais e abstratas, podem vir impor encargos apenas a alguns particulares (leis fixadoras de vínculos ecológicos, urbanísticos, de nacionalização de bens etc.), violando quer o direito de propriedade quer o princípio da igualdade (restrições afectadoras do conteúdo essencial de um direito). Quer se trate de responsabilidade por actos legislativos ilícitos, quer por actos legislativos lícitos impositivos de sacrifícios especiais aos cidadãos (...) a responsabilidade por facto das leis não é um luxo mas uma exigência do Estado de Direito Democrático.”

 De tudo deduz-se que, mesmo sendo legítima e tendo sido declarada constitucional, a malfadada Lei nº 9.870/99 ofende o princípio constitucional da livre iniciativa privada, a exploração da atividade econômica, aos poderes inerentes ao direito de propriedade e aos princípios gerais do contrato. E de soslaio, cria regra de reserva de mercado em favor das escolas públicas, ao passo que obriga os estabelecimentos de ensino privado a suportarem o ônus do ensino “gratuito”.[22]

 Hoje, é perfeitamente possível deduzir o pensamento de um pai que queira matricular seu filho. Entre matriculá-lo na escola pública, de baixa qualidade, mas gratuita, e na escola particular, que lhe oferecerá melhor estrutura de ensino, mas que apesar de paga, poderá regatear o pagamento das mensalidades sem qualquer consequência, certamente optará pela segunda hipótese.

 A regra de ouro do artigo 37, §6º, da Carta Magna reside, irretorquivelmente, no fato de o legislativo e o judiciário constituírem órgãos integrantes do poder estatal e as decisões que tomaram em relação à Lei 9.870/99, provocaram e continuam a provocar danos irreparáveis aos destinatários dela.

 Portanto, esse desalinhamento da política nacional de educação atenta contra o fundamento da igualdade de todos perante os encargos públicos, pois, como já abordado, as escolas públicas possuem o lastro do financiamento público, mas as escolas privadas dependem do autofinanciamento. De modo que, ao impingir que esta categoria assuma os encargos de educação gratuita daquela, afronta a isonomia dos regimes jurídicos, e lhes impõem danos financeiros.

 Eis, pois, o nexo causal que irá justificar o dever de indenizar do Estado, pelo que nos alinhamos, de forma convicta, à ideia de que é possível avançar na pretensão reparatória em sede de Ação de Indenização por Perdas e Danos, ainda que as bases teóricas possam encontrar resistência no judiciário.[23] É que não se pode olvidar que se trata de uma questão espinhosa de viés político, e nessa perspectiva, nada melhor do que relembrar as lições de RONALD DWORKIN[24], para quem:

“Toda decisão, seja ela judicial ou não, será necessariamente política. Tal afirmativa parte do pressuposto de que o juiz, assim como qualquer indivíduo, é formado por uma gama de pré-conceitos, de pré-compreensões, de visões de mundo (...) Desta forma, não existe decisão neutra, mas antes, decisão imparcial. Sendo assim, o juiz, ao proferir uma sentença e, consequentemente, “optar” por uma das partes, realiza uma tarefa política.”


CONCLUSÃO

 VII – PARÂMETROS TÉCNICOS PARA O MANEJO DAS  AÇÕES DE REPARAÇÃO CIVIL CONTRA O ESTADO

 Cônscios da viabilidade de responsabilização do Estado, cumpre-nos destacar, em notas finais, os parâmetros técnicos para o manejo das eventuais ações judiciais que pretenderão intentar os estabelecimentos prejudicados.

 Os tópicos que se seguem vão definir os requisitos objetivos e subjetivos para proposição das eventuais ações, pelos quais assim se dividem:

a) REQUISITOS OBJETIVOS:

1)            Não serão legitimados a manejar a Ação de Reparação Civil, os estabelecimentos que não puderem provar o seu crédito, pois como delimitado nos artigos 221 e 223 do Código Civil: “O instrumento particular, feito e assinado, ou somente assinado por quem esteja na livre disposição e administração de seus bens, prova as obrigações convencionais de qualquer valor (...) Parágrafo único. A prova não supre a ausência do título de crédito, ou do original, nos casos em que a lei ou as circunstâncias condicionarem o exercício do direito à sua exibição.” Ou seja, o estabelecimento tem que ter em seu poder o contrato de prestação de serviços educacionais e pelo menos um título de crédito que vincule o aluno, ou o seu responsável, ao pagamento da mensalidade escolar;

2)            Não estarão legitimados também, os que não puderem comprovar, ao tempo do ingresso da ação, o inadimplemento absoluto do estudante ou de seu responsável, pois como define o artigo 397 do Código Civil, somente: “O inadimplemento da obrigação, positiva e líquida, no seu termo, constitui de pleno direito em mora o devedor.” E prossegue o mesmo diploma legal, ao disciplinar em seu artigo 939 que: “O credor que demandar o devedor antes de vencida a dívida, fora dos casos em que a lei o permita, ficará obrigado a esperar o tempo que faltava para o vencimento, a descontar os juros correspondentes, embora estipulados, e a pagar as custas em dobro”. Assim, ao ajuizar a ação, a escola deverá anexar aos autos somente os contratos cujas obrigações já estejam vencidas há mais de 90 (noventa) dias, ou as que demonstrem a inviabilidade da recuperação do crédito perante o devedor primário;

3)            Não estarão legitimados ainda, os estabelecimentos que não comprovarem a constituição do devedor em mora, e as tentativas frustradas em receberem seus créditos, pois, consoante prever o artigo 189 do Código Civil: “Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206”. Também aduzem os artigos 333, I e 614 e incisos, do Código de Processo Civil que: “O ônus da prova incumbe: I - ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito (...) Cumpre ao credor, ao requerer a execução, pedir a citação do devedor e instruir a petição inicial: (...) II - com o demonstrativo do débito atualizado até a data da propositura da ação, quando se tratar de execução por quantia certa; III - com a prova de que se verificou a condição, ou ocorreu o termo.”. Tal comprovação pode ser feita por qualquer das medidas cautelares nominadas de Notificação Judicial, Protesto Judicial ou Interpelação Judicial, ou através da Notificação de Protesto e certidão cartorária de não quitação do débito, ou ainda, despacho interlocutório nos autos de processo judicial, determinando a suspensão ou o arquivamento do feito, por impossibilidade na localização de bens do devedor;

4)            Por fim, não estarão legitimadas a propor ação, as escolas que já tiverem ajuizado ações de cobrança ou execução, contra o devedor originário, e que ainda aguardam os resultados do processo judicial.

b) REQUISITOS SUBJETIVOS

1)            Não poderão demandar contra o Estado, os estabelecimentos educacionais que já não existam mais no plano jurídico, ou seja, que já tenham dado baixa nos registros perante a Junta Comercial e à Secretaria Estadual de Educação, pois o encerramento das atividades as desnaturam como credores do direito ao ressarcimento. De tal sorte aduz o artigo 308 do Código Civil: “O pagamento deve ser feito ao credor ou a quem de direito o represente, sob pena de só valer depois de por ele ratificado, ou tanto quanto reverter em seu proveito”. Para esses casos em especial, serão legitimados o administrador da massa falida, ou os que sucederam no direito ao crédito;

2)            Não poderão também demandar contra o Estado, os estabelecimentos educacionais que não estiverem regularmente inscritos e registrados oficialmente como sociedades empresárias, porquanto malferem a legitimidade subjetiva, conforme exegese do artigo 3º, do Código de Processo Civil: “Para propor ou contestar ação é necessário ter interesse e legitimidade”;

 Tendo em vista a delimitação das ações conforme os parâmetros acima descritos, resta evidenciar que o ajuizamento deverá acontecer em sede de foro judiciário federal, pela competência em razão da matéria, consoante se abstrai do artigo 109, I, da Constituição Federal:

“Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:

I - as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho;”

 Certamente, por se tratar de matéria complexa e de direito individual homogêneo, resta afastada a competência do Juizado Especial Federal, pois consoante a Lei nº 10.259/01

“Art. 3º Compete ao Juizado Especial Federal Cível processar, conciliar e julgar causas de competência da Justiça Federal até o valor de sessenta salários mínimos, bem como executar as suas sentenças.”

§ 1º Não se incluem na competência do Juizado Especial Cível as causas:

I - referidas no art. 109, incisos II, III e XI, da Constituição Federal, as ações de mandado de segurança, de desapropriação, de divisão e demarcação, populares, execuções fiscais e por improbidade administrativa e as demandas sobre direitos ou interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos;” - grifamos -

 Em razão do lugar, por se tratar de consulta jurídica de escolas privadas do estado do Ceará, o foro federal é o da circunscrição abrangida pela sede da escola, nos municípios cearenses. As sedes judiciárias federais no Estado abrangem as seccionais de Fortaleza, Sobral, Limoeiro do Norte e Juazeiro do Norte. No site da JF é possível localizar a abrangência das jurisdições www.jfce.jus.br/internet/subsecoes/juazeiroNorte/jurisdicao/jurisdicao.jsp .

 Certos de termos atendido aos postulados da consulta e sendo este o nosso parecer, nos despedimos rendendo os cumprimentos de estilo e nos colocando à inteira disposição para, em havendo interesse, patrocinarmos a causa em bases contratuais oportunamente acordadas.

Fortaleza, 8 de março de 2009.

Glauco Cidrack do Vale Menezes – OAB-CE nº 11.743

Mirla Mara Bastos M. de Menezes – OAB-CE nº 24.302


Notas

[1] Pessoa Jurídica de Direito Privado, com sede na Av. Desembargador Hermes Parahyba, nº 1.120, bairro Vila Velha/ Barra do Ceará, nesta capital, devidamente inscrita no CNPJ sob o nº 06.088.744/0001-96, parecer de recredenciamento nº 328/96 e nº 0756/2002, do Conselho Estadual de Educação/Ce. Fones (85) 3282-2392 e 3286-3511 www.colegiosalomebastos.com.br

[2] Dispõe sobre o valor total das anuidades escolares e dá outras providências.

[3] Matéria publicada no Caderno de Economia do Jornal O POVO, edição de 12/02/2007.

[4] No verão de 2002, a sociedade pernambucana foi surpreendida com o encerramento das atividades do Colégio Marista, tradicional escola privada, com quase oito décadas de existência. Na ocasião pouco se comentou sobre o assunto. Em meados de 2005, foi a vez da sociedade paulista assistir, incrédula, ao fechamento repentino de uma de suas mais tradicionais escolas privadas; o Colégio Costa Braga, que após cinco décadas de funcionamento, encerrou suas atividades em pleno curso do semestre, deixando desamparados seus docente e discentes. Na Ilha do Governador, no Rio de Janeiro, o ano de 2007 também vivenciou o fechamento do Colégio Olavo Bilac, onde estudou o cantor pop Renato Russo e dezenas de outras personalidades cariocas, além do Colégio Rio de Janeiro (CRJ) e da Escola Técnica de Comunicações (ETEC), todas sucumbidas pela inadimplência.

[5] Este é o mesmo raciocínio da Conselheira Tutelar de Fortaleza, Margarida de Souza, que em entrevista concedida ao jornal Diário do Nordeste, publicada na edição de 31/10/2005, relatou que: “Nenhuma solução para o problema da inadimplência, pode trazer prejuízo para as crianças e adolescentes. O Conselho Tutelar garante a permanência do aluno na escola por todo o ano letivo. Não foi o aluno que contraiu a dívida, e sim os seus pais. Portanto ele não pode ser punido. A Escola deve procurar outros mecanismos de cobrança, como as mediações e os Juizados Especiais.”

[6] Human Rights: A Thirty-Year Struggle: the Sustained Efforts to give Force of law to the Universal Declaration of Human Rights", UNESCO Courier 30:11, 1977.

[7] A Era dos Direitos. 8ª ed. Rio de Janeiro: Campus, 1992.

[8] http://www.cpdoc.fgv.br/comum/htm/ Acesso em 10/01/2009.

[9] htto://www.seduc.ce.gov.br Acesso em 10/01/2009.

[10] Em: Direitos das Obrigações - Teoria e Questões, Ed. Impetus, 2003, pgs. 99, 111 e 112.

[11] NCC Art. 391 - Pelo inadimplemento das obrigações respondem todos os bens do devedor.

[12] Em: Colisão de Direitos Fundamentais e Realização de Direitos Fundamentais no Estado de Direito Democrático. Trad. Luiz Afonso Reck. Revista de direito administrativo. 217/67-79, Rio de Janeiro, Julho-setembro, 1999.

[13] Artigo retirado de sua página pessoal http://www.miguelreale.com.br/artigos/funsoccont.htm, acessado em 20/01/2009.

[14] Em: Derecho Civil - Obligaciones, Tomo I, p. 19. Ed. Bosch. 2000.

[15] Em: Responsabilidade do Estado por Atos Judiciais. 1. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1994. v. 1. p. 33.

[16] CF/88 - Art.37 § 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

[17] Na contramão da tendência moderna de desregulamentação do mercado, que tem marcado a política neoliberal do governo federal, o setor do ensino continua fortemente pressionado pelas medidas regulatórias, na escusa de ser um serviço essencial de primeira grandeza.

[18] Em: Direito Administrativo. 3.ed. São Paulo: Atlas, 1992.

[19] Em: Responsabilidade do Estado por atos legislativos. Revista Eletrônica Âmbito Jurídico www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=3564. Acesso em 17/01/2009.

[20] Em: Responsabilidade do Estado por ato legislativo. Revista do Direito Público, São Paulo, n. 71, p.60-75, jul./set. 1984. p.68.

[21] Em: O Problema da responsabilidade do estado por actos licitos. Coimbra: Almedina, 1974. 364 p.

[22] Como observa EDILSON PEREIRA NOBRE (Em: Responsabilidade civil do estado por atos legislativos - revivescimento de uma antiga questão. Revista de Direito Constitucional e Internacional. São Paulo, v.11, n.45, out./dez. 2003, p.196-215) “O marco do debate sobre a Responsabilidade Objetiva do Estado pelo Ato Legislativo foi o caso La Fleurette, ocorrido na França, no qual, em 1938, o Conselho de Estado Francês julgou procedente o pedido da empresa de laticínios Société Anonyme dês Produits Laitteirs La Fleurette, condenando o Estado a reparar os prejuízos por ela sofridos em decorrência de uma lei nacional de 1934, que proibia a produção de derivados do leite compostos por outras substâncias. A empresa La Fleurette fabricava um tipo de queijo cuja composição era 70% de leite e 30% de outras substâncias. A Corte considerou que o encargo criado em interesse coletivo deveria ser suportado por toda a coletividade, não por determinados indivíduos, cabendo ao Estado atenuar os prejuízos. Seguindo o entendimento francês, os tribunais uruguaios, em várias decisões reconheceram o dever do Estado de indenizar aqueles que sofreram prejuízos em decorrência da Lei 8.764, que criou a Administração Nacional de Combustibles Alcohol y Portland, implantou os monopólios de refinação de petróleo, álcool e algumas bebidas alcoólicas. Muitos comerciantes e industriais foram obrigados a encerrar suas atividades imediatamente e ingressaram em juízo como a Sociedad Uruguaya de Combustibles com Estado, Urreta y otros com Estado, Aguerre y otros com Estado. A fundamentação dos tribunais uruguaios foi calcada na idéia de impossibilidade de impor sacrifício maior a determinados indivíduos em detrimento de interesse coletivo.”

[23] É como bem assevera Celso Antonio Bandeira de Mello (Em: Elementos de Direito Administrativo, 2.ed. São Paulo: Malheiros - 1991, p.320.) "Como qualquer outro sujeito de direitos o Poder Público pode vir a se encontrar na situação de quem causou prejuízo a alguém, do que lhe resulta obrigação de recompor os agravos patrimoniais oriundos da ação ou obstenção lesiva".

[24] Em: Uma questão de princípio, Martins Fontes, 2005, Capítulo III, pg.105.


Autores


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MENEZES, Glauco Cidrack do Vale; MENEZES, Mirla Mara Bastos Mangueira de. Inadimplência na rede privada de ensino e responsabilidade civil do Estado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3158, 23 fev. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/pareceres/21135. Acesso em: 26 abr. 2024.